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Informática Jurídica, Direito e Tecnologia
Grupo de pesquisa do CNPQ


Resumo feito por Djônata Winter

 

Data do resumo: 10/11/2001

BOYLE, James. The Second Enclosure Movement and the Construction of the Public Domain.

James Boyle é professor da Duke Law School (Carolina do Norte - EUA) e autor do livro Shamans, Software and Spleens: Law and the Construction of the Information Society (Harvard University Press).

        O autor, neste artigo, faz uma comparação entre o Movimento de Cercamento ocorrido na Inglaterra no período pré Revolução Industrial com o momento pelo qual passa a Propriedade Intelectual.

        Mas qual é a semelhança?

        Tal qual a revolução ocorrida na agricultura inglesa que transformou as terras comuns dos pequenos proprietários e camponeses em grandes latifundios, que empregavam mão-de-obra assalariada e produziam grande quantidade de lã que servia de matéria-prima para as industrias de tecido do país, as transformações pelas quais vem passando a propriedade intelectual, ampliando a cada dia a sua abrangência e força, derubando até mesmo barrareiras a pouco tempo consideradas intransponíveis, como o caso do registro de idéias que hoje já podem ser patenteadas, como no caso do patenteamento de modelos de negócios, ou o registro de material genético e plantas encontradas in natura no meio ambiente, corre-se o risco da transformação das terras comuns da propriedade intelectual em grandes monopólios de idéias e criações.

        Como a maioria das transformações e revoluções, existem aqueles que as veêm como benéficas e outros que acreditam serem nocivas. Com o Cercamento inglês não foi diferente, os partidários do livre mercado e do capitalismo, viram no movimento uma forma de modernizar a agricultura inglesa gerando uma maior eficiência e produtividade, necessárias para dar suporte à revolução industrial que se seguia. Outros viram nele uma afronta a todo o modelo cultural e econômico existente entre os camponeses que naquelas terras trabalhavam, estes foram brutalmente privados de seu meios tradicionais de sustento e jogados num modelo ferroz de economia para terem seu trabalho explorado nas industrias.

        Da mesma forma as transformações ocorridas na propriedade intelectual atualmente, momento que o autor chama de Segundo Movimento de Cercamento, também despertam opiniões contraditórias. Um grupo, composto principalmente por representantes de grandes industrias e investidores envolvidos com propriedade intelectual, acreditam ser a proteção monopolística sobre suas descobertas algo necessário e benéfico para o desenvolvimento científico e tecnológico, pois somente deste modo poderiam ser protegidos os investimentos em pesquisa que servem de incentivos para novas criações. Outro grupo, composto por pesquisadores, estudiosos e representantes de organizações civis, veêm na expansão da propriedade intelectual um grande problema que ao em vez de incentivar o desenvolvimento e ampliação cultural pode retardá-lo.

        Exemplos desta possibilidade de retardo podem ser facilmente encontrados no passado (como no caso da AT&T que pela compra de patentes retardou o aparecimento do rádio), mas muito mais importantes e graves são os problemas que começam a se configurar, principalmente na área da genética.

        Apesar das grandes semelhanças entre os dois Cercamentos, o atual possui duas grandes diferenças:

  • a primeira é que quando se trata de terras, ou bens materiais em geral, estas só podem ser utilizadas para um único fim de cada vez por um número restrito de pessoa, já quanto se trata de propriedade intelectual, várias pessoas podem usá-la ao mesmo tempo sem interferir no uso de outras;
  • a segunda, baseada na característica acima exposta, é que no Cercamento inglês o que se pretendia era evitar a sobre-utilização da terra, sua fonte limitada de recursos, já hoje o que se pretende é o incentivo à criação de novas fontes de recursos, ou seja, de idéias;

        A exclusividade e escassez que são características naturais da propriedade material são criadas artificialmente pela lei no caso da propriedade intelectual.

        Embora maiores direitos autorais criem a falsa idéia de incentivo, na verdade acabam por dificultar o desenvolvimento de novas idéias. Deste modo o aumento da proteção da propriedade intelectual traz como conseqüência o aumento dos custos de sua própria produção e reduzem o acesso a outras informações necessárias para o desenvolvimento de novas criações, visto que a grande maioria das criações derivam de outras pré-existentes.

        A transformação do conhecimento em propriedade é um circulo vicioso, que acaba por gerar um monopólio, já que apenas o inventor ou quem ele autorize pode utilizar a criação, e como sabemos, na prática, o monopólio produz produtos de baixa qualidade com altos preços.

        Fato interessante que ocorre algumas vezes com a propriedade material e que infelizmente não possui semelhante no caso da propriedade imaterial, é o caso da passagem forçada, quando o único modo de se chegar a um determinado imóvel é passando por outro, a lei autoriza a utilização da propriedade alheia para se ter este acesso. Como sabemos, muitas vezes, a criação de uma obra intelectual necessita a utilização de parte de outra, mas neste caso ela só será permitida se o autor desta outra obra permitir, e for pago o preço por ele exigido.

        A livre circulação de idéias e exposição dos fatos é premissa básica para o desenvolvimento do conhecimento, pois esta surge da interação destes dois elementos: fatos + idéias = conhecimento.

        Outra constatação é de que quanto mais fácil copiar o material protegido, mais forte necessita ser a lei de Direitos Autorais. Esta proporcionalidade é facilmente percebida pela história, quando as obras era copiadas materialmente nos mosteiros não existia a necessidade de direitos autorais, com a invenção da imprensa de Gutenberg começam a surgir as primeiras disposições legais, com o aparecimento das máquinas fotocopiadoras e gravadoras analógicas vemos o aparecimento das atuais legislações, agora com a possibilidade de cópias digitais começam a surgir propostas legislativas ainda mais ferozes.

        A concessão de patentes e direitos autorais pode ser encarada como uma forma de privatização? Com a concessão por parte dos Estados de patentes sobre plantas, genes e outras "informações" que anteriormente se encontravam sob domínio público parece ser afirmativa a resposta a esta questão.

        Em meio aos questionamentos envolvendo a propriedade intelectual, torna-se importante a definição do que seria a regra e o que seria a exceção, os direitos autorias ou o domínio público?

        Considerando o copyright como um direito dos usuários, e não dos autores, o domínio público seria a figura central, não sendo as várias restrições e liberdades de uso (fair use) exceções, mas sim a essência do copyright visto como uma tentativa de prevenir o monopólio e preservar o acesso ao domínio público, definindo os limites das restrições permitidas.

        Dentro do atual modelo de Direitos Autorais, o Domínio Público garante a matéria-prima de novas criações. E com isso permite a continuidade da idéia irreal, na qual esta baseado nosso modelo de proteção autoral, de que a criatividade é individual, e de que o autor é o único responsável pela criação. Caso contrário, se houvesse a necessidade de autorização e citação de todas as idéias na qual se basearia a obra seria evidente o seu caráter coletivo.

        O conceito de Domínio Público é em si controverso variando de acordo com a importância que este assume nas diversas teorias. Uma definição abrangente e interessante exposta pelo autor é a definição de Jessica Litman (exposta no artigo "The Public Domain" de 1990), segundo a qual o Domínio Público é o patrimônio comum que inclui aqueles aspectos dos trabalhos protegidos por direitos autorais que os direitos autorais não protege. Esta definição amplia a idéia tradicional e conservadora, de Domínio Público como sendo apenas aqueles trabalhos totalmente desprotegidos de Direitos Autorais.

        As propriedades comuns são protegidas por regras de obrigação e não de propriedade. Como exemplo desta constatação, no caso da propriedade material, podemos citar as ruas e parques públicos aos quais todos podem ter acesso e utilizá-loss livremente desde que se submetam às suas regras de utilização, no caso da propriedade imaterial, o autor cita o software livre que possuem seus códigos fontes disponibilizados gratuitamente a todos que aceitarem se submeter às regras de sua Licença Pública Geral (em inglês, GPL - General Public License), que inclui como obrigação, àqueles que se utilizarem do código para a produção de seu software, a disponibilização, também gratuita, deste produto.

        Os softwares de fonte aberta (softwares livres) não estão em domínio público mas sim protegidos também por direitos autorais, sendo possível sua utilização gratuita e livre desde que não para fins comerciais diretos, pela sua licença GPL, parece ser este modelo um meio termo entre a propriedade intelectual restrita e o acesso livre representado pelo Domínio Público.

        Basicamente, nas regras de propriedade necessita-se de uma permissão prévia do proprietário para se ter acesso a ela, podendo assim restringir-se o acesso. Já nas regras de obrigação o acesso é livre desde que o usuário se disponha a cumprir algumas regras pré-estabelecidas.

        A utilização de regras de obrigação ao invés de regras de propriedade acaba com o poder de monopólio, possibilitando acesso livre (não necessariamente gratuito, podendo existir a cobrança de taxas pré-fixadas) às criações, para que estas possam servir de fonte de recursos para novas criações. O que impediria a restrição de acesso que muitas vezes impossibilita avanços tecnológicos e afins.