Buscalegis.ccj.ufsc.br
A disponibilidade de obras musicais no ambiente digital
Advogado sócio do escritório Azevedo, Cesnik e
Salinas Advogados e Professor Conferencista da ECA/USP e SENAC/SP.
Chama a atenção
a quantidade de obras musicais que estão disponíveis para serem acessadas pelo
usuários em qualquer endereço na Internet. Muitas vezes essas obras (e
respectivos fonogramas) não estão reproduzidas por inteiro, mas somente em
partes para demonstração. A legislação de direitos autorais, no entanto,
protege tais obras musicais no ambiente digital (como em qualquer outro),
estabelecendo como direito exclusivo do autor a sua utilização, parcial ou
integral, ao mesmo tempo em que a colocação à disposição do usuário dessas
obras, sem a observância dos preceitos legais, é geradora da obrigação de
indenizar.
Em dezembro de
1996, no âmbito da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, foram
celebrados dois tratados complementares ao que já vinha disposto nos tratados
consubstanciados na Convenção Internacional para a Proteção das Obras
Literárias, Artísticas e Científicas (Convenção de Berna – conforme a
última revisão de 1971) e na Convenção Internacional sobre a Proteção dos
Artistas Intérpretes ou Executantes, dos Produtores de Fonograma e dos
Organismos de Radiodifusão (Convenção de Roma – assinada em 1961). Os novos
tratados são denominados, respectivamente, Tratado da OMPI sobre Direito de
Autor e Tratado da OMPI sobre Interpretação ou Execução de Fonogramas.
Ambos os instrumentos previram novos direitos aos titulares de direitos de
autor e de direitos conexos destinados à proteção e à salvaguarda desses
direitos quando as obras, ou prestações intelectuais e fonogramas, fossem
veiculados em ambiente digital.
É tal a
importância desses novos tratados internacionais para a estrutura e a proteção
do direito de autor e dos direitos conexos que a Lei n. 9.610/98 os recepcionou
praticamente de forma integral. Ou seja, a lei de direitos autorais em vigor
está em sintonia com os recentes tratados internacionais e confere aos
titulares de direitos sobre obras musicais, fonogramas, interpretações e
execuções artísticas a salvaguarda necessária para a atuação e a defesa dos respectivos
direitos no ambiente digital (que compreende os suportes materiais em linguagem
digital, a transmissão de sinais nessa linguagem e a Internet).
Assim, o Tratado
da OMPI sobre Direito de Autor instituiu novos direitos, complementares aos
já estabelecidos pela Convenção de Berna, que se revestem das mesmas
características dos direitos exclusivos reconhecidos na citada Convenção São
eles: o “Direito de Distribuição”, pelo qual todo autor de obra
protegida possui o direito de colocar à disposição do público para venda o
original e os exemplares de suas obras; o “Direito de Aluguel” (ou
locação), pelo qual os autores de obras musicais fixadas em fonogramas poderão
promover a locação dos exemplares contendo a reprodução de suas obras fixada; e
o “Direito de Comunicação ao Público”, pelo qual os autores de obras
coletivas poderão colocar ao público suas obras de forma que qualquer pessoa
possa acessá-las no momento e local por ela escolhido (arts. 6.º, 7.º e 8.º do
referido tratado).
O Prof. José de
Oliveira Ascensão, da Faculdade de Lisboa, ilustre autoralista, em extenso
artigo publicado na Revista da ABPI, n. 42, intitulado “A recente lei
brasileira dos direitos autorais comparada com os novos tratados da OMPI”1,
analisa, à luz dos novos tratados da OMPI, a Lei n. 9.610/98 e procura
identificar nesta legislação qual seria a faculdade específica atribuída ao
autor, ou ao titular de direitos autorais, que lhe garante o direito de
autorizar, prévia e expressamente, a colocação de obra intelectual protegida em
rede de computadores, de modo que a obra possa ser acessível por mais de uma
pessoa, ao mesmo tempo e de lugares diferentes.
Nesse trabalho o
Prof. Ascensão passa em revista os “direitos” (ou faculdades, pois oriundas
duma exclusividade) consagrados na Lei n. 9.610. Dá como exemplo o direito de
reprodução, o direito de comunicação ao público e o direito de distribuição. Ao
cabo da análise, detém-se o Prof. Ascensão numa nova faculdade da Lei n.
9.610/98, que é a faculdade de “armazenamento em computador”.
Com efeito,
dispõe o art. 29, IX, da Lei n. 9.610/98:
“Art. 29.
Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por
quaisquer modalidades, tais como:
(...)
IX – a inclusão
em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais
formas de arquivamento do gênero”.
Entende o Prof.
Ascensão que essa faculdade da lei brasileira está próxima do que dispõe
o art. 8.º do Tratado da OMPI sobre Direito de Autor, e que a lei
brasileira está em sintonia com as disposições desse tratado. Para o Tratado
da OMPI sobre Direito de autor a faculdade de autorizar a colocação em rede
de obra intelectual, de modo que essa possa ser acessada e usufruída por
qualquer pessoa no tempo e local por esta eleitos, está compreendida no chamado
“Direito de Comunicação ao Público. Todavia, para a lei brasileira, esse
conceito de “comunicação ao público”, está restrito às hipóteses de execução
pública de obra musical, conforme previsto no art. 68, §§ 1.º, 2.º e 3.º, da
Lei n. 9.610/98. Preferiu a lei brasileira, em oposição ao que dispõe o
tratado, reservar direito específico para a faculdade de disponibilizar a obra
em rede, que é o direito de armazenamento em computador, previsto no art. 29,
IX, e que não está compreendido no conceito de comunicação ao público. Uma das
consequências dessa interpretação é que não incumbe ao Escritório Central de
Arrecadação e Distribuição (ECAD), previsto no art. 99 da Lei n. 9.610/98,
a arrecadação de direitos autorais sobre obras musicais disponibilizadas na
Internet.
Nesse sentido,
na esteira do raciocínio do Prof. Ascensão, podemos dizer que a veiculação de
obras musicais em sites provedores de conteúdo diz respeito ao direito
exclusivo de “armazenamento em computador”. O exercício deste direito,
como previsto no caput do art. 29 da Lei n. 9.610/98, está sujeito à
prévia e expressa autorização do titular.
Deve-se referir,
ainda, que, à luz do disposto no art. 31 da Lei n. 9.610/98, o conjunto dos
direitos patrimoniais de autor consiste em tantos direitos, ou faculdades,
quantas forem as modalidades de utilização da obra intelectual protegida, sendo
que, como se depreende do caput do art. 29 e do seu inciso XI, o rol
dessa norma não é numerus clausus. Fala-se, antes, como também já
escreveu o Prof. Carlos Alberto Bittar, num feixe de direitos, dentre os quais,
felizmente, a modalidade de veiculação de obra musical na Internet, para que
não pairem dúvidas aos usuários, encontra definição explícita no inciso IX do
art. 29.
Concluímos,
pois, perfilhando os ensinamentos do ilustre professor português, a veiculação
de obra musical na Internet está sujeita à prévia e expressa autorização do
titular de direitos autorais, que, no exercício da exclusividade que lhe
confere a lei, goza da prerrogativa do art. 29, IX, da Lei n. 9.610/98 para
esse fim.
1. Artigo publicado na Revista da
Associação Brasileira da Propriedade Industrial (ABPI), São Paulo,
n. 42, set./out. 1999, p. 13 a 29.
Retirado de: www.saraivajur.com.br