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Por
que somos contra a propriedade intelectual?
Pablo
Ortellado
Enquanto a publicação
aberta é uma característica bastante conhecida do site do Centro
de Mídia Independente [1] (CMI), a idéia irmã, de "copyleft",
de subversão dos direitos autorais, é ainda muito pouco conhecida
e discutida. No rodapé da página principal do site, ao invés da
tradicional nota lembrando os direitos autorais, lemos o seguinte:
"(C) Centro de Mídia Independente. É autorizada a reprodução,
na rede ou em outra parte, para uso não comercial, desde que citada
a fonte." Ao invés de restringir a divulgação, a nota de
"copyleft" (um trocadilho com "copyright"),
permite e mesmo estimula a distribuição posterior da informação
que o site veicula. Essa política de "copyleft" faz
parte de um movimento amplo de oposição aos direitos de propriedade
intelectual. [2]
COPYRIGHT
Embora nossa
sociedade tenha assistido um longo debate sobre a propriedade privada
nos últimos dois séculos, pouco ainda foi dito sobre o caráter
peculiar desse estranho tipo de propriedade que é a propriedade
intelectual. Em geral, a propriedade é justificada como uma garantia
de uso e disposição do proprietário àquilo que lhe é de direito
(por herança ou por trabalho). Em outras palavras, alguém que
adquiriu uma propriedade está garantindo para si a utilização de
um bem - e está tendo essa garantia porque fez por merecer. Se
alguém possui uma casa, por exemplo, a propriedade privada dessa
casa garante ao dono o acesso a ela quando bem entender e sua
utilização para os fins que escolher (além de poder dispô-la
- vendê-la,
emprestá-la, etc. - se desejar). Se essa casa fosse compartilhada
com outras pessoas, no momento em que essas outras pessoas a estivessem
utilizando, ele estaria privado daquela casa que fez por merecer.
Quando uma pessoa utiliza a casa, a outra não consegue utilizá-la
(pelo menos não na sua totalidade). Isso vale para todos os tipos
de bens materiais.
- Mas
o caso da propriedade intelectual é diferente e seus teóricos sabiam
disso desde o princípio. A legislação sobre a propriedade intelectual
tem origem na Inglaterra, numa lei de 1710, mas foi nos Estados
Unidos que ela foi teorizada e consolidada pelos "pais fundadores".
Esses homens que fundaram a república americana e escreveram a
constituição sabiam que a propriedade intelectual era diferente
da propriedade material. Eles sabiam que canções, poemas, invenções
e idéias não têm a mesma natureza dos objetos materiais que eram
garantidos pelas leis de proteção à propriedade. Se quando eu uso
uma bicicleta, a outra pessoa é privada do seu uso (porque, a
princípio, duas pessoas não podem usar a mesma bicicleta ao mesmo
tempo - principalmente se vão para lugares diferentes), quando
eu leio um poema, a coisa é diferente. Eu posso ler o poema ao
mesmo tempo que o "dono" do poema e meu ato de ler não
apenas não priva, como não atrapalha em nada a leitura dele. Thomas
Jefferson, um dos pais fundadores e um dos primeiros responsáveis
pelo escritório de patentes dos Estados Unidos discutiu isso numa
carta famosa que, à certa altura, diz:
- "Se
a natureza produziu uma coisa menos sucetível de propriedade exclusiva
que todas as outras, essa coisa é a ação do poder de pensar que
chamamos de idéia, que um indivíduo pode possuir com exclusividade
apenas se mantém para si mesmo. Mas, no momento em que a divulga,
ela é forçosamente possuída por todo mundo e aquele que a recebe
não consegue se desembaraçar dela. Seu caráter peculiar também
é que ninguém a possui de menos, porque todos os outros a possuem
integralmente. Aquele que recebe uma idéia de mim, recebe instrução
para si sem que haja diminuição da minha, da mesma forma que quem
acende um lampião no meu, recebe luz sem que a minha seja apagada."
[3]
- Dessa
forma, não parecia haver motivo para se transformar idéias (e
canções, livros e invenções) em propriedade. No entanto, o mesmo
Thomas Jefferson lembra da necessidade de se estimular a criação
de invenções "para o bem do público" e esse estímulo
- para ele - só poderia ser a recompensa (com bens materiais) ao
"criador". As idéias, justamente porque têm a característica
de uma vez expressas serem assimiladas por todos que a recebem,
devem ser especialmente protegidas, para que os criadores de idéias
não fiquem desistimulados de criá-las e expressá-las. Aquele
que cria a idéia deve ter o direito sobre ela, de forma que toda
a vez que alguém a utilize ou a receba, ele tenha uma recompensa
material. O autor de um livro deve receber os direitos autorais
pela publicação e o inventor, o direito pelo uso da patente.
Assim, diz a constituição americana: "O Congresso deve ter
o poder de promover o progresso das ciências e das artes úteis
assegurando aos autores e inventores, por um período limitado,
o direito exclusivo aos seus escritos e descobertas." [4]
Com o direito exclusivo às suas criações, os autores e inventores
podem explorar comercialmente as suas idéias e conseguir a justa
recompensa pelo seu esforço e talento. A recompensa é o estímulo
para que o criador produza ainda mais e a sociedade progrida em
direção ao bem comum.
- Mas
esse mesmo bem comum pode ser ameaçado pela proteção excessiva
à propriedade das idéias. Se se cria muitos entraves, então, pode-se
impedir, ao invés de promover a "instrução mútua e a melhoria
das condições". Partindo de sua experiência no escritório
de patentes, Jefferson observa que "considerando o direito
exclusivo de invenção como dado, não pelo direito natural, mas
para o benefício da sociedade", há inúmeras "dificuldades
em separar com clareza as coisas que valem a pena para o público
o embaraço de uma patente exclusiva, daquelas que não valem."
Em outras palavras, a questão é até que ponto a introdução do
direito de propriedade intelectual, ao invés de promover, termina
por constranger o progresso do saber, da cultura e da tecnologia.
Se os critérios para se estabelecer a propriedade são rígidos
e a duração do direito longa demais, então, pode-se dificultar
o aproveitamento social da criação. Esta é a questão fundamental
discutida em toda a legislação sobre a extensão do direito de
propriedade intelectual.
- Na
Inglaterra, a pioneira em estabelecer uma legislação de propriedade
intelectual, o debate começou no século XVIII e percorreu os três
séculos seguintes. Em 1841, foi feita mais uma tentativa de ampliar
a duração dos direitos autorais, que, nesse período, cessavam
depois de 20 anos da morte do autor. O famoso historiador Thomas
Babington Macaulay fez uma histórica intervenção no Parlamento
no qual criticava um projeto de lei que propunha ampliar o direito
autoral para 60 anos após o falecimento do autor. Seguindo a longa
tradição anglo-saxã que legislava sobre o tema, Macaulay balanceava
o direito do autor em ser remunerado e o interesse social de usufruir
as criações o quanto antes e com o menor custo. Segundo ele, o
sistema de direitos autorais, tem vantagens e desvantagens e por
isso não é preto, nem branco, mas cinza. O direito exclusivo de
propriedade intelectual, para ele, no fundo é ruim, porque cria
um "monopólio", o que encarece o "produto"
e o torna menos acessivel a todos. Mas, por outro lado, ele é
bom, porque permite que o criador seja remunerado pela criação.
De um lado, temos a necessidade do monopólio na exploração comercial
de um livro - de forma que apenas um editor possa lançar e vender
o livro. Mas, por outro, esse monopólio que sustenta o autor, prejudica
a sociedade, encarecendo o livro e tornando sua difusão mais difícil.
Em suas palavras, "é bom que os autores sejam remunerados
e a forma menos excepcional de serem remuneados é pelo monopólio.
No entanto, o monopólio é ruim. Para que se consiga o que é bom,
devemos nos submeter ao que é ruim."
- Toda
a questão para Macaulay (e para toda a tradição anglo-saxã dominante)
era saber a medida exata em que a submissão do bom ao ruim era
proveitosa: "o ruim não deve durar um único dia a mais do
que o necessário para assegurar o que é bom." Mas quanto
deve durar esse tempo? O projeto em trâmite no parlamento pretendia
ampliar o direito de 20 para 60 anos após a morte do autor. Segundo
Macaulay, esse período era muito grande e não trazia nenhuma vantagem
em relação ao período vigente de 20 anos (que ele dá a entender
que já era excessivo). Se o objetivo do direito autoral é estimular
a criação, uma recompensa tão distante e após a morte não parecia
ser eficiente. Macauly argumenta: "Sabemos bem quão pouco
somos afetados pela perspectiva de vantagens distantes, mesmo quando
são vantagens que nós mesmos aproveitaremos. Mas uma vantagem
que será aproveitada mais de meio século depois que morrermos,
por pessoas que talvez não conhecemos, que talvez não tenham
nascido, por pessoas que finalmente não tenham conexão conosco
não parece ser motivo algum para a ação [criadora]." [5]
- Com
pequenas mudanças de ênfase, o debate sobre a propriedade intelectual
permaneceu sempre marcado pela disputa sobre o ponto de equilíbrio
entre o estímulo à criação e o interesse social de usufruir o
resultado da criação. [6] A primeira lei inglesa, de 1710, dava
ao criador o direito exclusivo sobre um livro por 14 anos e, se
o autor ainda estivesse vivo quando o direito expirasse, poderia
renovar o direito por mais 14 anos. A legislação americana baseou-se
na inglesa e nos atos de patentes e de direitos autorais de 1790
retomou os períodos de 14 anos, renováveis por outros 14. Em
1831, o Congresso americano revisou as leis de direitos autorais
substituindo o período inicial de 14 anos, por um de 28, renovável
por mais 14. Em 1909, as leis foram novamente revisadas e o período
foi mais uma vez ampliado para 28 anos iniciais renováveis por
mais 28 anos.
- Mais
recentemente, porém, com o aumento do poder da indústria cultural,
a extensão do direito à propriedade intelectual ultrapassou de
longe os vinte anos após a morte que incomodavam o historiador
Thomas Macaulay em 1841. As pressões começaram em 1955, quando
o Congresso americano autorizou o escritório de patentes a desenvolver
um estudo com vistas a revisar as leis de direito autoral vigentes.
O relatório final recomendava a ampliação do período de renovação
de 28 para 48 anos. As organizações de escritores e a indústria
cultural (principalmente as editoras), no entanto, insistiam num
período que cobrisse a vida do autor mais 50 anos após a sua morte.
O pretexto para esse período longuíssimo era a "modernização"
das leis de direitos autorais e a adequação delas à Convenção
de Berne. [7] Como a disputa não parecia poder ser resolvida no
curto prazo e os direitos estavam começando a expirar, os lobbistas
conseguiram um adiamento extraordinário do vencimento dos direitos
que estavam por expirar, do ano de 1962 para o ano de 1965, enquanto
a matéria não era definitivamente votada no Congresso. Apesar
das reiteradas objeções do Departamento de Justiça, a polêmica
em torno do assunto levou a outros oito adiamentos "extraordinários",
de 1965 para 1967, de 1967 para 1968, de 1968 para 1969, de 1969
para 1970, de 1970 para 1971, de 1971 para 1972, de 1972 para 1974
e de 1974 para 1976, tudo em nome dos interesses dos detentores
dos direitos (normalmente empresas e não os descendentes dos
autores) e em detrimento do domínio público. Em 1976, finalmente,
o Congresso aprovou uma nova e "moderna" lei de direitos
autorais, atribuindo um período de vigência do direito por toda
a vida do autor mais 50 anos e para trabalhos encomendados por
empresas, um período de 75 anos após a publicação ou 100 anos
após a criação, o que fosse mais curto.
- Em
meados dos 90, no entanto, mais uma vez uma série de preciosas
obras em poder da indústria cultural aproximaram-se do prazo de
expiração dos direitos autorais. E, mais uma vez, a legislação
internacional "mais moderna" [8] serviu de pretexto
para a ampliação dos prazos de vigência dos direitos. Desde o final
dos anos 80, empresas como a Walt Disney e a Time Warner começaram
a preocupar-se com algumas de suas obras cujos direitos autorais
cessariam nos primeiros anos do novo século. A Disney preocupava-se
com o personagem Mickey Mouse que entraria em domínio público em
2003, com o Pluto que entraria em 2005 e com o Pateta e o Pato
Donald que entrariam em 2007 e 2009, respectivamente. Já a Warner
preocupava-se com o personagem Perna Longa cujos direitos expiravam
em 2015 e com uma série de obras cujos direitos possuia, entre
elas, o filme "E o vento levou" que expirava em 2014
e uma série de músicas de George Gershin, entre elas a canção
"Rhapsody in Blue" e a ópera "Porgy and Bess",
cujos direitos expiravam em 1998 e 2010, respectivamente.
- Temendo
sofrer grandes prejuízos pela perda dos direitos autorais, Disney,
Warner e a indústria cinematográfica fizeram uma pesada campanha
de lobby encabeçada no Congresso pelo Senador Trent Lott. O resultado
foi a ampliação, em 1998, dos direitos autorais após a morte do
autor de 50 para 70 anos, caso o direito fosse propriedade de
uma pessoa e a ampliação de 75 para 95 anos caso o direito fosse
propriedade de uma empresa. Com isso, além das obras das duas
empresas, ganharam mais 20 anos de exploração comercial exclusiva
romances como "O grande Gatsby" de Scott Fitzgerald
e "Adeus às armas" de Ernest Hemingway (cujos direitos
detidos pela Viacom venceriam em 2000 e 2004, respectivamente)
e músicas como o "Concerto número 2 para violino" de
Prokofiev e "Smokes Get in Your Eyes" de Kern e Harbach
(cujos direitos, da Boosey & Hawks e da Universal, venceriam
em 1999 e 2008 respectivamente).
- ==COPYLEFT==
- Voltemos
agora aos fundamentos da legislação sobre propriedade intelectual
(nome genérico que abrange os direitos autorais, de patentes e
de marcas). Como vimos, desde que a legislação foi primeiramente
elaborada, ela sempre foi justificada pelo estímulo material
que o criador receberia. Mas será que o estímulo material é o
único e o melhor estímulo que pode-se dar para o desenvolvimento
do saber, da cultura e da tecnologia? Será que antes do advento
das leis de propriedade intelectual as pessoas não eram estimuladas
a escrever livros e canções e a inventar dispositivos tecnológicos?
- Antes
que Thomas Jefferson atuasse no escritório de patentes, Benjamin
Franklin que com ele e John Adams redigiria a Declaração de Independência,
tinha uma ativa vida de criador, tendo se tornado conhecido em
todo mundo por seus experimentos e invenções. Realizador da famosa
experiência com a pipa que provava que os raios eram descargas
elétricas e autor de invenções como o óculos bi-focal e o pára-raios,
Benjamin Franklin sempre se recusou a patentear suas invenções.
Em sua autobiografia podemos ver os motivos pelos quais se recusava
a explorar comercialmente os inventos. Vale a pena citar um longo
trecho:
- "Tendo
inventado, em 1742, um forno aberto para o melhor aquecimento de
aposentos e ao mesmo tempo, economia de combustível, na medida
que o ar fresco incorporado era aquecido na entrada, fiz um presente
do modelo para o Sr. Robert Grace, um dos meus amigos mais antigos,
que, tendo uma fornalha de ferro, considerou a disposição das
placas desse fogão uma coisa muito útil, já que aumetava a sua
procura. Para promover essa demanda, eu escrevi e publiquei um
panfleto de título: 'Um relato do novo forno da Pensilvânia; no
qual sua construção e modo de operação são detalhadamente explicados;
suas vantagens sobre qualquer outro método de aquecimento de
aposentos são demonstradas; e todas as objeções que foram levantadas
contra o seu uso são respondidas e esclarecidas, etc.' O panfleto
teve uma boa resposta. O Governador Thomas ficou tão satisfeito
com a construção desse fogão, tal como está descrito, que me ofereceu
uma patente para a venda exclusiva deles por um período de anos.
Eu recusei, no entanto, baseado num princípio que sempre pesou
para mim em tais situações: uma vez que tiramos grandes vantagens
das invenções alheias, devemos ficar felizes de ter uma oportunidade
de servir aos outros com quaisquer de nossas próprias invenções;
e isso devemos fazer de forma gratuita e generosa." [9]
- O
fato de que homens talentosos como Benjamin Franklin nunca se sentiram
estimulados pela perspectiva de retorno material por suas descobertas
sempre foi levado em conta no debate sobre os direitos de propriedade
intelectual. O historiador Thomas Macauly, por exemplo, que defendia
os direitos segundo os princípios clássicos era obrigado a fazer
ressalvas quando mencionava a contribuição que os ricos davam
para a criação de obras e inventos: "Os ricos e os nobres
não são levados ao exercício intelectual pela necessidade. Eles
podem ser movidos para a prática intelectual pelo desejo de se
distinguirem ou pelo desejo de auxiliar a comunidade." Mas
será que a vaidade de produzir uma obra única ou a generosidade
de produzir um bem para a comunidade são virtudes exclusivas
dos ricos? Boa parte do desenvolvimento artístico parece dizer
que não. Pintores importantes como Rembrandt, Van Gogh e Gauguin
morreram na pobreza e sem reconhecimento, assim como músicos
como Mozart e Schubert e um escritor como Kafka, embora nunca
tenha sido verdadeiramente pobre, não chegou a ser reconhecido
em vida. Será que a falta de perspectiva de recompensa material
em algum momento impediu que eles se dedicassem à música, à pintura
ou à literatura? Será que não tinham outro tipo de motivação -
a expectativa do reconhecimento póstumo, o simples amor pela sua
arte?
- A
questão da propriedade intelectual, quando pensada fora da imagem
tradicional da balança que opõe estímulo material ao criador e
interesse social em usufruir a obra ou invenção, leva a muitas
outras ordens de consideração. Será que os artistas devem ser remunerados
pela criação das obras? Poderiam eles contribuir para esse bem
coletivo e anônimo que é a cultura humana sem ter usufruído e
incorporado antes a rica e generosa contribuição dos outros artistas,
contemporâneos e do passado? E se achamos que é preciso um estímulo
material além da vaidade pessoal e da vontade de contribuir para
o bem comum, não seria possível então desenvolver um sistema público
de recompensa para os inventores, como sugere o economista Stephen
Marglin? [10] Um sistema que premiasse as grandes idéias - por
meio de concursos públicos, por exemplo - mas que não limitasse
o uso dessas idéias a um empreendor individual?
- Na
verdade, questões como essas - se deve-se ou não recompensar materialmente
a criação e se a melhor forma de fazê-lo é através da exploração
comercial privada - são questões às quais não cabem respostas
teóricas. São os movimentos sociais que estão buscando alternativas
concretas à propriedade intelectual que deverão oferecer as respostas
- e, de fato, já estão a fazer.
- Desde
que obras e patentes passaram a ser registradas, os direitos sobre
elas passaram a ser violados. Uma parte dessa violação dos direitos
é, sem dúvida, mero crime. No entanto, à parte a violação marginal
e clandestina dos direitos de propriedade intelectual (que pode
ser muito grande, até mesmo dominante), sempre houve um fênomeno
diferente de desobediência civil das leis que instauravam esses
direitos. A desobediência civil, como se sabe, é muito diferente
do crime. O crime é uma violação de lei clandestina, feita às
escondidas e com o entendimento de que a lei que se viola é legítima.
A desobediência civil, por sua vez, é uma violação pública das
leis motivada por seu caráter ilegítimo. A desobediência civil
se faz abertamente e ela não reconhece que a lei que está sendo
infringida seja justa.
- Desde
que os direitos de propriedade intelectual foram instaurados, houve
uma resistência aberta à sua aplicação no setor privado e comunitário.
A enorme dificuldade de fiscalização fez com que essa desobediência
civil tivesse um caráter passivo, que não se engajava na contestação
das leis de propriedade intelectual, mas simplesmente as ignorava.
As pessoas sabiam que os direitos existiam e deviam ser respeitados
e simplesmente passavam por cima deles porque achavam que eram
absurdos. Evidentemente não estou me referindo à pirataria comercial
que era, sem exagero, apenas crime. A indústria pirata reconhecia
a legislação vigente e fugia dela de forma clandestina, sem contestá-la.
Aliás, todo industrial pirata não podia aspirar a coisa maior
do que transformar sua indústria pirata numa indústria legal e
passar a utilizar assim os direitos autorais a seu favor.
- Mas
coisa muito diferente eram os usuários que reproduziam a obra para
fins não comerciais - "para a sua instrução mútua e a melhoria
das condições", como dizia Jefferson. Quando aparelhos de
reprodução se popularizaram (o mimeógrafo, a fita cassete, a copiadora
e em seguida a reprodução digital por computador), as pessoas automaticamente
começaram a reproduzir livros, canções, fotos e vídeos, para si
e seus amigos, sem pagar os devidos direitos, assim como, antes,
já encenavam peças nas escolas e nos bairros e cantavam e tocavam
canções para os amigos e para a comunidade também sem pagar os
direitos. Por mais que a campanha "cívica" promovida
pela indústria e pelo governo lembrasse a todos a importância
de "pagar os direitos", as pessoas desconfiavam, frequentemente
de forma intuitiva, que aquele pagamento não fazia sentido pois
quem apenas usufria desse bem coletivo que é a cultura humana
não podia estar roubando nada de ninguém. Como Benjamin Frankliln
havia escrito na sua autobiografia, na produção da cultura (e
do saber e da tecnologia), nada pode ser feito sem que se tenha
antes aprendido com a imensa comunidade dos outros produtores
contemporâneos e dos que nos precederam. E da mesma forma que
usufruimos e aprendemos gratuitamente com todos eles - de maneira
tão ampla que sequer podemos nomeá-los individualmente - devemos
disponibilizar nossa contribuição para a formação das novas gerações.
- Embora
nem a indústria, nem o governo tenham conseguido coibir de forma
eficiente o uso privado e comunitário das obras sem o pagamento
dos direitos autorais correspondentes, [11] eles fizeram o possível
e o impossível para obstruir a difusão de tecnologias de reprodução
doméstica. [12] Foi assim, em 1964, quando a Phillips lançou o
cassete de aúdio e a indústria fonográfica primeiro tentou impedir
o lançamento do produto e depois fez lobby no Congresso para que
fosse criado um imposto sobre os cassetes virgens para compensar
as "perdas" da indústria resultantes das cópias que
os usuários fariam de seus LPs para cassetes. O mesmo aconteceu
em 1976 quando a Sony lançou o videocassete formato Betamax. A
Universal Studios e a Walt Disney abriram um processo contra a
Sony acusando-a de incitar a violação dos direitos autorais e,
depois de uma batalha judicial que durou oito anos, a Suprema
Corte finalmente reconheceu que a pessoa que gravava o último
capítulo da novela não praticava pirataria. Depois, em 1987, chegou
ao mercado um novo dispositivo de reprodução: a fita de áudio
digital, que permitia gravações digitais fiéis sem recurso à compressão
de dados (como acontece com o CD). Embora, de início, não tenha
tido boa aceitação no mercado e, posteriormente, tenha apenas
conquistado o mercado dos profissionais de áudio, a fita de áudio
digital fez com que a indústria fonográfica entrasse em desespero.
Em função de suas pressões foram propostas diversas leis e emendas
no Congresso americano que buscavam limitar a capacidade de reprodução
dos aparelhos e taxar as fitas virgens. Depois de muitas disputas,
o presidente Bush (pai), ratificou, em 1992, no último dia do
seu mandato, o "Ato sobre a gravação doméstica de áudio"
que tinha sido aprovado antes, no Congresso, por voto oral (de
forma que não se têm registros sobre quem votou a favor e quem
votou contra). O Ato, entre outras medidas, obrigava todos os
aparelhos de áudio digital a ter um dispositivo que impedia a cópia
em série de uma fita (ou seja, depois de feita uma cópia, não
se podia fazer outra cópia a partir dela) e instituía um imposto
sobre os aparelhos (2% sobre o preço de venda) e sobre as fitas
virgens (3% do preço de venda). O imposto, depois de recolhido,
era distribuído da seguinte maneira: 57% para as empresas (gravadoras
e editoras musicais) e apenas 43% para os autores. Seria este
o tipo de incentivo ao autor que norteara o pensamento de Thomas
Jefferson e dos fundadores da república americana quando conceberam
as leis e instituições que regiam os direitos autorais?
- O
interesse crescente das grandes empresas na manutenção e ampliação
dos direitos autorais se deve à forma específica como eles foram
estabelecidos. Quando a propriedade intelectual foi concebida
no final do século XVIII, sua finalidade era conceder ao autor
um monopólio sobre a exploração comercial da obra, de forma que
quem quisesse ler o livro que tinha escrito ou escutar a música
que tinha composto, teria que pagar a ele. Ele poderia exigir esse
pagamento porque tinha o direito exclusivo de comercializar a
obra, sem concorrência. Mas é óbvio que os autores não podiam
fazer isso. A não ser que o autor de um livro se tornasse também
editor, ele não poderia diretamente explorar a obra. Ele teria
que recorrer a um editor, a um capitalista, que iria explorar
a obra por ele e tirar parte dos rendimentos para si próprio, como
compensação pelo investimento. Dessa forma, o autor cedia ao capitalista
o direito de exploração exclusiva, sem concorrência, que tinha
recebido do estado e dividia com ele os dividendos da criação.
Mas, nessa relação, o elo fraco era o autor. A distribuição de
livros, discos e outros produtos sempre foi relativamente cara
e havia muitos autores para poucas empresas interessadas em lançá-los.
Isso fez com que as empresas tivessem um poder muito grande de
determinar as condições dos contratos e conseguissem assim uma
grande participação nos dividendos advindos da exploração comercial
da obra. Era evidente que se o objetivo era estimular o autor
e não beneficiar as grandes empresas, não havia porque o monopólio
de exploração comercial ser cedido à empresa. A melhor forma de
beneficiar o autor teria sido ele manter para si o monopólio de
exploração e ceder para diferentes empresas concorrentes o direito
não exclusivo de publicação da obra. Assim, com a concorrência
entre as empresas, a obra seria barateada e melhor difundida e
os dividendos se concentrariam com os autores que poderiam disputar
licenças de exploração mais vantajosas. Com o monopólio de exploração
comercial oferecido pelos direitos autorais sendo cedido integralmente
para as empresas, não eram mais os autores que se beneficiavam
primariamente, mas as grandes empresas da indústria cultural.
- À
medida que o poder da indústria cutural crescia, também cresciam
as campanhas contra as violações dos direitos autorais. Essa pressão
fez, de certa forma, com que aquela desobediência civil passiva
que aparecia quando as pessoas simplesmente ignoravam as leis,
se tornasse mais consciente e, assim, movimentos de oposição declarada
aos direitos autorais começassem a surgir. Enquanto pequenos
grupos de hackers radicais começaram campanhas de violação deliberada
dos direitos autorais, distribuindo música, vídeos, textos e programas
de graça na internet sob o lema "a informação quer ser livre",
grandes movimentos espontâneos menos conscientes e menos radicais
tomavam conta de um público mais amplo. Entre esses movimentos,
o de maior impacto, sem dúvida, foi a formação da comunidade Napster.
- O
Napster era um programa "ponto a ponto" desenvolvido
em 1999 pelo estudante Shawn Fanning que buscava superar a dificuldade
de encontrar música em formato MP3 na internet. Até então, as
músicas em formato MP3 eram disponibilizadas principalmente por
meio de servidores FTP que, em geral, ficavam no ar apenas até
uma grande gravadora encontrar o servidor e enviar uma mensagem
ameaçando deflagrar um processo judicial. Para superar essa dificuldade,
Fanning projetou um sistema ponto a ponto, em que usuários poderiam
acessar arquivos em pastas compartilhadas em computadores de outros
usuários através de links recolhidos por um servidor. Assim, suprimia-se
a mediação dos servidores que armazenavam os arquivos. Os arquivos
de música ficavam no computador de cada usuário e o servidor do
Napster apenas disponibilizava os links de acesso a eles. O Napster
trazia uma concepção inteligente que descentralizava o armazenamento
dos arquivos. Com isso, criava uma situação legal ambígua. Não
se tratava mais de um grande servidor distribuindo música, mas
de uma rede de usuários trocando generosamente arquivos de música
entre si. De certa forma, nada distinguia a troca de arquivos
na rede Napster do hábito que as pessoas sempre tiveram de gravar
fitas cassetes para os amigos. A diferença era que isso era feito
numa rede de cinco milhões de usuários - e foi com base nessa
grande dimensão que a RIAA, a associação das gravadoras americanas,
sustentou um processo contra o Napster.
- Um
dos fatos mais relevantes do fenômeno Napster foi a constituição
da comunidade Napster. Na ausência de um servidor que armazenasse
os arquivos, o funcionamento da rede Napster exigia uma comunidade
de usuários que compartilhasse suas músicas de maneira generosa.
Se todos estivessem na rede apenas para baixar músicas e se recusassem
a disponibilizar os seus próprios arquivos, a rede fracassaria.
Mas o notável é que, a despeito de não ganharem nada e, pelo contrário,
consumirem uma fatia às vezes considerável da sua banda de acesso,
milhões de pessoas disponibilizaram músicas para outras pessoas
que não conheciam, formando uma verdadeira comunidade virtual.
- O
fenômeno Napster deflagrou grandes discussões públicas sobre os
direitos autorais entre 1999 e 2001, quando o Napster perdeu o
processo na justiça. Por um lado, essa discussão evidenciou o
caráter de desobediência civil que envolvia a utilização do programa.
Embora o estatuto legal do Napster estivesse em julgamento, na
grande imprensa e na opinião pública formada por ela, a mensagem
uníssona era a das grandes gravadoras e dos grandes artistas que
condenavam o Napster e acusavam-no de roubo, pirataria e de tirar
o sustento de milhares de artistas esforçados. Apesar dessa massiva
campanha de propaganda dos órgãos de imprensa (muitos dos quais
ligados a grupos empresariais que também controlam grandes gravadoras),
as pessoas não paravam de aderir à rede Napster numa demonstração
aberta de que não consideravam legítima uma lei que impedia a livre
troca dos bens culturais.
- A
discussão sobre o Napster, por outro lado, gerou um debate sobre
a remuneração dos artistas e sobre as dificuldades de se compatibilizar
a livre troca de informações com o sustento de uma classe de criadores
profissionais remunerados. Não apenas as grandes gravadoras se
opuseram ao Napster, mas uma série de artistas estabelecidos,
do Metallica a Lou Reed [13], argumentaram que a livre troca de
música sem o pagamento dos direitos autorais retirava sua fonte
de sustento. E embora esse debate tenha sido muito desequilibrado
- porque sempre estava ausente um verdadeiro opositor dos direitos
autorais - ele teve o mérito de pôr em evidência o objetivo primário
da instituição dos direitos de autor.
- Enquanto
em alguns fóruns alternativos a possibilidade de um mundo sem
direitos autorais era discutida um tanto teoricamente, um movimento
iniciado por programadores começava a mostrar a viabilidade efetiva
desse projeto. Não se tratava de pensar como poderia ser uma sociedade
sem direitos autorais, mas de começar a pô-la em prática.
- Embora
muitas histórias possam ser contatadas sobre a origem desse movimento,
podemos dizer que uma das suas principais manifestações teve origem
no início dos anos 80 quando o programador Richard Stallman, do
laboratório de inteligência artificial do MIT, abandonou seu emprego
por se sentir constrangido pelas restrições de direitos autorais
que impediam-no de aperfeiçoar programas comprados de empresas.
Stallman sentia que as licenças de direitos autorais que negavam
acesso ao código fonte dos programas (para impedir cópias ilegais)
restringiam liberdades que os programadores haviam usufruído antes
do mundo da informática ser dominado pelas grandes corporações
- a liberdade de executar os programas sem restrições, a liberdade
de conhecer e modificar os programas e a liberdade de redistribuir
esses programas na forma original ou modificada entre os amigos
e a comunidade. Por esse motivo, Stallman resolveu iniciar um
movimento que produzisse programas livres, programas que resguardassem
aquelas liberdades que o mundo dos programadores conhecia antes
das restrições empresariais. Foi com essas idéias que Stallman
começou a conceber o sistema operacional GNU que depois de ter
o kernel desenvolvido por Linus Torvalds ficou conhecido como
Linux. [14]
- O
significado do desenvolvimento e principalmente da difusão do sistema
operacional GNU/ Linux não é apenas o de romper o monopólio do
sistema Windows, da Microsoft, mas, principalmente, de fazê-lo
por meio de um empreendimento em grande medida coletivo e voluntário.
Tirando alguns poucos funcionários que recebiam salários relativamente
baixos da fundação de Stallman (a Fundação para o Software Livre),
a maioria dos desenvolvedores do GNU/Linux eram programadores
ligados a empresas e universidades que davam sua contribuição voluntariamente
sem esperar qualquer outro tipo de retorno que não o reconhecimento
público por um trabalho bem feito. Como Benjamin Franklin, esses
programadores, entre os quais encontravam-se alguns dos melhores
em sua área, doavam seu trabalho de forma "gratuita e generosa"
esperando contribuir para "o bem comum" e "a melhoria
das condições". E apenas com esse trabalho voluntário e generoso
(que nos últimos anos passou a ser bem explorado por grandes empresas)
conseguiu-se montar uma comunidade estimada hoje em mais de 15
milhões de usuários.
- O
sucesso da difusão desse sistema operacional e de centenas de outros
programas livres deveu-se ao fato de que esses programas garantiam
a permanência de suas características "livres". Quando
Stallman iniciou o movimento pelo sofware livre, ele concebeu
um tipo de licença de direitos autorais que assegurava a manutenção
das liberdades em versões reproduzidas e melhoradas dos programas.
A esse tipo de licença, Stallman deu o nome de "copyleft"
(esquerdo autoral), num trocadilho com "copyright" (direito
autoral) [15]. Ao invés de simplesmente abrir mão dos direitos
autorais, o que permitiria que empresas se apropriassem de um
programa livre, modificando-o e redistribuindo-o de forma não
livre, Stallman pensou num mecanismo de constrangimento que assegurasse
a manutenção da liberdade que o programador havia dado ao programa.
O mecanismo pensado era reafirmar os direitos autorais abrindo
mão da exclusividade de distribuição e alteração desde que o uso
subsequente não restringisse aquelas liberdades. Em outras palavras,
a pessoa que recebia um programa livre, recebia esse programa
com a condição de que se o copiasse ou o aprimorasse, mantivesse
as características livres que tinha recebido: o direito de rodar
livremente, de modificar livremente e de copiar livremente. Com
isso, os programas livres, frutos de esforços coletivos voluntários,
ganhavam uma licença que garantia que mesmo que as empresas quisessem
usá-los e distribuí-los, o fizessem de forma a manter suas liberdades
iniciais.
- O
sucesso do sistema operacional GNU/Linux e do movimento do software
livre trouxe um exemplo concreto da possibilidade de se constituir
um sistema de criação onde a remuneração não fosse a forma principal
de estímulo e onde o interesse coletivo de usufrir com liberdade
a cultura humana fosse mais importante do que a exploração comercial
das idéias. Claro que a objeção de que os autores ficariam desprovidos
de sustento e teriam que sujar as mãos com trabalhos não puramente
criativos permaneceu. Mas o exemplo de Richard Stallman que trocou
o papel de programador que cedo ou tarde seria forçado a submeter-se
às empresas pelo papel de conferencista e acessor técnico independente
ou ainda, o exemplo de George Gershwin, que antes de garantir o
sustento de sua família por três gerações, ganhou a vida executando,
como pianista e regente, suas próprias composições, mostram que
uma vida sem direitos autorais é possível.
- Hoje
o movimento pelo copyleft, pela livre circulação da cultura e
do saber ampliou-se muito além do universo dos programadores.
O conceito de copyleft é aplicado na produção literária, científica,
artística e jornalística. Há ainda muito trabalho de divulgação
e esclarecimento a ser feito e é preciso que discutamos politicamente
os prós e os contras dos diferentes tipos de licença. Precisamos
discutir se queremos conciliar a exploração comercial com a utilização
não comercial livre ou se devemos simplesmente nos livrar dos
mecanismos de difusão comercial de uma vez por todas; precisamos
também discutir questões relativas à autoria e à integridade da
obra, principalmente numa época em que o sampleamento e a colagem
constituem formas de manifestação artística importantes; temos,
finalmente, que discutir as inúmeras peculiaridades de cada tipo
de produção adequando a licença ao que estamos fazendo (a ênfase
na possibilidade de modificação de um programa de computador tem
pouco cabimento quando aplicado à produção científica, etc.). Esse
trabalho não é o trabalho de imaginar um mundo possível, mas de
passar a construí-lo, aqui e agora.
- ==NOTAS==
- [2]
Direitos de propriedade intelectual é um termo genérico para designar
os direitos autorais, de patentes e de marcas. Neste artigo, falo
um pouco dos direitos sobre patentes, mas, sobretudo, dos direitos
autorais. Para a questão das marcas veja Naomi Klein, Sem Logo
(Rio de Janeiro, Record, 2002).
- [3]
Carta de Thomas Jefferson para Isaac McPherson de 13 de agosto
de 1813 (The Writings of Thomas Jefferson. Washington, Thomas
Jefferson Memorial Association, 1905, vol. 13, pp. 333-335). Essa
passagem é muito citada como argumento contrário à propriedade
intelectual, mas a intenção de Jefferson é apenas mostrar que
a propriedade intelectual não é natural - o que não impede (e
ele é um defensor disso) que ela seja instituída pela sociedade.
- [4]
Cláusula de direitos autorais e de patentes da Constituição Americana,
art. I, § 8, cl. 8.
- [5]
Thomas Babington Macaulay, "A Speech Delivered in the House
of Commons on the 5th of February 1841" In: The Miscellaneous
Writtings and Speeches of Lord Macaulay. Londres, Longmans, Green,
Reader & Dyer, 1880, vol. IV.
- [6]
Apesar disso, houve várias tentativas de introduzir o direito natural
no tratamento da propriedade intelectual. Se a doutrina do direito
natural vingasse, o direito de exploração comercial exclusiva
perderia o caráter de concessão temporária justificada pelo estímulo
à criação e se transformaria num direito permanente e hereditário.
Isso levaria num curto prazo à completa mercantilização de todos
os bens culturais. Felizmente isso não foi adotado em nenhum lugar.
Na França, depois da revolução, a constituição de 1791 consagrou
o direito "natural" à propriedade intelectual, mas a
regulamentação desse direito sempre restringiu o monopólio a um
período de exploração determinado.
- [7]
Evidência de que adequação à Convenção de Berne era apenas um pretexto
é dada pelo fato de que apesar do período da vida do autor mais
50 anos ter sido adotado nos EUA em 1976, o país não aderiu à
convenção até 1989 porque não abriu mão de outros ítens "menores"
como a exigência de registro. Para todo esse levantamento, veja
Tyler T. Ochoa "Patent and Copyright Term Extension and the
Constitution: a Historical Perspective" Copyright Society
of the USA (março de 2002): 19-125.
- [8]
A União Européia havia estendido o prazo de validade dos direitos
autorais para a duração da vida do autor mais 70 anos.
- [9]
The Autobiography of Benjamin Franklin. Nova Iorque, P. F. Collier
& Son, 1909, p. 112.
- [10]
Stephen Marglin "Origem e funções do parcelamento de tarefas"
In: A. Gorz. Crítica da divisão do trabalho. São Paulo, Martins
Fontes, 1989, pp. 37-77.
- [11]
Imagine a Warner exigindo das milhões de pessoas que fazem aniversário
todos os dias pagamento pelos direitos de "Parabéns para
você" (sim, há direito autoral para "Parabéns para você"
e ele pertence ao grupo AOL Time Warner que recebe como pagamento
pelos direitos aproximadamente dois milhões de dólares todo ano).
- [12]
Muito antes das disputas recentes envolvendo o cassete de áudio
e o vídeocassete, pode-se lembrar o processo que a editora musical
White-Smith moveu contra a Apollo Co. em 1908 pela venda de "rolos
de piano", cartuchos cilíndricos com papel perfurado que
eram utilizados por um dispositivo que permitia aos pianos tocarem
músicas automaticamente.
- [13]
Quem se debruçar sobre a história da disputa sobre os direitos
autorais vai sofrer desilusões com grandes artistas que muitas
vezes puseram mesquinhos interesses privados acima dos interesses
públicos. Não é apenas o caso do Metallica que identificou os
interesses dos novos artistas com o das grandes empresas, lembrando
que "apesar de todos nós gostarmos de criticar as gravadoras
grandes e más, elas sempre reinvestiram seus lucros na exposição
de novas bandas para o público" e que, "sem essa exposição,
muitos fãs nunca teriam a oportunidade de conhecer hoje as bandas
de amanhã" (Lars Ulrich, baterista do Metallica, em declaração
sobre o Napster). Numa audiência no congresso americano, buscando
revisar as leis de direito autoral em 1906, o escritor Mark Twain,
autor dos clássicos "As aventuras de Tom Sawyer" e "Huckleberry
Finn" simplesmente defendeu o direito natural à propriedade
intelectual. Após ser informado que tal doutrina era inconstitucional,
passou a defender a extensão do direito para o maior prazo possível.
Seus argumentos? "Eu gosto da extensão [do direito de propriedade
intelectual] para cinquenta anos porque isso beneficia minhas
duas filhas que não têm competência para ganhar a vida como eu
ganho pois eu as eduquei como jovens senhoras que não sabem e
não conseguem fazer nada." (E. F. Brylawsky e A. A. Goldman,
Legislative History of the 1909 Copyright Act. Littleton, Fred
B. Rothman, 1976, p. 117 citado por T. T. Ochoa, no mencionado,
p. 36)
- [14]
Richard Stallman "The GNU Operating System and the Free Software
Movement" In: Mark Stone, Sam Ockman e Chris DiBona (eds.)
Open Sources: Voices from the Open Source Revolution. Sebastopol,
O'Reilly, 1999.
- [15]
O termo "copyleft" partiu de um amigo de Stallman que,
brincando, escreveu certa vez numa carta: "Copyleft: all
rights reversed" (esquerdos autorais: todos os direitos invertidos)
em alusão à nota comum: "Copyright: all rights reserved"
(direitos autorais: todos os direitos reservados). Veja o artigo
de Stallman citado acima.
- (c)
2002 É autorizada a reprodução deste artigo para fins não comerciais
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- http://www.planetarium.com.br/planetarium/noticias/2002/7/1026837123/