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Vendas pela Web
Não existe vedação legal para reconhecer contratos
Angela Bittencourt Brasil *
Mais
do que um agente de comunicação e informação,
a Internet é o principal motor dessa revolução
que está jogando por terra o modo tradicional de negociar,
alavancando as oportunidades de compra e venda de produtos e
aumentando a oferta de serviços em todos os seguimentos
econômicos da sociedade.
Para entendermos o Direito
Comercial aplicado a Internet e assim situarmos o comércio
eletrônico neste contexto, temos que conceituar o comércio
como um fato social e econômico que coloca em circulação
habitualmente a riqueza produzida
com fins lucrativos.
Porém, Themis da Justiça e
não Hermes do comércio já que estas relações
produzem efeitos jurídicos que necessitam do intérprete
da mesma forma que as demais comunicações nos outros
setores da vida em sociedade. O fato de a comunicação
ser virtual apenas muda o ambiente negocial, sem modificar a essência
do fundo que há de vigorar sobre a forma.
O Código
Comercial, datado de 25 de junho de 1850 e, que de tão
ultrapassado, necessita de leis esparsas que o complementam, continua
a ser a principal fonte do Direito Comercial a ser aplicado também
na rede de comunicação, mas devido ao dinamismo desta
atividade outras práticas são adotadas, tal qual os
usos e costumes, chamado de direito consuetudinário, que se
traduz como o direito dos costumes e que teve a sua origem na Idade
Média por uso comum dos comerciantes da época. Essas
práticas surgem de modo espontâneo e as regras fixadas
para o uso acabam por tornar-se uma relação jurídica
observada como regra de direito, insuscetível de ser violada.
Evidentemente que nenhum costume pode se contrapor à
norma legal e a boa fé é a tônica de sua
aplicação nos meios comerciais. A jurisprudência
vem aceitando os usos e costumes estabelecidos nas negociações,
sobrepondo-os mesmo à norma legal, desde que não ofenda
a uma norma imperativa de direito.
Não vemos desta
maneira impedimento para que a mesma prática seja adotada no
comércio eletrônico, pois na verdade este nada mais é
do que uma forma de se negociar à distância. Os mesmos
costumes praticados nas transações conhecidas poderão
ser usadas na Internet, como se faz no fechamento de negócios
por meio de carta, telefonema ou fax.
A prova dos costumes
será feita nos mesmos moldes das outras transações
em sede judicial, ou seja, se já houve o uso comercial, a
comprovação dar-se-á por meio de Certidão
da Junta Comercial, porque na forma da lei 4.726 de 13 de junho de
1965 compete a esta Instituição efetuar os assentos
relativos aos usos e costumes comerciais, e caso contrário,
pelas provas admitidas em Direito.
A estrutura do Direito
Comercial baseada no cosmopolitismo, individualismo, onerosidade,
informalismo, fragmentarismo e na solidariedade presumida se adapta
ao mundo virtual principalmente pela sua natureza abrangente, já
que desde o surgimento do direito comercial os institutos mercantis
eram voltados para a globalização de suas regras.
Segundo Ferreira Borges, os comerciantes constituem um só
povo pois a persecução do lucro é um fato
universal e desconhece fronteiras. Os tratados e convenções,
além de leis uniformes, a sociedade anônima
multinacional, fazem do direito comercial um repositório de
normas que são comuns a todos, como a Letra de Câmbio, a
Nota Promissória e o Cheque que não sofrem diferença
no tratamento jurídico.
Assim como os comerciantes
fazem parte do mesmo universo jurídico, este também é
o retrato do internauta, habitante de um mundo sem fronteiras onde o
idioma dos computadores é apenas um.
O individualismo
se caracteriza no interesse da obtenção do lucro e a
liberdade de contratar ainda é um dos traços marcantes
das atividades mercantis, em que pese a intervenção
estatal limitando o fato jurídico com normas e regras.
A
onerosidade é inasfastável da atividade comercial, pois
sem ela o contrato perde a sua característica mercantil,
passando ser um contrato civil simplesmente e essa onerosidade é
presumida, querendo traduzir com isso que o contrato é sempre
oneroso quando se trata de negócio comercial, até prova
em contrário.
O fragmentarismo é conseqüência
da antigüidade do Código Comercial que nos trouxe um sem
números de normas esparsas além da estrutura
internacionalizada da atividade comercial, que necessita de ordens
gerais que não podem ser codificadas, dado ao seu caráter
tratadista.
A solidariedade que apesar de ter no Código
Civil, art. 896, a não presunção da
solidariedade, esta somente poderá ser admitida se houver
previsão legal ou vontade das partes. No entanto, como as
atividades mercantis são dinâmicas e ágeis,
diferentemente das relações civis, podemos presumir na
maioria dos casos que entre os comerciantes essa presunção
de solidariedade é a regra.
Nenhuma das bases desta
estrutura acima relatada, é incompatível com o uso da
Internet, pois as relações comerciais advindas desse
espaço nada mais são do que atividades comerciais que
guardam com os atos de comércio similaridades e objetivos
comuns.
Alguns estudiosos do assunto defendem que os
contratos eletrônicos, tanto civis como comerciais não
geram obrigações porque eles não são
materializados num meio tangível como o papel. Necessariamente
teriam que ser mudadas as regras para que eles se tornassem válidos,
segundo esses estudiosos.
Ousamos discordar da colocação,
principalmente no que diz respeito ao Direito Comercial, eis que
conforme a sua estrutura acima descrita, a informalidade e o caráter
cosmopolita são seus traços marcantes e o diferenciam
de outros direitos privados.
Então,
se contratos comerciais são admitidos verbalmente, por
telefone, por carta e por fax, os contratos comerciais eletrônicos
deverão da mesma forma serem admitidos com as provas já
citadas. Se a questão for a tangibilidade de um papel, então
pela mesma razão o contrato verbal e por telefone também
não surtiriam os efeitos legais.
O direito comercial
apresenta determinadas características, devido à sua
agilidade e seu cunho internacional, que as mesmas regras e os mesmos
tratados podem perfeitamente ser usados no comércio
eletrônico.
Quanto à questão de
segurança, tanto os contratos civis quanto os contratos
comerciais de maior monta, deverão se cercar dos meios
disponibilizados pela tecnologia, a criptografia, que irá
transformar os dados em fórmulas a serem decodificadas pelo
recebedor.
Isto para os grandes contratos porque fazendo uma
analogia com o nosso dia à dia, quando vamos a um jornaleiro
pedimos o jornal do dia, entregamos a quantia em dinheiro ao
comerciante e ele nos entrega o produto. Acabamos de fazer uma
transação comercial, verbal, informal, sem necessidade
de nada estar escrito, a não ser por questões
tributárias, se for o caso.
O mesmo se dá na
Internet quando compramos um livro em uma livraria virtual:
solicitamos o produto, combinamos forma de pagamento e o livro será
entregue em nossa casa sem maiores problemas. Esta informalidade é
que dá o colorido do Direito Comercial, que o torna ágil,
dinâmico e sem maiores burocracias.
Estamos até
aqui falando desse comércio eletrônico que fazemos à
toda hora e que está disponível nos diversos sites de
compras e que é o varejo da Internet. Há toda evidência
que para transações comerciais de maior porte, em que a
prova deve ser robusta devido aos riscos maiores do negócio, o
acordo deve ter a devida Certificação Digital de
assinatura para ter eficácia e validade de plano. No entanto
isto não representa que o contrato não surta os efeitos
obrigacionais ou que as partes possam deixar de cumprir o acordo.
Carnellutti, em sua magistral obra de Direito Civil, nos diz
que documento é o registro do fato, não discernindo
neste conceito em que suporte este registro é feito, isto é,
se material ou qualquer outro repositório e por esta razão
que o art. 332, do CPC, nos dá esta ferramenta para a prova da
existência dos negócios feitos na rede:
"todos
os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que
não especificados neste Código, são hábeis
para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação
ou defesa".
Em que pese alguns estudiosos do assunto
pensarem de forma contrária, isto é, que o documento
eletrônico assim não pode ser considerado porque não
tem a forma exigida em lei, a forma escrita, ousamos discordar porque
se contratos podem ser feitos até mesmo por meio de telefones
e oralmente, qual a razão do não reconhecimento da
transmissão de dados não poder ser reconhecido como um
registro de um fato?
Se a questão debatida é a
segurança, no que estamos de acordo, é evidente que a
nova realidade está a impor meios seguros para o
reconhecimento desses registros, mas ultrapassada esta barreira não
vemos empecilho para a sua validade e sem que seja preciso o advento
de novas leis, já que a aplicabilidade criativa do direito
vigente deverá ser equilibrada com uma intervenção
legislativa, que deverá evitar, tanto quanto possível,
uma over regulation da Internet.
Devido à sua
mobilidade constante e o seu dinamismo é preciso deixar aberto
um espaço suficiente para a liberdade de auto-regulamentação
e auto-disciplina dos conflitos nesta área e que poderá
ser a melhor saída para muitos dos seus problemas.
Uma
questão interessante é quanto ao informalismo, uma das
características do Direito Comercial que vem sempre revestida
da boa fé e a sua relação com a aplicabilidade
da Teoria da Aparência nas empresas on line pois quando o
internauta clica em seu mouse e direciona a sua ação
para um endereço comercial da Web, abre-se para ele uma página
colorida, verdadeiro out door com apelos promocionais e aplicações
de tecnologia avançada de forte impacto visual.
Esta
aparência leva o usuário a imaginar uma forte empresa
por trás de todas aquelas cores e usando de boa fé é
levado a aceitar a proposta ali inserida, certo de que está
fazendo um bom negócio.
Uma situação
fática que representa uma situação jurídica
verdadeira sendo que o direito nos trouxe a Teoria da Aparência
a fim de proteger o bem jurídico tutelado de quem de boa fé
foi iludido por aquele conjunto de cores, sons e técnicas
expostas na home page.
A aparência, para o nosso
direito está acima da própria realidade e confere os
mesmo vínculos de responsabilidade aos contratantes e, mesmo
parecendo incoerente que o direito dê ênfase à
aparência em detrimento da realidade, esta é a tendência
do Direito Moderno hoje abraçada pelo Código do
Consumidor.
Tutelar a boa fé de terceiros envolvidos
em uma situação aparentemente jurídica é
a explicação doutrinária para reconhecer a
eficácia dos negócios e a responsabilidade civil de
quem induz o outro de boa fé a erro. Existe hoje em nosso
ordenamento jurídico uma legislação específica
para os casos de propaganda enganosa no Código do Consumidor,
nos casos de venda de produtos ou de serviços que mostram uma
aparência diversa da realidade daqueles realmente existentes.
No entanto, para outras situações temos que nos
socorrer das várias disposições particulares do
Código Civil e que por analogia podem ser estendidas às
situações semelhantes, inclusive aquelas ocorridas no
ambiente virtual.
Somente para ilustrar citamos os art. 1600
do Código Civil que acolheu a Teoria da Aparência.
Outros dispositivos, como, por exemplo, os arts. 1.318, 221 e 935,
igualmente nos indica o mesmo caminho , e como admite o art. 4º
da Lei de Introdução ao Código Civil nada impede
o uso da analogia na matéria.
Problema que tem
afligido os que pretendem negociar na rede, principalmente no que se
refere à grandes somas envolvidas, é saber se do outro
lado do monitor está uma pessoa com poderes de concretizar o
negócio e caso contrário, se o negócio é
juridicamente válido.
A representação é
a atuação de uma pessoa em nome e no interesse de outra
com a intenção de fazer válido este ato, como se
estivesse sendo praticado por esta outra pessoa e na pessoa de quem
vai recair os seus efeitos. No entanto, esta representação
pode ser igualmente aparente, ou seja, capaz de induzir alguém
de boa fé a pensar que está concretizando o negócio
e acreditando estar transacionando com a pessoa certa. A
representação aparente, facilitada pelo ambiente
virtual, cria uma situação de fato onde uma pessoa se
faz passar por outra sem poderes para tal ou delegação
do suposto contratante.
Para o internauta é difícil
verificar se quem está falando em nome da empresa é o
verdadeiro representante ou apenas alguém com aparente
representação sem poderes para contratar. Aqui, da
mesma forma aplica- se a teoria da representação
aparente pois se alguém puder supor que está negociando
com um representante legal que assim se apresente, deve ser
beneficiado com a teoria da aparência, a fim de que se tenha
como válido o negócio realizado.
Vemos
com isso que como a comunicação eletrônica
dificulta ainda mais a identificação pessoal do
interlocutor, nada mais conveniente do que aplicar o mandamento do
art. 75 do Código Comercial que consagra a representação
ou mandato aparente ao afirmar que "os proponentes são
responsáveis pelos atos dos feitores, guarda-livros, caixeiros
e outros quaisquer prepostos, praticados dentro das suas casas de
comércio, que forem relativos ao giro comercial das mesmas
casas, ainda que se não achem autorizados por escrito".
Seguindo os ditames do artigo que se encontra em vigor todos
aqueles que se disserem representantes ou mesmo falar por toda a
empresa, seja virtual ou não, estará obrigando
contratualmente o representado.
Se no ambiente off line
discute-se se é preciso a prova da representação,
no clima virtual esta dificuldade é de tal monta que no nosso
entender, basta que os elementos aparentes de um lado e a boa fé
do contratante do outro estejam presentes para a validade e eficácia
do acordo.
Como o terceiro, que se encontra fora do ângulo
de visão poderá aferir se está lidando com um
falso diretor ou falso gerente? A hipótese do recurso de vídeo
conferência não derruba esta hipótese porque da
mesma forma poderá haver indução à erro,
excluindo-se casos de pessoas impossibilitadas de comerciar, tais
como crianças e doentes mentais. Evidentemente, torna-se
necessário que o comportamento do falso administrador incite o
de terceiros levando-os à crença de que estão a
tratar com alguém que exerça legitimamente a função.
A negligência do representado, ao deixar que outras
pessoas ao manusearem a máquina adentrem nos negócios
do seu e-commerce, implica para nós em culpa "in
vigilando" e em conseqüência na sua responsabilidade
civil em responder pelos resultados do negócio articulado na
rede. Surge no entanto a questão da responsabilidade objetiva
onde o representado nem tem conhecimento de que está sendo
objeto de acordos, como pode acontecer num site de e-commerce por
onde circulam web masters, editores, programadores e outros que
poderiam em nome da empresa estar fechando negócios.
Então
outra corrente sustenta que esta responsabilidade surgida da
aparência de representação não tem como
pressuposto a culpa do representado, pois neste caso não há
que se atribuir à teoria da aparência para justificar a
responsabilidade do representado, uma vez que esta se verifica tão
só pela sua culpa.
O argumento mais forte é de
que o pseudo-representante, cria para o usuário de boa fé
uma realidade fática com efeitos jurídicos. Esta crença
ilusória que induz o terceiro de boa-fé em erro, não
deve ser usada porque o mais importante é a garantia e a
segurança das transações comerciais.
Com
todo negócio oferece riscos, este é mais um que o
comerciante corre, esteja seu negócio nas ruas ou apenas da
rede Internet , pois o que não se pode é deixar que o
usuário pague por estes riscos e tenha que suportar o ônus
de um fato para o qual não contribuiu. Sabemos que é
imprescindível uma causa que justifique a confiança de
terceiro em relação ao suposto poder do representante.
Mas o que poderia ser mais justificável do que um negócio
fechado dentro do site, onde apenas pessoas de estrita confiança
podem manusear os computadores da empresa virtual?
Concluindo,
vemos que o comércio eletrônico por se constituir na
área de maior interesse do internauta e mola propulsora dos
avanços da rede, tanto nas relações entre
empresário-consumidor e empresa-empresa, não existe
qualquer vedação legal para o reconhecimento judicial
dos documentos eletrônicos aí produzidos. Mesmo não
havendo forma específica prescrita em lei, ele é
perfeitamente admissível como válido e eficaz para
produzir os efeitos visados pela partes envolvidas.
Angela Bittencourt Brasil integra o Ministério Público do Rio de Janeiro, professora de Direito Processual Penal e Direito de Informática é autora do livro O Ciber Direito, co-autora da obra Direito Eletrônico e editora do site http://www.ciberlex.com.br. |
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