BUSCALEGIS.ccj.ufsc.br
PATENTEAMENTO DAS INVENÇÕES NAS ENTIDADES
PÚBLICAS DE PESQUISA
Eury Pereira Luna Filho
A Lei
n. 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à
propriedade industrial merece maior atenção por parte dos administradores das
instituições públicas de pesquisa e desenvolvimento ( P& D) e dos
pesquisadores que nela trabalham. Tanto por sua importância, decorrente da
matéria regulada - inventos e tecnologia -, quanto pelas alterações na
regulação legal seguida e no regime instituído da propriedade, uso e exploração
das invenções e inovações tecnológicas em nosso País, nesse patamar de novo
milênio.
Aqui se faz um brevíssimo roteiro de fatores a considerar quando surge o
propósito de patentear algum invento realizado no âmbito de uma instituição
pública de pesquisa.
Em primeiro lugar, deve-se acertar que, ao longo da concepção, desenvolvimento
e realização do invento, não se divulgou, intencional ou inadvertidamente, o
conceito inventivo e tampouco efetuou-se alguma publicação ou comunicação,
mesmo de forma oral, que dissesse respeito à invenção ou a seu núcleo
conceitual, ou a como realizá-la, pois isto poderá ser considerado como
anterioridade impeditiva da novidade absoluta.
Comunicações em simpósios, mesmo resumos, e teses e dissertações defendidas no
meio acadêmico e por conseqüência disto tidas como publicadas, mesmo se de
restrita circulação, podem implicar em antecipação do estado da arte.
Em segundo lugar, deve-se conferir a autoria, ou ocorrência de co-autoria, no
invento ou no trabalho que a este conduziu. Inventor é quem concebeu e realizou
de maneira autônoma e original a invenção. Se o trabalho contou com a
colaboração de outros, deve-se acertar a contribuição efetiva destes para a
concepção ou o aperfeiçoamento do conceito nuclear do invento ou para sua
realização ou colocação em prática. Alguém que faça testes e ensaios, acompanhe
experimentos, faça pesquisa bibliográfica, independentemente de sua extensão,
abrangência ou complexidade, anote ou relacione dados, ainda que essenciais
para o resultado obtido e a confirmação destes ou para sua reprodutibilidade, não
é co-autor. Alguém que siga instruções de terceiros para a realização de
experimentos e atinja resultados esperados ou que, diante dos resultados
obtidos, promova correções necessárias para atingir os resultados desejados,
também não é rigorosamente co-autor. Em resumo, colaborador não é co-autor ou
co-inventor.
Em terceiro lugar, deve-se acertar quais fontes de recursos institucionais
(materiais, financeiros, técnicos, pessoal e mão de obra, dados e registros
proprietários, etc.) foram utilizadas e se essa utilização foi ou está
condicionada a alguma forma de participação ou reivindicação sobre os
resultados do trabalho de pesquisa realizado, e quais as condições
estabelecidas previamente. Se não houve estabelecimento de condições prévias
para uma determinada colaboração, convém ainda verificar se a instituição, ou
instituições, que estiverem envolvidas com a pesquisa conduzida ou trabalho
realizado adotam regras gerais ou têm política explícita de apropriação de
resultados das pesquisas por elas apoiadas. Aqui surge um complicador, quando o
trabalho que conduz à invenção se desenvolve ao longo de largo período de
tempo, utilizando fontes de recursos diversas, ou complementares, ou quando
haja participação de instituições e fontes de recursos externas.
A legislação brasileira prevê que que até 1 (um) ano após a extinção do vínculo
empregatício, qualquer patente requerida pelo empregado seja, salvo prova em
contrário, entendida como desenvolvida na vigência do contrato em que este se
obrigou ao trabalho de pesquisa ou do qual pudesse originar-se alguma atividade
inventiva. Essa regra aplica-se, adaptada, às entidades da Administração
Pública, direta, indireta e fundacional, federal, estadual ou municipal. Ao
inventor, nesses casos, está assegurada uma participação nos resultados
econômicos obtidos com a exploração da invenção depositada ou patenteada, a
título de incentivo e premiação. Em âmbito federal, duas portarias ministeriais
editadas desde 1998 regulam o incentivo denominado premiação ao servidor que
desenvolver criação intelectual passível de proteção no âmbito do Ministério da
Ciência e Tecnologia, suas entidades e órgãos, e no âmbito do Ministério da
Educação, consequentemente abrangendo todas as IES (instituições de ensino
superior) federais e federalizadas.
Em quarto lugar, deve-se classificar os resultados materiais obtidos na
pesquisa de modo a conferir se se enquadram no conceito legal de invenção ,
i.e., (a) o conhecimento prático, (b) inovador em relação ao estado da técnica
previamente conhecido no campo de conhecimento, (c) não óbvio para aqueles
versados na disciplina, objeto de estudo, técnica ou arte, e que (d) apresente
utilidade e aplicação industrial. Caso se tratar de uma melhoria funcional para
o uso ou a fabricação de objeto já conhecido, poderá configurar modelo de
utilidade (uma invenção menor). A alternativa é que se tenha, em alguns casos,
uma descoberta científica ou uma formulação teórica ou puramente abstrata, não
abrangidas pelo conceito legal de invenção, o que a excluirá da
patenteabilidade, nos termos da lei. Deve-se atentar, ainda, para o rol de
realizações que a lei desconsidera expressamente serem invenções, a exemplo de
obras literárias, arquitetônicas, artísticas, ou técnicas e métodos operatórios
ou cirúrgicos ou terapêuticos ou diagnósticos.
Nessa linha de exceção expressa do rol de realizações patenteáveis, a lei
brasileira arrola ainda "o todo ou parte de seres vivos naturais e
materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados,
inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos
biológicos naturais ", v.g. artigo 10, IX, da Lei 9.279/86. Há também
inovações tecnológicas cuja proteção refoge ao âmbito da propriedade
industrial, ou da lei de patentes e modelos de utilidade, encontrando abrigo em
leis especificas, como os cultivares (ou variedades vegetais) e o software,
cujo registro, entretanto, está afeto igualmente ao mesmo órgão que concede
patentes, registra marcas, averba contratos de franquia e transferência de
tecnologia - o Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, autarquia
federal sediada no Rio de Janeiro, e que mantém representações ou delegacias
nas capitais estaduais e no Distrito Federal.
Após esses acertamentos, pode-se ter alguma definição e certeza quanto às
condições de patenteabilidade e de autoria do invento, cabendo preparar o
conjunto de documentos técnicos que formam o pedido de patente, que será
encaminhado pelo inventor, seu empregador ou instituição, ou o representante
constituído, ao INPI.
Já nessa oportunidade cuidará o especialista dos aspectos técnicos complexos e
muito relevantes envolvidos no depósito do pedido de patente, pois há uma
formatação própria a ser seguida e técnicas redacionais rígidas para elaboração
do relatório e descrição das características do invento, cuja repercussão é
certa na interpretação e na fixação do alcance da futura proteção conferida
pela patente, e a inobservância causa de fragilidade para o pleno exercício dos
direitos de propriedade, quando de uma eventual contestação deles por terceiros
a quem a patente possa ocasionar embaraços e impor limitações econômicas e
comerciais.
Após o encaminhamento do pedido de patente ao INPI, seu recebimento e protocolo
consiste no depósito do pedido de patente e inicia uma tramitação
administrativa de certa complexidade e que pode, atualmente, consideradas as
deficiências ainda insuperadas do órgão , levar entre 4/6 anos, com esperanças
de reduzir-se em futuro próximo para algo em torno de 2 anos, situando-se assim
na demora média de exame e concessão de direitos observados nos escritorios
governamentais de patentes dos países mais desenvolvidos (US Patent and
Trademark Office, Deutsches Patentamt, EPO, UK Patent Office, entre outros). Há
taxas a serem pagas e um acompanhamento processual permanente até a concessão
da patente ou o indeferimento da mesma, por decisão administrativa
fundamentada.
Após essa razoavelmente longa trajetória aqui resumida, ainda haveria que
discorrer sobre as estratégias de negociação e desenvolvimento comercial das
invenções patenteadas, até o retorno financeiro esperado, mas que consiste em
outro e não menos estimulante capítulo no processo de inovação tecnológica.
Eury Pereira Luna Filho
Advogado.
Pertence ao Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB;
Tem cursos de especialização em Documentação Científica;
Instituições da Comunidade Européia; Planejamento Ambiental;
Políticas Públicas e Gestão Governamental e em Direito Tributário
Especial para O NEÓFITO
Escrito em 10/05/2000
Incluído no site em 15/05/2000
http://www.neofito.com.br/artigos