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Futuro depende de definições sobre
propriedade intelectual
Editoria:
Governos
27/Aug/2004
Softwares livres como o sistema operacional GNU-Linux
ganham cada vez mais espaço entre usuários de diversas categorias pelos mais variados
motivos. Para professora irlandesa de Direito, porém, a grande batalha contra
as corporações do setor ainda está por vir.
Maurício Hashizume
Brasília – Adotado cada vez mais por usuários de diversas
categorias pelos mais variados motivos, o software livre (com código-fonte
aberto e não-proprietário) chega a sua fase “adulta”. O futuro de programas de
computador como o sistema operacional GNU-Linux, alternativa ao Windows
pertencente a Microsoft, dependerá do resultado de uma verdadeira guerra entre
os que defendem “asas” para proporcionar vôos livres de criatividade ou
“amarras” para garantir lucros. A batalha decisiva, segundo a professora de
Direito Maureen O‘Sullivan, da University of the West of England (UWE) do Reino
Unido, se concentrará na forma como a propriedade intelectual de softwares será
legalmente encarada.
Na opinião de Maureen, que participou de uma audiência pública
sobre o tema nesta terça-feira (24) na Câmara Federal, estamos diante de uma
“armadilha dos direitos e dos incentivos à propriedade intelectual”,
sustentados na argumentação do enriquecimento da sociedade e na criação de
empregos. “Esses argumentos sustentam que você tem direito ao que você criou e
exclui outros dessa criação, o que é uma postura filosófica baseada numa
leitura errônea dos trabalhos de um filósofo do século XVII”, explica a
professora de Direito. Dentro do escopo da proteção total à propriedade
intelectual, nenhum pesquisador se sentiria estimulado a produzir inovações se
não houvesse a garantia integral desse direito. O caso do próprio GNU-Linux
pode ser tomado como um paradigma diferente: o sistema operacional que tem como
símbolo o pingüim "Tux" conta com a contribuição de sete vezes mais
programadores voluntários do que a maior empresa privada de desenvolvimento de
software do globo.
“As leis de propriedade intelectual são o terreno das grandes
multinacionais. Afinal, elas praticamente escreveram e continuam escrevendo as
leis”, observa a especialista. “Este será o campo de batalha, a meu ver, no
qual companhias de software proprietário de software escolherão para lutar”.
“A legislação de softare livre ainda está num estágio de
crescimento em seu desenvolvimento sócio-legal. Tem amadurecido como um
fenômeno evidenciado em sua larga adoção por todo o mundo, mas legalmente sua
situação é precária”, pondera Maureen. “Batalhas estão por vir e, se a
experiência nos diz algo, é que o esforço [para minar legalmente o software
livre] será contínuo e haverá muito mais manifestações [por parte das grandes
corporações do setor]. As posições são: software livre x software proprietário;
leis informais x legislação [consolidada]; [controvérsias] locais e mecanismos
de disputas informais x tribunais e leis consuetudinárias. Em suma, sociedade x
grandes empresas”.
De acordo com ela, já que todos os interesses conservadores têm
trabalhado em conjunto para criar o clima legal corrente (software
proprietário, leis, julgamentos e corporações), “todos os que advogam pelo
software livre devem unir forças e criar um ecossistema para proteger o
recurso”. Para fazer efetivamente isso, a professora recomenda uma formulação
conjunta e multi-setorial que envolva todos os movimentos organizados da
sociedade civil na elaboração de políticas contra uma legislação que favoreça
as empresas que exploram a propriedade intelectual de softwares.
Para dar um exemplo prático do poderio dessa articulação
não-governamental, Maureen recorreu à experiência da mobilização contra os
alimentos transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGMs) – que
também reuniu interesses de grandes empresas, tecnologia e aspectos sociais -
na Europa. A sociedade civil agiu de maneira tal nesse caso que os transgênicos
não puderam ser cultivados na Inglaterra e na Escócia por quatro anos, de 1999
a 2003. “Até os cientistas concluíram que todo os três grãos testados estavam
causando prejuízo ao meio ambiente, mas o governo quis ir adiante de qualquer
forma e autorizou o cultivo [de OGMs]”, conta. A sociedade civil então se organizou
basicamente pela Internet. Cidadãos e cidadãs deslocaram os políticos do debate
e negociaram diretamente com as multinacionais. Resultado: 10 mil pessoas
decidiram que arrancariam cada transgênico plantado ao assinar um termo de
compromisso organizado por um grupo que se autodenominou “greengloves” (luvas
verdes).
O
episódio dos transgênicos na Europa permite uma reflexão bastante oportuna, na
linha de raciocínio da professora. A democracia representativa existe, frisa
ela, porque o povo confiou sua representação aos políticos. “Se isso não está
mais funcionando, a democracia participativa ocupa uma parte maior na sociedade
e, mais cedo ou mais tarde, o povo dirá: ‘sem representação, não há
tributação‘”.
Fonte: Agencia Carta Maior
Retirado de: http://www.softwarelivre.org/news/2929