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Lima, 8 de abril de 2002

Para: Senhor Juan Alberto González

Diretor-Geral da Microsoft, Perú

 

 

Caro senhor,

 

Primeiramente, lhe agradeço por sua carta de 25 de março de 2002 na qual o senhor afirma a posição oficial da Microsoft concernente Lei documento número 1609, Software Livre na Administração Pública, o qual é indubitavelmente inspirado pelo desejo do Perú em encontrar uma posição adequada no contexto tecnológico global. No mesmo espírito, e convencido de que nós encontraremos as melhores soluções através da troca de idéias claras e abertas, eu tomarei esta oportunidade para responder aos comentários incluídos em sua carta.

Reconhecendo que opiniões como as suas constituem uma significativa contribuição, teria sido ainda mais vantajoso para mim se, ao invés de formular objeções de natureza geral (que analisaremos em detalhadamente adiante), você tivesse reunido sólidos argumentos para as vantagens que software proprietário poderia trazer para o Estado Peruano, e para seus cidadãos em geral, uma vez que isso teria permitido uma troca mais esclarecedora a respeito de cada uma de nossas posições.

Com o objetivo de criar um debate disciplinado, nós assumiremos que o que você chama "software de fonte aberta" é o que a Lei define como "software livre", uma vez que existe software para qual o código fonte é distribuído junto com o programa, mas que não está contido na definição estabelecida pela Lei; e o que você chama "software comercial" é que a Lei define como "proprietário" ou "não-livre", dado que existe software livre que é vendido no mercado por um preço como qualquer outro bem ou serviço.

Também é necessário tornar claro que a intenção da Lei que estamos discutindo não está diretamente relacionada para à quantidade de economias diretas que podem ser realizadas pela utilização de software livre em instituições do Estado. Esse é, em todo caso, um valor agregado marginal, mas de forma nenhuma constitui o foco principal da Lei. Os princípios básicos que inspiram a Lei estão ligados às garantias básicas de um Estado de Direito, tais como:

 

Livre acesso à informação pública pelo cidadão.

 

Continuidade do dado público.

 

Segurança do Estado e dos cidadãos.

 

Para garantir o livre acesso dos cidadãos à informação pública é indispensável que a codificação dos dados não esteja ligada a um único fornecedor. O uso de formatos abertos e padronizados confere uma garantia a este livre acesso, se necessário através da criação de softwares livres compatíveis.

Para garantir a continuidade do dado público é necessário que a utilização e a manutenção do software não dependa da boa vontade dos fornecedores ou de condições de monopólio impostas por eles. Por essa razão o Estado precisa de sistemas cujo desenvolvimento possa ser garantido pela disponibilidade do código fonte.

Para garantir a segurança nacional ou a segurança do Estado é indispensável ser capaz de confiar em sistemas sem elementos que permitam o controle à distância, ou a transmissão indesejada de informação a terceiros. Sistemas com o código fonte livremente acessível ao público são necessários para permitir sua inspeção pelo próprio Estado, pelos cidadãos, e por um grande número de especialistas independentes no mundo todo. Nossa proposta oferece maior segurança, uma vez que o conhecimento do código fonte eliminará o crescente número de programas com código espião.

Do mesmo modo, nossa proposta fortalece a segurança dos cidadãos tanto em seu papel de legítimos proprietários da informação administrada pelo Estado como em seu papel de consumidores. No segundo caso ao se permitir o crescimento de uma ampla disponibilidade de software livre que não contém código espião capaz de colocar em risco a privacidade e as liberdades individuais.

Nesse sentido a Lei se limita a estabelecer as condições sob as quais os órgãos do Estado adquirirão software no futuro, ou seja, de uma maneira compatível com esses princípios básicos.

Da leitura da Lei se tornará claro, uma vez aprovada, que:

 

 

 

 

 

 

O que a Lei expressa claramente é que para um software ser aceitável para o Estado não basta que o mesmo seja tecnicamente capaz de realizar uma tarefa, mas que além disso as condições contratuais devem satisfazer uma série de requisitos concernentes à licença, sem os quais o Estado não pode garantir ao cidadão o processamento adequado de seus dados cuidando de sua integridade, confidencialidade, e acessibilidade através do tempo, uma vez que esses são aspectos muito críticos para o seu funcionamento normal.

 

Nós concordamos, Sr. Gonzalez, que a tecnologia de informação e comunicação tem um impacto significativo na qualidade de vida dos cidadãos (seja positivo ou negativo). Certamente também concordamos que os valores básicos que eu mencionei acima são fundamentais em um Estado democrático como o Perú. Portanto, estamos muito interessados em conhecer qualquer outra forma de garantir esses princípios, além de através do uso de software livre nos termos definidos pela Lei.

 

Quanto às observações realizadas pelo Sr., seguiremos agora à sua análise em detalhe.

 

Primeiramente o Sr. afirma que: “1. A Lei torna compulsório para todos órgãos públicos o uso apenas de software livre, o que quer dizer código de fonte aberta, o que viola os princípios da igualdade perante a Lei, aquele da não discriminação e o direito da livre empresa privada, liberdade da indústria e do contrato, protegidos pela Constituição.”

 

Essa compreensão é um erro. A Lei de maneira alguma afeta os direitos que você relaciona; ela se limita inteiramente a estabelecer condições para o uso de software por parte das instituições do Estado, sem se envolver de modo algum nas transações do setor privado. É um princípio bem estabelecido que o Estado não usufrui do amplo leque de liberdade contratual do setor privado, uma vez que é limitado em suas ações precisamente pelo requerimento da transparência dos atos públicos; e nesse sentido a preservação de um interesse comum maior deve prevalecer quando se legisla sobre a matéria.

 

A Lei protege a igualdade perante a Lei, uma vez que nenhuma pessoa jurídica ou natural está excluída do direito de oferecer esse bens ao Estado sob as condições definidas na Lei e sem maiores limitações do que aquelas estabelecidas pela Lei de Contratos e Aquisições do Estado (T.U.O. por Decreto Supremo Nº 012-2001-PCM).

 

A Lei não introduz qualquer discriminação, uma vez que ela apenas estabelece como os bens devem ser fornecidos (o que é um poder do Estado) e não quem devem fornece-los (o que seria efetivamente discriminatório, se restrições baseadas em nacionalidade, raça, religião, ideologia, preferência sexual etc. fossem impostas). Ao contrário a Lei é decididamente anti-discriminatória. Isso porque ao definir, sem espaço para dúvidas, as condições para o fornecimento de software, ela não permite que os órgãos do Estado usem software que tenha uma licença que inclua condições discriminatórias.

 

Dever ser óbvio pelos dois parágrafos anteriores que a Lei não fere a livre iniciativa privada, uma vez que a última pode sempre escolher sob quais condições ela produzirá software; alguns desses serão aceitáveis para o Estado e outros não serão, uma vez que eles contradizem a garantia dos princípios básicos listados acima. Essa livre iniciativa é compatível, sem dúvida, com a liberdade de indústria e a liberdade de contrato (na forma limitada em que o Estado pode exercer o último). Qualquer sujeito privado pode produzir software sob as condições que o Estado exige, ou pode se abster de fazê-lo. Ninguém é forçado a adotar um modelo de produção, mas se se quer fornecer software ao Estado, se deve prover os mecanismos que garantam os princípios básicos e que são aqueles descritos na lei.

 

A título de exemplo: nada no texto da Lei impede sua companhia de oferecer aos órgãos do Estado um pacote de programas, sob as condições definidas na Lei, e de definir o preço que você considerar satisfatório. Se não o for, não será devido a restrições impostas pela Lei, mas a decisões comerciais relativas ao método de comercialização de seus produtos, decisões com as quais o Estado não está envolvido.

 

Para continuar, você observa que: “2. A Lei, ao tornar o uso de software de fonte livre compulsório, estabeleceria práticas discriminatórias e não competitivas na contratação e compras pelos órgãos públicos ...”

 

Essa afirmação é apenas uma reiteração da afirmação anterior e, portanto, a resposta pode ser encontrada acima. Entretanto, detenhamo-nos por um momento no seu comentário acerca de “práticas não-competitivas”.

 

É claro que ao definir qualquer forma de compra o comprador estabelece condições relacionadas ao uso proposto do bem ou serviço. A princípio isso exclui alguns produtores da possibilidade de competir, mas não os exclui a priori, e sim baseado numa série de princípios determinados pela vontade autônoma do comprador, e portanto o processo ocorre em conformidade com a Lei. E na Lei está estabelecido que ninguém está excluído de competir na medida em que garanta o preenchimento dos princípios básicos.

 

Além do mais a Lei estimula a competição, uma vez que ela tende a gerar uma oferta de software com melhores condições de uso, e para melhor andamento do trabalho, em um modelo de contínuo melhoramento.

 

Por outro lado o aspecto central da competitividade é a chance de oferecer melhores escolhas ao consumidor. Agora, é impossível ignorar o fato de que o marketing não desempenha um papel neutro quando um produto é oferecido no mercado (uma vez que aceitando-se o oposto levaria-se a supor que os gastos das empresas em marketing não tem nenhum sentido), e que por conseguinte um gasto significativo nessa área pode influenciar as decisões do comprador. Essa influência do marketing é em grande medida reduzida pela Lei que nós estamos apoiando, uma vez que a escolha dentro do que está proposto é baseada nos méritos técnicos do produto e não no esforço de comercialização pelo produtor; nesse sentido a competitividade é incrementada, uma vez que o menor dos produtores de software pode competir em igualdade de condições com a mais poderosa das corporações.

 

É necessário sublinhar que não há posição mais anti-competitiva do que aquela dos grandes produtores de software, que freqüentemente abusam de sua posição dominante, uma vez que em inúmeros casos eles propõem como uma solução aos problemas dos usuários: “atualize seu software para uma nova versão” (às custas do usuário, naturalmente); Além do mais é comum encontrar a interrupção arbitrária de assistência técnica para os produtos que, no julgamento isolado do fornecedor “são velhos”; e então, para receber qualquer tipo de assistência técnica, o usuário se vê forçado a migrar para novas versões (com custos nada banais, especialmente porque mudanças da plataforma de hardware são freqüentemente necessária). E como toda a infra-estrutura está baseada em formatos de proprietários de dados, o usuário se vê enredado na necessidade de continuar usando produtos do mesmo fornecedor, ou a fazer um grande esforço para mudar para outro ambiente (provavelmente também proprietário).

 

Você acrescenta que: “3. Portanto, ao obrigar o Estado a favorecer um modelo de negócio baseado inteiramente em uma fonte aberta, a Lei apenas desencorajará as companhias produtoras nacionais e internacionais, que são aquelas que realmente assumem importantes gastos, criam um significativo número de empregos diretos e indiretos, e contribuem para o Produto Nacional Bruto, em oposição ao modelo de software de fonte aberta que tende a ter um fraco impacto econômico, uma vez que cria empregos principalmente no setor de serviços.”

 

Eu não concordo com sua afirmação. Parcialmente pelo que você mesmo afirma no parágrafo 6 de sua carta, com relação ao peso relativo dos serviços no contexto do uso de software. Essa contradição invalidaria sua posição. O modelo de serviço, adotado por um grande número de companhias na indústria de software, é muito maior em termos econômicos e com tendência a crescimento do que o licenciamento de programas.

 

Por outro lado o setor privado da economia tem a mais ampla liberdade de escolher o modelo econômico que melhor sirva aos seus interesses, mesmo se essa liberdade de escolha for freqüentemente obscurecida subliminarmente pelo gasto desproporcional em marketing pelos produtores de software proprietário.

 

Além do mais, a leitura de sua opinião levaria à conclusão de que o mercado estatal é crucial e essencial para a indústria de software proprietário, a tal ponto que a escolha feita pelo Estado nesta Lei eliminaria completamente o mercado para essas empresas. Se isso é verdade, podemos deduzir que o Estado deve estar subsidiando a indústria de software proprietário. Na possibilidade improvável de que isso fosse verdade, o Estado teria o direito de aplicar os subsídios nas áreas que ele considerasse de maior valor social; É inegável, nessa hipótese improvável, que se o Estado decidisse subsidiar software ele teria de fazê-lo escolhendo o que fosse livre e não o proprietário, considerando seu efeito social e o uso racional do dinheiro dos contribuintes.

 

Com relação aos empregos gerados pelo software proprietário em países como o nosso, esses dizem respeito principalmente a tarefas de pequeno valor agregado; a nível local, os técnicos que fornecem suporte para software proprietário produzido por companhias transnacionais não têm a possibilidade de consertar “bugs”, não necessariamente por falta de capacidade técnica ou de talento, mas porque eles não têm acesso ao código fonte para conserta-los. Com o software livre se cria empregos mais tecnicamente qualificados e uma situação de livre competência onde o sucesso está ligado apenas à habilidade de oferecer um bom suporte técnico e qualidade de serviço, estimula-se o mercado e incrementa-se o fundo comum de conhecimento, abrindo-se alternativas para gerar serviços de maior valor total e de um nível de qualidade superior, em benefício de todos os envolvidos: produtores, organizações de serviço e consumidores.

 

É um fenômeno comum em países em desenvolvimento que a indústria de software local obtenha a maior parte de seus ganhos no setor de serviços, ou na criação de software “ad hoc”. Portanto, qualquer impacto negativo que a aplicação da Lei poderia ter nesse setor será mais do que compensado por um crescimento na demanda por serviços (na medida em que esses sejam prestados com alto padrão de qualidade). Se as companhias de software transnacionais decidirem não competir sob essas novas regras do jogo, é possível que elas enfrentem algum decréscimo nos ganhos em termos de pagamento por licenças; entretanto, considerando que essas firmas continuam alegando que a maior parte do software usado pelo Estado foi copiada ilegalmente, se pode notar que o impacto não será muito sério. Certamente, de qualquer modo, sua sorte será determinada pelas leis do mercado, mudanças que não podem ser evitadas; muitas firmas tradicionalmente associadas ao software proprietário já se colocaram a caminho (apoiadas por grandes gastos) de oferecer serviços associados a softwares livres, o que demonstra que os modelos não são mutuamente exclusivos.

 

Com essa Lei o Estado está decidindo que é preciso preservar alguns valores fundamentais. E está decidindo baseado em seu poder soberano, sem afetar qualquer garantia constitucional. Se esses valores pudessem ser garantidos sem ter que se escolher um modelo econômico particular, os efeitos da Lei seriam ainda mais benéficos. De qualquer modo, deve ficar claro que o Estado não escolhe um modelo econômico; se ocorre que há apenas um modelo econômico capaz de oferecer software que proporcione a garantia básica desses princípios, isso se deve às circunstâncias históricas, não à escolha arbitrária de um dado modelo.

 

Sua carta continua: “4. A Lei impõe o uso de software de fonte aberta sem considerar os perigos que isso pode trazer do ponto de vista da segurança, garantia e possível violação dos direitos de propriedade intelectual de terceiros.”

 

Aludindo de maneira abstrata aos “perigos que isso pode trazer”, sem mencionar especificamente um único desses supostos perigos, demonstra no mínimo alguma falta de conhecimento do assunto. Portanto, permita-me ilumina-lo sobre esses pontos.

 

Sobre a segurança:

 

A segurança nacional já foi mencionada em termos gerais na discussão inicial dos princípios básicos da Lei. Em termos mais específicos, relativos à segurança do próprio software, é bem conhecido que todo software (seja proprietário, seja livre) contém erros ou “bugs” (na gíria dos programadores). Mas, é também bem conhecido que os bugs são menos comuns nos softwares livres, e são consertados muito mais rapidamente do que nos softwares proprietários. Não é em vão que numerosos órgãos públicos, responsáveis pela segurança de IT de sistemas do Estado, em países desenvolvidos, requerem o uso de software livre para as mesmas condições de segurança e eficiência.

 

O que é impossível provar é que o software proprietário é mais seguro do que o livre, sem a inspeção aberta e pública da comunidade científica e dos usuários em geral. Essa demonstração é impossível porque o próprio modelo do software proprietário impede essa análise, de modo que qualquer garantia de segurança é baseado apenas nas promessas de boas intenções (enviesadas, como se sabe) feitas pelo próprio produtor ou seus contratantes.

 

Deve ser lembrado que, em muitos casos, as condições de licenciamento incluem cláusulas de Non-Disclosure que impedem o usuário de revelar publicamente as falhas de segurança encontradas no produto proprietário licenciado.

 

Com relação à garantia:

 

Como você sabe perfeitamente bem, ou poderia descobrir lendo o “Contrato de Licença do Usuário Final” dos produtos que você licencia, na grande maioria dos casos as garantias são limitadas à substituição das Mídias de Armazenamento no caso de defeitos, mais em nenhum caso a compensação é dada para perdas diretas ou indiretas, perda de lucros, etc ... Se, como resultado de um bug de segurança em um de seus produtos não consertado a tempo por vocês mesmos, um ataque conseguir comprometer sistemas cruciais do Estado, que garantias, reparações e compensações sua companhia daria de acordo com as condições de licenciamento? As garantias do software proprietário, do modo em que os programas são entregues “AS IS”, ou seja, no estado em que eles se encontram, sem nenhuma responsabilidade adicional do fornecedor com respeito à função, de modo algum diferem daquelas normais do software livre.

 

Sobre a propriedade intelectual:

 

Questões de propriedade intelectual estão fora do escopo dessa lei, uma vez que elas estão cobertas por outras leis específicas. O modelo de software livre de modo algum implica ignorância dessas leis, e de fato a grande maioria do software livre é coberta por copyright. Na realidade a inclusão dessa questão nas suas observações demonstra sua confusão com relação do quadro legal no qual o software livre é desenvolvido. A inclusão da propriedade intelectual de outros em trabalhos reivindicados como seus não é uma prática que tem sido observada na comunidade de software livre; ao passo em que, infelizmente, ela tem sido observada na área do software proprietário. Como o exemplo a condenação pela corte comercial de Nanterre, França, em 27 de setembro de 2001 da Microsoft Corporation a uma pena de 3 milhões de Francos, em danos e perdas, pela violação da propriedade intelectual (pirataria, para usar o termo infeliz que sua firma constantemente utiliza na sua publicidade).

 

Você segue dizendo que: “A Lei utiliza o conceito de software de fonte aberta incorretamente, uma vez que isso não implica necessariamente que o software é gratuito ou de custo zero, e portanto chega a conclusões erradas a respeito de economias para o Estado, sem uma análise de custo benefício para validar sua posição.”

 

Essa observação está errada; a princípio, liberdade e falta de custo são conceitos ortogonais: há software que é proprietário e pelo qual se cobra (por exemplo MS Office), software que é proprietário e livre de custos (MS Internet Explorer), software que é livre e pelo qual se cobra (RedHat, SuSE etc Gnu/Linux distributions), software que é livre e pelo qual não se cobra (Apache, OpenOffice, Mozilla), e até mesmo software que pode ser licenciado em um leque de combinações (MySQL).

 

Certamente software livre não é necessariamente sem custos. E o texto da Lei não afirma que tem que ser assim, como você deve ter observado após lê-la. As definições incluídas na Lei afirmam claramente o que deve ser considerado software livre, em nenhum ponto se referindo a livre de cobrança. Embora a possibilidade de economias nos pagamentos de software proprietário licenciados seja mencionada, os fundamentos da Lei claramente se referem às garantias fundamentais a serem preservadas e ao estímulo do desenvolvimento tecnológico local. Dado que o Estado Democrático deve apoiar esses princípios, não há outra escolha que não seja utilizar software com o código fonte publicamente disponível, e a trocar informação apenas em formatos padrão.

 

Se o Estado não utilizar software com essas características, ele estará enfraquecendo princípios republicanos básicos. Com sorte, software livre também implica custos totais menores; entretanto, mesmo considerando-se a hipótese (facilmente refutável) de que ele seja mais caro do que o software proprietário, a simples existência de uma ferramenta de software livre efetiva para uma função particular de IT obrigaria o Estado a usá-la; não pela determinação dessa Lei, mas por causa dos princípios básicos enumerados no início e que emergem da própria essência do Estado Democrático de Direito.

 

Você continua: “6. É errado pensar que o software de fonte aberta é livre de custos. Pesquisa do Grupo Gartner (um importante investigador do mercado de tecnologia reconhecida mundialmente) demonstrou que o curto de compra do software (sistema operacional e aplicações) é apenas 8% do custo total que as firmas e instituições despendem por um uso realmente racional e benéfico da tecnologia. Os outros 92% consistem em: custos de instalação, habilitação, suporte, manutenção, administração e down-time.”

 

Esse argumento repete o já disposto no parágrafo 5 e parcialmente contradiz o parágrafo 3. Para abreviar, nos remetemos aos comentários naqueles parágrafos. Entretanto, permita-me destacar que sua conclusão é logicamente falsa: mesmo se se concordar com o Grupo Gartner em que o custo do software é, em média, apenas 8% do custo total de uso, isso não nega de modo algum a existência de software que é livre de custos, ou seja, com um custo de licenciamento de zero.

 

Além do mais, nesse parágrafo você destaca corretamente que os componentes de serviço e perdas devido ao down-time compreendem a maior parte do custo total de uso do software, o qual, como você perceberá, contradiz sua afirmação a respeito do pequeno valor dos serviços sugerido no parágrafo 3. Agora, o uso de software livre contribui significantemente para reduzir os custos de ciclo de vida restantes. Essa redução nos custos de instalação, suporte etc. pode ser observado em várias áreas: em primeiro lugar, o modelo de serviço competitivo do software livre, suporte e manutenção para os quais se pode livremente contratar diversos fornecedores competindo com base na qualidade e baixo custo. Isso é verdade para a instalação, habilitação e suporte, e em grande parte para a manutenção. Em segundo lugar, devido às características de reprodução do modelo, a manutenção realizada para uma aplicação é facilmente replicável, sem levar a grandes custos (ou seja, sem pagar mais de uma vez pela mesma coisa) uma vez que modificações, se alguém quiser, podem ser incorporadas no fundo de conhecimento comum. Em terceiro lugar, os enormes custos causados por software fora de funcionamento (“telas azuis de morte”, código malicioso tais como vírus, worms, e trojans, exceções, falhas de proteção geral e outros problemas bem conhecidos) são reduzidos consideravelmente pela utilização de software mais estável; e é bem conhecido que uma das virtudes mais notáveis do software livre é sua estabilidade.

 

Você afirma ainda que: “7. Um dos argumentos por detrás da Lei é a suposta liberdade dos custos do software de fonte aberta, comparado com os custos do software comercial, sem levar em consideração o fato de que existem tipos de licença por volume que podem ser altamente vantajosos para o Estado, como já ocorreu em outros países.”

 

Eu já destaquei que o que está em questão não é o custo do software, mas os princípios de liberdade de informação, acessibilidade e segurança. Esses argumentos já foram cobertos extensivamente nos parágrafos anteriores para os quais eu lhe remeto.

 

Por outro lado, existem certamente tipos de licenciamento por volume (embora infelizmente o software proprietário não satisfaça os princípios básicos). Mas como você corretamente apontou no parágrafo imediatamente anterior de sua carta, eles apenas conseguem reduzir o impacto de um componente que não é responsável por mais de 8% do total.

 

Você continua: “8. Além do mais, a alternativa adotada pela Lei (i) é claramente mais cara, devido aos altos custos de migração do software, e (ii) coloca em risco a compatibilidade e interoperacionalidade das plataformas IT dentro do Estado e entre o Estado e o setor privado, dado as centenas de versões de softwares de fontes abertas no mercado.”

 

Vamos analisar sua declaração em duas partes. Seu primeiro argumento, o de que a migração implica altos custos, é na realidade um argumento a favor da Lei. Porque quanto mais o tempo passa, mais difícil se torna a migração para outra tecnologia; e ao mesmo tempo, os riscos de segurança associados ao software proprietário continuarão a crescer. Desse modo, o uso de sistemas e formatos proprietários tornarão o Estado ainda mais dependentes de fornecedores específicos. Uma vez que a política de se utilizar software livre tenha sido estabelecida (o que certamente implicará algum custo), então, ao contrário, a migração de um sistema para outro se torna muito simples, uma vez que todos dados serão armazenados em formatos abertos. Por outro lado, a migração para o contexto de software aberto não implica mais custos do que a migração entre dois contextos de softwares proprietários diferentes, o que invalida o seu argumento completamente.

 

O segundo argumento se refere aos “problemas de interoperacionalidade das plataformas IT dentro do Estado e entre o Estado e o setor privado”. Essa afirmação implica uma certa falta de conhecimento da maneira pela qual o software livre é construído, a qual não maximiza a dependência do usuário de uma plataforma particular, como normalmente acontece no domínio do software proprietário. Mesmo quando há múltiplas distribuições de software livre, e numerosos programas que podem ser utilizados para a mesma função, a interoperacionalidade é garantida como tal pelo uso de formatos padrão, conforme exigido pela Lei, assim como pela possibilidade de criação de software interoperacionalizável dada a disponibilidade do código fonte.

 

Você então diz que: “9. A maioria do código fonte aberto não oferece nível adequado de serviço nem as garantias de produtores reconhecidos de alta produtividade por parte dos usuários, o que tem levado várias organizações públicas a voltarem atrás na sua decisão de adotar a solução do software de fonte aberta e a usarem o software comercial no seu lugar.”

 

Essa observação não tem fundamento. Com relação à garantia, seu argumento foi refutado na resposta ao parágrafo 4. Com relação aos serviços de suporte, é possível usar o software livre sem eles (assim como acontece com o software proprietário), mas qualquer um que necessite de serviços de suporte, pode obtê-los separadamente, seja de firmas locais ou de corporações internacionais, novamente assim como é o caso do software proprietário.

 

Por outro lado contribuiria grandemente para a nossa análise se você pudesse nos informar sobre projetos de software livre estabelecidos em órgãos públicos que já foram abandonados em favor do software proprietário. Nós temos conhecimento de um bom número de casos onde o oposto ocorreu, mas não sabemos de nenhum lugar em que o que você descreveu tenha acontecido.

 

Você continua observando que: “10. A Lei desmotiva a criatividade da indústria de software peruana, que embolsa 40 milhões de dólares por ano, exporta 4 milhões de dólares (décimo lugar no ranking de exportações não tradicionais, mais do que a manufatura) e é uma fonte de emprego altamente qualificado. Com uma lei que incentiva o uso da fonte aberta, os programadores de software perdem seus direitos de propriedade intelectual e sua principal fonte de pagamento.”

 

É suficientemente claro que ninguém é forçado a comercializar seu código como software livre. A única coisa a se levar em consideração é que se não é software livre, não pode ser vendido ao setor público. Esse setor não é de modo algum o mercado principal da indústria nacional de software. Nós cobrimos acima algumas questões referentes à influência da Lei na geração de emprego que seria altamente qualificado em termos técnicos e em melhores condições de competição, portanto é desnecessário insistir sobre este ponto.

 

O que segue na sua afirmação é incorreto. Por um lado, nenhum autor de software livre perde seus direitos de propriedade intelectual, a menos que ele expressamente deseje colocar seu trabalho em domínio público. O movimento do software livre sempre foi muito respeitoso com relação à propriedade intelectual, e tem gerado amplo reconhecimento público dos autores. Nomes como Richard Stallman, Linus Torvalds, Guido van Rossum, Larry Wall, Miguel de Icaza, Andrew Tridgell, Theo de Raadt, Andrea Arcangeli, Bruce Perens, Darren Reed, Alan Cox, Eric Raymond, e muitos outros, são reconhecidos mundialmente por suas contribuições ao desenvolvimento de software que são utilizados hoje por milhões de pessoas em todo o mundo. Por outro lado, dizer que as recompensas pelos direitos autorais são a principal forma de pagamento dos programadores peruanos é um “chute”, em particular porque não há prova desse efeito, nem uma demonstração de como o uso de software livre pelo Estado influenciaria esses pagamentos.

 

Você prossegue dizendo que: “11. software de fonte livre, uma vez que pode ser distribuído sem custo, não permite a geração de renda para seus desenvolvedores através de exportações. Nesse caso, o efeito multiplicador da venda de software para outros países é enfraquecido e também, por sua vez, o é o crescimento da indústria, uma vez que as regras do governo agem no sentido contrário de estimular a indústria local.“

 

Esta afirmação demonstra mais uma vez completa ignorância dos mecanismos e do mercado para o software livre. Ela tenta sustentar que o mercado de venda de direitos não-exclusivos para uso (venda de licenças) é o único possível para a indústria de software, quando você mesmo apontou vários parágrafos acima que esse não é nem sequer o mais importante. Os incentivos que a lei oferece para o crescimento de uma oferta de profissionais melhor qualificados, juntamente com o aumento na experiência que o trabalho em larga escala com software livre dentro do Estado trará para os técnicos peruanos, os colocará numa posição altamente competitiva para oferecerem seus serviços ao exterior.

 

Você então afirma que: “12. No Fórum, o uso de software de fonte aberta na educação foi discutido, sem mencionar o completo colapso dessa iniciativa num país como o México, onde precisamente os empregados do Estado, que fundaram o projeto, agora afirmam que o software de fonte livre não tornou possível oferecer uma experiência de aprendizado para as crianças nas escolas, não levou em consideração a capacidade em nível nacional de dar suporte adequado para a plataforma, em que o software não permitiu e não permite os níveis de integração de plataforma que agora existe nas escolas.”

 

De fato, o México passou por uma reversão com o projeto Red Escolar (Rede de Escolas). Isso se deveu precisamente ao fato de que forças por detrás do projeto mexicano usaram os custos de licença como o seu principal argumento, ao invés de outras razões especificadas em nosso projeto, que são muito mais essenciais. Por causa desse erro conceitual, e como um resultado da falta de apoio efetivo da SEP (Secretaria de Estado para a Educação Pública), supôs-se que para implantar o software livre nas escolas bastaria reduzir o orçamento de software e mandar para as escolas um CD ROM com Gnu/Linux. É claro que isso falhou, e não poderia ter sido de outra maneira, assim como os laboratórios das escolas falham quando eles utilizam software proprietário e não tem orçamento para implementação e manutenção. É por isso que nossa lei não está limitada a tornar o uso do software livre mandatório, mas reconhece a necessidade de criar um plano de migração viável, no qual o Estado assume a transição técnica de maneira disciplinada para então usufruir das vantagens do software livre.

 

Você termina com uma questão retórica: “13. Se o software de fonte aberta satisfaz todos os requisitos dos órgãos do Estado, porque vocês necessitam de uma lei para adotá-lo? Não deveria ser o mercado que decide livremente quais produtos trazem maior benefício ou valor?”

 

Nós concordamos que no setor privado da economia deve ser o mercado que decide que produtos usar, e nenhuma interferência do Estado é permissível. Entretanto, no caso do setor público o raciocínio não é o mesmo: como nós já afirmamos anteriormente, o Estado arquiva, manipula e transmite informações que não pertencem a ele, mas que a ele são confiadas pelos cidadãos, os quais não têm alternativa sob a regra da lei. Como uma contrapartida a esse requerimento legal, o Estado deve tomar medidas extremas para salvaguardar a integridade, confidencialidade e acessibilidade dessas informações. O uso do software proprietário levanta sérias dúvidas com relação a se esses requerimentos podem ser preenchidos, falta-lhe evidência conclusiva a esse respeito, e, portanto, não é adequado para uso no setor público.

 

A necessidade de uma lei é baseada, primeiramente, na realização dos princípios fundamentais listados acima na área específica de software; em segundo lugar, no fato de que o Estado não é uma entidade homogênea ideal, mas feito de múltiplos órgãos com graus variados de autonomia no processo decisório. Dado que é inapropriado usar software proprietário, o fato de estabelecer essas regras na lei evitará escolhas pessoais de qualquer empregado do Estado que coloque em risco as informações que pertencem aos cidadãos. E, sobretudo, por constituir uma reafirmação em relação aos meios de administração e comunicação da informação utilizada hoje, ele é baseada no princípio republicano da abertura ao público.

 

Em conformidade com esse princípio aceito universalmente, o cidadão tem o direito de conhecer toda a informação mantida pelo Estado e não coberta por declarações de sigilo bem fundamentadas baseadas na lei. Agora, software lida com informação e é, ele mesmo, informação. Informação em uma forma especial, capaz de ser interpretada por uma máquina de modo a executar ações, mas também informação crucial porque o cidadão tem o direito legítimo de saber, por exemplo, como seu voto é computado ou seus impostos são calculados. E para isso ele deve ter livre acesso ao código fonte e ser capaz de provar, para sua satisfação, os programas utilizados para as computações eleitorais ou para o cálculo de seus impostos.

 

Eu lhe desejo o maior respeito e gostaria de repetir que o meu escritório estará sempre aberto para você expor seu ponto de vista em qualquer nível de detalhe que você considerar adequado.

 

Cordialmente,

 

DR EDGAR DAVID VILLANUEVA NUÑES

 

Congressman of the Republica of Perú.