A PIRATARIA E A ATRIBUIÇÃO PARA INVESTIGAR
Arnaldo Siqueira de Lima
O mundo artístico musical está ameaçado por uma
modalidade criminosa que
tomou dimensão imensurável nos últimos dias: a
pirataria de CDs.Discute-se
em meio ao crime a competência para investigar e fala-se até
em modificação
de legislação para um efetivo combate aos criminosos
especializados nessa
forma delituosa.
No tocante à competência (no sentido latu e não
como medida de jurisdição)
para investigar os delitos já existe a Lei Maior, que é
clara por demais. Basta ver
o teor do seu art. 144. ‘‘A polícia federal, instituída
por lei como órgão
permanente, estruturada em carreira, destina-se a:
I — apurar infrações penais (...) cuja prática
tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser
em lei;
II — prevenir e reprimir (...) o contrabando e descaminho, sem prejuízo
da ação
fazendária e de outros órgãos públicos
nas respectivas áreas de competência;
III — exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteira;
IV — exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.’’
As funções das polícias civis foram previstas,
ao seu turno, no § 4º do referido
artigo, que diz: ‘‘Às polícias civis, dirigidas por delegados
de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções
de polícia judiciária
e a apuração de infrações penais, exceto
as militares. ’’ Extraindo-se daí que a
atribuição das polícias civis é residual,
ou seja, cabe a elas, excluídas as
exceções constitucionais, a apuração de
todas as outras infrações penais.
Dito isso, passe-se à segunda etapa da análise: que tipos
penais estão sendo
infringidos no território nacional com a reprodução
e venda de CDs. Não tem
significado, em termos de atribuição para investigar,
o tipo de início da ação
penal, se pública ou privada, pois a manifestação
de vontade do ofendido é
condição de procedibilidade, e não altera os limites
de competência, salvo a
hipótese do art. 73 do CPP; o que não é o caso
efetivamente.
Então vejamos: o art. 184 do Código Penal, editado em
1940, foi completamente
modificado pelas Leis nºs 6.895/80 e 8.635/93, tendo esta dado
redação aos
parágrafos 1º e 2º, com o seguinte teor:
‘‘§ 1º Se a violação consistir em reprodução,
por qualquer meio, com o intuito
de lucro, de obra intelectual, no todo ou em parte, sem a autorização
expressa
do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodução
de fonograma
ou videofonograma, sem a autorização do produtor ou de
quem o represente:
Pena — reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa de Cr$ 10.000
(dez mil
cruzeiros) e Cr$ 50.000 (cinqüenta mil cruzeiros);
§ 2º Na mesma pena do parágrafo anterior incorre quem
vende, expõe à venda,
aluga, introduz no país, adquire, oculta, empresta, troca ou
tem em depósito
com o intuito de lucro original ou cópia de obra intelectual,
fonograma ou
videofonograma produzidos ou reproduzidos com violação
de direito autoral.
Vê-se, de pronto, que mesmo o material sendo produzido em outro
país não há
falar em contrabando ou descaminho, duma feita que existem tipos próprios
às
condutas delituosas, ensejando, assim, em um raciocínio elementar,
que as
polícias civis têm atribuição para investigar
tal rapinagem, dependendo
tão-somente da manifestação de vontade do ofendido
ou de seu representante
legal, se a conduta se amoldar aos tipos previstos nos caputs dos Arts.
184 ou
do 185, do CP, pois se infringir os §§ 1º e 2º,
transcritos acima, não há falar em
manifestação de vontade, vez que se trata de condutas
delituosas, cuja ação é
pública incondicionada, nos termos do Art. 186, última
parte, do CP. Em caso
de manifestação, esta se tem tornado pública por
intermédio da mídia, que a
todo dia divulga os gritos de socorro dos artistas implorando providências
contra esses malfeitores. Registre-se aqui que a jurisprudência
tem entendido
que o requerimento e a representação não têm
forma sacramental, carecendo
apenas da manifestação inequívoca de vontade do
ofendido, ou de seu
representante legal, em ver o crime investigado pela polícia.
E, no caso em
questão, não há qualquer dúvida que, em
qualquer das hipóteses, as vítimas
desses infratores desejam vê-los perseguidos pelo Estado.
Essa atribuição da polícia civil não inibe
a ação da polícia federal nas fronteiras
do país, conforme o texto constitucional, e nem tampouco no
seu interior,
quando se tratar de flagrante delito, pois as autoridades policiais
devem, nos
termos do art. 301 do CPP, prender quem quer que esteja cometendo infração
penal, ressalvadas apenas as imunidades previstas em lei. Podendo o
ofendido
ou seu representante legal, quando necessário, manifestar sua
vontade dentro
dos próprios autos de prisão em flagrante.
Saliente-se ainda que nas compras isoladas de CDs piratas, sem intuito
de
lucro mas com consciência de que os mesmos são produto
de crime, está
presente, in tese, o crime de receptação (dolosa) previsto
no art. 180 do CP, o
qual é de ação pública incondicionada,
tendo a polícia o dever de agir.
Arnaldo Siqueira de Lima
Delegado de Polícia Civil e professor da Escola
da Magistratura do Distrito
Federal