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A INFORMÁTICA NO DIREITO DE AUTOR BRASILEIRO
 
 

ANTÔNIO CHAVES

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
SUMÁRIO: 1. Importância. Abrangência. 2. Versatilidade. 3. Histórico. Legislação específica. 4. O "software" é uma criação intelectual. 5. Autoria e titularidade. 6. A "videoarte". 7. Documentos protegíveis. Ementários. Sumários. 8. Direitos do autor. A comunicação da obra. 9. Reprodução. 10. Direito de tradução. 11. Direito de adaptação. 12. Direitos morais. 13. Prazo de proteção. 14. Defesa do direito de autor do programador. Limitações. 15. Reserva de mercado (ou similaridade). 16. Imprescindibilidade de uma solução internacional.

1. IMPORTÂNCIA. ABRANGÊNCIA

Foi pouco antes da década de 50 que surgiu o primeiro enorme, pesadíssimo, caríssimo e desajeitado computador: o ENIAC, que funcionava por meio de 18 mil válvulas de 16 tipos diferentes, tinha 30 metros de largura por três de altura, e consumia 140 kws de energia.

À medida que a técnica foi avançando, foi minguando seu tamanho e, conseqüentemente, seu preço, e aumentando sua expansão, a ponto de grande número de pessoas dispor hoje de mais de um. Dos dois milhões de computadores que, calcula-se, tenham sido fabricados em 1976, no mundo inteiro, passamos, quatro anos apenas depois, para 100 milhões, correspondendo ao valor de 6 bilhões de dólares, com um aumento estimado de 35% ao ano, provendo-se que, até 1990, haveria 200 milhões.

No Brasil o número de profissionais de nível superior empregados pela indústria na área de hardware e de software, passou de 1.083 em 1982 para 2.623 em 1985, absorvendo, em pesquisa e desenvolvimento, quase 7 milhões de dólares os investimentos nessa ocasião aplicados pelos 64 fabricantes existentes no país. Nos EUA, somente a IBM já em 1977 investia quase 2 bilhões de dólares unicamente no setor de pesquisa e desenvolvimento.

Mas a importância dos microprocessadores não se calcula apenas em termos econômicos: sobreleva, em muito, o plano cultural, técnico e estratégico, pela facilidade de compilação, armazenamento e elaboração de dados, a ponto de todas as bibliotecas, não só de um país, mas do mundo inteiro poderem ser contidas na memória de um computador, e postas à disposição dos interessados por meio de terminais telefônicos, pelo rádio e por satélites, instantaneamente.

Analisa Giovanni Giacobbe (Spunti e riflessioni sul rapporto tra diritto e informatica, "Il Diritto di Autore", nº 1, janeiro 1987, pp. 8-22), os efeitos desse aparelho singular, que tomando como ponto de partida as funções do intelecto humano, tem a tendência de levá-las às conseqüências extremas, superando as próprias dificuldades da inteligência, impossibilitada de alcançar num contexto definido de tempo uma multiplicidade de situações.

O fato de que o homem não pode mais dispensar o diálogo com o computador, se pode ter significação no âmbito individual da posição de cada um que o utiliza, tem certamente uma significação mais complexa no plano das relações sociais, quando o uso da máquina se torna um instrumento essencial da convivência social.

"Os países periféricos suficientemente populosos para aspirar à independência" – consigna Ivan da Costa Marques – "não podem abster-se do desenvolvimento de uma tecnologia nacional de processamento de informação, malgrado a amplitude do esforço político, técnico e econômico que isto acarrete. O sistema de processamento da informação, cada vez mais complexo e abrangente, corresponderá cada vez mais ao "sistema nervoso" das sociedades modernas. O domínio de sua tecnologia será cada vez mais essencial para que uma nação possa conhecer-se e, conseqüentemente, manter ou trazer para dentro de si o seu próprio poder de decisão para exercer sua independência política, fixando ela própria o seu grau de interdependência econômica com as demais nações. Para o Brasil, abster-se deste esforço de criação da tecnologia nacional significa no mínimo renunciar a ter em nosso território, mais precisamente nos cérebros de nossas equipes técnicas, o elemento-chave para que a indústria de processamento da informação possa ser implantada observando prioritamente o interesse nacional, e não unicamente o interesse de empresas vinculadas a potências estrangeiras, não raras vezes concorrentes do Brasil no jogo internacional de interesses político-econômicos".

O mercado interno brasileiro apresenta taxas de crescimento bem superiores às dos mercados da maioria dos demais países, caracterizando perspectivas excelentes. O sistema produtivo brasileiro não mais prescinde dos computadores, essenciais na administração de todas as grandes empresas, dos bancos e do setor financeiro em geral, do setor de serviços e transportes, e atividades governamentais.

2. VERSATILIDADE

Alguns exemplos são suficientes para demonstrar a versatilidade e, conseqüentemente, a crescente importância do processamento de dados. Em novembro de 1988 os eleitores de Denver, Colorado, EUA foram escolhidos para testar a "máquina de votar", lançada pela Nixdorf Computer, subsidiária da multinacional alemã nos EUA.

Trata-se de um terminal semelhante aos dos caixas eletrônicos bancários, em que o eleitor se limita a tocar com o dedo os nomes de seus candidatos na tela. A máquina registra as escolhas e, ao final da eleição, apura os votos em alguns minutos, eliminando papel e evitando completamente as fraudes.

No dia 20.10.88 foi lançado, na Universidade Estadual da Geórgia, o primeiro protótipo da Bíblia computadorizada. Trechos de uma coletânea das Escrituras em inglês podem ser encontrados em alguns segundos pelo usuário, simplesmente digitando no teclado o assunto desejado, que será mostrado num visor de cristal líquido.

"A Enciclopédia Britânica, com seus 26 encorpados volumes que condensam praticamente todo o conhecimento humano", informa Boris Nestroviski no Jornal O Estado de São Paulo (OESP), de 21.9.89, p. 12 – "já pode ser carregada no bolso do casaco. A versão do século XXI da tradicional obra, que vem sendo compilada há 220 anos, foi apresentada na Academia de Ciências de Nova Yorque na forma de um único compact disc de leitura ótica, onde estão armazenados os mesmos 8,7 milhões de verbetes e 31.200 artigos da coleção original que podem ser lidos com a ajuda de um microcomputador.

Mais que isso, a nova versão incorpora ainda sons e movimentos, como um discurso do presidente John Kennedy e as primeiras palavras ditas por um ser humano na Lua. Alguns dos 5.800 mapas têm animação e alguns artigos um fundo musical, de Bach."

A impressão eletrônica já havia revolucionado os métodos tradicionais de criar "cópias mestres" de textos para serem impressos, não apenas como desenhos, gráficos, imagens, projeções, deslocamentos, vistas de perfil, aumentos e diminuições, com cópias inclusive por impressor a laser, como até mesmo a revisão, com correção de erros datilográficos ou de redação.

Um relatório publicado pela Frost & Sullivan informa que o valor do mercado norte-americano de sistemas eletrônicos de impressão foi de US$ 296 milhões em 1984, de 432 milhões em 1985, 859 milhões em 1987, numa taxa anual de crescimento de 43% atingindo 1,1 bilhão em 1988 e prevendo-se chegue a 2,6 bilhões em 1992.

O relatório define impressão eletrônica (ECP) como a criação de cópias mestres eletrônicas por organizações que não são nem gráficas nem editores comerciais. Usuários não são necessariamente empresas, mas podem ser "organizações de lucro, educacionais, profissionais e governamentais".

As comunicações telegráficas já foram, com grande economia e muito mais confiabilidade, maciçamente substituídas pelo fax e pelo telefax.

Os próprios correios estão destinados a sofrer, mais do que um impacto, verdadeira subversão.

Ao que informava "Il sole 24 ore" de 5.11.88, a transmissão de uma típica carta comercial entre empresas da Europa Ocidental, que deverão para tanto dispor de um computador conectado com rede pública de telecomunicações, custará, em 1992, um centavo de dólar, isto é, 50 vezes menos que as tarifas atuais. A clientela desse novo serviço provirá dos atuais usuários do telefone, do telex e do telefax, obtendo um serviço muito mais econômico e de alto nível de segurança, esperando-se que o mercado das telecomunicações duplique em 1992 a faturação de 1988, que era de 67.000 milhões de dólares.

É no setor do ensino, em todos os seus mais diversificados quadrantes, inclusive e principalmente o da alfabetização, que a aplicação dos computadores, já bastante disseminada, está fadada a atingir proporções imprevisíveis.

Basta lembrar, com efeito, que a projeção, numa tela, da imagem da terra girando ao redor do sol faz compreender, com mais nitidez e em muito menor tempo, do que longas explicações do professor a viva voz.

O ensino à base de computador foi utilizado pela primeira vez no início da década de 70, num curso de formação de recrutas da Marinha dos Estados Unidos.

Na África do Sul, ao que informa Lesley Dellatola ("Ensino do Século Vindouro", África Austral, hoje, janeiro de 1988, p. 32), recorrendo ao mesmo método audiovisual, a empresa siderúrgica ISCOR procedeu à informação de operários estrangeiros imigrantes que não falavam inglês, a fim de lhes ensinar os nomes de ferramentas, peças sobressalentes e máquinas. Dado que uma "workstation" pode ser posta a funcionar em pleno mato, em fábricas, em lojas e em escritórios, esta técnica poderia servir para ajudar a resolver o problema mundial do analfabetismo, ensinando os analfabetos a ler e escrever no curto espaço de algumas semanas.

O ensino realiza-se cinco vezes mais depressa do que numa sala de aula convencional. Os adultos analfabetos podem ser ensinados em regime de tempo parcial para concluírem o curso secundário no espaço de dois anos.

3. HISTÓRICO. LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA

Foi em novembro de 1961 que o primeiro programa de computador foi objeto de um pedido de registro de um direito de autor junto ao Register of Copyrights, em Washington.

Em seguida a essa iniciativa e de outros pedidos, tal "Register" publicou a circular nº 61, de acordo com a qual o direito de autor pode ser registrado sob condição notadamente que a elaboração do programa necessite das "operações de reunião, de seleção, de agenciamento, de colocação em forma e dos elementos de expressão textual".

Também na República Federal da Alemanha – lembra Manfred Kindermann, p. 213 – o registro dos autores, criado na conformidade do art. 138 da lei de 1965, e mantido pelo departamento alemão das patentes em Munich foi rapidamente aberto, a título facultativo, ao direito do autor sobre programas de computador.

O primeiro esclarecimento contido numa legislação nacional a respeito foi o das Filipinas, Decreto presidencial nº 49, de 14.11.72 (Le Droit d’Auteur, 1974, pp. 306-313), regra que serviu de modelo a outros países: Hungria, Japão, Reino Unido, etc. Todos esses textos não passaram, no entanto, de meros adendos e adaptações às leis específicas de proteção ao direito de autor.

Nas 321 páginas de Sofware Brasileiro sem Mistério (Campinas, Julex, 1988), abordamos sucessivamente, em suas quatro partes, a programação cibernética brasileira, sua política, estrutura e órgãos: os critérios legislativos das principais leis estrangeiras; a Lei pátria nº 7.646, de 18.12.87, a primeira no mundo inteiro a dispor especificamente "quanto à proteção da propriedade intelectual sobre programas de computador e sua comercialização no País" (desdobrada esta III Parte em nove títulos: disposições preliminares; proteção aos direitos de autor; cadastro, quota de contribuição; comercialização; disposições gerais; sanções e penalidades, prescrições e disposições finais) e parte IV, balanço da lei.

Em apenso reproduzimos o Decreto nº 84.067, de 8.10.79, que cria a Secretaria Especial de Informática; Lei nº 7.232, de 29.10.84, que dispõe sobre a Política Nacional de Informática; Decreto nº 90.754, de 27.12.84, que dispõe sobre a organização e o funcionamento do Conselho Nacional de Informática e Automação; Decreto nº 90.755, dessa mesma data, que dispõe sobre a Secretaria Especial de Informática – SEI; Lei nº 7.463, de 17.5.87, que dispõe sobre o I Plano Nacional de Informática e Automação – PLANIN, cuja vigência foi prorrogada por seis meses pela Lei nº 7.892, de 24.11.89.

Resolução do CONIN nº 26, de 23.8.86, aprovada pelo Decreto nº 93.295, de 25.9.86, que regulamenta o art. 23 da Lei nº 7.232 de 29.10.84; Lei nº 7.646, de 18.12.87, que dispõe quanto à proteção da propriedade intelectual sobre programas de computador e sua comercialização no País e Decreto nº 96.036, de 12.5.88, que regulamenta a Lei nº 7.646, de 18.12.87.

A Lei nº 7.232, arts. 32-39, criou a Fundação Centro Tecnológico para Informática, com a finalidade de incentivar o desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica nas atividades de informática.

4. O "SOFTWARE" É UMA CRIAÇÃO INTELECTUAL

Explica porque, em El programa es una obra (Mundo Informativo, Buenos Aires, 2ª quinzena de junho de 1984, p. 19), Antonio Millé:

"a) Cada uma das partes constitutivas do suporte lógico de computador é inegavelmente uma criação da inteligência humana.

b) Tanto quanto o suporte lógico do computador seja o resultado de uma elaboração própria do autor e não imitativa de outra obra preexistente, tem o suporte lógico de computador nota de originalidade.

c) Trata-se – é redundante dizê-lo – de uma criação intelectual, uma vez que não é industrial ou meramente mecânica.

d) Têm os suportes lógicos de computador forma reproduzível (de fato sempre adquirem forma reproduzível)."

Acrescenta que além da condição de criação autônoma, seus componentes individualmente revestirão muitas vezes a condição simultânea de obras de outro tipo. Dão-lhe razão dois acórdãos transcritos por Villalba às páginas 132 e 133: um Tribunal de apelação em Nova Gales, Austrália, concluiu que: "um programa de sistema operativo poderia considerar-se uma "obra que se expressa imprimindo ou escrevendo, com independência de sobressair-se ou não por sua qualidade ou estilo, mérito literário, bom gosto, discernimento ou engenho. Basta que a obra facilite informação capaz de comunicar um significado inteligível, e que sua elaboração acarrete um esforço mental e um trabalho industrial". No litígio Babolat-Maillot-Witt x Pachot, o Tribunal de Apelação de Paris concluiu aos 2.11.82 que:

"A elaboração de um programa de aplicações de computador é uma obra intelectual original em sua composição e sua expressão, que ultrapassa os limites da mera lógica automática e restritiva; não se trata de um processo mecânico intelectual inevitável, uma vez que de fato os analistas-programadores devem escolher, como os tradutores de obras, entre diversos modos de apresentação e expressão, e portanto sua escolha leva o selo de sua personalidade."

A Lei pátria nº 7.646, de 18.12.87, reconhece no art. 2º ser o regime o disposto na Lei nº 5.988, de 14.12.73, que "regula os Direitos Autorais e dá outras providências" com as modificações estabelecidas nessa mesma lei para atender às peculiaridades inerentes aos programas de computador.

Aos comentários que expendemos às páginas 72-82 de nossa monografia específica resta acrescentar que, como encarece Manfred Kindermann, o casamento do computador e do direito de autor dura há mais de um quarto de século:

"A evolução das técnicas e do direito conduziu muito logicamente ao encontro destes dois domínios e a que se liguem entre eles relações estreitas. Não se trata certamente de um verdadeiro casamento de amor, mas antes do reconhecimento mútuo de interesses e de necessidades comuns.

A elaboração de um programa de computador comercializável acarreta despesas importantes, os riscos de copia ilícita são portanto muito grandes. A pessoa que dispõe de um computador universal pode facilmente efetuar cópias de um programa de computador não importa quando e não importa em que quantidade: não é necessário para isto recorrer a instalações custosas.

As cópias realizadas têm uma qualidade igual à do original e podem elas mesmas servir como ponto de partida à produção de outras cópias de igual qualidade. Importa, nestas condições, que o proprietário tenha um direito de cópia exclusivo, de modo a proteger os esforços que ele desenvolveu para elaborar o programa e a garantir que ele elaborará novos programas. Vai de si que reconhecer um direito desse gênero no quadro do sistema bem estruturado do direito de autor, que, como seu nome inglês indica ("copyright", literalmente, "direito de cópia") tem por finalidade conferir uma proteção contra a cópia não autorizada de diversas categorias de obras."

Notando, entre outras coisas, que o desenvolvimento rápido da tecnologia da informação acarreta a criação, aos níveis nacional e internacional, de sistemas de informação, de redes e de base de dados automatizados para permitir aos que procuram a informação de ter acesso diretamente a elas;

Levando em conta o fato de que atualmente um número cada vez mais importante de obras protegidas pelo direito de autor constitui o objeto de colocação em memória e de recuperação dos meios informáticos e que esta prática é destinada a expandir-se;

Considerando que, paralelamente, os progressos técnicos em matéria de informática acarretaram alterações nos métodos de criação de obras: os computadores são atualmente utilizados para produzir diversos tipos de obras que podem responder aos critérios gerais de proteção pelo direito de autor nos planos internacional e nacional;

Considerando que a evolução no sentido de criação de sistemas de informação automatizada ao nível internacional necessita da adoção de uma atitude internacional coerente no que diz respeito a regulamentação destes problemas de direito de autor; o Comitê de peritos governamentais elaborou, na reunião de Paris de 15 a 19.2.80, apresentando-o na de Viena de 10.12.82, um "Projeto de Recomendações em vista da regulamentação dos problemas decorrentes, no plano de direito de autor, da utilização de computadores para o acesso às obras ou para a criação de obras" (Documento DG/0.1/299/372 a 378, Anexo).

Considera, além de outros elementos, que os problemas de direito de autor decorrentes dessa utilização são complexos e, trazendo soluções, deveriam os Estados levar em consideração ao mesmo tempo os interesses legítimos dos titulares de direito de autor e os dos utilizadores de obras protegidas, de modo a estimular a criatividade dos autores e não impedir a difusão das obras pelas técnicas informáticas; recomenda sigam os Estados as seguintes sugestões, com relação à utilização de computadores para o acesso às obras protegidas:

1. A armazenagem em computador das indicações bibliográficas usuais relativas a uma obra protegida (nome do autor, título, editor, ano de publicação, etc.) não deveria ser considerada, em si, como uma violação ao direito exclusivo do autor ou de qualquer outro titular deste direito.

2. A armazenagem e a recuperação por meios informáticos de textos integrados de obras protegidas deveriam formar objeto de uma autorização prévia do autor ou do titular do direito de autor (com exclusão das obras protegidas pelo direito de autor a título da legislação nacional).

3. A armazenagem e a recuperação por meios informáticos de apresentações abreviadas (resumos analíticos, condensações, etc.) deveriam fazer objeto de uma autorização prévia do autor ou de qualquer outro titular do direito de autor se as apresentações satisfazem as condições gerais da proteção pelo direito de autor enunciadas pelas convenções internacionais e as legislações nacionais.

As conseqüências seriam:

a) A armazenagem e a recuperação por meios informáticos de apresentações constituindo adaptações ou obras derivadas de uma obra preexistente, necessitariam da autorização prévia do titular do direito de autor sobre a obra original e sobre o que a apresente.

b) A armazenagem e a recuperação por meios informáticos de apresentações que são obras protegidas por si mesmas e não adaptações ou obras derivadas do original, necessitariam a autorização prévia do titular do direito de autor unicamente sobre a apresentação.

c) A armazenagem e a recuperação por meios informáticos de uma simples enumeração de idéias e/ou de fatos (anotações, por exemplo) não seriam submetidas a autorização.

4. A armazenagem e a recuperação por meios informáticos de compilações ou coletâneas de dados deveriam ser objeto de uma autorização prévia do titular do direito de autor, se, em razão da escolha ou da apresentação de seu conteúdo, estas compilações ou coletâneas constituírem criações intelectuais e são submetidas às regras gerais que regem, em virtude da legislação nacional, a proteção da categoria de obras de que se trata (ficando entendido que determinados documentos, como as leis, os decretos, as decisões judiciais, não são suscetíveis de serem protegidas pelo direito de autor).

5. As bases de dados automatizados deveriam, independentemente do tipo de informações memorizadas e de seu suporte material, beneficiar da proteção pelo direito de autor se elas constituírem criações intelectuais. 6. Quando um thesaurus estabelecido para o aproveitamento de uma base de dados determinados constitui uma criação intelectual na conformidade dos critérios gerais da proteção pelo direito de autor, sua utilização por terceiros aos fins de armazenagem e de recuperação deveria formar objeto de uma autorização prévia do titular do direito de autor sobre o thesaurus.

5. AUTORIA E TITULARIDADE

Em caso algum admite o Projeto que Vicente Garibaldi e Arcadio Plazas elaboraram para o futuro Código de Autor do Panamá seja considerado que uma obra tenha sido criada por um computador. Será, portanto, titular do direito de autor das obras criadas (art. 68) a pessoa ou pessoas que produzam o elemento de criação utilizando os computadores.

Contempla de maneira especial o art. 69 existir automatização completa do processo de criação:

a) se o programa utilizado não puder dar lugar a mais do que uma só obra, são autor ou autores da obra, conforme o caso, o criador que tenha dado as instruções ou este e o programador cuja contribuição constitua verdadeiramente uma criação;

b) se o programa pode dar lugar a certo número de resultados diferentes:

b.1) se o próprio criador da obra fizer a escolha, é ele o único autor;

b.2) se incumbe da seleção o programador ou um terceiro, são co-autores o criador e a pessoa ou pessoas que fazem a seleção final;

b.3.) se a escolha final é realizada por uma terceira pessoa, será co-autora com o criador, desde que os esforços de escolha impliquem contribuição para a criação e não quando não passem de uma simples colaboração técnica;

c) o criador do programa será considerado autor do mesmo para os fins desta lei.

Propõe o art. 70 que, quando o criador utiliza o computador, não com automatização completa do processo de criação, e sim como um instrumento ou auxiliar técnico que o assista para explorar todas as possibilidades de um esquema variável ou as possíveis conseqüências de uma norma, o autor é o criador e o computador é considerado apenas um instrumento ou ferramenta técnica utilizada pelo autor para criar sua obra.

Quando se utiliza o computador para produzir obras derivadas por transformações autorizadas da obra original ao autor derivado se aplicam as regras anteriormente indicadas na conformidade da sua forma de utilização.

No caso Visicorp x Basis Software GmbH e outros, 14 JHC 437 (1983), invocado por Villalba (p. 134), o tribunal do distrito de Munich examinou a questão relativa à paternidade de um programa de computador, determinando se reconhecesse o direito de autor dos programas de computador desde que "as tarefas propostas permitam chegar entre várias soluções e a solução escolhida permita ao autor grande variedade de idéias. O conteúdo intelectual criativo dos programas de computador é expresso pela possibilidade de escolher, recopilar, revisar, ordenar e classificar o material, quer dizer, a informação e as instruções. O essencial é, cabe considerar, que os programas de computador são obras literárias no sentido do art. 2 (1) (7) da lei sobre direitos autorais."

Quem será o titular dos direitos autorais: o criador do software, o empresário para quem trabalha ou que lhe fez a encomenda? Ambos?

Reiterando o critério do art. 36 da Lei nº 5.988, que coloca o colaborador, pessoa física, à mercê do empregador, que, embora aceita pela generalidade das legislações, sempre foi por nós criticado, e seguindo, de resto, as Disposições-Modelo elaboradas em 1978 pela OMPI, a Lei nº 7.646 também dispõe que os direitos autorais pertencerão (art. 5º), salvo estipulação em contrário, "exclusivamente ao empregador ou contratante de serviços, os direitos relativos a programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, servidor ou contratado de serviços seja prevista, ou, ainda, que decorra da própria natureza dos encargos contratados."

Ressalva ainda o § 1º ajuste em contrário, a compensação do trabalho, ou serviço prestado, será limitada à remuneração ou salário convencionado.

Finalmente, pelo § 2º, pertencerão, com exclusividade, ao empregado, servidor ou contratado de serviços, os direitos concernentes a programa de computador gerado sem relação ao contrato de trabalho, vínculo estatuário ou prestação de serviços, e sem utilização de recursos, informações tecnológicas, materiais, instalações ou equipamentos do empregador ou contratante de serviços.

E os direitos sobre as modificações tecnológicas e derivações? Quando estipulados em contrato firmado entre as partes (art. 6º), pertencerão à pessoa autorizada que as fizer e que os exercerá autonomamente.

6. A "VIDEOARTE"

Mas o computador tornou-se também um instrumento para artistas vanguardeiros em aplicações diversificadas, dando origem a novas modalidades de expressão na pintura, escultura, cenários, decorações, etc.

"Resultado de uma relação já amadurecida e certamente criativa dos artistas visuais com a ciência e as tecnologias – de forma particular as eletrônicas, tanto de estrutura analógica como numérica – por "videoarte" não se entendem simplesmente" – consigna Marco Maria Gazzano – "os produtos de uma reprodução em fita videomagnética de fatos ou acontecimentos artísticos (teatrais, musicais, plásticos de performance, etc.), mas verdadeiras "obras": isto é unidades estilisticamente e poeticamente reconhecíveis, efeitos de uma elaboração eletro-analógica ou numérica da imagem, independentes ou dispostas em instalações. Obras que constituem o resultado – de duração ainda que de poucos minutos – de uma pesquisa técnica, lingüística e estética sobre o meio, resultado freqüentemente de meses e anos: pesquisa fundamentada sobre a utilização – que no âmbito artístico é sempre também invenção e exploração – das técnicas de retomada, montagem, coloração e síntese eletrônica, além de sobre o desvelo das suas intrínsecas possibilidades expressivas."

Acentua ser ainda escasso o mercado para tais obras, incentivadas, na França, pelo Ministério da Cultura. Na Bélgica, a Rtbg-Radio Televisão da comunidade de língua francesa produziu e difundiu as primeiras transmissões de televisão da videoarte: na Holanda, o Stedelijk, Museu de Amsterdam, tem uma importante seção de arte vídeo, e alguns outros centros de Berlim, Mônaco, Colônia, Frankfurt, Kassel, Londres e Espanha.

No dia 10.2.88 o Museu da Imagem e do Som de São Paulo abriu ao público amostra "Funnyture-arte por computador", uma série de 32 desenhos do artista plástico Wilton Azevedo, realizada em um equipamento de alta tecnologia – a ETC-Image – da Comicro Informática e Tecnologia.

"O trabalho de Wilton, que se dedica ao aperfeiçoamento da aplicação de equipamentos de computação gráfica ao desenho, aliou-se à intenção da Comicro de mostrar ao público o potencial da ETC-Image", explica Ronald Leal, diretor da empresa, que "permite a colocação de qualquer tipo de imagem, criada ou capturada através de uma câmara, no computador, com a vantagem de proporcionar a sua manipulação – troca de cores, formas, volumes, fundos, mixagem de textos e outras imagens – tudo à velocidade da imaginação. Arte e tecnologia se fundem harmoniosamente".

Para o artista, se na pintura e desenho tradicionais o suporte é a tela, o suporte da imagem digital é a memória. Um novo aproveitamento da técnica em favor da arte e da sua divulgação foi imaginado pelo filho de Cândido Portinari, o engenheiro de sistemas João Cândido. Com dificuldades para reunir o acervo de cinco mil obras daquele pintor, idealizou a criação de um museu desse acervo apelando para a informática.

Em vez de construir um museu tradicional, com imagens estáticas, informa Rosane de Souza (OESP, "Economia", de 31.10.89, p. 9), foi concebido um acervo de imagens digitalizadas, que poderão ser apreciadas em monitores de vídeo de alta resolução.

Num futuro, seus visitantes poderão apreciar as obras de Portinari em cabines individuais ou em pequenos auditórios, enquanto ouvem poemas de Carlos Drumond de Andrade e Cecília Meirelles, ou músicas de Villa-Lobos. O museu já conta com um terreno cedido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, ao lado do planetário da Gávea, mas faltam recursos tanto para sua construção como para a compra de computadores modernos, scanners, monitores de vídeo e aparelhagem de som. Apenas os scanners, com capacidade de reproduzir 100 pontos por milímetro, custam US$ 10 mil cada um.

Além dos quadros, digitizados com a ajuda de leitores ópticos (scanners), a partir de fotografias e slides, o Museu Cândido Portinari vai armazenar também um acervo variável de fotografias da época, músicas, obras e o pensamento de intelectuais, políticos, escritores, escultores e músicos amigos e contemporâneos do pintor. Tudo isso foi recuperado pelo engenheiro por meio de nove mil cartas, diversos depoimentos, 12 mil recortes de jornais e partituras musicais de Villa-Lobos.

Até o momento, os 12 profissionais envolvidos no Projeto Portinari já reuniram em três arquivos idênticos – e guardados em diferentes locais – 15 mil slides e negativos fotográficos em preto e branco, além de 25 mil documentos e 65 mil depoimentos inéditos, que resultaram em mais de 130 horas gravadas. O acervo alimenta o banco de dados desenvolvido pela Tecnosoft, empresa carioca de programas de computadores, que criou um protótipo mais sofisticado de seu software Arco-Íris, especialmente para executar a tarefa.

Serão necessários, ainda, meios ópticos (discos a laser), para armazenar os quadros digitalizados. Os discos, hoje, têm capacidade para armazenar quase 700 Megabytes de informações digitais, segundo Portinari, mas cada slide tem 72 Megabytes de informações a serem transmitidas aos monitores.

A Associação Cândido Portinari espera conseguir recursos da iniciativa privada para viabilizar o projeto, que inclui revelações, como um pequeno poema transcrito em livro inédito de Antonio Callado. Nele, o pintor Portinari pergunta: "A morte será colorida? Qual a cor do outro lado?" Sequer imaginava que o computador poderia resgatar para os brasileiros, no futuro, pelo menos a cor de sua vida.

Na Europa, o computador já é de uso corrente na elaboração dos projetos de grandes edifícios, crescendo a aplicação desse meio de engenharia na proporção de 35% ao ano.

O computador ajuda na criação de designs, principalmente de natureza técnica.

Existe, em Florianópolis, um Laboratório de Desenho Industrial do órgão federal Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, único do País. Entre seus trabalhos, o designer alinha o premiadíssimo frasco de plástico da água mineral francesa Vittel, criado com o auxílio do sistema CAD (Computer Aided Design, ou projeto assistido por computador) de Alonso Lamy.

O laboratório espera a chegada de uma estação gráfica de sistema CAD, comprada por 15 mil OTNs (Obrigações do Tesouro Nacional, Cz$ 56.620.950,00), perfeita para a projeção de imagens tridimensionais, com exatidão de cor, volume e textura.

"Não é um programa, é um sistema", explica Eduardo de Carvalho, diretor da MultiSoluções Informática, de São Paulo, que em 1.11.88 obteve autorização da Secretaria Especial de Informática (SEI) para comercializar aqui o mais famoso software de desktop publishing do mundo: o PageMaker.

Fabricado pela Aldus Corporation norte-americana, o PageMaker é exatamente o que seu nome indica – um fazedor de páginas. Ela pagina, diagrama, compõe em vários tipos e corpos, tira a proporção das fotos e ilustrações, cria logotipos, recorre o texto em torno de desenhos e custa 200 OTNs fiscais.

Em anexo ao Documento DG/0.1/299/372 a 378, recomendações da OMPI-UNESCO, lembra-se que, quando o computador é utilizado para a criação de obras, os Estados deveriam considerá-lo, antes de mais nada, como um meio técnico de que o homem se serve, do decorrer do processo de criação, para obter os resultados que deseja. No caso, o titular do direito de autor não pode ser, em princípio, senão a ou as pessoas que forneceram o elemento de criação, sem o qual a obra final não teria podido fazer o objeto de uma proteção pelo direito de autor.

"Como regra geral, o programador (a pessoa que estabelece o programa) não deveria ser considerado como sendo o co-autor da obra criada por meio de seu programa, salvo se sua contribuição à obra atesta em esforço particular de criação. Por exemplo, as achegas a seguir indicadas podem aplicar-se a várias categorias de obras criadas com a ajuda de computadores (obras musicais, composições literárias, obras de arte aplicada, etc.):

a) Se o programa não pode produzir a não ser uma só obra, quando o autor que forneceu as instruções ou o compositor e o programador que deram não somente sua contribuição técnica para a utilização do computador, mas também uma parte de criação, deveriam ser consideradas como sendo, na conformidade do caso, o autor ou os co-autores da obra final;

b) Se o programa pode chegar a diferentes resultados e o autor fez pessoalmente uma escolha entre estes, deveria ser considerado como o autor da obra final; por outro lado, se ele pediu a um programador ou a uma outra pessoa para proceder à composição da obra final, então o programador ou esta outra pessoa e o próprio autor deveriam ser normalmente considerados como co-autores na medida em que tenham feito conjuntamente obra de criação;

c) Se o programa pode dar resultados diferentes, mas a escolha final dos elementos é feita por terceiro, o simples fato de escolher não deveria ser considerado como um ato de criação.

Quando obras são produzidas com a ajuda de computadores por uma pessoa ou por pessoas ligadas por um contrato de trabalho, a questão da atribuição da titularidade do direito de autor deveria relevar da legislação nacional. O estatuto das pessoas ligadas por um contrato de trabalho pode ser considerado numa perspectiva mais ampla que a da só informática."

7. DOCUMENTOS PROTEGÍVEIS. EMENTÁRIOS. SUMÁRIOS

São obras intelectuais, nos termos do art. 6º, nº I, da Lei nº 5.988, as criações do espírito, de qualquer modo exteriorizadas, tais como, entre outras, os "escritos" "outros" além dos livros, brochuras, folhetos, cartas-missivas.

Excluídos, pois, os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões e demais atos oficiais (art. 11), os "escritos" em software se incluem por sua natureza entre as obras protegidas, desde que caracterizados por suficiente originalidade.

Satisfarão os ementários, resumos ou sumários, quando não provindos dos próprios tribunais ou órgãos administrativos, as exigências legais para serem reconhecidas como protegíveis?

Pode-se evidentemente sustentar – aduz André Kerever, p. 253 –, que o redator dessa seqüência de termos limita-se a verificar as questões resolvidas pela decisão e que essa constatação é, por si mesma, desprovida de originalidade.

Mas a grande maioria da doutrina inclina-se pelo caráter protegível de tais ementas, notando que a escolha das palavras implica esforço de criação intelectual, pessoal, que pode desembocar em redações diferentes na conformidade da personalidade, a formação ou o interesse do redator.

Aponta em seguida as duas condições para a proteção dessas obras, que devem ser combinadas entre si: a obra deve ser original, e esta originalidade deve exprimir-se sob uma certa forma, ficando excluídas da proteção as idéias propriamente ditas.

Lembra ter sido esta questão da tutelabilidade das criações próprias dos bancos de dados evocada no decorrer dos trabalhos empreendidos sob a égide da OMPI e da UNESCO.

O Grupo de Trabalho de 1979 insistiu em que as classificações racionais do corpus jurídico, os dicionários analógicos e outros instrumentos fornecidos aos usuários são formas, expressões, testemunhando uma originalidade suficiente para justificar a proteção.

Restava medir a extensão da proteção de que beneficiam os bancos de dados, como a da proteção que, simetricamente, devem respeitar na utilização das fontes protegidas.

Conclui André Kerever sua percuciente análise dos cinco julgados relativos à disputa jurídica entre as sociedades Le Monde e Microfor, relativos à indexação, por esta última, dos artigos do jornal, mostrando preocupação com relação à resposta contida no acórdão de 30.10.87, de não criar obstáculos jurídicos às atividades econômicas de documentação e de tratamento da informação, admitindo que a informação sobre as obras protegidas implica necessariamente reproduções parciais das mesmas.

"Antes de mais nada, se é verdade que a proteção das obras-documentos tratados pela empresa de documentação constitui inegavelmente uma coerção para esta última, esta coerção é equilibrada pela proteção que o direito de autor concede às criações específicas do banco de dados ou da empresa de documentação. Seria evidentemente difícil de conceber que a primeira desta proteção seja considerada como retrógrada, quando a segunda beneficiaria do preconceito favorável relacionado à modernidade. E sobretudo, em nosso fim de século assinalado pela rapidez e o impacto das inovações técnicas, a doutrina do direito de autor não pode permanecer imóvel. Ela deve distinguir entre a perenidade dos princípios e a contingência das modalidades de aplicação que convém adaptar às transformações de paisagem técnico-econômica. Mas é delicado traçar a fronteira, e não se pode ignorar que se levantam vozes que, no mundo, não deixam de afirmar o anacronismo do direito do autor tomado em seu conjunto."

8. DIREITOS DO AUTOR. A COMUNICAÇÃO DA OBRA

A confirmar que as exigências da computação de dados mal se adaptam aos princípios fundamentais do direito de autor puro, está a problemática das novas dimensões impostas pelo direito de inspeção, no que diz respeito ao aproveitamento. Enquanto, de acordo com aqueles, eram amplamente admitidos os títulos, resumos ou extratos de uma obra, desde que não dispensassem a consulta do original, a computação de dados exige outra regulamentação. O Projeto OMPI/UNESCO, no âmbito da utilização do computador para o acesso às obras, ou para a criação das mesmas encarece, no item 7, que o armazenamento e a recuperação por meios informáticos de obras protegidas podem, na conformidade dos casos, acarretar pelo menos o reconhecimento dos seguintes direitos, previstos tanto nas convenções internacionais, como nas legislações nacionais:

a) o direito de comunicar a obra ao público;

b) o direito de reproduzí-la;

c) o direito de traduzí-la;

d) o direito de fazer adaptações ou de retirar dela outras obras;

e) o direito moral.

"A comunicação da obra ao público, por qualquer forma ou processo" é considerada pelo art. 4º da Lei n.º 5.988, "publicação".

No caso da computação de dados, a forma ou processo de comunicação ao público ocorre pela reprodução da obra.

Aponta Kindermann (p. 255) quatro parâmetros a serem tomados em consideração no exame dos complexos problemas que levantam as obrigações em que ocorrem os bancos de dados:

a) a definição, em direito positivo, do direito de reprodução;

b) as exceções legais a esse direito;

c) o ponto de vista da doutrina;

d) a jurisprudência específica, ilustrada por um acórdão único do Tribunal de grande instância de Paris, de 20.2.80, SARL Le Monde x SteeMicrofor, confirmado em apelação pela Corte de Paris.

Enquanto que a lei pátria limita-se, no art. 4º, IV, a definir a reprodução como "a cópia de obra literária, científica ou artística, bem como de fonograma", o art. 28 da lei francesa dá, inicialmente, uma definição geral das operações de reprodução, entendidas como "a fixação material da obra por todos os processos que permitem a sua comunicação ao público de uma maneira indireta".

Os direitos de autor do assalariado foram versados em seus vários aspectos às páginas 131-162 do nosso Direito de Autor. Princípios fundamentais, Rio de janeiro, Ed. Forense, 1987, 1º Prêmio da American Bar Association, 1989.

Aí indicamos as duas concepções fundamentais:

a) os direitos exclusivos conferidos pelo direito de autor pertencem a título originário à pessoa física que criou a obra;

b) tais direitos pertencem a título originário ao empregador.

No entender de Kindermann (p. 229), a experiência teria demonstrado serem aplicáveis essas duas concepções não somente para as categorias de obras tradicionalmente consideradas, mas também para o software.

Reconhece que nenhum desses dois princípios soluciona o problema que consiste em determinar se um programa é ou não criado por um programador no exercício de suas funções definidas num contrato de trabalho.

Não lhe parece necessário nem justificado derrogar, para os computadores, os princípios consagrados, aplicáveis em virtude da legislação nacional correspondente a outras categorias de obras protegidas pelo direito de autor.

9. REPRODUÇÃO

Se o conceito de reprodução é fundamental em direito de autor, genericamente, mais transcendência ainda adquire em matéria de computação de dados.

Na conformidade do art. 16 da Lei de Direito de Autor da Alemanha, "o direito de reprodução é o de fazer cópias da obra independentemente do método ou do número de exemplares".

Ao que acrescentam Eugen Ulmer e Gert Kolle: "Uma reprodução é a fixação da obra protegida em algum meio tangível de tornar a obra perceptível aos sentidos humanos, seja direta ou indiretamente. Já que não se exige mais nada além de que a "cópia" seja capaz de ser percebida pelo homem, o conteúdo do transportador de informações contendo a obra não precisa ser diretamente inteligível, perceptível e destinado ao homem. Isso é confirmado pelo art. 16 da Lei do Direito Autoral, que dispõe que a transferência de uma obra para transportadores de imagens ou de sons constitui uma reprodução. Finalmente, até mesmo uma fixação temporária ou transitória da obra protegida é uma reprodução.

A conversão pela máquina do programa-fonte no código-objeto, e a transferência do código-fonte ou objeto de um transportador de dados para outro (papel, cartão perfurado, fita perfurada, fita ou disco magnético, disquete, microficha etc.), bem como qualquer tipo de armazenamento do programa em diversas unidades de memória interna de um sistema de processamento de dados, devem portanto ser considerados reproduções. Isso também se aplica à incorporação de um programa – que hoje em dia ocorre com freqüência, por exemplo, na eletrônica voltada para o entretenimento (computador para xadrez, videojogos etc.) – numa memória de leitura somente, por exemplo, uma pastilha semicondutora ("microprocessador") ou o chamado dispositivo ROM (Memória de Leitura Somente). Todos esses processos fazem com que o programa seja fixado fisicamente em transportadores de dados ou em meios de armazenagem cujo conteúdo de informações (o programa) pode novamente ser tornado perceptível aos sentidos humanos com a ajuda de dispositivos e métodos adequados, por exemplo, através de uma listagem em papel, ou exibição numa tela.

Finalmente, cada corrida de programa num sistema de processamento de dados representa uma reprodução. Isso pode parecer duvidoso, à primeira vista, já que a corrida do programa parece ser um "ato de uso" que não se enquadra nos direitos exclusivos tradicionais conferidos pela lei do direito autoral. Entretanto, independente do fato de o programa ser armazenado num transportador de dados fora da máquina, ou como um microprograma numa memória de leitura apenas (dentro da máquina), cada corrida de programa individual exige, via de regra, que diversas "cópias de serviço" sejam feitas, que são transferidas para e armazenadas nas diferentes unidades de memória do sistema de processamento de dados utilizado, tanto na forma de uma transferência completa do programa anterior ao processamento, como na de uma chamada passo-a-passo e armazenamento provisório das partes necessárias do programa. Em comparação com as técnicas usuais da reprodução de obras impressas, como a impressão ou reprografia, pode-se julgar difícil imaginar essas operações, ligadas a uma corrida de programa, como sendo reproduções. Talvez seja menos difícil se imaginarmos a situação semelhante da gravação de uma obra literária numa fita, cujo conteúdo pode ser regravado ou eliminado, seja imediatamente ou posteriormente. O conceito de reprodução da lei do direito autoral é suficientemente descomplicado e flexível para abranger também o uso adequado de um programa, como um ato de reprodução que é devido às peculiaridades do processamento eletrônico de dados. (In A proteção jurídica do "software", Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1985, p. 154).

Nos termos da Lei nº 7.646/87:

"Art. 7º Não constituem ofensa ao direito de autor de programa de computador:

I – a reprodução de cópia legitimamente adquirida, desde que indispensável à utilização adequada do programa".

A primeira observação, que ocorre a Rui Berford Dias (Reproduzir é proibido? Seleções Jurídicas ADV, agosto 1988, p. 22), é a de que, "na hipótese, não se aplicam as disposições do art. 49 da Lei nº 5.988/73 (Lei de Direito Autoral), pois o art. 2º da Lei nº 7.646/87 se reservou a prerrogativa de estabelecer normas que atendessem às peculiaridades inerentes aos programas de computador e, dispondo específica e diversamente sobre casos que não constituem ofensa ao direito de autor, não deixou à Lei nº 5.988 margem para aplicação direta ou supletiva.

A segunda observação é a de que o texto interpretado se refere à reprodução de cópia legitimamente adquirida. Sabendo-se que só o titular dos direitos de comercialização, ou seja, o próprio autor ou quem dele tenha a respectiva licença, pode legitimamente auferir proveito econômico com a exploração da obra, fácil é concluir que, cópia legitimamente adquirida é apenas e tão-somente aquela obtida por intermédio do próprio autor ou de seu licenciado.

Um Tribunal do Distrito de Tóquio, na causa Taito Co. Ltd. x ING Enterprises Co. Ltd. (nº 54 (1979) 10867, assinalou, aos 6.12.82, que:

"O armazenamento do programa na memória do computador é um ato de reprodução, ato que constitui uma violação do direito de distribuição do titular do direito de autor."

"É evidente que o fato de copiar um programa fixado em qualquer suporte constitui infração do direito de autor, incluída a introdução de uma cópia do programa na memória do computador" (Hubco Data Products Inc. contra Management Assistance Ind., D. Idaho, 1983, 219 USPQ 450).

Num litígio de K.K. Taito contra Makoto Deushikogyo K. K. – assinala Carlos Alberto Villalba – o tribunal do distrito de Yokohama (nº 54, 1979, – 1489) também concluiu que "a reprodução da versão de um programa em código objeto armazenada numa ROM constituía uma infração do direito de reprodução na conformidade da legislação japonesa sobre direito de autor."

10. DIREITO DE TRADUÇÃO

No campo específico da computação de dados os problemas se avolumam e complicam, a ponto de, dada a celeridade própria do sistema, serem freqüentemente insuperáveis as dificuldades que enfrenta quem delas necessite de ou para línguas de pouca divulgação, fazendo com que se percam oportunidades de aproveitamento.

O problema fundamental é saber-se em que medida pode o usuário ser autorizado a produzir obras derivadas e a copiá-las aos fins de utilização.

Na conformidade dos arts. 8 e 12 da Convenção de Berna, tem o autor de uma obra literária, seus sucessores ou cessionários, de acordo com os princípios do direito de autor, o direito exclusivo de autorizar as adaptações, traduções ou outras transformações da obra e de reproduzir estas obras derivadas (art. 9.1 e IV bis da Universal).

"Qualquer legislação nacional" – lembra Kindermann, p. 240 – "que reconhecesse o direito de adaptar, de traduzir ou de proceder a qualquer transformação ao proprietário legítimo de uma cópia de um exemplar de programa de computador, a título do direito de copiar os resultados desses atos aos fins de utilização, derrogaria gravemente esses princípios, e isto em prejuízo dos programas de computador com relação às outras obras literárias."

Demonstra que, como para a reprodução do original aos fins de utilização, o mais apropriado será: um contrato de licença que permita regulamentar adequadamente os direitos de adaptação; estes, em numerosos casos, formam objeto de disposições de um alcance geral, mas, em outros casos, limitam-se ao proveito de disposições que oferecem uma maior proteção contra o aproveitamento não autorizado de obras derivadas.

No que diz respeito à venda do software, é corrente autorizar a realização de adaptações. Ocorre, todavia, que o software vendido tem um grande valor e necessita de uma proteção reforçada contra o aproveitamento não autorizado, enquanto que o titular do direito de autor, esperando evitar as formalidades de comercialização, recorre à fórmula do contrato de venda e não à de um acordo de licença. Em semelhante caso, seria conveniente, também, excluir o direito de realizar adaptações, traduções e outras transformações do exemplar vendido de um programa de computador.

Mas em matéria de software o conceito de tradução é mais amplo do que o comum.

Foi a conclusão a que chegou um tribunal de Nova Gales, Austrália, invocado por Villalba, à página 133: as versões dos códigos objeto dos programas, como adaptações dos códigos-fonte, também estão protegidas "porque podem razoavelmente ser descritas como traduções".

"A transliteração pode explicar mais exatamente o que sucede, mas isto se encontra claramente incluído dentro da tradução" (Publicação antecipada do julgado, Fox, p. 21). "O código objeto é fundamentalmente uma tradução mecânica do programa fonte. A versão em código objeto está predeterminada pelo programa fonte" (Publicação antecipada do julgado, Lockhart, p. 36). Dá notícia a Folha de São Paulo, de 25.1.90, da existência da rede Etna – European Translation Network Administration, criada como meio de conservar e intercambiar o know-how na matéria por Malcolm Duff, intérprete da empresa HTT – High Technology Translation, em Rouen, França: uma rede informatizada para permitir a partilha de competências lingüísticas, colocando ainda em contato tradutores e clientes. A solução Etna consiste em uma base de dados, concebida e desenvolvida para responder às necessidades tanto das empresas quanto dos tradutores. A base de dados pode ser conectada a partir de não importa qual microcomputador sobre o planeta: ela permite reunir todas as fontes lingüísticas, técnicas e tecnológicas de todos os tradutores membros da rede, que contribuem com seus conhecimentos. Esta rede não é apenas um simples anuário eletrônico e a realização da linguagem computacional custou meio milhão de francos. Na sua primeira versão, a rede Etna cobre os 18 países da Europa Ocidental. Posteriormente, a rede deverá se abrir para o mundo todo.

A assinatura para o tradutor custa de 2 mil a 4 mil francos por ano. Somente os tradutores e intérpretes profissionais que respondam aos critérios de seleção Etna podem fazer parte da rede. Os membros têm acesso às bases de dados, aos léxicos e glossários regularmente atualizados. O cliente, pagando uma determinada tarifa, tem direito a um certo número de horas de conexão. É assim que ele pode descobrir um tradutor em qualquer país, conhecer o custo médio de uma tradução no país em questão. Ele pode, sobretudo, encontrar um tradutor competente num setor particular.

11. DIREITO DE ADAPTAÇÃO

Resumir ou mesmo indexar é utilizar uma obra que eventualmente pode estar sob a proteção do direito de autor.

Cuida Kerever (p. 256, in fine) de determinar se a reprodução do produto destas utilizações constitui uma reprodução da obra original sob uma forma adaptada, exigindo, conseqüentemente, a autorização do titular do direito de reprodução sobre esta obra original.

"Tratando-se de resumos, as discussões do mencionado colóquio demonstraram como era difícil e sutil a distinção entre resumos suscetíveis de um direito de adaptação e resumos livres. A obra original não é protegida a não ser na medida em que ela é uma forma, e não como coleção de idéias, de fatos, de informações. O direito de adaptação não é portanto oponível a não ser que o resumo tome de empréstimo a forma da obra original."

Lembra que, conforme o Prof. Desbois, Le droit d’auteur en France, o critério do nascimento do direito de adaptação consiste na finalidade e nas possibilidades de utilização do resumo. Não ocorre o surto de tal direito se o objetivo perseguido é a resenha ou a livre crítica da obra original. Será diferente se o utilizador do resumo encontra neste último um verdadeiro sucedâneo do texto original, com dispensa de consultá-lo.

Nos estudos levados a efeito sob a égide da OMPI e da UNESCO, o Prof. Ulmer encontra indiretamente semelhante critério ao considerar que o direito de adaptação é posto em causa se o resumo tem "uma certa extensão", tornando-o apto a substituir a obra original.

Para o Prof. Gotzen, Le droit d’auteur, 1977, p. 19), é a identidade de "estrutura" entre o texto original e o resumo que fundamenta o direito de adaptação.

Estes dois critérios de extensão e de analogia de estruturas são sintetizados pela noção de "resumos substanciais" propostos pelo grupo de Trabalho OMPI-UNESCO.

Critica Kerever a expressão por ambígua, na medida em que a "substância" parece visar antes o fundo não protegível do que a forma protegível.

"Mas o caráter "substancial" deve ser entendido no sentido que o resumo se inspira suficientemente estreitamente da obra original – conjunto de idéias de fatos enroupados de maneira indissociável numa expressão formal determinada – para que o leitor do resumo não seja obrigado a se reportar à obra original se entender utilizá-la. Entendido nesse sentido, o caráter "substancial" faz nascer o direito de adaptação. Tratando-se de operações de indexação e de notação bibliográfica, os juristas do colóquio de Versalhes entenderam que estas operações não davam lugar ao direito de adaptação."

Se é verdade – conclui – que o título de uma obra é, na conformidade do art. 5º da lei francesa, protegido como a própria obra, esta proteção não parece oponível quando o título serve somente para identificar a mencionada obra. Da mesma forma, caracterizar uma obra por palavras-chaves (indexação) não pode ser assimilado a uma adaptação, como reconheceram o grupo de trabalho e os peritos reunidos pela OMPI e pela UNESCO. Repetir ou identificar uma obra não é adaptá-la, e a simples enunciação dessa proposição é suficiente para justificá-la.

12. DIREITOS MORAIS

As disposições tanto de âmbito interno como de natureza internacional em matéria de direitos morais sofrem, com relação à utilização das obras intelectuais em matéria de computadores, exigências de adaptação e de simplificação tão grandes que mal se podem comparar ao que ocorre nos demais setores.

Permanece incólume o direito de opor-se às adaptações não autorizadas de seus programas. Mas o direito de arrependimento fica, no caso, excluído por necessidades imperiosas de ordem prática. A própria indicação do nome de autor em cada exemplar da obra, no que diz respeito aos programas de computação, torna-se dificultosa ou impraticável pela circunstância que, em geral, resulta da colaboração de várias pessoas, e fazer acompanhar cada programa da lista de seus elaboradores seria muitas vezes impraticável. Acresce que, mais freqüentemente, tais programas são elaborados por empregados, e o empresário se prevalece da faculdade que a lei lhe concede de fazer a indicação do seu próprio nome como autor.

Constituirá esse fato uma violação ao direito de autor?

Entende que não Kindermann, lembrando que não somente é previsto o aproveitamento anônimo de uma obra, mas ainda que a omissão do nome do autor pode também resultar de um acordo concluído entre o autor e o titular dos direitos patrimoniais que se comprometeram em comercializar os exemplares na conformidade da prática habitual. "Um acordo deste gênero não constitui uma renúncia ao direito como tal, mas somente à sua aplicação num setor determinado, o que é considerado como possível."

Invoca nesse sentido as disposições tipo de legislação nacional relativas aos autores empregados.

13. PRAZO DE PROTEÇÃO

Não resta dúvida de que o prazo de 25 anos previsto no art. 3º da Lei nº 7.646/87 para a tutela dos direitos relativos aos programas de computador não corresponde aos interesses de um país importador de tecnologia.

Há que atentar que excede o maior prazo de prescrição previsto pelo Código Civil para qualquer outro direito, e que o Código de Propriedade Industrial não concede amparo às invenções por mais de 15 anos.

O acesso aos programas por parte da comunidade – observa Jorge Oscar Alende, Nuevas Consideraciones – deve ter lugar antes que estes percam utilidade e valor:

"Isto implica em que o prazo de proteção deve ser reduzido, estendendo-se por um lapso breve. Não se pode pensar em proteger pela vida do autor e menos ainda que se assegure o gozo dos direitos a seus herdeiros depois de sua morte."

Demonstra que seria todavia errôneo supor obviar-se ao inconveniente estabelecendo que a duração seria, por exemplo, de cinco anos, a partir de sua publicação, devido ao disposto tanto na Convenção Universal com na de Berna.

Conclui que, a considerar-se o programa de computador incluído dentro do direito de autor (isto na Argentina, pois o Brasil tem lei específica) e estabelecido um prazo de duração da proteção, por exemplo, de cinco anos, os autores nacionais veriam limitada a proteção a dito lapso, mas, como poderá ocorrer também entre nós, poderíamos ver-nos obrigados a aceitar para os autores estrangeiros os termos das duas aludidas convenções.

"Justamente,"– conclui – "o interesse nacional está no contrário: proteger os autores nacionais e tratar de importar conhecimentos da maneira mais econômica possível."

Vê-se, pois, que a razão estava com o Senador Virgílio Távora, que, segundo noticiava a Folha de São Paulo de 5.12.84, p. 31, considerando a proteção ao software instrumento indispensável ao ressarcimento de produtos, materiais e inteligência de seu produtor, capaz de estimulá-lo ao desenvolvimento de novos programas, defendia prazo de proteção mínimo de 15 anos.

É o valor mantido tanto pela Abicomp quanto pelo Instituto dos Advogados do Brasil, contra os 25 anos do projeto Chiarelli.

14. DEFESA DO DIREITO DE AUTOR DO PROGRAMADOR. LIMITAÇÕES

Pouco alcance terá a melhor elaborada regulamentação da matéria se não for acompanhada por normas que contenham energicamente a ação dos contrafatores que, no setor já de si próprio para suas atividades ilícitas, encontram maiores facilidades ainda no específico de computação de dados.

A Convenção Universal não contém normas repressivas. A de Berna, no art. 5.2, limita-se a declarar que o gozo e o exercício dos direitos concedidos pelas leis internas de cada país não estão subordinados a quaisquer formalidades, independendo mesmo da existência de proteção no país de origem das obras.

Tem, todavia, dois dispositivos que podem ser invocados, no caso: o da presunção da titularidade, art. 15, itens 1, 2 e 3, e o da busca e apreensão das obras contrafeitas, na conformidade do art. 16.

Quanto ao mais, é nas disposições das leis internas de cada país que deverão ser procuradas as regras repressivas. Empenha-se por toda parte o legislador em reforçar as penalidades pela violação dos direitos relativos ao software. A lei francesa, por exemplo, comina multas de 6.000 a 120 mil francos e de prisão de três meses a dois anos, proibição do exercício da atividade comercial, confisco dos materiais ilegalmente reproduzidos e dos equipamentos utilizados e publicação da sentença condenatória.

No Brasil, a Lei nº 7.646/87, complementando os dispositivos dos arts. 122-130 da Lei nº 5.988/73 e dos arts. 184 a 186 do Código Penal, pune com detenção de seis meses a dois anos e multa, art. 35, quem "violar direitos de autor de programas de computador", prevendo ainda o art. 37, caput, pena de detenção de um a quatro anos e multa, a quem "importar, expor, manter em depósito para fins de comercialização, programa de origem externa não cadastrado."

Vale, no entanto, a recomendação de Kindermann, que lembra, à p. 241, in fine, a conveniência de uma presunção que favoreça o titular, e que, a seu ver, poderia repousar sobre uma declaração do mesmo atestando a originalidade da obra por ele feita, e cuja responsabilidade seria empenhada caso o demandante provasse o contrário. Facilitar-se-ia e se aceleraria, assim, consideravelmente o processo, objetivando fazer respeitar tais direitos.

Em resposta a solicitação contida no Livro Verde da Comunidade Européia, o Grupo Europeu de Associações de Editores (GELC) pediu medidas enérgicas e urgentes para reforçar a proteção em decorrência da séria erosão do direito de autor decorrente das novas tecnologias de reprodução e comunicação.

No título Direito de autor e o desafio da Tecnologia a CE deu prioridade à proteção do programa de computadores.

É o que noticia "Rights" (vol. 2, nº 4, p. 11), acrescentando que a licença compulsória, neste como em outros usos de trabalhos protegidos, foram opostos por editores que pediram urgência à Comissão para delimitar sua definição de "finalidades privadas" na conclusão da CE de que "reproduções de um programa de computador para uso privado não deveriam ser permitidas sem autorização do detentor do direito". O GELC disse que essa recomendação deveria incluir "todas as finalidades de pessoal, privada, educacional, comercial (bem como sem intuito de lucro), pesquisa e de "fair dealing".

O grupo concordou com o Livro verde que "a real finalidade da cópia privada de programas é na maior parte dos casos obter simplesmente uma cópia "livre" de um programa, em vez de adquirir um legítimo".

Eletrocópia é o termo cunhado para incluir a obtenção de um trabalho de armazém eletrônico ou ótico. "Este deveria ser um ato limitado e não permitido sem autorização, de preferência do titular individual do direito de autor. Os investimentos dos editores podem estar em perigo e os mercados espoliados antes mesmo que eles estejam desenvolvidos", disse o GELC, que mencionou os esforços feitos pelas organizações de direitos de reprodução – RRO e pela Federação Internacional das Organizações de Reprodução de Direitos – IFRRO para investigar as possibilidades de licenças coletivas de software e data bases.

Aponta Jon A. Baumgarten, dentro dos extensos direitos concedidos aos direitos exclusivos, que são essencialmente os de reproduzir, adaptar ou revisar, distribuir (somente até a primeira venda de uma cópia particular), execução pública e exibição do trabalho, as numerosas limitações específicas e exceções levantadas pelas seções 107-118 da Lei norte-americana.

Dá realce a duas limitações básicas: "O direito de autor protege unicamente a "expressão" refletida no trabalho, não em sua idéia subjacente ou em qualquer princípio, descoberta ou método de operação. O direito de autor impede unicamente a cópia: não a criação independente do mesmo ou similar trabalho. Como disse o Juiz Learned Hand: "Se por alguma mágica um homem, que nunca a conheceu, chegar a compor novamente a ode de Keats sobre uma Urna Grega, ele seria um "autor", e tendo direitos autorais, outros não poderiam copiar esse poema, embora eles pudessem copiar, certamente, o de Keats."

15. RESERVA DE MERCADO (OU SIMILARIDADE)

Tal política do governo, objetivando a defesa da indústria nacional, segundo a qual um software de origem externa só pode entrar no país caso não haja similar nacional, teve início nos anos 70, procurando diminuir a dependência de importação e um menor desequilíbrio no balanço de pagamentos.

"Tratava-se" – frisou o secretário do Conselho de Segurança Nacional, ministro Danilo Venturini, aos 5.11.88, no discurso de abertura do XVII Congresso Nacional de Informática, no Rio de Janeiro – "de transpor para a indústria nacional de informática a experiência aplicada, com sucesso, em décadas anteriores, na formação de outras indústrias brasileiras, notadamente na automobilística". Observou que, "em pouco tempo, entretanto, ficou evidente que na área da informática não bastava dominar simplesmente os processos de produção. As sucessivas inovações tecnológicas, lançadas pelos laboratórios de países mais avançados, a curto prazo tornariam nossos produtos obsoletos" e perguntou: "De que adiantaria saber montar um computador, se em pouco tempo estaria superado e automaticamente criada uma demanda para novo equipamento, que só poderia ser atendida por indústrias estrangeiras?"

Já em 1979, alertava Ivan Costa Marques que a nossa própria sobrevivência estaria ameaçada a curto prazo se o espaço de mercado vinculado a empresas ou produtos de tecnologia estrangeira fosse mais uma vez ampliado.

Que um certo grau de protecionismo resulte necessário deduz-se da reportagem enviada de Paris pelo especialista brasileiro Ethevaldo Siqueira para o jornal O Estado de São Paulo, que a publicou, em página inteira, de sua edição de 12.10.86, fazendo com que, em oito anos, superasse o atraso profundo que enfrentava em telecomunicações, aproximando-se o número de microcomputadores, por mil habitantes, à média inglesa, campeã do mundo.

"O videotexto francês é o grande sucesso desse programa de informatização geral da sociedade. Seus terminais estão hoje instalados em mais de dois milhões de domicílios."

Em janeiro de 1978, dois técnicos em administração e economia Alain Minc e Simon Nora escreveram, – a pedido de Giscard d’Estaing, – um relatório que se tornou um dos livros clássicos na matéria: A Informatização da Sociedade.

De 1978 para cá, a França conferiu prioridade máxima aos seus programas e projetos de modernização das telecomunicações e de implantação de uma indústria de informática avançada.

Na verdade, enquanto a Lei nº 7.646 garante no art. 1º a liberdade, no país, da produção e comercialização de programas de computador, de origem estrangeira ou nacional, assegurando o art. 3º, § 2º os direitos dos estrangeiros domiciliados no exterior, desde que o país de origem do programa conceda aos brasileiros e estrangeiros domiciliados no Brasil, direitos equivalentes em extensão e duração, revela o art. 8º que essa liberdade está condicionada pelo prévio cadastramento do programa, para comercialização, na Secretaria Especial de Informática – SEI, e concedido, exclusivamente, art. 12, às empresas não nacionais "a programas de computador, que se apliquem a equipamentos produzidos no País ou no exterior, aqui comercializados por empresas desta mesma categoria."

Introduziu, assim, o conceito de similaridade nacional, acusado de ter ocasionado atraso ao processo de desenvolvimento tecnológico em outras áreas.

Acresce que o art. 12 da Lei nº 7.232, de 29.10.84, que dispõe sobre a Política Nacional de Informática, restringe a participação de empresas estrangeiras a apenas 30% do capital social nas empresas nacionais.

Como é sabido, houve uma forte pressão por parte dos Estados Unidos, com ameaças inclusive de reabertura de um processo de retaliação num montante entre 50 e 150 milhões de dólares nas importações pelos yankees dos produtos brasileiros, devida a queixa apresentada em outubro de 1987 pela Microsoft em virtude da recusa da SEI em autorizar a importação de seu software MS-DOS por seis empresas brasileiras, sob alegação de que a Scopus já produz no Brasil um programa idêntico denominado Cisne.

As razões do atrito são bem compreensivas: os Estados Unidos controlam 70% do mercado mundial de software, estimado, em 1983, em 18 bilhões de dólares. A indústria americana nesse setor é 10 vezes maior que a japonesa ou a francesa, suas principais concorrentes. Um estudo do Departamento do Comércio calculava o faturamento, em 1987, de 41 bilhões de dólares, representando 75% do mercado mundial. Uma reviravolta completa no que diz respeito à restrição à importação de computadores estrangeiros era esperada desde os primeiros pronunciamentos de Fernando Collor de Mello em sua campanha, para a presidência da República.

Já eleito, mesmo antes de empossado, na entrevista coletiva concedida em Washington no dia 26.1.90, manifestou muitas dúvidas a esses que qualificou de "cartórios", desses setores que hoje estão protegidos pelo Brasil. Até porque tem dúvidas se esses setores foram e continuam sendo protegidos em nome do interesse nacional de pessoas ou grupos. Em princípio, é absolutamente contra qualquer tipo de proteção. "Porque a proteção incentiva a ineficiência e, se incentiva a ineficiência, incentiva a incompetência, e, se incentiva a incompetência, dá lugar à corrupção, ao contrabando, a outras fórmulas menos aceitáveis ou inaceitáveis de relacionamento dentro de uma economia. Na área de informática e de tecnologia, a posição é clara. A primeira pergunta seria: temos tecnologia própria, competitiva, para desenvolver? Se a resposta for sim, então vamos incentivar aquela área, incentivar para que aquela tecnologia não se defase no tempo. Numa segunda pergunta: e nesse setor, nós temos tecnologia para prosperar? Não, não temos, só teremos se conseguirmos uma associação com a tecnologia de um outro país. Então, vamos nos associar. Numa terceira área: temos tecnologia para tocar para diante esse setor? Não, não temos tecnologia. Então vamos importar. É muito mais barato."

O professor José Goldemberg, antigo Reitor da Universidade de São Paulo, cuja nomeação para Secretário Nacional de Ciência e Tecnologia foi muito bem recebida, não só pela sua reputação de competência e respeitabilidade, como pela sua experiência em problemas tecnológicos e como executivo, tendo ampliado, quando diretor da Escola Politécnica, as vagas para as áreas de Eletrônica e Computação, anunciou, no começo do mês de maio de 1990, que o governo pretendia abrir gradualmente o mercado nacional de informática, enfraquecendo e preparando o fim da reserva de mercado.

Queria continuar mantendo a proteção para grande gama de produtos aqui fabricados a um custo alto, mas obsoletos em termos de tecnologia estrangeira, concedendo porém um prazo máximo de três anos para reduzir custos e desenvolver tecnologia. Após esse prazo, as liberações ocorreriam, e quem não tiver se adaptado sofreria as conseqüências da livre concorrência do exterior.

16. IMPRESCINDIBILIDADE DE UMA SOLUÇÃO INTERNACIONAL

Não são menos complexos os problemas no âmbito internacional devido, como observa L. Sarazani (Il diritto di autore, de julho-set., 1982, p. 268), à facilidade com que a informação, valor comercial abstrato, ultrapassa os limites entre os Estados.

"Falta, com efeito, qualquer regulamentação internacional no que diz respeito às comunicações internacionais: não existe qualquer controle alfandegário, nenhum custo de transferência, nenhum processo antidumping, nenhuma norma contábil."

Transcreve a opinião de Alain Madec, segundo a qual o fluxo de dados através das fronteiras, completamente livre, pode, mais ainda do que a troca de produtos, convocar o princípio da territorialidade fiscal e até causar a decadência dos estados-nações.

Daí a necessidade de normas adequadas frente às novas realidades da tecnologia, tanto no que diz respeito à matéria de contabilidade, como no setor dos direitos de autor.

A fim de continuar o trabalho e diante da necessidade de reexaminar as definições, tendo em vista os avanços da tecnologia, inclusive no que diz respeito à importância dos circuitos integrados, afetando a criação e o uso do software de computador, o Diretor Geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Arpad Bogsch, na conformidade de uma recomendação do Comitê de Proteção de Processamento de Dados em sua segunda sessão de Genebra, junho de 1983, tomou parte numa reunião, a convite do Governo da Austrália, em Camberra, de 2 a 6 de abril de 1984.

Abrindo os trabalhos, seu Presidente, Procurador Geral Senador Gareth Evans, Q.C., chamou a atenção para a necessidade da legislação nacional e internacional manter harmonia com os desenvolvimentos tecnológicos, e realçou a importância da tarefa do encontro.

As discussões tomaram como base um esboço preparado pelo Bureau Internacional da OMPI, intitulado "Questões Técnicas Relativas à Proteção Legal dos Programas de Computador", documento LPCS/WGTQ/I/2 §§ 3º a 7º.

As definições aí contidas foram examinadas à luz dos desenvolvimentos posteriormente ocorridos e dos que razoavelmente podiam ser esperados no futuro previsível.

Anotou o Grupo que as várias propostas para o aperfeiçoamento das definições poderiam incluir explanações não necessariamente exigidas ou apropriadas para definições a serem contidas na legislação nacional ou um tratado internacional.

Foi também reconhecido que as palavras deveriam ser escolhidas de modo a refletir, tanto quanto possível, não somente os sentidos técnicos bem compreendidos pelos peritos em computação, mas também os sentidos legais em que as decisões dos tribunais poder-se-iam basear.

Retirado de http://www.forense.com.br