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O FUTURO DA PROTEÇÃO INTELECTUAL NA INTERNET

Demócrito Reinaldo Filho


 
 
            Desde a invenção da imprensa, a humanidade não havia se deparado com um meio tão poderoso para a transmissão do conhecimento, como agora está acontencendo em relação a Internet, ambiente onde vastas quantidades de informações são copiadas em forma digital e transmitidas instantaneamente por um custo relativamente insignificante, para qualquer parte do globo terrestre. Justamente em razão das possibilidades que oferece, as empresas e mesmo pessoas físicas procuram hoje se estabelecer "on line", para a divulgação e distribuição de seus trabalhos profissionais. A Internet apressou a entrada na era da "Economia da Informação", em que a propriedade intelectual transformou-se numa das mais importantes mercadorias de nossa sociedade. Apesar de todo esse desenvolvimento, muitos ainda temem em divulgar seus trabalhos, temerosos de perder controle sobre eles e, consequentemente, a renda que possam produzir. É que a facilidade como as informações são distribuídas, transmitidas e armazenadas na Internet trouxe consigo um fenômeno paralelo: a obsolescência das leis de proteção à propriedade intelectual. Além de sua natureza técnica favorecer a disseminação de cópias dos trabalhos publicados, transformando-a numa verdadeira "global copying machine", sua arquitetura dificulta o monitoramento das infrações à propriedade intelectual e praticamente retira a eficácia das leis que protegem os direitos dos autores. Alguns estudiosos chegam mesmo a questionar a utilidade da aplicação das existentes leis de proteção à propriedade intelectual ao cyberspace. Esse assunto é atualmente o centro de um dos mais acesos debates nos EUA, em torno de um tema jurídico, com o objetivo de se explorar alternativas para as tradicionais leis de propriedade intelectual como meio de proteção aos trabalhos "on line". De um lado, estão os "Incrementalists", para os quais os fundamentos básicos das leis de propriedade intelectual vão sobreviver, porque as necessidades para as quais foram construídas ainda irão permanecer. Faz-se necessário apenas, sustentam eles, um ajustamento para adequá-las ao novo fenômeno tecnológico, da mesma forma como já ocorreu em épocas passadas, quando o sistema jurídico teve que lidar com a pianola, com o toca-fitas e, mais recentemente, com o VCR (vídeo-cassete), todos eles instrumentos que permitiam a reprodução de trabalhos intelectuais e artísticos. Nessa seara parece encontrar-se o próprio Governo americano, que criou uma Comissão para estudar o problema - The Federal Government's National Information Infrastructure Working Group on Intellectual Property -, cujos membros concluíram que "o casaco legal está apenas um pouco estreito", não havendo necessidade de um novo, mas apenas de pequenas alterações no velho ("The copyright coat is getting a little tight. There is no need for a new one, but the old one needs a few alterations"). Em outro lado, situam-se os "Radical Revisionists". Para estes, com o advento da Internet e sua tecnologia que banaliza o ato de copiar, o fundamento básico em que se firmam as leis de proteção à propriedade intelectual - calcado na noção de que somente o criador do trabalho original exerce controle exclusivo sobre o direito à reprodução - passou a ser um anacronismo.

            Advogam a criação de formas inteiramente novas de proteção à propriedade intelectual, para lidar com os problemas trazidos pela Internet. Um dos expoentes dessa corrente é John Perry Barlow, para o qual não adianta remendar, readaptar ou expandir o conteúdo das leis já existentes para conter o avanço da reprodução digitalizada. Ainda há os que sustentam ser inútil toda e qualquer tentativa de regular a propriedade intelectual na Internet. Para estes, entramos na era da "Promiscuos Publication", onde nada escapa ao livre poder de reprodução e toda e qualquer tentativa de se conferir eficácia às leis será infrutífera. Na fase dos manuscritos monásticos ("Era of Monastic Manuscript"), quando a Igreja católica controlava e somente ela tinha acesso à produção intelectual, não havia necessidade de leis de proteção aos direitos autorais. Depois, com a invenção da imprensa ("Era of Gutenberg Press"), que possibilitou a reprodução dos manuscritos, elas passaram a ser uma necessidade a fim de proteger os interesses dos autores e editores. Mas, na era atual, em que o ato de copiar trabalho publicado na Internet tornou-se tão simples e tão barato, e praticamente sem controle, perdeu-se todo e qualquer sentido regular proteção a direitos autorais. É o que conclui, dentre outros, Andy Johnson-Laird ("trying to legislate the Internet is a great task that is potentially impossible technically"). Por fim, com inspiração ideológica totalmente distinta, ainda existe o "Open Source Movement", que pretende capturar o verdadeiro valor da propriedade intelectual simplesmente através da distribuição gratuita de toda e qualquer obra intelectual. Está ligado ao pensamento de que é preciso resgatar a essência original da Internet, como o ambiente comunicação universal, livre de interesses mercantilistas. Não podemos prever quem vencerá essa disputa, mas nem por isso podemos deixar de assumir uma posição nesse quadro de discussão. Estamos mais próximos dos Revisionistas, pois temos que é indubitável que alguma coisa precisa ser feita, e urgentemente. O simples fato de que os direitos autorais podem ser facilmente violados no cyberspace não pode, de maneira alguma, servir como justificativa para a abolição absoluta da propriedade intelectual. A proteção aos direitos autorais realiza uma função social relevantíssima; está ligada ao próprio progresso da humanidade, na medida em que incentiva a produção intelectual. A Internet, como nenhuma outra invenção tecnológica, desafia conceitos fundamentais do sistema jurídico de proteção à propriedade intelectual. Mas isso não significa que os ordenamentos jurídicos ficarão impassíveis. Na verdade, apenas assistimos a um novo capítulo da novela que costuma se repetir sempre que se tenta aplicar velhas leis e doutrinas a fatos sociais novos.

Recife, 10.03.2000


Extraído do site http://www.ciberlex.adv.br/