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OS MODELOS "PEER-TO-PEER" DE TROCA DE ARQUIVOS

Demócrito Reinaldo Filho


 Embora somente recentemente, com a decisão sobre o caso "Napster", tenhamos ouvido falar mais intensamente sobre sistema de compartilhamento de arquivos "peer-to-peer", essa tecnologia é bem mais antiga do que se pensa. Os sistemas ou métodos de "file sharing" entre computadores são tão antigos quanto a própria comunicação eletrônica em rede. O problema é que essa tecnologia era bastante limitada, geralmente confinada a redes internas, com usuários conhecidos entre si. Nas chamadas LANs ("Local Area Networks") as trocas de arquivos são feitas entre indivíduos conhecidos, diferentemente das aplicações P2P (abreviação de "peer-to-peer"), que permitem a conexão e o intercâmbio de arquivos entre pessoas desconhecidas. No âmbito das redes abertas, como a Internet, as trocas de arquivos em sua maioria eram feitas por meio de FTP ("File Transfer Protocol"), do próprio sistema de IRC ("Internet Relay Chat") ou outros programas comerciais como o Hotline ou Carracho. Nenhum desses métodos, no entanto, alcançou grande popularidade em razão, em certa proporção, das dificuldades de uso desses sistemas.
Dois computadores são considerados "peers" (iguais) se eles se comunicam um com outro desempenhando papéis semelhantes. Por exemplo, um desktop numa rede interna de uma empresa se comunica com o servidor central na condição de "cliente". Eles não são "peers", na medida em que cumprem papéis diferentes: o "servidor" principal servindo o computador "cliente". Na memória do "servidor" é onde se encontram arquivados os programas que o usuário do computador "cliente" vai poder acessar sempre que necessitar. Nas trocas de arquivos de forma "peer-to-peer" não são utilizados servidores centrais, pois a rede é composta inteiramente de computadores "peers" (iguais), que se completam mutuamente, funcionando cada qual e ao mesmo tempo como servidores e clientes, um "servindo" ao outro.
Hoje em dia, devido ao desenvolvimento de novos e simples programas, o alcance e o escopo das tecnologias P2P ("peer-to-peer file sharing applications") tem crescido dramaticamente. Os dois modelos mais conhecidos são o centralizado, utilizado pelo Napster, e o descentralizado, que serve de padrão para o Gnutella. Ao lado deles, destacam-se também o Imesh e o Aimster.
O Napster, sem sombra de dúvidas o mais popular sistema de troca de arquivos P2P, funciona por meio da operação de um servidor central que possibilita o tráfego entre os computadores de usuários previamente registrados. O servidor central mantém um diretório com a lista de todas as músicas arquivadas nos computadores de seus usuários, que é atualizada sempre que um ou outro se conecta ou se desliga do sistema. Isso permite que um usuário faça uma pesquisa específica sobre uma determinada música ou artista, pois o servidor cria um índice de todos os outros utentes que estão plugados naquele momento e que possuem a música requisitada. Com a resposta da pesquisa, o usuário requisitante pode clicar sobre o nome de qualquer um dos outros que aparecem na lista, e estabelecer uma conexão direta com ele, para fazer o "download" ou "upload" de arquivos. Os arquivos são permutados diretamente, entre os computadores dos usuários, sem que sejam arquivados no servidor ou em qualquer outro ponto da rede, ou seja, de forma "peer-to-peer".
Uma das grandes vantagens do sistema centralizado do Napster é a facilidade e rapidez na localização dos arquivos de música. Em virtude de o servidor construir um diretório central constantemente atualizado com as músicas dos usuários conectados, a procura no sistema fica facilitada e os arquivos imediatamente disponibilizados para "download". A facilidade de busca também resulta da circunstância de o Napster possibilitar exclusivamente a troca de arquivos de música em formato em MP3. Os arquivos MP3 são particularmente fáceis de encontrar porque eles contêm uma série de "metatags" chamados "ID3", que embutem informações sobre o artista, álbum e gênero musical.
Se, por um lado, a arquitetura centralizada do Napster permite uma localização mais eficaz e rápida dos arquivos que transitam em seu sistema, ela pode ser desvantajosa para os usuários por não facultar o anonimato. Na medida em que, para utilizar o sistema, cada usuário precisa se registrar previamente, o servidor do Napster é capaz de identificar cada um deles e saber o que estão intercambiando. Isso potencializa a possibilidade de serem alvo de ações judiciais por pirataria, troca de arquivos protegidos pelas leis de direitos autorais.
Além do Napster, outros sistemas de "peer-to-peer file sharing" funcionam de forma centralizada. O Scour Exchange, um dos mais festejados, funciona no mesmo estilo do Napster e ainda com uma vantagem adicional: favorece não somente a troca de arquivos de música, mas também de vídeos, imagens, filmes, gráficos e outros tipos. Além dele, outro modelo centralizado que vem recebendo considerável interesse é o Publius (Publius Censorship Resistant Publishing System). Originalmente desenvolvido nos laboratórios da AT & T, trata-se de um sistema de publicação "on line" altamente resistente à censura e que provê aos autores das publicações um alto grau de anonimato, funcionando da seguinte forma: o servidor central recebe um upload de um arquivo, quebrando-o em vários pedaços encriptados e remetendo-os para endereços não revelados na Web. Quando alguém procura esse arquivo, o servidor prontamente capacita o usuário a fazer um download na íntegra. A sua desvantagem é que limita os uploads a 100K, ou aproximadamente a 2,5% de memória requerida para arquivar um arquivo MP3 de música de 4 minutos de duração.
O modelo "peer-to-peer" descentralizado mais popular atualmente é o Gnutella (ou simplesmente gNet), originalmente desenhado pela Nullsoft, uma subsidiária da America Online. A Nullsoft desenvolveu o protocolo Gnutella sem o conhecimento dos altos executivos da America Online, que, assim que tiveram ciência de sua existência, determinaram que fosse imediatamente retirado do seu portal, preocupados com os problemas que poderia gerar em relação a direitos autorais. O Gnutella foi disponibilizado no site da Nullsoft apenas algumas horas antes de ser banido, o suficiente para que inúmeros internautas fizessem o download e, usando engenharia reversa, criassem suas próprias versões do programa. Como não tem um versão nem site oficiais, diferentes versões podem ser encontradas em diferentes endereços na Web. Um dos bons endereços é o http://gnutella.wego.com/ , onde podem ser encontrados versão para download, tutoriais e FAQs. Outros clones podem ser encontrados nos seguintes endereços: BearShare, Gnotella, e LimeWire. Relatórios e especificações técnicas do protocolo Gnutella e a história da formação de sua network podem ser acessados em Clip2.
Sem se basear em um servidor central, o modelo Gnutella permite a troca de arquivos da seguinte maneira: um computador "A", equipado com o programa, se conecta inicialmente a um computador "B", que, por sua vez, se conecta a um terceiro ("C"), este por sua vez se liga a um "D", e assim por diante. Uma vez que "A" está conectado a uma série encadeada de computadores "peers", ele vai poder pesquisar o conteúdo dos diretórios de todos os membros da rede. "A" envia uma mensagem requisitando a pesquisa (mensagem "ping"), para todos os computadores conectados, iniciando por "B", que, por seu turno, faz o repasse para os seguintes, até que um deles possua um arquivo que preencha os dados da pesquisa (nome, tamanho etc.), retornando com a informação (mensagem "pong") ao longo de todo o caminho percorrido até atingir o ponto inicial de partida. A resposta "pong" além de conter o endereço IP do computador host (hospedeiro do arquivo pesquisado), indica também o nome do arquivo e tamanho. "A", então, com a lista de arquivos disponíveis aparecendo no "diplay" do programa Gnutella, pode abrir uma conexão com o computador que possui o arquivo desejado e fazer o download diretamente. Da mesma forma que o Napster, o modelo Gnutella permite a troca de arquivos sem intermediários.
O Gnutella tem uma série de vantagens sobre o Napster, a começar por seu sistema descentralizado e pelo fato de ser essencialmente anônimo. Essas características são resultado da forma como as mensagens são transmitidas por sua network. Além disso, é desenhado para permitir a busca de qualquer tipo de arquivo (e não somente MP3), desde textos, imagens e até arquivos de programas.
A sua superioridade, realmente, está no seu modelo descentralidado, que, em princípio, permite alcançar qualquer computador ligado à Internet. Uma vez que uma mensagem é enviada pela sua network, mesmo que um dos computadores que sirvam de elo na cadeia de transmissão falhe ou seja desconectado, isso em nada vai interferir ou prejudicar a busca, pois, desde que o Gnutella forma uma comunidade descentralizada de troca de arquivos ("file sharing"), nenhuma pessoa individualmente controla o fluxo da informação, e, portanto, não se está a depender do funcionamento de um único servidor.

Retirado de: http://www.infojus.com.br/webnews/noticia.php?id_noticia=226&