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Mensagens indesejadas
Advogada critica spams e listas de e-mails de empresas
Cristiane G. Campos*
A
decisão da juíza de Campo Grande (MS), Rosângela
Lieko Kato, tem causado muita discussão. A juíza negou
indenização por danos morais e materiais para o
advogado João de Campos Corrêa, que entrou na Justiça
contra 45 empresas que lhe enviaram mensagens indesejadas (spams).
Conforme notícia
veiculada na revista Consultor Jurídico, a juíza
entendeu que o produto foi apresentado para o internauta para que ele
pudesse adquiri-lo ou não; que a relação de
consumo de hoje "não é a mesma que a de alguns
anos atrás, visto que estamos na era da sociedade de
informação" e que "as características
da sociedade de consumo passou a girar em torno do anonimato de seus
autores, dada a complexidade e variabilidade de seus bens, do papel
essencial do marketing e do crédito, bem como a velocidade de
suas transações".
Ao fundamentar sua
decisão, a juíza comparou o envio de spam com as malas
diretas e afirmou que as empresas apenas utilizam uma ferramenta de
marketing para mostrar o produto.
A decisão da juíza
causou polêmica a respeito do assunto, segundo noticiado na
revista acima citada. E o assunto não poderia deixar de ser
polêmico pelo ponto de vista que tem sido enfocado.
Com
o advento da Internet aliada à globalização, uma
série de serviços ampliou o acesso à informação.
Dos serviços advindos com a Internet está o correio
eletrônico, ou e-mail, cujo objetivo principal era o de
encurtar distâncias e facilitar a comunicação
entre as pessoas. Assim, como o velho e bom correio tradicional, o
correio eletrônico nos traz todo tipo de mensagens.
Recebemos
em nossas caixas postais eletrônicas mensagens pessoais e
profissionais. Recebemos também mensagens comerciais que são
autorizadas por nós quando nos cadastramos em algum site e
concordamos expressamente em recebê-las.
Além
das mensagens citadas, os usuários de Internet possuidores de
uma caixa postal recebem vários tipos de mensagens não
desejadas: propagandas de empresas, correntes, piadas, alertas
sobre vírus, convites para acessar uma sala de jogos ou de
sexo, enfim, uma infinidade de mensagens não solicitadas pelo
usuário. Boa parte dessas mensagens é encaminhada sem
qualquer solicitação de permissão ou
concordância do usuário. Considerando que:
1. A
Internet não funciona como um serviço telefônico,
que coloca à disposição de seus assinantes um
catálogo com os telefones e endereços de seus usuários.
Portanto, o endereço eletrônico de um determinado
usuário não é de conhecimento público;
2. Os endereços eletrônicos dos usuários
estão armazenados nos bancos de dados de provedores de acesso
ou de empresas que desenvolvem suas atividades através da
Internet, pelo cadastro voluntário do consumidor;
3.
Que esses provedores de acesso ou empresas declaram possuir uma
política de uso dos e-mails e não os repassam a
terceiros sem prévia autorização dos respectivos
clientes.
Como essas empresas que utilizam o "Marketing
Mail" ou que fazem ofertas de bancos de dados de e-mails obtêm
os e-mails dos usuários da Internet? O fato é que somos
freqüentemente alardeados por empresas diversas nos oferecendo
listas de e-mails e/ou produtos diversos.
Na realidade,
existem atualmente inúmeros programas desenvolvidos
especialmente para capturar endereços eletrônicos
através de monitoração da rede.
Independentemente da forma como esses endereços são
obtidos, o fato é que eles são utilizados à
revelia do usuário.
Abaixo transcrevo um e-mail dentre
os vários recebidos sobre o mesmo assunto:
Imperdível!
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de pessoas receberão o seu e conhecerão seu produto,
serviço, site ou idéia .
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Por curiosidade,
enviei à empresa acima mencionada um e-mail questionando a
forma como obtiveram meu endereço eletrônico. A resposta
que obtive do gerenciador de mensagens, sem causar-me nenhum espanto,
foi que inexiste caixa postal com aquele endereço.
Transcrevo abaixo a resposta recebida :
Hi. This is
the qmail-send program at srv1.dnsbrasil.net. I'm afraid I wasn't
able to deliver your message to the following addresses. This is a
permanent error; I've given up. Sorry it didn't work out. :
Sorry,
no mailbox here by that name. vpopmail (#5.1.1)
As listas de
e-mails ou mailing lists em muito se diferem das malas diretas
tradicionais. As malas diretas, assim como os catálogos e o
telemarketing, são canais de marketing direto tradicionais.
De acordo com Philip Kotler, uma das maiores autoridades
mundiais em marketing, "o marketing de mala direta envolve
oferta, anúncio, sugestão ou outro item a uma pessoa em
determinado endereço. As empresas de mala direta enviam
milhões de peças anualmente : cartas, folhetos,
catálogos e outros "vendedores com asas" (...) Até
recentemente, todas as malas diretas eram produzidas em papel e
enviadas por correio, telégrafo ou empresas de entrega rápida
como Federal Express, DHL ou Airborne Express. Depois, três
novas formas de entrega apareceram nos anos 80:
- Correio via
fax
- E-mail
- Correio via voz (voice mail)
Esses
três novos meios de transmissão enviam mensagens em
incrível velocidade, comparada com o tradicional serviço
de correio. Todavia, muitas pessoas ainda preferem o sistema
tradicional, à medida que os novos meios passam a ser vistos
como correio-lixo (junk mail) , quando enviados a quem não
está interessado nas mensagens". (1)
Enquanto as
malas diretas enviam propaganda, as listas de clientes, ou mailing
lists de clientes são simplesmente um conjunto de nomes,
endereços e números de telefone, ou na era da internet
, conjunto de nomes e e-mails de usuários da rede.
As
listas de e-mails são comercializadas sem a autorização
do usuário da rede para a divulgação de seu
endereço eletrônico. Por um custo relativamente baixo,
qualquer interessado tem acesso, como visto no exemplo acima (4
milhões de e-mails cadastrados). Estamos falando de uma
única empresa que oferece o endereço eletrônico
de 4 milhões de usuários da internet.
Assim como
existem empresas que somente comercializam mailing lists, há
também as empresas que, de posse de algum banco de dados,
enviam malas diretas eletrônicas para "conquistar"
algum cliente potencial objetivando a venda de seus produtos ou
serviços.
As empresas que fazem marketing eletrônico
conseguem irritar sensivelmente os internautas, a ponto de ser
freqüente o bloqueio do endereço eletrônico do
remetente por parte do usuário de Internet que recebeu o spam.
Destarte, o "tiro acaba saindo pela culatra": além
do internauta bloquear o endereço da empresa que faz prática
desse método, a mesma poderá ter perdido um cliente
potencial que, se fosse prospectado pelos meios tradicionais, talvez
viesse a se tornar um futuro cliente dessa empresa.
Desse
modo, discordo do ponto de vista da Exma. juíza citada
anteriormente, que equipara a mala direta tradicional à mala
direta eletrônica.
A mala direta tradicional nos é
oferecida sem custos, sem ônus, ou seja, a empresa que envia
a mala direta arca com o ônus ao enviar uma propaganda.
Temos a liberalidade de abri-la ou não, dependendo de
nossa conveniência. Podemos dispor ou não de nosso tempo
, que é precioso e que custa dinheiro (time is money), para
verificar seu conteúdo.
Já a mala direta
eletrônica tem um custo alto para o internauta, pois o usuário
da Internet está pagando por um serviço de conexão.
Ou seja, diferentemente da mala direta tradicional, o usuário
da internet tem um desembolso financeiro para receber uma propaganda
de um produto ou serviço que usualmente ele não
solicitou e nem deu permissão para que alguém a
enviasse para ele. Além do ônus financeiro, o internauta
está desperdiçando seu tempo para receber essas
mensagens, haja vista que somente após recebidas as mensagens
elas são liberadas para leitura.
Em brilhante tese
apresentada no final de agosto em Londrina ("mailing lists e o
Direito do Consumidor"), o promotor de Justiça, Ciro
Expedito Scheraiber, considerou o envio de mensagens indesejadas
(spam) abusivo.
Na defesa de sua tese, o promotor sustenta
que o envio de mensagens indesejadas configura prática
comercial abusiva, com base no artigo 39 do Código de Defesa
do Consumidor e que a transmissão onerosa ou gratuita das
mailing lists só poderá ocorrer com a autorização
do consumidor ou prévia comunicação, de acordo
com o artigo 43 e §§ 1º e 2º do CDC. E ainda : a
formação de mailing lists mediante técnicas de
informática não autorizadas (cookies) configura invasão
de privacidade, ofendendo preceito constitucional.
Os
impactos causados pelas empresas que comercializam listas de e-mails
e fazem o uso de marketing eletrônico sem a autorização
do cliente são :
1. O custo do armazenamento e
comunicação. Imaginemos a quantidade de empresas no
Brasil que comercializam mailing lists. Tomemos por base que cada uma
delas possua somente (pois o universo de internautas ultrapassa 8
milhões de usuários no Brasil e cresce a cada dia) 4
milhões de endereços cadastrados e que cada uma dessas
empresas envie a esses 4 milhões de endereços um e-mail
por dia. Supondo que 1000 empresas contratem algum desses mailing
lists, teríamos 4 bilhões de e-mails circulando pela
Internet. O aumento do fluxo de mensagens e o congestionamento que
esse fluxo causa à rede fatalmente trarão um custo
adicional ao Poder Público, que é mantenedor da
Internet no Brasil.
2. O mau uso da internet pode retardar o
tempo de resposta das conexões.
3. O tempo despendido
ao receber e bloquear remetentes de mensagens e marketing eletrônico
causa prejuízo financeiro ao internauta.
4. A formação
de listas de e-mails não autorizadas configura invasão
de privacidade, sendo abusivo o uso do spam.
5. A maioria das
empresas de mailing lists atuam na clandestinidade, deixando de
recolher aos cofres públicos os impostos devidos pelos
serviços que oferecem.
6. Empresas tradicionais se
enriquecem à custa do usuário, pois são os
internautas que arcam com as despesas de receberem uma propaganda
através do marketing eletrônico.
Diante do
exposto devo concluir recomendando urgente regulamentação
sobre o assunto, a fim de se criar mecanismos de controle e
fiscalização objetivando o bom uso da rede Internet.
Tal regulamentação proporcionaria melhor performance da
rede, maior economia, manutenção da privacidade do
Internauta, além do uso racional dessa ferramenta chamada
Internet.
Nota de Rodapé
Kotler, Philip.
1998.Ed. Atlas. 5a. ed. Administração de Marketing -
Análise, Planejamento, Implementação e Controle
Revista Consultor Jurídico, 4 de fevereiro de
2002.
Cristiane G. Campos é advogada
Retirado de http://cf6.uol.com.br/consultor/view.cfm?id=8634&ad=c