BUSCALEGIS.ccj.ufsc.br
QUANDO O PRÓPRIO AUTOR É O EXECUTANTE DE SUAS CANÇÕES
Eduardo Matos
É muito
comum no mundo artístico um cantor, durante um espetáculo musical executado ao
vivo, apresentar ao público suas próprias canções. Quando isso ocorre, mesmo
recebendo o artista remuneração pelo seu trabalho, é cabível, ainda, a cobrança
de direitos autorais pela execução pública de suas obras musicais? A resposta,
induvidosamente, é afirmativa.
O cachê pago pelo empresário ao artista contratado constitui uma remuneração
merecida pelo seu trabalho, que independe da retribuição autoral a que faz jus,
se de sua autoria forem as canções executadas durante o evento musical. Não se
pense, pois, que o artista estará recebendo duas vezes pelo mesmo trabalho:
cachê e proventos autorais são duas realidades completamente diversas. O
primeiro remunera o esforço físico do artista; o segundo, o fruto do seu labor
intelectual.
Freqüentemente, alguns empresários responsáveis pela promoção de eventos
musicais pensam de maneira diferente, mas não tem embasamento legal a recusa do
pagamento da retribuição autoral. Contudo, para livrar-se desse encargo,
poderão negociar com o artista, se na verdade a este pertencer a titularidade
dos direitos de autor, uma cessão de direitos, que a lei presume ser onerosa e
que deve ser pactuada por escrito, na forma prevista no art. 50 e seus
parágrafos da Lei nº 9610/98. Quando isso acontecer, o titular dos direitos de
autor deverá comunicar o acerto com o empresário, previamente, à associação a
que estiver filiado, como recomenda o art. 98, parágrafo único, da aludida lei,
a fim de que esta desobrigue o ECAD de fazer a cobrança. Mesmo assim, o serviço
de fiscalização do escritório central, cioso da sua responsabilidade para com
aqueles que detêm a titularidade dos direitos de autor e dos direitos conexos
aos direitos autorais, costuma comparecer ao espetáculo musical, gravando as
canções ali executadas, para assegurar-se de que as músicas cantadas integram
realmente o repertório do artista que fez a cessão de direitos. Se durante o
evento musical, empolgado com os aplausos da platéia, o artista vier a incluir
na relação das obras liberadas composições de outros autores, o empresário que
estiver promovendo o espetáculo público deve pagar, proporcionalmente, direitos
autorais. Ocorrendo tal hipótese, obterá o ECAD, pelos meios disponíveis, a
renda bruta auferida com a venda de ingressos e sobre esse valor fará incidir
um percentual previsto em seu Regulamento de Arrecadação para apurar os
direitos autorais, que seriam devidos em sua totalidade. Em seguida, fará o
cálculo do valor proporcional. Por exemplo, se num show realizado por renomado
cantor, este apresentou um roteiro musical à sua associação relacionando vinte
e duas canções de sua autoria, comunicando-lhe, por escrito, que havia feito a
cessão de seus direitos autorais ao empresário-promotor, mas no palco, no calor
dos aplausos e do entusiasmo da platéia incluiu na relação musical três outras
canções, cuja autoria não lhe pertencia, deverá o promotor do evento musical,
por causa da execução pública das três músicas alheias, recolher aos cofres do
ECAD uma retribuição autoral proporcional ao total que seria devido, se não
tivesse havido a liberalidade do autor.
A jurisprudência reconhece ser:
"Lícito ao compositor ou executante da
obra dispor de seu direito. O ECAD age em seu nome. Se o titular do direito
renuncia, não pode haver cobrança" (STJ/RESP 211.621-RS, acórdão de 17.06.99, voto do ministro Eduardo
Ribeiro).
Aliás,
esse entendimento jurisprudencial se apoia nas disposições da lex magna (CF,
art. 5º, XXVII e XXVIII) e da lei de regência dos direitos autorais (Lei nº
9610/98), que afirma:
Art. 28 - Cabe ao autor o direito exclusivo
de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.
No
entanto, quando o compositor de uma música, dispondo de seus direitos
patrimoniais, cede-os a terceiro, ficam preservados os direitos conexos aos
direitos de autor. Assim, se o artista dispensa o ECAD da cobrança de seus
direitos autorais, porque resolveu cobrá-los pessoalmente (Lei nº 9610/98, art.
98, § único) ou porque os cedeu a terceiro, na conformidade da lei, não estará
o escritório central desobrigado de cobrar os direitos conexos aos direitos de
autor (arts. 89 e seguintes da lei de regência dos direitos autorais), salvo se
também estes forem cedidos ao terceiro pelos seus titulares. Por falta de
informação, geralmente quando se realiza uma cobrança de proventos pecuniários
relativos a direitos conexos aos direitos de autor ao empresário, que promove
evento musical e acertou com o artista a cessão de direitos autorais, o
exercício dessa atribuição legal do ECAD dá azo, sem motivo, a
desentendimentos.
Concluindo, o cachê pago ao artista e a retribuição autoral são
coisas distintas, mas o titular dos direitos autorais, deles livremente
dispondo, poderá desobrigar o ECAD, mediante prévia comunicação à associação a
que estiver filiado, da cobrança dos seus proventos autorais, contudo, se a
dispensa não for extensiva aos direitos conexos aos direitos de autor, o valor
correspondente a estes deverá ser depositado na conta bancária do escritório
central pelo promotor do evento musical.
Eduardo Matos
Concludente do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR);
Ex-empregado do Banco do Brasil (aposentado por tempo de serviço) e
Ex-chefe da sucursal do ECAD no Ceará.
Especial para O NEÓFITO
Escrito em 04/03/2000
Incluído no site em 15/05/2000
http://www.neofito.com.br/artigos