® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Do Comércio Eletrônico às Comunidades de Negócios
Claudio
Cardoso[1]
O comércio eletrônico é a
parte mais visível de uma nova onda de negócios e investimentos em todo o
mundo. Estimulados pela forte expansão e alta penetração da Internet nos mais
variados setores da sociedade, empresas, órgãos governamentais, instituições financeiras
e consumidores, cada vez mais integram-se à grande rede mundial.
Vivemos um final de milênio
marcado por profundas transformações sociais. Economias de várias nações
tornam-se cada vez mais interdependentes. Revoluções tecnológicas contribuem
para acelerar o ritmo dos acontecimentos. Novas tecnologias da informação e dos
transportes, que operaram neste século uma gigantesca revolução global, impõem
profundas alterações sociais através da redução das distâncias e da conseqüente
interpenetração dos mais diversos estoques culturais da humanidade.
Organizações de praticamente todos os campos de atividade empreendem mudanças
administrativas, sejam elas radicais ou triviais, descentralizando processos,
ampliando a circulação de informações em seus domínios, estabelecendo novas
parcerias, modificando antigas relações de trabalho. Nações refazem seus
territórios após o final das repúblicas socialistas, finda a guerra fria,
franqueiam-se mercados.
O capitalismo
reestrutura-se em novas formas onde a geração de riqueza através da
produtividade e da competitividade de empresas, países, regiões e pessoas,
dependem sobretudo da informação e do conhecimento, desde que acompanhadas da
capacidade tecnológica para processar a informação e gerar conhecimento. Ao
lado disso, vivemos pela primeira vez na história da humanidade um capitalismo
verdadeiramente global, onde vários pólos espalhados por todo o planeta
integram-se dinamicamente e interagem de forma imediata e altamente
interdependente. Todo este contexto planetário integra-se em rede, isto é,
“numa nova forma organizacional, altamente flexível e dinâmica, que ao mesmo
tempo inclui o que vale, e exclui o que não vale.”[2] O aumento da complexidade das economias
contemporâneas faz da informação um fator determinante, não apenas pela
necessidade de armazenamento de dados mas, sobretudo, pela urgência de
processar informações e transmiti-las em alta velocidade para qualquer lugar.[3]
Este “novo capitalismo”
difere das formas anteriores, mesmo as mais recentes, não somente pela nova
estrutura em rede, mas também devido às novas formas de ganho.[4] Em termos econômicos, até muito
recentemente, o capitalismo direcionava seus investimentos para aquilo que
supostamente apresentasse a maior taxa de lucro possível, ou seja, em empresas
cuja expectativa de resultados eram de maiores taxas de lucro. No novo
capitalismo informacional investe-se em função de qual será o aumento de valor
das ações das empresas. O fato é que organizações baseadas na Internet ainda
não ganham dinheiro.[5] Algumas perdem, outras
se mantém sem maiores prejuízos. No entanto, paradoxalmente, algumas destas
empresas aumentaram seus valores em 1.000%, ou até 1.500% no último ano.[6] A exemplo disso, o valor nominal das
ações da livraria virtual Amazon.com equipara-se aos do laboratório
farmacêutico Pfizer - dono da patente do medicamento Viagra -, cujo parque
industrial em décadas de existência contabiliza várias indústrias instaladas em
12 países, contando com um quadro atual de cerca de 70 mil funcionários. Parece
razoável supor que existe uma tremenda disparidade entre os valores das ações e
a real capacidade financeira destas empresas, a considerar que a Amazon.com
conta atualmente com 320 funcionários e apenas acaba de completar seu sexto ano
de existência, vendendo livros e discos.[7]
O mercado atual aposta na
expectativa de ganho. Investidores apostam na perspectiva de que estas empresas
representam mais do que bons negócios. Elas representam o surgimento de um novo
modelo de negócios do futuro. Deste modo, supõe-se, elas deverão aumentar seu
valor rapidamente ao serem as primeiras a operarem num novo formato bem mais
competitivo. A diferença residiria na acumulação crescente de informações
acerca dos produtos e dos clientes e, sobretudo, na forte integração em cadeia
de todos os agentes do processo do negócio, partindo do próprio intermediário -
no caso a livraria virtual -, e envolvendo editoras, operadoras de crédito,
empresas de entrega e correios e clientes consumidores.
Todos os agentes trabalham
de forma cooperativa no novo modelo. Os consumidores pesquisam produtos na livraria,
sugerem novos títulos, comentam leituras para outros clientes obterem mais
informações críticas acerca dos produtos que pretendem adquirir, associam suas
compras às suas preferências, informam seus dados à livraria, que por sua vez
os passam para as operadoras de crédito e para os correios, ou empresas de
entrega, que por sua vez disponibilizam aos clientes consumidores o
acompanhamento do deslocamento dos seus pedidos desde a origem até o destino. O
novo modelo é mais cooperativo, dinâmico, flexível e comunitário.
Embora existam grandes
divergências nos estudos econômicos acerca do real papel das tecnologias da
informação nos ganhos de produtividade[8], ao se considerar, de um lado, o
período agudo de investimento e de aprendizagem, enquanto de outro lado,
fabricantes de hardware
americanos vêm alcançando ganhos jamais vistos, ao redor de 42% ao ano entre
1995 e o primeiro trimestre de 1999. Entre 1973 e 1995, a produtividade da
economia norte-americana aumentou a uma taxa anual de 1,1%. A partir de 1995, o
percentual pulou para 2,1%. As empresas de tecnologia podem estar contribuindo
fortemente nesse processo. Somente esse setor, que representa 8% da economia
americana, responde por nada menos do que 35% do crescimento econômico dos
últimos anos.[9] Os números podem estar indicando que já
vivemos um capitalismo diferente, no qual “a tecnologia gera valor e a
expectativa de geração de valor desta tecnologia acaba criando dinheiro.”[10]
A força comercial da
Internet não reside unicamente na simples exposição de produtos para
consumidores conectados. Não se limitando a ser apenas mais uma nova mídia -
como a TV e o rádio, por exemplo -, a rede transformou-se num imenso ambiente
comunicacional que promove continuamente a formação de comunidades reunidas em
torno dos mais variados interesses. Ações comerciais na rede vêm conquistando
consumidores na medida em que agregam valor aos produtos através da oferta de
serviços. Na Internet, para um empreendimento comercial ter sucesso, não basta
usar artifícios publicitários, nem tampouco se limitar a fornecer informações
de produtos para os clientes. O diferencial de sucesso da rede reside na
qualidade e efetividade dos serviços oferecidos. Assim, o usuário da rede, além
de querer efetuar compras com segurança e conforto, quer também aproveitar para
obter novas informações de forma seletiva, acessar sua conta no banco, saber
dos resultados do futebol, verificar os índices da bolsa de valores, checar as
últimas notícias - preferencialmente aquelas que aconteceram depois da edição
dos jornais em papel -, e também, entrar em contato com amigos e colegas de
trabalho, enviar e receber documentos, enfim, o usuário da rede quer facilitar
a sua vida, e ao mesmo tempo, participar do mundo.
Para que tais necessidades
sejam plenamente atendidas, empresas que disponibilizam serviços online se vêem obrigadas a efetuar
investimentos, não apenas em aplicações Internet (particularmente os serviços
Web), mas também na informatização do ambiente corporativo através da
integração dos seus diversos sistemas de informação - estoque, cobrança,
contabilidade etc. -, de modo a proporcionar agilidade na oferta de
serviços de auto-atendimento online,
garantir a segurança das informações da organização, e reduzir os custos
operacionais dos serviços Internet. Numa primeira fase, a Internet comercial
concentrava seus esforços em disponibilizar informações aos clientes. Agora, o
sucesso dos empreendimentos comerciais dependem de aplicações transacionais,
que dialogam com bases de dados e com sistemas de informações que respondam
imediatamente e de forma integrada às demandas dos usuários.
A princípio restrita apenas
aos meios militares e acadêmicos, a Internet ganhou dimensões espetaculares a
partir do momento em que foi franqueada ao acesso do público em geral e, em
particular, às iniciativas de negócios.[11] A bem da verdade a rede já gozava de
excelente reputação a esta época, notadamente devido ao fato de ter criado logo
nos seus primeiros anos de existência um novo espaço social, repleto de formas
inéditas de interação - anônimas, livres, abertas e cooperativas -, e de grande
intensidade participativa. São reconhecidos os inúmeros episódios de formação
de grupos de solidariedade, iniciativas de educação a distância entre países
distantes, farta distribuição de informações antes inacessíveis à grande parte
dos usuários, intercâmbios culturais entre os mais diversos povos e nações,
demonstrando a grande vitalidade do ambiente social criado pela rede.[12]
Do ponto de vista
comercial, o cenário transformou-se radicalmente desde a primeira grande
explosão das atividades de comércio eletrônico na Internet entre os anos 1995 e
1996. Num sentido amplo, podemos entender as atividades de comércio eletrônico
como toda transação comercial negociada e realizada em computadores, em casa,
no trabalho ou através de processamento móvel, usando as facilidades das redes
mundiais telemáticas, notadamente através da Internet.[13] Contudo, atividades comerciais na
Internet são freqüentemente vistas apenas como sinônimo de “anúncio
publicitário eletrônico” ou “venda direta ao consumidor conectado”.
Desde o advento da Web a Internet vem progressivamente
ampliando sua ação nas empresas ao se transformar na interface integradora de
ambientes de sistemas de informação corporativos mais adotada em todo o mundo.
As Intranets expandem-se integrando em um mesmo padrão de acesso todos os
serviços intra e extra corporativos. Externamente às organizações, a Internet
transforma-se numa plataforma privilegiada de serviços, oferecendo aos clientes
a possibilidade de interatividade e auto-atendimento, além das aplicações
voltadas ao atendimento personalizado. As Extranet são fruto da maturidade dos
dois níveis anteriores, dotando as organizações de uma nova dimensão de ação
corporativa, possibilitando de forma efetiva o tele-trabalho, barateando a
implementação de sistemas cooperativos, criando canais seguros para serviços
voltados a clientes e colaboradores, além de proporcionarem o intercâmbio
eletrônico de dados[14]
entre empresas, expandindo de modo definitivo a atuação do ambiente de sistemas
de informação corporativo para além dos muros das organizações.
Assim, atividades de
comércio eletrônico devem estar orientadas pelas estratégias corporativas de
inserção na rede. Tais estratégias visam
não apenas automatizar aplicações corporativas no modelo Internet em diversos
níveis, mas também ampliar ações de negócio através da oferta de serviços online. É neste último aspecto que
reside a maior novidade da rede para os negócios, e também o maior desafio para
empresários. É preciso compreender que a Internet além de otimizar ações
convencionais das empresas - tais como as comunicações internas e externas, o
intercâmbio eletrônico de dados com fornecedores e parceiros, os fluxos de
informações internas (workflow),
o treinamento de pessoal, ou a interação com os clientes -, ao mesmo tempo
transformou-se ela própria em um lugar de negócios, um novo marketplace.
É o conjunto estratégico de
negócios na rede que deverá estar no foco dos investimentos em negócios
eletrônicos (e-Business). Visto
a partir desse quadro mais amplo, o comércio eletrônico (e-Commerce) transforma-se em apenas
um dos componentes deste conjunto de ações empresariais, que também incluem as
estratégias de marketing corporativo, a definição e adoção de plataformas
computacionais e das tecnologias de processamento da informação, e a
conseqüente remodelagem da arquitetura da informação da organização de modo a
suportar as novas ações comerciais integradas pela grande rede mundial.
Entretanto, um longo
caminho resta ser percorrido pelas empresas brasileiras no sentido de se
tornarem aptas a aproveitar as novas oportunidades deste novo e imenso mercado
emergente. Até bem pouco tempo o índice de informatização das empresas
nacionais somente era satisfatório nas organizações de maior porte.[15] A penetração da Internet em todos os
níveis da economia tem levado pequenas organizações a se depararem com o seu
próprio atraso. Nesse contexto o que se vê é um baixo nível de informatização
na maior parte de um mercado cujo interesse em fazer negócios pela rede já foi
despertado. O pequeno e médio empresários, ainda desatentos aos investimentos em
informática, sequer dispõem da mínima organização da sua informação básica que
possibilite ações efetivas de e-Commerce,
tal como a posse de um cadastro eletrônico do seu estoque, ou até mesmo um
simples sistema contábil.[16]
Um
grande esforço ainda deve ser efetuado para colocar tais empreendimentos em
condições de ingressar no mundo do comércio eletrônico. Ao lado disso, concorre
negativamente também o baixo índice de atualização dos acervos de sistemas para
os novos ambientes computacionais, além da falta de padrões internos de
alinhamento das plataformas de processamento, de ambientes operacionais e dos
sistemas de informação propriamente ditos, que ocasionalmente deverão demandar
trabalhos de conversão de dados demorados e dispendiosos. Some-se a isso o alto
custo de implementação das camadas integradoras dos ambientes corporativos, que
desestimulam boa parte dos empresários interessados.
A própria rede Internet
também apresenta seus problemas e limitações. Dentre eles destacamos o baixo
grau de inteligência do processamento no lado do cliente[17], decorrente da baixa velocidade na
transferência de grandes volumes de informação através da rede. Esta limitação
física acaba por demandar freqüentes ajustes nos sistemas corporativos - que
funcionam bem nas velocidades das redes internas -, para se adequarem à
realidade da performance da Internet. Além disso deve-se considerar os
problemas de versão dos browsers
na elaboração dos serviços web,
pois os usuários usam as mais diversas versões de diferentes fabricantes, e que
nem sempre suportam as novidades embutidas em muitas aplicações. Deve-se
considerar que a disponibilização de serviços na rede implica na necessidade de
suporte ágil e imediato, o que significa um aumento nos custos operacionais,
sobretudo no que se refere ao aumento de demanda de redundância dos sistemas, e
reforço nos serviços de atendimento ao cliente. Acima de tudo, nunca se deve
negligenciar o aspecto da segurança do próprio cliente e do ambiente
corporativo. Serviços transacionais e integrados de auto-atendimento significam
risco para a segurança da organização, e consequentemente novos custos
operacionais para assegurar a integridade do patrimônio corporativo.
Deste
modo, ambientes corporativos devem se alinhar às ações de e-Commerce através de uma boa
estratégia de e-Business que
leve em consideração todos esses problemas, e outros mais que porventura
surjam. Uma aplicação de comércio eletrônico pode ser bastante complexa. Ao
integrar de forma automática transações de venda, crédito e estoque, gerar
novas transações para fornecedores e parceiros, contabilizar receitas e
despesas e, eventualmente, tomar decisões inteligentes a partir dos dados
coletados dos próprios clientes, ou em outro ponto da cadeia, a complexidade do
ambiente multiplica-se, os risco aumentam. Todas as perspectivas parecem
apontar na direção da necessidade de integração da cadeia comercial através de
transações eletrônicas, já que a crescente adoção da computação vem criando uma
espécie de “língua franca” dos negócios, estes cada vez mais interligados
através de sistemas de informação e intercâmbio eletrônico de dados.
Podemos
acreditar que as organizações que iniciarem mais cedo os investimentos em
aplicações orientadas por estratégias de e-Business
terão alguma vantagem competitiva no mercado, desde que estas ações estejam bem
orientadas por profissionais capacitados. Do contrário, pode-se estar
desperdiçando tempo e recursos, além de comprometer a imagem já construída da
empresa em suas ações convencionais.
Para
evitar insucessos nos investimentos em e-Business
é recomendável a elaboração de uma arquitetura de sistemas alinhada à
infra-estrutura tecnológica da organização. Além disso, deve-se observar
durante o processo de elaboração da aplicação Internet, o uso de metodologias
de desenvolvimento de sistemas (MDS) voltadas para este tipo de projeto. É
também recomendável a seleção de ferramentas de desenvolvimento adequadas ao
ambiente corporativo, além de tecnologicamente atualizadas com o estado-da-arte
das aplicações ora em uso na rede. Muitas organizações já identificam a
necessidade de criação de um departamento específico para a gestão web, normalmente localizadas como uma
interface entre as diretorias de comunicação e de marketing, e aquelas de
informática e de gestão de negócios. O caráter singular deste novo campo de
ação tem levado os seus novos profissionais a posicionarem-se entre as
tradicionais abordagens técnicas, e novas ações de comunicação voltadas aos
mercados internos e externos das organizações.
No processo de elaboração
de um plano de ação corporativa de negócios eletrônicos deve-se também enfatizar
os estudos da arquitetura de navegação e do design, o projeto de segurança para evitar os chamados back orifices[18], o uso de protótipos para estudo e
definição das interfaces, o projeto de implementação, considerando prioridades
e a oferta de serviços de maior valor agregado, e o projeto de desenvolvimento,
que deve estar alinhado às interfaces integradoras (Intranet) do ambiente
corporativo.
Finalmente,
face aos números das pesquisas desenvolvidas em todo o mundo, e fartamente
divulgados pela mídia - não sem um certo tom de sensacionalismo -, podemos
acreditar que o mercado na Internet deverá continuar a crescer e oferecer novas
oportunidades de negócio. Ao mesmo tempo, tudo leva a crer que num curto
período de tempo a rede deverá passar por melhorias sucessivas na sua
infra-estrutura, aumentando significativamente suas capacidades técnicas e,
consequentemente, proporcionando ainda novos modos de ação comercial.
A
perspectiva da formação de uma imensa onda de negócios na Internet é real e
deverá empurrar grande parte dos negócios em direção a um ambiente no qual a
transação eletrônica praticamente se tornará uma exigência básica para o
ingresso e participação neste novo mercado de oportunidades, forçando empresas
a desenvolverem sistemas de informação internos integrados e capazes de inserir
serviços transacionais na rede. Assim, empreendimentos de negócios eletrônicos
devem, desde já, serem pensados estrategicamente. Podemos estar a um passo de
um novo período de investimento em informática. Talvez estejamos até bem
próximos de um novo e gigantesco movimento de integração de grande parte da
cadeia dos negócios, ao integrar os mais diversos atores e as mais diversas
atividades comerciais num mesmo e imenso ambiente eletrônico de processamento
cooperativo da informação, realizando de modo inesperado, e por caminhos
tortuosos, a criação de uma imensa e solidária inteligência coletiva.
Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/art_claudioc2.html>
/Acesso em : 09 out. 2006