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I.
Introdução
Enzimas industriais são um campo ainda
pequeno no universo de patentes. O interesse pela sua proteção é, contudo, crescente.
Ficam evidentes, por exemplo, as novas fronteiras a serem exploradas na
proteção às enzimas em decorrência da introdução de técnicas de engenharia
genética. Os portfólios de patentes das empresas e instituições atuantes no
setor revelam que, ao lado das companhias grandes e tradicionais, têm surgido
nos últimos anos novos atores, como pequenas empresas de base tecnológica,
centros de pesquisa e companhias subordinadas a universidades. Ao mesmo tempo,
tornaram-se mais complexas as formas de cooperação entre os atores novos e
tradicionais.
A história da indústria de enzimas - e
de qualquer setor industrial, na realidade - pode ser contada sob diversos
ângulos. Uma das maneiras mais ricas de analisar a evolução de uma indústria e,
ao mesmo tempo, observar as tendências de seu desenvolvimento futuro é por meio
das informações contidas nas patentes de invenção. As patentes não só detalham
soluções técnicas precisas, como contêm referências a outros documentos que
procuram resolver os mesmos problemas. A história contada por elas é, assim,
uma abrangente teia de relacionamentos cruzados em que a compreensão da solução
técnica descrita pode depender da leitura e do encadeamento de vários
documentos de patente.
O objetivo desta nota é tão somente
chamar a atenção para o potencial oferecido pelas patentes de invenção como
ferramenta válida para analisar, seja no aspecto tecnológico seja no econômico,
o setor industrial de interesse. Os poucos dados aqui contidos sobre as enzimas
devem ser vistos, assim, apenas como uma pequena amostra do vasto material que
pode ser trabalhado em muito maior profundidade. Ao mesmo tempo, deseja-se
ressaltar o preocupante hiato no aproveitamento brasileiro do sistema
internacional de patentes.
O INPI
realiza, no momento, estudo comparativo sobre o desempenho de um grupo
selecionado de países na obtenção de patentes nos EUA. Pela força da sua economia, pode-se afirmar que,
quando uma invenção transcende a magnitude nacional, o primeiro mercado externo
em que se procura a proteção de patente é o americano. Além disso, e
afortunadamente para os clientes do sistema de patentes, a organização
americana de patentes e marcas (USPTO) traçou uma política de divulgação ampla
das informações contidas nos documentos de patente. Com isso, os pesquisadores
podem utilizar-se de meios convenientes como a Internet e coleções de CD-ROM
para ter acesso a esse acervo.
Como objeto de análise foram
selecionados 16 países[1][1] que, no conjunto, responderam por 12,9% das
patentes concedidas em 1998 nos EUA. Foram excluídos as cinco grandes economias
(EUA, Japão, Alemanha, França e Reino Unido), visto que o interesse está em
traçar paralelo com economias cuja escala de trabalho seja, pelo menos,
semelhante à brasileira.
Levando em conta a abordagem acima, qual o perfil de patenteamento
internacional no setor de enzimas[2][2]? O Quadro I
mostra que a participação relativa de patentes relacionadas ao tema de enzimas
é pequena em termos do quadro geral, mas aponta para um crescimento relativo
significativo. A aceleração no crescimento é bastante recente, e quando
analisados os documentos, observa-se que essa tendência está relacionada às
tecnologias de DNA recombinante.
Em quatro anos, a
participação passa de 0,57% para 1,01%, dado que adquire ainda maior relevo
quando se vê que a demanda global foi crescente no período. O crescimento em
1998 frente ao ano anterior foi de 75%; as concessões passaram de 108 patentes
em 1997 para 189 no ano seguinte.
Quadro I - Patentes
Totais e de Enzimas do Grupo de 16 Países
|
95 |
96 |
97 |
98 |
1. Total do Grupo |
12.917 |
14.333 |
13.366 |
18.689 |
2.
Total Enzimas |
74 |
84 |
108 |
189 |
3. Enzimas/Total % |
0,57 |
0,59 |
0,81 |
1,01 |
Fonte:
USPT, Cassis Series, Patent BIB, dec. 1.998.
Das 297 patentes de enzimas concedidas
no biênio 1997/98, o principal titular de direitos é a empresa dinamarquesa
Novo Nordisk (Quadro II). Com 52
patentes no período, ou 17,5% do total, ela é de longe a principal concorrente
no ramo de enzimas industriais dentro do universo de 16 países abrangidos pelo
levantamento. Segue-lhe o grupo holandês DSM, que absorveu uma tradicional
empresa do ramo de enzimas, a também holandesa Gist-Brocades, com 19 patentes.
Os portfólios de patentes de ambas as empresas mostram atividades
diversificadas. Especialmente a Novo Nordisk detém direitos de patentes em
praticamente todos os campos relevantes de aplicação de enzimas industriais -
dos detergentes, às aplicações têxteis, ao processamento de polpa e celulose, à
ração animal, dentre outros.
As três empresas seguintes apresentam
um perfil mais focalizado. Procter & Gamble obteve 12 patentes, a partir de
sua filial belga[3][3]; à Genencor foram concedidas sete patentes, com
origem em três países europeus, principalmente a Bélgica; desse conjunto de
patentes destaca-se a linha de pesquisa empregando a enzima pullulanase. O grupo finlandês Alko é a quinta maior
empresa da relação, com cinco patentes na área de polpa e celulose.
Observe-se que a terceira e quarta
empresas, Procter & Gamble e Genencor, são grupos americanos com atividades
de pesquisa na Europa, o que nos diz algo sobre a internacionalização dos
gastos com tecnologia dentro de grupos internacionais. Os resultados obtidos,
materializados nos portfólios de patentes, permitem identificar as linhas de
pesquisa desenvolvidas: Das 37 patentes concedidas à P&G sobre enzimas em
1997/98, 21 tiveram origem americana e 12 são originárias da Bélgica. Enquanto
que nos EUA o leque de produtos desenvolvidos é mais amplo, na Bélgica todo o
acervo de patentes relaciona-se a tecnologias para detergentes, tanto para a
limpeza de roupas como de louça.
Visto ainda sob o mesmo ângulo, o
perfil da quarta empresa, a Genencor, resulta semelhante. Foram-lhe concedidas
18 patentes, no período, relacionadas a enzimas. Dessas, 11 são originárias dos
EUA e sete de países da Europa, das quais quatro vêm da Bélgica. Elaborando
esses dados, observa-se que todos os direitos patentários da empresa nos EUA
relacionados à enzima pululanase - empregada no processo de sacarificação do
amido, pela quebra de laços glucosídicos -
provêm da linha desenvolvida por pesquisadores belgas.
Quadro
II - Patenteamento de Enzimas por Empresas, 1997/98
Empresa |
Origem das Patentes |
Patentes nos EUA |
Novo Nordisk |
Dinamarca |
52 |
DSM
(Gist-Brocades) |
Holanda |
19 |
Procter &
Gamble |
Bélgica |
12 |
Genencor |
Bélgica,
Finlândia, Holanda |
07 |
Alko Group |
Finlândia |
05 |
Fonte: USPTO, Cassis
Series, Patent BIB, dec. 1.998.
A Bélgica, ou melhor, os pesquisadores
belgas, ao responderem por 1/3 do acervo recente de patentes da P&G em
enzimas e por toda a linha de pululanase da Genencor, demonstram para outros
países a existência de um espaço de atuação em que inserções mais dinâmicas são
possíveis. Mais ainda, revela que empresas transnacionais desenvolverão linhas
de pesquisa relevantes fora de seus países de origem, dadas as condições
adequadas.
No campo das patentes, tem-se que uma
dessas condições é a existência de setor universitário com capacidade de
articulação e resposta a demandas de empresas. Um indicador do grau de
interação comumente utilizado é construído a partir da participação relativa
das universidades no patenteamento em um dado setor. De modo geral, quanto mais
baseado em ciência for o setor, maior será essa participação. O Quadro III reproduz a pesquisa conduzida
por Rosemberg e Nelson. Aos setores descritos na pesquisa foi aqui agregado o
de enzimas, segundo os dados publicados pelo USPTO. Os resultados não são
estritamente comparáveis, mas indicam a posição relativa em termos gerais.
Em primeiro lugar, nota-se que o
patenteamento proveniente de universidades é relevante no setor de enzimas. O
percentual de 7,1% é superior aos encontrados em outros setores de ponta, como
robôs e semicondutores. Na realidade, há sobreposição da área de enzimas com os
setores de DNA recombinante e microbiologia, que encabeçam a relação na
pesquisa citada. Esses campos são particularmente propícios à atuação
universitária o que pode ser comprovado tanto pelas novas formas de cooperação
que vêm surgindo entre universidades e empresas como pelos mecanismos que as
universidades estão encontrando para valorizar seu acervo de tecnologias.
Quadro
III - Patentes de Origem Universitária
Tecnologias |
Total de Patentes |
Patentes de Universidades |
Participação Univ. (%) |
DNA recombinante |
321 |
58 |
18,1 |
Microbiologia |
1.417 |
171 |
12,1 |
Supercondutores |
233 |
25 |
10,7 |
Enzimas Industriais |
* |
* |
7,1 |
Robôs |
251 |
12 |
4,8 |
Semicondutores |
755 |
23 |
3,0 |
Computadores |
6.474 |
53 |
0,8 |
Nota: * O dado de participação universitária das
patentes de enzimas industriais não segue a mesma metodologia da pesquisa de
Rosenberg e Nelson para os demais setores. Deve ser visto tão somente como um
indicador de ordem de grandeza.
Fonte: Rosenberg, N. e R.
R. Nelson (1994), "American Universities and Technical Advance in
Industry", Research Policy, vol. 23, N° 3, cf. OCDE - GD(96)102, "The
Knowledge-based Economy", Paris, 1.996. pg. 35. Para enzimas industriais:
US Patent and Trademark Office, Cassis Series, BIB Patent, dec. 1998.
Israel é um exemplo interessante em
ambos os sentidos. O país estimulou uma política de criação de empresas
diretamente ligadas a universidades, encarregadas de proteger as tecnologias,
valorizar o patrimônio tecnológico e negociar dentro de padrões comerciais os
resultados obtidos. Ao delegar a gerência do portfólio de patentes a estruturas
formais independentes, essas universidades estão ganhando rapidez e
flexibilidade. Um dos resultados visíveis da política adotada é o de que,
dentre as dez organizações israelenses que mais obtiveram patentes americanas
nos últimos quatro anos, três são associadas a universidades. Os centros de
pesquisa Yissum, Yeda e a universidade Ramot produziram 167 patentes americanas
entre 1995 e 1998[4][4].
Além de gerar patentes, as
universidades israelenses fornecem exemplos de cooperação com empresas,
partilhando a titularidade dos resultados obtidos em patentes. Apesar de
trabalharem em um país desértico aonde uma indústria de papel baseada no
crescimento de florestas seria luxo impensável, dois pesquisadores israelenses,
vinculados à universidade Ramot desenvolveram um processo para retirada de
lignina da polpa de papel com a utilização da enzima xylanase. Na realidade,
Israel tem desenvolvido tecnologias pioneiras no ramo agrícola, o que lhe
permite estar bem posicionado para solução de problemas correlacionados, mesmo
que sem aplicação imediata no país.
A invenção, incorporada em dois
documentos de patente, a US 5.434.071 e seu desdobramento US 5.677.161, tem
como uma das características fundamentais o poder de atuação em temperaturas de
pelo menos 65° C e em pH superior a 9. O ponto a ser destacado aqui é o de que
provavelmente essa invenção seria de nenhuma aplicação nas condições ambientais
de Israel. As duas patentes, no entanto, relacionam uma co-titularidade. Ao
lado da universidade Ramot, a invenção pertence também à empresa de origem
sueca Korsnas AB, tradicional no ramo de papel e celulose. A cooperação,
portanto, viabilizou uma linha de pesquisa que, de outro modo seria inútil para
o país gerador, ao mesmo tempo em que rendeu resultados financeiros para a
universidade israelense empregadora dos dois pesquisadores.
Quando comparado à efervescência
externa, o panorama de patenteamento na América Latina revela-se bastante
desolador. Por outro lado, há que se reconhecer o potencial de crescimento. Os
campos prioritários de aplicação das enzimas estão basicamente relacionados a
transformação de matérias primas. Basta pensar-se nos ramos de papel e
celulose, couros, bebidas e alimentos. Observando a estrutura industrial dos
países latinoamericanos frente às economias industrializadas, um dos dados que
salta à frente é exatamente a maior importância relativa dos setores acima
mencionados. Ou seja, a região está bem colocada em termos de demanda potencial
para as enzimas industriais.
Até o momento, porém, não existem
reflexos desse campo de oportunidades na produção de patentes. Apenas uma
instituição de toda a América Latina gerou patentes americanas em anos
recentes. Foi o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia de Cuba. No
período 1997/98, o Centro obteve três patentes americanas: as US 5.637.491; US
5.641.667 e US 5.731.173. A primeira para a produção de uma enzima - a
dextranase - a partir de um fungo. A invenção é usaada para a quebra de um
polímero, o dextran cuja presença
causa problemas na clarificação e evaporação dos sucos da cana de açúcar.
As duas outras usam uma enzima, a frutosiltransferase, a partir de uma
bactéria modificada para a produção de sacarídeos que contêm frutose. Um dos
resultados interessantes da invenção é o de que os produtos gerados podem ser
usados como adoçantes naturais de baixa caloria. As invenções ainda especificam
que a enzima será produzida a partir de uma bactéria, a Acetobacter diazotrophicus, modificada geneticamente, permitindo um
rendimento de mais de 70% das proteínas secretadas.
Um dos métodos tradicionais de se analisar a documentação de
patentes é verificar a documentação anterior citada como relevante. Isso
porque, no exame técnico para a sua concessão, devem ser levantadas todas as
patentes anteriores relacionadas ao tema, de modo a se ter certeza que o pedido
sob exame introduz matéria nova ao estado da arte. No caso das patentes
cubanas, na de número 5.731.173 por exemplo, os examinadores americanos fazem
referência a sete artigos publicados em periódicos especializados e a nenhuma
patente anterior. Sem entrar no mérito específico da invenção, quando esses
resultados ocorrem a indicação é de que os pesquisadores estão produzindo algo
estreitamente vinculado à ciência e, segundo, estão sendo pioneiros na
transposição desse ramo científico ao campo da aplicação industrial.
Seria exercício de futurologia predizer a frutificação do exemplo da pesquisa cubana na América Latina. Mas não é futurologia afirmar que ou a região procura uma inserção mais ativa no sistema internacional de propriedade industrial ou continuaremos à margem dos ganhos proporcionados pela geração de tecnologias. Ainda mais, a produção científica nacional tem mostrado crescimento constante nos últimos anos. Trata-se assim de vincular o resultado científico obtido a uma maior taxa de apropriação. A experiência recente de outros países, com menos recursos do que os nossos, tem mostrado que esse é um caminho viável.
Retirado de: http://www.geocities.com/prop_industrial/enzimas.htm
[1][1] Os países estudados são Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Cingapura, Coréia, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Hong Kong, Israel, Itália, Noruega, Suécia, Suíça e Taiwan. |
[2][2] Foi elástico o critério de seleção das patentes relacionadas ao tema enzimas, tendo sido consideradas todas as patentes com o termo "enzima" no título ou resumo do documento. Essa é uma abordagem superficial que inclui documentos que podem não ser de interesse ao campo específico das enzimas industriais. Ao mesmo tempo, podem estar sendo excluídos documentos que, mesmo sem o termo indicado, estão relacionados à tecnologia de interesse. O objetivo aqui, mais uma vez, é o de apenas dar uma indicação do potencial de informação que pode ser explorado no sistema de propriedade industrial. |
[3][3] Pelo critério do USPTO, a "nacionalidade" da patente é registrada em nome do país de residência do primeiro inventor relacionado no documento. Esta abordagem permite levantar o país aonde estão efetivamente sendo conduzidas as pesquisas que levarão ao resultado patenteado. É por isso que uma patente de uma empresa americana como a P&G, concedida nos EUA, pode aparecer como "belga". |
[4][4] Dado levantado pela pesquisa em realização no INPI, a partir das informações publicadas pelo USPTO em Cassis Series, Patent BIB, dec. 1998 e feb. 1997. |