®BuscaLegis.ccj.ufsc.br
Justa utilização
Tecnologia
tenta inibir a cópia pessoal de cds musicais
Omar Kaminski*
Uma nova
tecnologia que vem sendo utilizada pelas gravadoras começa a chamar a atenção
dos consumidores brasileiros de cds musicais. Trata-se de uma "trava"
que permite diferentes níveis de restrições para reprodução de mídia, e que
possibilita inibir e controlar as cópias realizadas.
É a mais recente arma técnica das gravadoras no combate à pirataria. Nos cds
dos artistas do "cast" da gravadora Virgin (Ben Harper, por ex.), há
os seguintes dizeres: "COPY CONTROLLED. Este disco contém
tecnologia que controla cópias. Foi desenvolvido para ser compatível com
reprodutores de CD áudio, reprodutores de DVD e computadores que tenham o
sistema operacional igual ou superior ao PC - MS Windows 95, Pentium 2, 233MHz,
com 64 MB de memória RAM ou superior, Mac-OS 8.6 a 9 com extensão carbonlib e
Mac-OS X e impede os consumidores de fazer cópias digitais".
Já nos cds do selo EMI (Paralamas do Sucesso e Tribalistas, entre outros), há o
seguinte aviso: "Este álbum contém tecnologia que inibe cópias pessoais
digitais. A tecnologia inserida não comprometerá sua execução na maioria dos
equipamentos reprodutores, bem como na maioria dos computadores pessoais".
Tanto os cds da Virgin como da EMI são fabricados no Brasil pela Sony Music.
Uma situação inusitada se configura: os fabricantes de aparelhos de DVD de mesa
e de cd players automotivos estão possibilitando a execução de cds
graváveis e regraváveis, incluindo o formato MP3, o mais comum nas redes de
trocas de arquivos P2P (peer-to-peer ou ponto-a-ponto). Como comparativo,
um cd de música comum pode conter, em média, 12 músicas. O cd gravado em MP3
permite o armazenamento de mais de cem músicas. E não há cds
"originais" - pelo menos ainda não - em formato MP3.
Utilização discutida
O jurista Amaro de Moraes e Silva Neto apresentou [1], em outubro último,
provocação ao Ministério Público de São Paulo, para que investigue a legalidade
da utilização desses mecanismos anticópia em CDs musicais. Ele argumenta que
tais mecanismos extrapolam os direitos patrimoniais do autor e afrontam o
ordenamento jurídico brasileiro sob diversos aspectos:
"Contudo, o mais censurável não é a infringência de incontáveis
dispositivos legais (de consumeristas a penais); o mais censurável é o desdém
devotado ao livre acesso à informação e à cultura, inalienáveis e indisponíveis
direitos de todos visitantes deste nosso Planeta."
No estudo intitulado "Novas Tecnologias, Telemática e os Direitos
Autorais", o professor Paulo Sá Elias concluiu [2], com propriedade, que
estamos assistindo uma evolução no que diz respeito aos direitos da propriedade
intelectual:
"Os avanços da informática e da telemática apresentados como instrumentos
de contrafação não devem ser vistos somente pelo aspecto negativo, pois estão
funcionando de maneira nunca antes vista na divulgação do trabalho do autor, no
maior controle sobre suas criações, na eliminação ou diminuição do efeito
negativo de intermediários (especialmente no que diz respeito aos valores
retidos pelas grandes gravadoras)".
Justa utilização
O panorama é de batalha perdida para as gravadoras. Primeiro, porque a maioria
das "travas" de proteção utilizadas já foram "quebradas", e
o conteúdo que deveria estar protegido (inclusive de DVDs) já circula
livremente na Internet e fora dela.
E segundo, porque impedem que o consumidor comum, que adquiriu um produto
legítimo, faça uma cópia para backup ou para uso pessoal. Por exemplo,
para escutar as músicas em formato MP3 no carro ou no aparelho de DVD - com o
incentivo e a bênção dos fabricantes dos aparelhos, conforme já citamos -
ironicamente, as mesmas marcas que se utilizam de proteções contra cópia.
Diante desse contexto, a análise do uso justo (ou fair use) é
significativa. O projeto de lei da Câmara nº 2.681/96, recentemente aprovado
[3] e que recebeu o nº 11/03 no Senado, propondo modificações no art. 184 do
Código Penal e prevendo penas de 2 a 4 anos para a violação de direitos
autorais, diz o seguinte em seu § 4º:
"O disposto nos parágrafos anteriores não se aplica quando se tratar de
exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em
conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem
a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado
do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto." (grifamos).
Mesmo que as soluções técnicas (quer sejam via software, hardware
ou ambos) possam se beneficiar das leis, a adoção pelos fabricantes e
detentores de direitos autorais é voluntária, e tem se mostrado eficaz em
determinados casos. Deve o consumidor se moldar aos ditames do mercado, ou é o
mercado quem deve se adaptar ao consumidor?
Notas de rodapé:
[1] http://conjur.uol.com.br/view.cfm?id=14514&ad=c
[2] http://www.direitodainformatica.com.br/artigos/017.htm
[3] http://conjur.uol.com.br/view.cfm?id=17610&ad=a
Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2003.
Omar
Kaminski é editor de Internet e Tecnologia da Revista Consultor
Jurídico, advogado especializado em Direito da Informática e responsável
pelo site InternetLegal.