Qualquer pessoa medianamente informada
sabe que tecnologia digital é sinônimo de velocidade, precisão e representa o
futuro. Porém, o maior desafio para aqueles que desenham produtos digitais
reside no fato simples de que nenhum ser humano percebe e experimenta a
realidade através da linguagem binária de “0s” e “1s”.
O mundo natural, em termos físicos e de
engenharia, é composto por infinitas variáveis analógicas de som, luz,
temperatura, pressão e campos magnéticos. O resultado mais imediato disso é que
a revolução digital por que o mundo está passando nas duas últimas décadas
(desde o advento do CD em 1983) vem na realidade incrementando incontáveis
aperfeiçoamentos na engenharia eletrônica analógica, um campo anacrônico mas
extremamente necessário para oferecer-nos milhares de produtos que sejam
capazes de traduzir a realidade de zeros e uns dos computadores para formatos
perceptíveis aos seres humanos.
Numa câmera digital, por exemplo, chips
analógicos “traduzem” intensidades e comprimento de ondas luminosas em código
binário e, para que o fotógrafo possa visualizar a imagem captada, re-traduzem
essa informação numa imagem visual no display do aparelho. Essas
traduções e re-traduções também se aplicam a mecanismos de tempo, filtragem de
sinais e desempenho de baterias. Uma das empresas que melhor compreendeu essa
curiosa necessidade, que mantém um padrão antiquado num admirável mundo novo, foi
a Texas Instruments Inc., que no limiar do novo milênio decidiu investir
substancialmente em tecnologia analógica atreladas a seus produtos de
tecnologia digital de ponta.
No ano passado, a TI tornou-se a líder
global do mercado mundial de chips analógicos, estimado em US$ 26,8 bilhões.
Segundo seu vice-presidente Gregg. A. Lowe, “a maioria das pessoas pensa que
por estar o mundo envolta na era digital a tecnologia analógica é antiquada e
ineficiente mas não sabe que para cada processador digital utilizado são
necessários cerca de 15 chips analógicos”.
Quando os executivos da empresa
demonstram seus produtos em feiras e convenções, apresentando celulares
minúsculos, câmeras digitais e reprodutores de vídeo e discos do tamanho da
palma da mão, a primeira coisa de que falam é quase sempre um processador
digital de sinais, mas na mesma medida em que esses engenhos são as estrelas do
espetáculo da tecnologia da informação, a quantidade de equipamentos analógicos
embutida nesses aparelhos vem se tornando cada vez mais significativa.
A Texas Instruments desempenhou papel
mercurial na história da tecnologia analógica, que pode ser tracejado até os
anos 30 do século passado, quando desenvolveu um método para as companhias
petrolíferas explorarem veios de petróleo através de ondas sonoras. Em seguida
participou do aperfeiçoamento do radar, outra tecnologia analógica, fabricando
equipamento para os militares na Segunda Guerra Mundial.
Apesar desse envolvimento com tecnologia
analógica, não foi senão nos anos 90 que ela se tornou-se prática central da
política comercial da empresa. Foi nesta década que a companhia se desfez de
varias de suas unidades anteriores, vendendo sua divisão petrolífera à
Halliburton, de mísseis e sistemas eletrônicos para a Raytheon e de computadores
para a Hewlett-Packard e a Acer.
A partir daí a Texas Instruments
concentrou-se em adquirir outras empresas para expandir sua presença no setor
de semi-condutores analógicos e capacitar-se para produzir chips com
dupla capacidade: digital e analógica. Embora o mercado analógico ainda seja
muito fragmentado e seus produtos muito baratos em contraste com os digitais, a
necessidade rapidamente crescente de atendimento ao formato analógico-para-digital
está modificando amplamente a paisagem comercial. “Qualquer pessoa que seja um
pouco mais versada em tecnologia analógica está sentada sobre um modelo de
negócio altamente lucrativo hoje em dia”, diz Robert Swanson Jr., presidente da
Linear, baseada na Califórnia.
Mesmo quando o estouro da bolha da
Internet diminuiu as vendas da empresa em quase 50% em 2001, sua margem de
lucro jamais foi menor do que 38%, justamente por apostar na tecnologia
analógica.
E o que está acontecendo agora no mercado
americano é uma verdadeira reviravolta, pois os fabricantes de produtos
empregando tecnologia analógica têm à sua disposição todos os recursos e a
precisão de que necessitam – e antes da era digital não tinham – para a
fabricação de seus equipamentos, fornecidos justamente pelos fabricantes de
produtos digitais que empregam tecnologia analógica.
Entretanto embutir nos chips
analógicos as grandes quantidades de tarefas necessárias para um produto ser
considerado satisfatório no mundo digital representa uma colossal barreira de
engenharia e design, precisamente porque a tecnologia digital é
considerada “de ponta” e ainda encontra-se muito poucos engenheiros
qualificados em tecnologia analógica e os raros profissionais capacitados em
ambos os campos são considerados especialmente valiosos pelas empresas.
Algo de similar ocorre no campo jurídico,
pois podemos traçar uma analogia entre a análise extremamente técnica descrita
acima com o mundo jurídico contemporâneo, às voltas desde o advento da Era
Digital com a prometéica tarefa de tentar controlar informações e obras intelectuais
protegidas pelo Direito de Autor após o advento da Internet. Enquanto os
métodos e sistemas tornados disponíveis para a fiscalização e o controle da
propriedade intelectual eram analógicos, a tarefa do legislador e dos terceiros
interessados era substancialmente mais fácil, na medida em que eram conhecidos,
limitados e substancialmente mais possível de se coibir os crimes dessa
natureza.
Com a invasão dos computadores pessoais e
a migração da sociedade para a Internet (com exceção de alguns bolsões de pobreza
no mundo), o dever-de-casa de advogados, juristas, legisladores e juízes
tornou-se absurdamente mais difícil, justamente por força da entrada em cena da
tecnologia digital, que transformou tudo em “zeros” e “uns”, em forma
eletrônica e manipuláveis à velocidade da luz de qualquer ponto do planeta.
Inúmeras têm sido as tentativas de
encontrar-se um modelo resistente à pirataria e à manipulação desautorizada de
obras intelectuais desde então e o maior progresso até agora alcançado têm sido
justamente as workshops internacionais sobre a questão da lei
cibernética (cyberlaw) e as – ainda parcas – decisões de tribunais
(predominantemente americanos e europeus) nesse sentido.
Salta aos olhos do observador mais
aguçado desse novo e bravo mundo jurídico do Terceiro Milênio, um efeito
bastante similar ao registrado pelas empresas de tecnologia digital que não têm
alternativa a não ser recorrer ao velho método analógico para incrementar o
desempenho de seus engenhos e aparatos: a necessidade cada vez mais premente de
advogados e profissionais especializados no bom e velho Direito Autoral, para
analisar, conduzir e fazer valer as premissas do novo mundo preconizado, entre
tantos outros, por George Orwell, Aldous Huxley, Stanley Kubrick e Isaac
Asimov.
Sem o conhecimento básico e fundamental
das noções mais simples do Direito de Autor e daqueles que lhe são conexos, da
amplitude dos direitos morais e das restrições dos direitos patrimoniais, da
territorialidade e das complexidades resultantes da globalização das comunicações,
todas noções bastante anteriores à chamada Revolução Digital, pessoas e
empresas invariavelmente descobrem-se desprovidas de assessoria jurídica
adequada e “antenada” com as necessidades do mundo conectado, em que as
fronteiras geográficas não mais existem e a noção de tempo modificou-se
radicalmente.
Cada vez mais governos e empresas vêem-se
às voltas com situações jurídicas novas e complexas, diretamente ligadas às
suas vertiginosas atividades interestaduais e/ou internacionais, em que os acontecimentos
mais simples do cotidiano dos negócios não estão mais sujeitos aos antigos
códigos de conduta e resultados do chamado “mundo analógico”, mas, virtualmente
dependentes da tecnologia digital e seus desdobramentos na esfera jurídica.
Transmissão e recepção via satélite em tempo real, reprodução ilimitada de
textos, sons e imagens via Internet, utilização desautorizada total ou parcial
de obras intelectualmente protegidas, necessidade de certificação e validação
cartorária eletrônicas de documentos, todos são tópicos novíssimos que estão
invadindo os departamentos jurídicos de companhias, corporações e instituições
governamentais, deixando no ar colossais pontos-de-interrogação quanto à sua
organização e conduta, sua proteção e salvaguarda e seu registro adequado em
função da autoria/titularidade.
Nessa paisagem ainda nem um pouco
pacificada mas há muito preconizada, voltamos a bater na velha tecla do
aperfeiçoamento do ensino superior jurídico no Brasil, objetivando a
reorganização da grade de disciplinas necessárias para a formatura de um
bacharel em Direito, no sentido de que seja incluída, sem mais delongas, uma
cadeira obrigatória de Propriedade Intelectual em todos os cursos jurídicos
brasileiros, que inclua não apenas o Direito Autoral como também seu congênere
da propriedade industrial, como única forma de preparar a sociedade brasileira
para os colossais desafios do Terceiro Milênio, na inexorável busca para
proteger o bem mais valioso da humanidade: a informação representada pela
criação intelectual
* Com informações de Barnaby J. Feder –
The New York Times
Revista Consultor Jurídico, 09 de
agosto de 2004
Retirado de: http://conjur.uol.com.br/textos/248496/