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SONORIZAÇÃO AMBIENTAL NUMA BARRACA DE PRAIA
Eduardo José Pereira de Matos

Um barraqueiro amigo, num fim de semana, estando no interior da sua barraca, ao pé do fogão, enquanto fritava um peixe para seu cliente, ouvia seu rádio de pilhas, sintonizando emissora de rádio local que se concentra na divulgação de forró. O som estava tão alto que quem estivesse sentado na palhoça mais distante, à borda do mar, ouvi-lo-ia nitidamente.

Por infelicidade sua, um fiscal do ECAD, que se desincumbia de suas funções nas proximidades, visitou-o e, não aceitando as suas explicações, lavrou um termo de comprovação de violação de direitos autorais.

Nada na barraca evidenciava que o barraqueiro fizesse uso regular de músicas para entretenimento de sua clientela. Lá não havia aparelho de som nem existiam caixas de som instaladas no salão, nem no teto, tampouco nas palhoças, denunciadoras da utilização de obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas.

Todavia uma barraca de praia é, incontestavelmente, um estabelecimento comercial e por isso o cioso fiscal do ECAD apegava-se à lição da Súmula nº 63, do STJ, que prevê que "são devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais". Firmava a sua convicção de cumprimento do dever funcional de cobrar do barraqueiro os direitos pecuniários destinados aos autores e titulares deles, entendendo que este cometia ofensa aos direitos autorais, arrimando-se na compreensão de dispositivo da lei de regência desses direitos, que considera a utilização indireta de obra musical pelo processo de captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva (Lei nº 9610/98, art. 29, VIII, e) dependente de prévia e expressa autorização do autor ou titular, efetivando-se esta mediante o recolhimento, através da rede bancária, do valor estipulado pelo ECAD.

O assunto merece uma reflexão. Primeiramente, a lei de regência de direitos autorais (art. 5º, III) considera retransmissão como sendo a emissão simultânea da transmissão de uma empresa por outra. Isso o barraqueiro não fazia. Em segundo lugar, poder-se-á interpretar a expressão interior da barraca, extensivamente, como sendo a casa do barraqueiro, ou seja, compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III). Esta ponderação faz-me afirmar, convictamente, que, em casos que tais, não há violação aos direitos de autor, porque a execução musical, quando realizada no recesso familiar, está dispensada da obrigatoriedade do pagamento de retribuição pecuniária.

Entendo que, numa barraca de praia ou mesmo num bar, se configura a utilização de músicas com aproveitamento econômico quando no local estão ostensivamente visíveis os meios empregados para tal fim, como a instalação de aparelhagem destinada a produzir ou a retransmitir som. Aí, sim, se o proprietário não exibir o comprovante de prévia e expressa autorização, que é o recibo bancário com autenticação mecânica, não haverá exagero da fiscalização na lavratura de termo de comprovação da violação de direitos autorais.

Num caso como o comentado, estou que o encargo da fiscalização deveria ser outro. Resultaria em grande benefício para os titulares de direitos de autor uma mudança de atitude do fiscal, inibindo o rigor no desempenho de sua árdua missão para investir-se do papel de um negociador e, assim, estimular os empresários que ainda não são usuários cadastrados a sonorizarem o ambiente de seus estabelecimentos comerciais, negociando com eles o pagamento de uma remuneração autoral compatível com sua capacidade econômico-financeira. Para que se alcançasse esse propósito, o ECAD deveria submeter seus fiscais a treinamento intensivo para aperfeiçoamento profissional, que os tornasse hábeis negociadores, porém esse escritório nem sempre respalda-se no apoio necessário das associações de titulares de direitos de autor, que o administram, pois estas, ansiosas pelos proveitos econômicos imediatos, não costumam disponibilizar recursos para investimento dessa natureza, que seria capaz de proporcionar, num futuro próximo, resultados bastante positivos.


Eduardo José Pereira de Matos
Concludente do Curso de Direito da UNIFOR
Ex-chefe do escritório do ECAD em Fortaleza/CE

Especial para O NEÓFITO

Escrito em 17/05/2000
Incluído no site em 24/05/2000

 


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