A indústria fonográfica mundial está
mortalmente ferida. Até o surgimento do Napster, no início do ano 2000, essa
indústria experimentou 20 anos de crescimento seguro e indetido. De lá para cá,
o tombo de vendas de suportes materiais musicais chegou a 30%. As majors, como
são conhecidas as grandes gravadoras multinacionais que controlam os negócios
da música em escala planetária, também chamadas de Big Five - Universal Music,
Sony Music, Warner Music, EMI e BMG estão moribundas, agarrando-se a um modelo
monopolista cada vez mais em declínio, demitindo milhares de funcionários e
tentando se salvar com fusões entre si. Recentemente foi anunciada a fusão da
Sony com a BMG, depois de termos ouvido falar de "conversas" entre a
Warner e a EMI.
O fato é que podemos detectar uma clara
mudança de paradigma. Antes imperiais, implacáveis e ditatoriais no
estabelecimento dos preços dos seus produtos, as grandes gravadoras de repente
estão recuando, reduzindo os preços dos CDs e "melhorando" os
contratos com seus artistas e, o que é efetivamente um sinal dos tempos, estão
todas se movimentando para entrar no mercado digital de música online.
A verdade é que a Internet representou
algo como um "castigo divino" da indústria musical, que retirou dos
círculos decisórios das majors o poder incontestável que exerciam na
precificação e controle dos produtos musicais ao redor do mundo. A entidade que
congrega as gravadoras americanas, RIAA - Recording Industry Association of
America vem tentando processar as pessoas que baixam músicas da Rede,
"tocando" um verdadeiro terror em milhões de usuários de computador,
só que sem sucesso.
A empresa Big Champagne, que mede as informações
de troca de arquivos na Internet, informou que não houve qualquer declínio na
quantidade de músicas baixadas da Web em função do movimento judicial da RIAA.
Desde o ocaso do Napster, um novo site surgiu viabilizando o download de
arquivos musicais da Internet, denominado Kazaa, que já se tornou o programa
mais baixado da história da grande rede. Algo em torno de 5 milhões de pessoas
utilizam o Kazaa por semana, que é baseado na Austrália.
Existem vários outros sites de baixa de
músicas na Web e essa tecnologia já está sendo observada de fora, por gigantes
da telecomunicação mundial como a SBC, que já promete desenvolver um sistema de
ultra-velocidade para evitar a ida até a loja de CDs. O consenso geral entre os
usuários de arquivos musicais é que está acontecendo uma verdadeira revolução
(trend) no livre mercado, capitaneada pela tecnologia, que resultou em rápida
perda de poder dos antigos detentores do capital no segmento.
O problema que surge por trás do pano com
essa revolução é efetivamente outro: o desrespeito aos direitos autorais de uma
grande gama de profissionais envolvidos na atividade musical. Estamos falando
principalmente de produtores, engenheiros de som e músicos, que já não
conseguiam ganhar muito no glorioso tempo pré-digital e agora, com a
substancial evasão de dinheiro resultante do download gratuito, não estão
conseguindo sequer sobreviver de seu ofício. Cada vez mais vai se tornando
realidade o fato de que construir uma carreira musical hoje em dia calcada em
vendas de suportes musicais, como os Rolling Stones, Pink Floyd e U2 está
fadado ao fracasso.
Diversas tentativas de controle de
pirataria e download digital foram - e continuam sendo - tentadas pela
indústria, todas elas sem sucesso. Códigos, criptografia, chaves etc., tudo foi
experimentado e não surtiu o efeito desejado: impedir a cópia ilegal de
arquivos musicais via Internet. Nas palavras de um músico americano, é
literalmente impossível "educar" os jovens a "não agir errado
baixando as obras" depois que eles perceberam que não precisam mais de
dinheiro para obter todas as músicas que desejam e encaram a "baixa"
como simples troca de arquivos (sharing) e não um crime.
Mas afinal, a apropriação desautorizada
de propriedade intelectual, é efetivamente um crime previsto nas leis de
praticamente todos os países do mundo. A indústria, apesar de duramente
atingida, ainda acredita numa virada, mas nós temos quase certeza de que ela
não acontecerá. Nem mesmo com a inauguração dos serviços da iTunes, da Apple,
do Jukebox 8.1 da Musicmatch e do Napster 2.0 revigorado essa curva se
inverterá novamente.
Para se ter uma idéia da seriedade do
assunto, não se pode encontrar por exemplo, nada dos Beatles, a maior banda pop
da história, em nenhum dos sites antes mencionados e isto seguramente
representa um retrocesso na oferta de música em forma global, já que as pessoas
desejam ter acesso a tudo o que já se gravou até hoje e sabemos que as
gravadoras praticamente só colocam no mercado aquilo que dá lucro e esse
comportamento não irá mudar só porque a oferta migrou para a Internet.
Se os sites pagos não adotarem políticas
de preços extremamente baixos jamais irão conquistar os consumidores e mesmo
assim o sucesso não é garantido porque quem nunca precisou pagar não tem a
menor intenção de começar a fazê-lo. A revolução digital também está mudando o
conceito do chamado "álbum", ou disco inteiro, trazendo à tona a
importância da "faixa" ou "seleção musical". Saem as belas
capas com arte gráfica refinada e extensa ficha técnica e entra a canção individual.
Uns apostam na morte do álbum e outros acham que o formato deverá sofrer
transformações. A verdade é que a indústria gasta cerca de US$ 0,10 para
prensar um CD mas alguns milhares de dólares para encontrar e desenvolver novos
artistas e isso não interessa aos consumidores.
Enquanto ainda acredito que o suporte
físico que contém a música não deverá morrer, pois continuaremos a querer
transportar nossas músicas preferidas para a praia, o campo, o clube, creio que
a grande verdade é que os milhares de pessoas que fazem o download não têm real
consciência do problema jurídico envolvendo a questão dos direitos autorais. Em
linhas gerais, a evasão de direitos existe, ainda que praticada
involuntariamente por uma grande maioria de pessoas que não são movidas pela
má-fé nem pela intenção de lucrar com as obras de outrem. Estão apenas
desfrutando das maravilhas tecnológicas da Era da Informação, mas com isso,
retiram gradativamente o poder das mãos de quem antes o concentrava nesse
mercado e fazem tábula rasa do instituto jurídico dos direitos autorais. Viva
fonte de estudo e reflexão para os juristas contemporâneos.
Revista Consultor Jurídico, 08 de
fevereiro de 2004
Retirado de: http://conjur.uol.com.br/textos/24550/