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A Concorrência Desleal no Âmbito da Internet

Alberto Murray


 
 

1.1. Leis Aplicáveis

No Brasil, a questão da concorrência desleal, está, basicamente, regulada pelas seguintes Leis:

- Lei Federal n.º 8.884, de 11 de junho de 1.994, que dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditâmes constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico;

- Lei n.º 9.021, de 30 de março de 1.995, que dispõe sobre a implementação da Autarquia Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, criado pela Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1.994 e dá outras providências;

- Código Penal Brasileiro, em seu artigo 196 e respectivos incisos; e

- Código de Defesa dos Direitos do Consumidor, que também trata da matéria.

Nenhum dos Diplomas Legais supra citados referem-se, especificamente, à questão da publicidade e da concorrência desleal no âmbito da Internet, até mesmo porque tais dispositivos de Lei são anteriores ao seu advento. Mas, a partir do momento em que a Internet passou a integrar o cotidiano das pessoas como um fato corriqueiro, servindo, inclusive, como uma elemento capaz de veicular propaganda, dúvidas não restam de que o marketing desenvolvido através desse novo sistema fica sujeito à legislação ordinária.

Portanto, podemos dizer que, embora a legislação brasileira que trata da concorrência desleal não contemple, especificamente, a questão da Internet, toda a publicidade através dela veiculada deve obedecer aos preceitos dessas Leis.

Nesse particular, especialmente a Lei n.º 8.884/94, aplica-se, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no Território Nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos. Para tanto, reputa-se situada no Território Nacional a empresa estrangeira que opere ou tenha no Brasil filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante. Entre as inúmeras práticas previstas nesta Lei como condutas lesivas à ordem econômica nacional, está a de "exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa".

O Código de Defesa do Consumidor define como consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final e fornecedor toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Assim, todos aqueles que se enquadram nessa categoria, na qualidade de consumidor ou fornecedor, fica sujeito às normas desse Código. Especificamente com relação à questão da publicidade, o Código de Defesa dos Direitos do Consumidor estabelece que essa deve ser feita de forma que o consumidor a identifique como tal fácil e rapidamente. E deve, ainda, dispor, o anunciante, de dados técnicos, fáticos e científicos que dêem sustentação á mensagem publicitária veiculada.

Quanto ao Código Penal, a pena para aquele que praticar crime de concorrência desleal varia entre pena de detenção de 03 (três) meses a 01 (um) ano, ou multa. O Código Penal Brasileiro tipifica os crimes de concorrência desleal, propaganda desleal, desvio de clientela, falsa indicação de procedência de produto, dentre outros. Portanto, aqueles que, no Brasil, veicularem publicidade de seus produtos ou serviços através da Internet, estarão, igualmente, sujeitos à essas normas legais.

Faz-se, também, necessário, mencionar a existência do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária ("CONAR"). O CONAR é uma associação ética, uma sociedade civil sem fins lucrativos devidamente constituída de acordo com as Leis da República Federativa do Brasil, voltada para aplicação das normas regulamentadoras do universo das comunicações, tendo por objetivo zelar pela credibilidade e valorização das próprias atividades do setor econômico publicitário e oferecer publicitário e oferecer um canal de acesso à defesa do consumidor. O CONAR encontra-se habilitado para emitir pronunciamentos através do seu Conselho de Ética, que se baseia no chamado Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. . O Conselho de Ética do CONAR é o órgão soberano na fiscalização, julgamento e deliberações no que se refere à obediência e ao cumprimento, por parte dos anúncios, do disposto no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária.

O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária constitui-se de 50 artigos, dispostos em um Preâmbulo e 5 capítulos. O capítulo I trata dos objetivos desse Código, estruturação dos anúncios e recomendações gerais, o capítulo II estabelece seus princípios gerais, falando sobre a honestidade, a decência, o medo, a superstição a violência, propaganda comparativa, segurança do consumidor, entre outros; o capítulo III estabelece as categorias especiais de anúncios que merecem regras especialíssimas de conduta, contendo 19 anexos, tais como bebidas alcoólicas, indústria e produtos do fumo e outros; o capítulo IV estabelece as responsabilidades dos anunciantes, agências e veículos de comunicação; e o capítulo V, dispõe, em seus artigo 50, inciso "a", "b", "c" e "d", sobre as infrações e penalidades.

Os anunciantes da Internet estarão, também, no Brasil, sujeitos às regras do CONAR.

1.2. Jurisdição

O artigo 88 do Código Civil Brasileiro especifica as hipóteses em que a competência dos Tribunais brasileiros é concorrente, ou seja, podem as causas serem julgadas tanto pelos juízes Pátrios, bem como pelos Tribunais estrangeiros. O supra referido artigo está assim redigido:

"Art. 88 - É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I - o réu, qualquer que seja sua nacionalidade, estiver nacionalidade no Brasil;

II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Parágrafo Único: para o fim do disposto no número I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal."

Já o artigo 89 do mesmo Diploma-Legal acima mencionado, estabelece as hipóteses em que a competência do Juízo brasileiro é exclusiva, ou seja, as causas fundadas nas circunstâncias previstas no artigo 89 do Código Civil Brasileiro afasta, definitivamente, a competência do Juízo alienígena. O artigo 89 está assim redigido:

"Art. 89 - Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

I - conhecer ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II - proceder o inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido for do território nacional."

Apesar de não estar expresso no artigo 88, supra transcrito, do Código Civil Brasileiro, tanto a melhor doutrina como a mais ampla jurisprudência, entendem que para uma ação judicial fique sujeita à jurisdição brasileira, basta que ocorra qualquer uma das circunstâncias previstas nos seus três itens. O primeiro item refere-se às causas em que o Réu estiver domiciliado aqui no Brasil, independentemente de sua nacionalidade.

Portanto, ainda que um determinado contrato, por exemplo, eleja as Leis de outro país para dirimir eventuais controvérsias surgidas da relação jurídica estabelecida, se uma das partes for residente e domiciliada no Brasil, é possível que demanda tenha curso no país. No entanto, em determinados casos, a demanda iniciada no Brasil não afasta a possibilidade de a causa ser, igualmente, discutida no exterior. Isso quer dizer, em outras palavras, que a nossa Lei permite, em determinados casos, que a ação seja proposta tanto do exterior quanto no Brasil. A sentença estrangeira, proferida pelo Judiciário de outro país, terá, então, eficácia no Brasil, se devidamente homologada perante o Supremo Tribunal Federal.

Ora, então, pergunta-se, o que ocorreria se determinada ação judicial, versando sobre a mesma matéria, fosse proposta tanto no Brasil, bem como em outros países, havendo, portanto, duas sentenças? Na ocorrência dessa hipótese, mostra a jurisprudência que teria validade no Brasil aquela decisão que tivesse seu trânsito em julgado ocorrido no Brasil e primeiro lugar. Ou seja, se a sentença estrangeira, após homologada pelo Supremo Tribunal Federal, tivesse o seu trânsito em julgado antes da sentença proferida pelo Judiciário brasileiro, seria aquela que teria, para fins de execução, eficácia no Brasil e vice-versa. Por trânsito em julgado da decisão entende-se ser a decisão definitiva, a qual contra ela não cabe mais qualquer tipo de recurso. Apenas a título exemplificativo, vale mencionar a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Agravo de Instrumento número AI - 8.275 - 0, em 16 de junho de 1.988 que muito bem reflete o pensamento dos nossos magistrados e a conseqüente tendência dos nossos Tribunais a respeito dessa questão. Essa decisão, entre tantas outras, confirma e admite a existência da jurisdição concorrente e atuação paralela da jurisdição estrangeira sobre a mesma causa sujeita á brasileira.

A questão da Internet, do ponto da jurisdição, ficaria, portanto, sujeita às normas gerais de direito processual brasileiro, acima descritas.

1.3. Consequências

Partes brasileiras, anunciando no exterior, via Internet, deveriam tomar cuidados essenciais com relação a certos produtos cuja publicidade, sabidamente, enfrenta restrições em todo o mundo, como os produtos do fumo, por exemplo. No Brasil, as indústrias de fumo estrangeiras possuem em sua páginas na Internet, antes de qualquer coisa, anúncios por meio dos quais deixam claro á população, sobretudo jovens, os malefícios causados pelo tabaco. Essa é uma exigência da lei brasileira para esse tipo de produto. O mesmo deveria ser feito com relação à empresas brasileiras que objetivassem promover seus produtos no exterior, através da Internet. Seria conveniente que as empresas brasileiras, antes de veicularem sua publicidade no exterior, via Internet, buscassem saber, através de profissionais especializados, advogados, quais as restrições impostas pela legislações desses países para o seu produto em particular.

2. Legislação sobre a Concorrência Desleal

Nesse particular, devemos ressaltar com pontos mais importantes a serem abordados em face da legislação brasileiras os abaixo enumerados. Assim, vejamos:

2.1. Propaganda Comparativa

A publicidade comparativa não é proibida no Brasil. Tal publicidade comparativa somente será aceita, entretanto, se seguidas as seguintes regras básicas por parte do anunciante:

(a) seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor;

(b) tenha por princípio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional, não constituem uma base válida de comparação perante o consumidor;

(c) a comparação alegada ou realizada seja passível de comprovação;

(d) em se tratando de bens de consumo a comparação seja feita com modelos fabricados no mesmo ano, sendo condenável o confronto entre produtos de épocas diferentes, a menos que se trate de referência para demonstrar a evolução, o que, nesse caso, deve ser caracterizado;

(e) não se estabeleça confusão entre produtos e marcas concorrentes;

(f) não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou á marca de outra empresa;

(g) não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros; e

(h) quando se fizer uma comparação entre produtos cujo preço não é de igual nível, tal circunstância deve ser claramente indicada pelo anúncio.

Obviamente, o anunciante que, no Brasil, violar as normas acima descritas com relação à questão da publicidade comparativa, ficará sujeito às sanções aplicadas pelo CONAR através de seu Conselho de Ética, bem como às regras gerais do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Aquele que, ao produzir ou veicular uma publicidade comparativa cujo conteúdo provoque dano à imagem do produto de outrem, utilizado para comparação, a parte lesada teria direito de ação civil, visando indenização, com base no artigo 159 do Código Civil Brasileiro que diz que "art. 159 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano..." Essa norma legal, que serve como base da responsabilidade civil em nosso país, também aplica-se à questão da publicidade produzida via Internet, logicamente.

2.2. Propaganda de fumo, bebidas alcoólicas e outros produtos com restrição

O anunciante estrangeiro no Brasil deve estar ciente de que alguns produtos possuem regulamentação especial, com relação à publicidade permitida. O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária e o próprio Ordenamento Jurídico Brasileiro regulam esses produtos especiais, cuja publicidade deve obedecer certas regras específicas. As maiores restrições, como não poderia deixa de ser, aplicam-se aos produtos do fumo e de bebidas alcoólicas. Além das exigências constantes do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, a publicidade em relação ao fumo e às bebidas alcoólicas são reguladas Leis Federais. É proibido, por exemplo, vender esses tipos de produtos a menores de idade. Além disso, no caso dos produtos do fumo, entre outras exigências, deve constar um aviso claro aos consumidores dos malefícios causados pelo seu uso. Esse aviso deve constar da embalagens desses produtos, bem como em qualquer tipo de publicidade relacionada a eles, seja através do rádio, televisão, outdoors, revistas, jornais e, logicamente, a Internet não poderia estar excluída dessa relação.

Além especificamente desses dois produtos acima referidos, embora com restrições menores, o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária estabelece que, para alguns campos de atividade, alguns princípios devem ser seguidos com relação à publicidade veiculada. Eles são: Educação, cursos e ensino; Empregos e oportunidades; Investimentos, empréstimos e mercados de capitais; Médicos, dentistas, veterinários, parteiras, massagistas, enfermeiros, serviços hospitalares, paramédicos, para-hospitalares, produtos protéticos, dietéticos, tratamentos e dietas; Produtos farmacêuticos populares; Profissionais liberais; Reembolso postal ou vendas pelo correio; Turismo, viagens, excursões, hotelaria; Veículos motorizados; Defensivos agrícolas; Armas de fogo, dentre outros.

O anunciante estrangeiro no Brasil deveria, portanto, familiarizar-se com essas exigências observadas pela legislação brasileira, a fim de não ficarem sujeitos a nenhuma sanção administrativa ou judicial em razão da veiculação da publicidade de seus produtos em nosso país.

retirado de: http://www.infojus.com.br/area2/albertomurray1.htm