No dia 22 de junho passado, a RIAA (Recording Industry Association of
América), entidade que congrega as gravadoras americanas, comemorou o processo
número 3.000 ajuizado contra pessoas e empresas que estariam “baixando”
arquivos musicais da Internet sem pagar os direitos autorais aos produtores
fonográficos, ou seja, as próprias gravadoras. Segundo a RIAA, a prática de
troca de arquivos é diretamente responsável pela queda da venda de CDs entre os
anos de 2000 e 2003.
O
que não foi lembrado, é que a economia americana mergulhou numa pequena
recessão após os fatídicos atentados de 11 de setembro de 2001, fato que pode
ser comprovado pela queda similar na performance de diversas outras indústrias
nesse mesmo período. É importante analisarmos com um pouco mais de vagar e
isenção todos esses fatos envolvendo a polêmica questão do download de arquivos
musicais.
Existem
dois outros segmentos competindo diretamente com a música e que também são
facilmente encontráveis – e baixáveis – através da Internet: vídeo games e
DVDs. E ambos os segmentos, que são baixados tranquilamente da Web, continuam
vendendo muito bem obrigado no mercado físico. Além disso, no primeiro
trimestre/2004 as vendas de CDs convencionais cresceram 11% nos Estados Unidos,
em relação ao mesmo período do ano anterior, o que certamente a RIAA irá
trombetear como sendo o resultado de sua agressiva movimentação judicial contra
a troca de arquivos.
Comparando-se
o crescimento dos dois setores, tanto o de venda comum de CDs (com acréscimo de
11%) como o de troca de arquivos (com 5 milhões de pessoas a mais), pode-se
verificar que enquanto o número de pessoas trocando arquivos na Internet
cresceu, a venda de CDs também cresceu, o que pode demonstrar que a atividade
de troca de arquivos não lá esse efeito tão devastador sobre a venda
convencional de música. Um estudo do Prof. Felix Oberholzer-Gee, da
Universidade de Harvard, na Costa Leste americana indicou que “a troca de
arquivos musicais não gera efeitos mensuráveis sobre a venda de CDs”.
O
que estamos assistindo com a beligerância da RIAA nos EUA, na realidade, é uma
intolerância em enxergar o óbvio ululante: a troca de arquivos chegou para
ficar e quem não se adaptar vai ficar para trás. Os usuários e internautas já
se acostumaram com essa forma de consumir música e letras e cada vez mais
artistas e intérpretes acreditam que ela auxilia na divulgação de suas criações
intelectuais, numa época em que o acesso à programação das emissoras de rádio é
substancialmente restrito, principalmente para os estreantes. É somente da
troca de arquivos que poderá surgir uma solução jurídico-econômica para esse
impasse.
Quem
sabe na forma de uma licença genérica (blanket license), similar à que há anos
já é empregada pelas emissoras de rádio e de TV a cabo para utilização de
material protegido? Um sistema similar pode nortear o futuro da normatização da
prática da troca de arquivos, que afinal irá mesmo migrar para o cotidiano das
nossas vidas como todas as tecnologias que a precederam.
Não
é necessário reinventar a roda para alcançar um denominador comum jurídico que
permita a todos os titulares de direitos e interessados verem seus objetivos
atingidos. Diversos advogados, juristas e especialistas vêm se debruçando sobre
essa questão, inclusive a rumorosa EFF (Electronic Frontier Foundation), uma
organização sem fins lucrativos dedicada à proteção das liberdades individuais
na Era Digital.
Considerando
que as indústrias do cinema, dos vídeo-games e do software continuam a crescer
normalmente e os eventuais danos causados à indústria musical pela troca de
arquivos são discutíveis, a implantação de valores adicionais de cobrança para
satisfazer os direitos autorais pode ser uma saída, sem precisar atingir
patamares exorbitantes.
Segundo
estudos da EFF, poder-se-ia juntar cerca de US$ 3 bilhões num fundo adicional,
que é mais ou menos o que a indústria fonográfica alega estar perdendo
anualmente com o file-sharing em todo o mundo, a partir de uma taxa fixa mensal
de R$ 5.00 (cinco dólares dos Estados Unidos) cobrada dos usuários. Esta taxa
poderia vir embutida, por exemplo, nas mensalidades dos provedores de Internet
e seria semelhante ao fee pago por uma TV a cabo como a Net.
Em
vez de substituir o business model da indústria fonográfica, a idéia é
complementá-lo, criando uma receita nova, mas regular e estável para fazer
frente aos direitos autorais gerados pela utilização econômica dos fonogramas
musicais em escala global. Claro que outros problemas acessórios surgiriam,
tipo quem administraria o dinheiro, de que forma seria liquidado, a conversão
para as moedas de outros países etc., mas, afinal, na década de 60, quando foi
pela primeira vez proposto o sistema de TV a cabo, a indústria da TV aberta
ficou perplexa e tudo parecia uma grande fantasia, que hoje é realidade em
qualquer favela carioca.
Efetivamente
não será fácil costurar um acordo que satisfaça a todas as partes envolvidas,
mormente se considerarmos os milhões de pessoas que neste exato instante em que
você está lendo este artigo estão “baixando” músicas de graça da Rede, mas não
fazer nada ou simplesmente criar novas leis penais por força da pressão da
indústria fonográfica seria tão somente incrementar a criminalização de milhões
de pessoas diariamente.
O
admirável mundo novo da Internet precisa apenas de um pouco mais de estudo, uma
abordagem nova, que não exclua nem a tecnologia, nem o comércio e nem o
Direito, para não correr o risco de invadir outras áreas jurídicas, como a
privacidade, o direito ao desfrute de todas as tecnologias criadas pelo engenho
humano e a liberdade de escolha. Compartilhe a música, mas seja consciente e
lembre-se dos direitos autorais de terceiros embutidos nas obras musicais que
encantam a sua vida. O download com finalidade lucrativa é crime.
Revista
Consultor Jurídico, 03 de outubro de 2004
Retirado de: http://conjur.uol.com.br/textos/249904/