® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Introducão ás patentes de software[1]
Autor: Bernardo
Menicucci Grossi
"If people
had understood how patents would be granted when most of today's ideas were
invented, and had taken out patents, the industry would be at a complete
standstill today. (...) The solution to this is patent exchanges with large
companies and patenting as much as we can. (...) A future start-up with no
patents of its own will be forced to pay whatever price the giants choose to
impose".
Bill Gates (memo: Challenges and Strategy - 16 de maio de 1991)
Sumário: 1. Introdução: ordenamento jurídico brasileiro 2. Natureza
jurídica: propriedade industrial ou direito autoral? 3. Contraposição: direito
patentário vs. direito autoral 4. Notas conclusivas
1. Introdução: ordenamento jurídico brasileiro
Com a recente aprovação de uma proposta de Diretiva, o Parlamento Europeu
trouxe novamente à baila a discussão das patentes de software[2].
Trata-se de questão já discutida há décadas (SOARES, 1996, p.39), mas que agora
tem o debate revigorado, notadamente pela pressão que organizações não
governamentais tem exercido no sentido de barrar a proteção patentária para os
programas de computador[3].
Mas, antes de tecermos algumas notas introdutórias a este respeito, cumpre
formular uma célere análise de sua adequação ao ordenamento jurídico brasileiro
De um ponto de vista estritamente legalista, temos que ao software seja
concedida a proteção autoral, tanto pela exegese da Lei 9.609/98, quanto pela
da Lei 9.610/98, senão vejamos:
Dispõe o artigo 7° de nossa Lei autoral (9.610/98), que são obras protegidas
pela sistemática do direito de autor (XII) os programas de computador.
Não bastasse tal conceituação, a Lei do software (9.609/98), ainda, em
seu artigo 2° aprofundou essa disposição concedendo ao programa de computador o
mesmo regime de proteção conferido às obras literárias (...),
observando, também, o preceito contido no artigo 10, parágrafo primeiro do
Acordo OMC-TRIPS[4].
Em oposição ao regime da propriedade industrial, ficou, então, o software,
amparado, em nosso país, pela legislação autoralista.
Mas não foram apenas estas as cautelas tomadas pelo legislador no sentido de
vedar a proteção industrial a estes programas. O artigo 10, inciso V, da Lei
9.279/96 preceitua que não se considera invenção nem modelo de utilidade (V)
os programas de computador em si.
Essa concepção foi, inclusive, compartilhada por nosso Pretório Superior, que,
nas palavras da Min. Nancy Andrighi (RESP 443.119), asseverou:
"O software, ou programa de computador, como disciplinado em leis
específicas (9.609/98 e 9.610/98), possui natureza jurídica de direito autoral
(trata-se de 'obra intelectual', adotado o regime jurídico das obras
literárias²), e não de direito de propriedade industrial.
Esse entendimento resulta não apenas da exegese literal dos arts. 7º, inc. XII
da Lei nº. 9.610/98 e 2º da Lei nº. 9.609/98 e das expressivas contribuições de
diversos doutrinadores³, mas também da interpretação, a contrario sensu, do
dispositivo da lei de propriedade industrial (Lei nº. 9.279/96, art. 10, inc.
V) que afasta a possibilidade jurídica de se requerer a patente de programa de
computador, por não o considerar seja invenção, seja modelo de utilidade".
Desta forma, temos que, a priori, exista uma vedação à proteção patentária dos
programas de computador em nosso país.
Todavia, essa não é a realidade que temos presenciado.
Existem casos em que compete, excepcionalmente, ao programa de computador, o
regime das patentes.
Na hipótese em que os programas sejam desenvolvidos para funcionar
estritamente em máquinas ou equipamentos (...) podem ser objeto de proteção
via patente (INPI). É de se notar que, neste caso específico, o usuário, ao
adquirir um destes produtos, não estará demandando unicamente o programa, mas
sim a máquina à qual ele está acoplado.
Tal entendimento também é compartilhado pelo EPO (European Patent Office)
que, a despeito do artigo 52[5] da Convenção Européia de Patentes, considera
que, havendo algum "efeito técnico", a proteção patentária não pode
ser excluída pelo simples fato de uma invenção conter um software (MARSLAND,
1996, p.42).
É, o regime jurídico do software, repleto de contradições[6]. E, talvez por
isso, suscita-se que sua verdadeira natureza não corresponda ao direito de
autor, e sim ao direito de propriedade industrial. De fato, existem fortes
argumentos que nos fazem analisar com mais cautela a controvérsia
Seria, o software, uma obra intelectual que faria jus ao direito de autor
conforme se verifica em nossos textos legais? Ou este se assemelharia mais a
uma invenção ou modelo de utilidade, aproximando-se, portanto, da propriedade
industrial?
Com o intuito de esclarecer um pouco mais as questões suscitadas, passaremos à
análise da ordem jurídica que circunda os programas de computador.
2. Natureza jurídica: propriedade industrial ou direito autoral?
É clara, na doutrina, a polêmica quanto à efetiva natureza destes programas.
Alguns autores o classificam como obras literárias (PEREIRA, 2001, p.75) (LUPI,
1998, p.25-26) (GOMES, 1985, p.15), enquanto outros o fazem como objeto do
direito patentário (ASCENSÃO, 1997, p.666), (POLI, 2003, p.34) (SOARES, 1996,
p.46).
ASCENSÃO (1997, p.666), ao tratar da matéria modifica sua opinião de anos
antes[7], enfatizando que:
"Não deixaremos, porém, de deixar expressamente ressalvado, à partida, o
que a maioria dos juristas do Direito de Autor afirma em surdina: é
incompatível com os princípios deste ramo a consideração do programa como obra
literária". (grisso nosso)
O argumento se funda principalmente no fato de que o programa de computador
resulta num processo criativo; e não em uma expressão criativa. Afirma, ainda,
o referido autor (idem, p.667), que a obra literária ou artística
caracteriza-se pela criatividade no modo de expressão. Mas aqui, o modo
de expressão não é criativo, mas servil. Criativo poderá ser o processo; mas
este, não é objeto idôneo do direito de autor
De fato, o programa de computador em muito se assemelha a uma invenção de
processo, constituindo o próprio método operacional de um computador; projetado
para fazer funcionar uma máquina processadora de informações, a fim de
solucionar os problemas de seus usuários (POLI, 2003, p.35).
Aliás, este é o próprio mandamento contido no artigo 1° da Lei 9.609/98[8], ou
seja, instruções que, uma vez consignadas pelo programador, são executadas pelo
computador a partir do comando do usuário; meras coordenadas.
Neste ínterim, faz-se necessária uma clarificação no conceito de patente de
invenção.
O conceito de patente de invenção encerra-se num ato de concessão estatal, ao
inventor do direito intelectual sobre o bem imaterial por ele inventado, o que
lhe assegura, temporariamente, a propriedade e o uso exclusivo do bem
(ibidem, p.34).
Na verdade, a patente nada mais é que um título de propriedade temporária
outorgada pelo INPI - Instituto Nacional de Propriedade Industrial - que recai sobre
determinada invenção. O elemento temporal se justifica pelo interesse público
no usufruto da invenção. Parte-se do pressuposto de que o autor deva gozar, na
medida do possível, dos frutos provenientes de sua invenção devendo, no
entanto, revelar os passos de sua atividade inventiva depois de decorrido
determinado lapso temporal (no caso brasileiro, de 20 anos[9]) colaborando para
o desenvolvimento social, cultural e tecnológico.
A Lei 9.279/96, em seu artigo 9°, dispõe que:
"É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte
deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma
ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria
funcional no seu uso ou em sua fabricação"
Temos, portanto, três requisitos para determinar a patenteabilidade de uma
invenção, quais sejam, a novidade, a atividade inventiva e a aplicação
industrial.
A "atividade inventiva" é requisito facilmente percebido no processo
de criação de um software. O programa resulta, na verdade, do esforço criativo
do programador, o qual acaba por impingir-lhe traço característico de sua
personalidade[10].
A "aplicação industrial" é revelada na medida em que se cogita a
importância que os programas de computador adquiriram na sociedade moderna. Toda
atividade humana está, de certa forma, relacionada com o meio eletrônico, que,
por sua vez, é operado a partir de um software. As atividades mais simples de
nosso cotidiano já se tornaram dependentes deste tipo de programa, tal como no
manuseio de caixas eletrônicos de bancos (..) nas declarações de imposto de
renda e (...) no voto. Trata-se, em suma, da possibilidade da invenção ser
aplicada em um dado processo industrial
O artigo 11 da referida lei auxilia o entendimento quanto ao terceiro
requisito, "novidade", in verbis:
Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não
compreendidos no estado da técnica.
E continua o §1°:
§1°. O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao
público antes da data de depósito do pedido de patente (...)
Suscita-se, pois, a questão de que poucos programas seriam capazes de preencher
o requisito novidade, haja vista seguirem sempre um mesmo modelo
operacional. A controvérsia é grande, havendo um enorme embate entre os autores
(GOMES, 1985; POLI, 2003).
De fato, uma reflexão mais atenta a respeito da natureza jurídica dos programas
de computador nos impende a afirmar que suas características se aproximam muito
mais de um direito de propriedade industrial do que de um pretenso direito de
autor.
3. Contraposição: direito patentário vs. dreito autoral
Mas questão relevante, para estas notas introdutórias, seria o entendimento a
respeito das razões que levaram nosso legislador, e talvez até o de muitos
outros países[11], a proteger os programas de computador na forma de obras
literárias. Por quê, então, a preferência, mesmo que inconsciente, ao direito
de autor a despeito de sua própria natureza?
Contra-argumentando, um dos argumentos que podemos levantar para preferir a
proteção patentária seria seu tempo de duração. Segundo nossa Lei 9.279/96,
art. 40, o prazo peremptório da patente é de 20 anos, sendo, o do direito
autoral, de 70 anos após a morte do autor, nos termos do art. 41 da Lei
9.610/98.
Quanto a este prazo, teríamos que, a uma primeira vista, o benefício obtido
pela sociedade como um todo seria mais bem alcançado se protegêssemos os
códigos de programação por 20 anos, após os quais o programa passaria a
integrar o domínio público.
Mas o debate não é tão simples. Devemos ter em mente a própria essência do
mercado de informática. Deste modo, temos que tanto o prazo de duração da
proteção patentária quanto o prazo da proteção autoral se mostram
incompatíveis. Normalmente um programa não leva mais que 5 anos para se tornar
obsoleto, sendo apenas objeto de versões ulteriores. Um direito de exploração
comercial, seja ele de 20 anos ou superior, resulta, na realidade, em uma
verdadeira concessão de um monopólio mercantil. Passados 20 anos, ninguém mais
terá interesse nos passos inventivos e no código-fonte presentes em determinado
programa. Nenhuma sociedade será capaz de se beneficiar da perempção deste
direito. Para tanto, basta olhar para os programas desenvolvidos na década de
'80[12] e notar que a grande parte nem mesmo funciona nos computadores de hoje
em dia.
Uma questão que prioriza a proteção patentária, contudo, deve ser levantada: o
privilégio quanto a prova de autoria.
Adotando-se o regime autoral para proteger um programa, teremos, na verdade,
uma proteção negativa. Isto porque, como o direito de autor independe de
registro, nasce no momento de concepção da obra; da exteriorização e
corporificação da idéia em algum meio tangível. Este fator poderá gerar
interpretação dúbia quanto à análise de anterioridade de dois programas; a
prescindir de uma efetiva perícia técnica. Mesmo porque o registro perante o
órgão responsável não é constitutivo de direitos; gera uma mera presunção iuris
tantum[13]. A contrariu senso da proteção patentária, a qual seria
capaz de valorizar o elemento imaterial criado pelo investimento de
determinadas companhias (VERBIEST, 2002, p.1). A patente já seria, por si só,
exeqüível em um eventual litígio, não cabendo discussão quanto sua autoria.
Mas por quê, então, a proteção mais longa do direito de autor foi implementada
por nosso Poder legiferante se quanto maior o termo de proteção menor será o
benefício social?
A despeito dos fundamentos de ASCENSÃO (1997, p.668), de que esta proteção
tenha sido introduzida nos países em desenvolvimento, na década de '80[14], em
decorrência de pressões internacionais tendentes a favorecer conglomerados
corporativos, acreditamos ser, o regime de direito autoral mais benéfico, ou
menos repudiável, que o de propriedade industrial[15] no que tange à proteção
do software.
Entendemos que o fator da proteção negativa presente no direito autoral é
suscetível, pelo menos em tese, de dificultar a defesa dos direitos de um
determinado autor, em oposição à patente, com a qual o inventor seria detentor
de uma presunção iure et de iure. A prova, no primeior caso, pode se
tornar mais difícil de ser constituída, dificultando e, muitas vezes,
obscurecendo o convencimento do magistrado em um dado caso concreto.
O principal argumento que se contrapõe à adoção da sistemática patentária como
regente dos programas de computador concentra-se no fato de que esta englobaria
características não-patenteáveis em qualquer sistema jurídico hodierno.
A proteção de um programa conferida por uma patente resultaria, também, na
proteção da idéia implícita no programa - haja vista incidir sobre o processo
realizado. A proteção patentária de um sistema operacional, exempli gratia.,
acabaria por inviabilizar todo o mercado, já que vincularia a implementação de
uma solução nos demais programas ao pagamento de royalties específicos. Os
programas disponíveis no mercado, em si, são muito parecidos, variando, via de
regra, apenas algumas especificidades funcionais e visuais.
Teríamos, com a adoção do regime autoralista, a proteção sobre a obra e sua
expressão. Mais especificamente sobre a forma com que se criou (foi escrito) o
código-fonte. Assim sendo, mesmo que um programa desempenhe a mesma função,
alcance o mesmo objetivo, se valha da mesma idéia, enfim, satisfaça a
necessidade do usuário sem copiar o código fonte de um outro pré-existente, não
haveria incompatibilidade jurídica em sua coexistência no mercado.
Em contrapartida, sob a égide da patente todo o processo seria protegido:
idéias, sistemas, métodos, algoritmos e funções do programa; todos seus componentes
estariam, "eternamente", protegidos sob o manto de um "monopólio
informático".
Tal proteção tornaria o desenvolvimento tecnológico virtualmente inacessível à
sociedade.
Podemos notar, ainda, na quase totalidade dos segmentos do comércio de softwares,
que fatia considerável do mercado é sempre abarcada por um determinado produto,
e.g., como ocorre com o MS Windows para sistemas operacionais ou o Apache para
servidores web. Tal predominância é decorrente da livre-escolha do usuário;
pela aderência que programa apresenta às suas necessidades e até pela
simplicidade em seu manuseio. Se aderíssemos ao regime das patentes, esta
escolha poderia ficar prejudicada uma vez que a inovação estaria sujeita ao
pagamento dos já mencionados royalties.
Neste caso, cumpre analisar uma característica peculiar que o software guarda
em relação às demais invenções sujeitas ao regime patentário e autoral.
A proteção autoral, por não incidir sobre a idéia implícita na obra, recai
apenas sobre seu modo de expressão. No entanto, mesmo que a obra seja
protegida, ainda nos é permitido estudar os traços personalíssimos do autor
segundo seu feito; a forma com que um autor costuma estruturar, e.g., versos,
frases e palavras em sua obra literária. A estrutura de um texto, não se oculta
nem mesmo em uma obra abarcada pelo direito de autor. As conjunções e todas as
palavras que formaram o texto "estão ali".
Da mesma forma ocorre com a invenção protegida por patentes, o processo é
"aberto" para que qualquer individuo, apesar de não poder utiliza-lo
sem o pagamento de royalties, aprenda e estude.
No caso específico dos programas de computador, em grande parte dos casos, o
código de programação é oculto[16]. Não há permissão para que o usuário ou
pesquisador se utilizem daquele código mesmo que com o intuito meramente
analítico. O software pode não permitir que a comunidade se beneficie, mesmo
que parcialmente, de expressões e fragmentos intelectuais antes impossíveis de
serem ocultados. São traços personalíssimos, indissolúveis da personalidade do
autor que se tornam obscurecidos.
A proteção patentária de um destes programas resultaria em uma barreira à
competitividade que motiva o desenvolvimento de novos programas. A proteção via
patente, ao proteger, principalmente a idéia e o algorítmo implícitos no
programa, vincula a inovação tecnológica a ato exclusivo do detentor de seus
direitos por pelo menos, 20 anos.
A principal questão que se coloca é que a implementação de uma inovação não
seria mais determinada pela livre escolha do usuário, caracterizada pela
funcionalidade e aplicação do programa, mas pelo interesse de sua
aplicabilidade (viabilidade econômica) no mercado - ato este, agora, transposto
ao detentor do direito sobre a patente. Nota-se um claro deslocamento do poder
decisório que hoje compete ao usuário em geral.
A adoção do regime da propriedade industrial, ademais, em nada incentiva a
inovação, motor maior da evolução cultural e econômica da sociedade moderna e
fator de interesse no desenvolvimento da propriedade intelectual.
Assim sendo, mesmo que tenhamos constatado que o regime da propriedade
industrial se amolda melhor aos programas de computador que o regime do direito
de autor, há um sem número de malefícios agregados a sua implementação. A
adoção de patentes de software não ajudaria a promover o equilíbrio que deve
existir entre a proteção dos direitos de propriedade intelectual e o munus
publicum daí decorrente. Devemos sempre ter em vista os fatores do
desenvolvimento social e tecnológico da sociedade, que funcionam como
contrapeso da defesa irrestrita dos direitos intelectuais. Para tanto é que se
impõem restrições aos direitos de autor e de inventor, tais como aquelas
previstas no artigo 46 da Lei 9.610/98 e no artigo 43 da Lei 9.279/96,
respectivamente.
4. Notas conclusivas
Todos estes aspectos mencionados nos levam, forçosamente a concluir, que o
programa de computador não se enquadra, perfeitamente, na definição legal
relativa tanto às obras autorais quanto às patentárias, se bem que mais próximo
destas que daquelas, merecendo tratamento distinto do que hoje lhe é dado.
A melhor saída para que se tutele os programas de computador de forma mais
justa e eficaz, seria a criação de um direito sui generis, a exemplo do
que foi realizado, em âmbito internacional, com os fonogramas e as bases de
dados. Apesar do fato de que alguns autores acreditam já haver um direito
excepcional a regular o software hoje no Brasil dadas às próprias contradições
compreendidas em sua normatização.
Os programas de computador têm características próprias, que trazem consigo
dificuldades para que interpretemos, de forma sistemática, o ordenamento
jurídico das patentes e das obras literárias em um dado caso concreto.
Características estas reconhecidas, inclusive, pelo próprio legislador, que,
promulgar a lei 9.609/98, fê-lo optando por estabelecer inúmeras restrições aos
direitos morais, além de o dever de prestação de garantia, ambos com respaldo
legal, e que não se correspondem nem com as obras literárias nem com as
patentes.
Ademais, outro fator que ressalta aos olhos de um leitor mais atento é a
imposição feita pelo legislador quando da promulgação das Leis 9.610 e 9.609,
ambas de 1998. No rol contido no artigo 7° da lei autoralista, o legislador
enumerou, como obras intelectuais protegidas (...), dentre outras: I - os
textos de obras literárias, artísticas ou científicas; XII - os programas de
computador. Não estaria o legislador, ele mesmo, admitindo que os programas
de computador figuram em um pólo distinto das obras literárias? Se, como
poderíamos depreender da leitura do artigo 2° da Lei do Software, aos programas
de computador deve ser aplicado o mesmo regime das obras literárias, por quê
enumerá-los separadamente no texto da lei? Ao que nos parece, as incongruências
presentes em nossa legislação são muitas, dando azo a inúmeras sustentações. O
que nos resta de concreto é a primazia do direito de autor em relação aos
programas de computador, sob pena de estirpar o fator concorrencial do mercado,
privilegiando grandes corporações que, detentoras e um sem-número de patentes,
seriam capazes de determinar qual espécie de inovação deverá ser implementada
em um dado momento.
Notas Bibliográficas
[1] Para efeitos práticos, adotamos aqui como sinônimos as palavras software
(strictu senso) e programa de computador, a despeito de entendimentos diversos.
[2] Para maiores informações veja:
http://www.out-law.com/php/page.php?page_id=softwarepatentslim1064502358&area=news
- Acesso em: 07.10.2003
[3] Para maiores informações sobre o combate às patentes de software, veja:
http://www.petitiononline.com/pasp01/petition.html - Acesso em: 07.10.2003, e,
especialmente, http://swpat.ffii.org/news/03/plen0923/ - Acesso em: 16.10.2003
[4] Do qual o Brasil é signatário. O Tratado encontra-se em vigência em nosso
direito interno por força do Decreto n. 1.355/94
[5] (1) European patents shall be granted for any inventions which are
susceptible of industrial application, which are new and which involve an
inventive step. (2) The following in particular shall not be regarded as
inventions within the meaning of paragraph 1: (c) schemes, rules and methods
for performing mental acts, playing games or doing business, and programs for
computers;
[6] Para um estudo mais detalhado das contradições existentes na proteção
jurídica do software, ver, especialmente, DOS SANTOS (1999).
[7] Vide "Programa de Computador e Direito Autoral". In: GOMES,
Orlando, [et. al.]. Proteção jurídica do software. Rio de Janeiro: Forense,
1985
[8] Art. 1°. Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de
instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de
qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento
da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados
em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins
determinados.
[9] A este respeito ver o art. 40 do Código de Propriedade Industrial, o qual
preceitua que "a patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte)
anos e a de modelo de utilidade pelo prazo de 15 (quinze) anos contados da data
do depósito".
[10] Argumento este que também serve de base para a sustentação de que sobre o
programa deverá recair um direito de autor.
[11] Tais como África do Sul, Alemanha e França.
[12] A este respeito, ver o posicionamento de LESSIG (2001, p.250), SOARES
(1996, p.40) e VERBIEST (2002, p.1)
[13] A doutrina é confirmada pela jurisprudência: "Processual Civil e
Civil. Direito Autoral. Contrafação. No direito autoral, como sabido, o
registro gera uma mera presunção "juris tantum" e a utilização não
autorizada importa em uma contrafação. (...)". (RESP 94294. 4ª Turma. Rel.
Min. Cesar Asfor Rocha. DJ: 31.08.1998, p.86)
[14] Faz-se referência aqui à emenda ao Copyright Act norte-americano que
concedeu proteção autoral aos programas de computador.
[15] Sejam estes benefícios meras conseqüências da escolha do legislador ou
mero efeito negativo das pressões internacionais.
[16] Referimo-nos aqui aos chamados softwares proprietários, tais como o
sistema operacional MS Windows ou os aplicativos ICQ, MSN Messenger e o
gerenciador de e-mails Eudora.
BIBLIOGRAFIA:
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral, 2ª ed. ref. e ampl. Rio de
Janeiro: Renovar, 1997
BECHARA, Marcelo Hobaika de Souza. Proteção jurídica à autoria e ao consumo de
programas de computador comercializados e transferidos pela internet. [trabalho
não publicado].
DOS SANTOS, Manoel J. Pereira. A Nova Lei do Software: Aspectos Controvertidos
da Proteção Autoral. Disponível em:
http://www.direitoautoral.com.br/artigos/1999/setembro/artigo10.html - Acesso
em: 07.09.2003
GOMES, Orlando [et. al.]. Proteção Jurídica do Software. Rio de Janeiro:
Forense, 1985
INPI. Manual do Usuário. Disponível em:
http://www.inpi.gov.br/programa/conteudo/s_guia.htm . Acesso em: 07.10.2003
LESSIG, Lawrence. The future of ideas: the fate of commons in a connected
world. New York: Random House, 2001
_____. The problem with patents. Disponível em:
http://www.lessig.org/content/standard/0,1902,4296,00.html - Acesso em:
07.10.2003
LUPI, André Lipp Pintop Basto. Proteção jurídica do software: eficácia e
adequação. Porto Alegre: Síntese, 1998
MARSLAND, Vanessa. European computer law: an introductory guide. London: CLA,
1996
PEREIRA, Elizabeth Dias Kanthack. Proteção jurídica do software no Brasil.
Curitiba: Juruá, 2002
POLI, Leonardo Macedo. Direitos de autor e software. Belo Horizonte: Del Rey,
2003
SOARES, José Carlos Tinoco. Patentes de programa de computador: patenting of
computer software. In: Revista da ABPI, n°. 20 - Jan/Fev, 1996
STALLMAN, Richard; HILL, Nick. That's fighting talk. Disponível em:
http://www.gnu.org/philosophy/guardian-article.html - Acesso em: 07.10.2003
UFMG. As patentes na lei de propriedade industrial. Disponível em:
http://www.ufmg.br/prpq/PatLei9279CT&IT.html#Desenhoindustrial - Acesso em:
07.10.2003
VERBIEST, Thibault. Quelle protection juridique pour les logiciels? Entre
brevet et droit d'auteur. Disponível em:
http://www.juriscom.net/pro/2/bvt20020411.pdf - Acesso em: 07.10.2003
FONTE:
http://www.ibdi.org.br/index.php?secao=&id_noticia=239&acao=lendo