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Pirataria preocupa especialistas em propriedade intelectual

 

Evento realizado pela Associação Paulista de Magistrados, em São Paulo, reuniu juristas para tratar da proteção dos direitos autorais, especialmente nos casos de pirataria. A necessidade de uma atuação incisiva do governo federal e mudanças na lei penal foram algumas das sugestões

Júlio Araújo

Juristas, advogados e professores de diversos países se reuniram no I Congresso Internacional de Propriedade Intelectual, realizado em São Paulo nos dias 31 de março e 1º de abril, para discutir a proteção dos direitos autorais em todas as áreas de criação. Questões como a influência das novas tecnologias e a dificuldade de proteção do Direito Autoral, os aspectos jurídicos nacionais e internacionais da propriedade intelectual e principalmente o combate à pirataria foram os principais destaques do encontro. O evento, que foi organizado pela Associação Paulista de Magistrados (APM) com apoio institucional da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), contou, em sua abertura, com a presença do Ministro da Cultura Gilberto Gil e dos ministros do Supremo Tribunal Federal José Carlos Moreira Alves e Sidney Sanches, que se despedem da magistratura neste ano.

A proteção dos direitos autorais e da propriedade intelectual é uma garantia prevista no artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII, da Constituição Federal brasileira, regulamentados pela Lei 9.610/98, e visa resguardar ao autor o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras. Pelo Direito brasileiro, o direito do autor é personalíssimo e inalienável e a sua obra é protegida antes mesmo do seu registro, a partir da sua criação.

De acordo com os participantes do congresso, o maior problema na questão dos direitos autorais, atualmente, é a pirataria, que tem se intensificado nos últimos anos devido à facilidade de difusão dos meios de comunicação, propiciada pela revolução tecnológica. A pirataria e os aspectos penais relacionados a outras violações do Direito de Autor foram debatidos no painel VII do Congresso.

Para o advogado João Carlos Muller, com 38 anos de dedicação ao Direito Autoral, o Direito Penal deve combater firmemente a pirataria, principalmente a relativa às gravações sonoras e aos programas de computador, pois autores e empresas estão sendo seriamente prejudicados por causa dessa prática. Segundo ele, "sem a tutela penal, a proteção ao Direito do Autor torna-se falaciosa". Um exemplo do caráter lesivo da pirataria, segundo o professor, é que o número de downloads produzidos pelo hoje extinto programa de computador Napster chegava a superar, à época de sua existência, a venda anual de Cds de determinadas empresas. "O avanço da tecnologia desenvolveu a pirataria em escala industrial, diferentemente da década de 40, quando as violações ao Direito de Autor eram, em sua grande maioria, de natureza moral", ressalta Muller.

O advogado explicou que este estágio avançado da pirataria provocou mudanças no Código Penal, na década de 80, para proteger o Direito Autoral. Houve a tipificação do delito de reprodução não autorizada com fixação de pena de um a quatro anos de reclusão, e submetendo este crime à ação penal pública (e não mais à queixa-crime), previstos nos artigos 184 a 186. Contudo, lembra Muller, as constantes transformações tecnológicas acabam sempre criando situações não previstas na legislação, como em casos similares ao do programa norte-americano Napster. Para o advogado, a solução nestes casos está na progressiva atualização da lei, sem perder de vista os princípios gerais do Direito Autoral.

Antônio Chaves Camargo, professor titular de Direito Penal da USP, contestou a eficiência da sanção penal no combate à pirataria. Para o professor, o crime contra a propriedade intelectual não se encaixa na idéia de dano material, mas sim na de crime de perigo, por levar as pessoas a se enganarem ao comprarem uma obra pirata. Chaves lembrou que as sanções civis ou administrativas são mais adequadas para este tipo de delito, pois o Direito Penal tem sido incapaz de dissuadir os infratores desta prática criminosa.

O professor da USP ressaltou que a criminalidade organizada, principal responsável pela explosão da pirataria, não é atingida pelo Direito Penal. "De que adianta prender o camelô e apreender sua mercadoria?", perguntou. Para ele, é preciso considerar o aspecto subsidiário do Direito Penal, segundo o qual o Judiciário só deve ser acionado em última hipótese.

A preocupação crescente com a pirataria está ligada a uma dicotomia na caracterização do Direito de Autor. O jurista português José de Oliveira Ascensão, professor doutor na Faculdade de Direito de Lisboa, ao tratar do tema "Metamorfoses do Direito Intelectual", lembrou que se, por um lado, pela visão romanística (adotada pelo Direito brasileiro), há irrestrita proteção à criatividade do autor, tornando seu direito personalíssimo, a visão do Direito anglo-saxão traz uma idéia mais comercial, de reprodutibilidade. Por esta visão, os direitos de autor não são tão absolutos, havendo o chamado direito de cópia (copyright), em que a obra só passa a ser protegida a partir do seu registro. Neste caso, os direitos de distribuição tornam-se mais importantes do que os direitos de criação.

Ascensão ressaltou que, com o impulso da globalização e o desenvolvimento das novas tecnologias, a proteção ao investimento passa a ser a prioridade no tratamento dos direitos autorais. Segundo o jurista português, "o paradigma da criatividade enfrenta uma crise, que implica no afastamento do interesse público na proteção à propriedade intelectual para dar espaço à proteção ao investimento empreendido, independentemente do grau de criação ligado a ela".

Partindo deste pressuposto de proteção ao investimento, Lawrence Piersol, juiz federal do Tribunal Distrital de South Dakota (EUA), lamentou que os donos da propriedade intelectual não estejam conseguindo defender seus interesses de propriedade no caso da internet. "O Napster, por exemplo, foi substituído por uma rede descentralizada de troca de arquivos, não havendo uma central que possa ser fechada", afirmou. Outro problema apontado pelo juiz norte-americano é que a população não encara as atividades de programas como o Napster como criminosas. "Em pesquisa recente, estima-se que 74% dos adolescentes americanos não viam problemas nos downloads gratuitos de música", relatou.

E quais seriam as soluções possíveis de combate no Brasil às formas de pirataria não cibernéticas, como a de Cds? Carlos Alberto de Camargo, representante da Associação de Defesa da Propriedade Intelectual (Adepi), defendeu a fragmentação do crime de pirataria. "O iter criminis deveria ser fragmentado, pois os crimes constituintes da pirataria são mais claros e esclarecedores que o conjunto", afirmou Camargo, lembrando que sonegação fiscal e roubo de carga fazem parte da operação de transporte de mercadorias pirateadas pelo mundo.

Além disso, Camargo mencionou a falta de uma visão esclarecida do governo federal sobre a organização criminal da pirataria. "Falta um banco de dados e um sistema nacional de combate à pirataria", afirmou. O representante da Adepi defendeu também que esse combate seja levado pela esfera federal já que há a necessidade de ações integradas entre todas as esferas do Poder Público. "Há interesses públicos altamente relevantes que justificam este combate, pois a pirataria mantém relações promíscuas com o contrabando e o roubo de carga, além de haver um enorme prejuízo aos produtores, que têm suas obras inviabilizadas economicamente", disse.

 

Fonte:http://www.cartamaior.com.br