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Segurança do comércio eletrônico depende de legislação
João Batista Caldeira de Oliveira Júnior
advogado especialista em Direito da Informática e Comércio Eletrônico.
A doutrina, com relação ao crédito propriamente dito, tem realçado o
fato de que este não cria riqueza já que sua função precípua é a de fomentar a
circulação de bens e riquezas com a injeção de recursos antecipados em toda a
atividade econômica.
Por outro lado, o crédito apresenta elementos que lhes são intrínsecos, como a
confiança e o tempo. Sob a acepção jurídica do termo, o crédito "consiste
no direito à prestação do devedor" (1). Na prática do comércio, as
operações realizadas em que envolvem o crédito concentram-se em instituições
financeiras e bancos, na sua grande maioria pela simples razão de que estes
órgãos têm o monopólio da guarda e aplicação do dinheiro.
Explica-nos Bulgarelli que as operações de crédito, hoje, são variáveis e
existem em várias modalidades, mas acabam por exaurirem-se nas operações ditas
de "financiamento". Diz ainda esse autor: "pode-se dizer que a
principal operação processada é de financiamento, que se desdobra em
empréstimos e para aquisição de bens a prazo. Portanto, do mútuo e da compra e
venda a prazo decorrem a grande massa dos créditos, surgindo então os títulos
de crédito como desdobramento desses contratos, assegurando o meio de fazer
circular os créditos, com rapidez e certeza" (2).
Ressalte-se que, como bem diz Ilene Patrícia de Noronha, (3) no texto
"Aspectos Jurídicos da Negociação de Valores Mobiliários Via
Internet", os avanços que se operaram na era digital fizeram com que as
relações do mundo globalizado se estreitassem em todas as áreas praticamente. A
dependência do mundo virtual é hoje uma realidade irrefutável.
Relativamente ao tratamento jurídico a todo esse processo, o que se encontra
hoje é uma absoluta falta de legislação para a regulamentação dessa nova
"sociedade de informação" (4). Nosso código comercial data de
1850 e o código civil é de 1916, como é notório. Nessa época não podia o
legislador prever que existiriam institutos tão sofisticados como os registros
eletrônicos de hoje.
Enquanto o legislador pátrio não estabelecer tal regulamentação o Judiciário,
como obviamente não pode furtar-se da tarefa de decidir e oferecer a resposta
jurisdicional para pôr fim a lide, terá que se valer subsidiariamente daqueles
diplomas legais. E o julgador terá a difícil missão de adequar toda essa
"realidade virtual" ao processo.
O chamado comércio eletrônico promete ser em poucos anos a principal forma de
negociação entre as grandes empresas, tanto em nível do Brasil como no próprio
comércio exterior. Para o desenvolvimento mais seguro de todos esses negócios
jurídicos cibernéticos faz-se mister a criação de uma nova e adequada
legislação comercial.
Outro tema que, com certeza, será objeto de muita discussão em nível científico
e doutrinário será o relativo à natureza jurídica desses atos praticados
através dos meios eletrônicos ou mesmo pela internet. Seria um ato complexo? Ou
ato comum?
O desenvolvimento e aperfeiçoamento da velocidade na rede mundial de
computadores, por outro lado, está permitindo que as instituições financeiras
coloquem seus serviços "on line", isto é, o usuário tem a facilidade
de transferências de valores, de ações etc., de sua própria residência, sem a
necessidade de locomover-se até os bancos ou corretoras. Muitas corretoras de
valores estão interligadas aos sistemas da Bovespa permitindo, com isso, que o
investidor, pela internet, efetive a compra e venda de ações.
Por outro lado, após o advento da lei 8.021/90, as ações passaram a ser
necessariamente nominativas, com indicação do nome do proprietário e suas
transferências se dão mediante termo lavrado no livro de Registro de ações
nominativas. Ilene Patrícia de Noronha (5) salienta que a indústria de
valores mobiliários sempre buscou a competitividade em matéria de tecnologia.
De fato, para esta autora, citando o exemplo da debênture escritural, esta não
teria o requisito da cartularidade, já que nem mesmo seriam representadas
materialmente, não passando de "meros registros eletrônicos. Salienta, não
obstante, a autora citada que a CVM do Brasil ainda não regulamentou a
negociação mobiliária eletrônica nem a atividade da chamada "corretora
Home Broker". O grande empecilho é justamente a confiabilidade do uso das
assinaturas digitais.
No direito comparado, a título de exemplo, nota-se que os países da América
Latina começam agora a se valerem de tecnologias sofisticadas como é o caso da
Argentina em que a Comissão Nacional de Valores, por Resolução, a
"Resolutión General" nº 345/99 regulamentou o uso da internet para a
negociação de valores mobiliários.
Segundo doutrina ainda Ilene Patríciade Noronha: "Essa norma Argentina
considerou os mais vários fatores como: a conveniência de atualizar os meios
pelos quais as informações societárias devem ser disponibilizadas aos
acionistas e investidores em geral; a idoneidade dos procedimentos de firma
digital (com relação à criptografia com o uso de chave pública) para a
informação e substituição do suporte de papel; a incorporação da tecnologia da
firma digital aos processos do setor público e, ainda, o desenvolvimento de um
"site" interativo, na internet,da Comissão nacional de Valores, não
somente para uso do mercado mas da própria Comissão,na medida em que essa
realiza registros, analisa documentos, tudo feito, frise-se
eletronicamente" (6).
A nossa Bolsa de valores vem fazendo esforços no sentido de regulamentação da
atividade do home broker. Como se sabe as bolsas de valores são órgãos
auxiliares da CVM na fiscalização do mercado, nos termos do art. 17 da lei
6.385/76. A auto-regulação das bolsas de valores é entendida como uma atividade
delegada do Poder Público (7). Também regulamentou recentemente o
chamado "pregão virtual", através de um sistema de negociação
eletrônico (8).
Questão da segurança no "comércio virtual" - A chamada
criptografia assimétrica
Com relação à segurança em suportes magnéticos e eletrônicos, em 1976, criou-se
uma técnica conhecida por criptografia assimétrica ou - como também é chamada -
criptografia de chave pública, possibilitando abrir-se um precedente no meio
jurídico para o início da conscientização do conceito de documento eletrônico,
particularizando-o do tradicional conceito de documento, que sempre foi
corporificado no meio papel. A criptografia usual se vale da mesma
"chave" para codificar ("encriptar") e decodificar
("decriptar") o documento eletrônico. Por outro lado, a chamada
criptografia assimétrica utiliza não apenas uma, mas duas chaves. Uma delas
somente o usuário (particular) do sistema conhece; a outra é de domínio público
(public domain). Todos esses instrumento e cuidados visam, como é óbvio,
garantir maior segurança ao usuário do sistema.
Com essa técnica é possível gerar assinaturas pessoais de documentos
eletrônicos, uma vez que a "chave particular do usuário" é difícil
ser violada. As assinaturas digitais geradas desta forma acabam por
vincularem-se ao próprio documento eletrônico que, ante a menor alteração, a
assinatura se torna inválida. Com isso permite-se apontar a autoria do
documento, evitando-se ou, pelo menos, minorando a possibilidade de fraudes no
meio eletrônico. É verdade que por não estarem vinculados aos meios em que
foram gravados, os documentos eletrônicos podem ser alterados, sem deixar
qualquer vestígio.
O suporte de gravação dos documentos eletrônicos é passível de alteração sem
que se deixem vestígios. Não obstante, como afirmam certos autores, é
justamente esta característica que têm os documentos eletrônicos, isto é, em
razão de não dependerem do meio em que forem criados, é o que lhes fornecem a
flexibilidade necessária, que demanda a grande velocidade das comunicações
mundiais da atualidade e de transmissão de dados, principalmente pela internet.
A assinatura digital é obtida através de uma complexa operação matemática,
tendo como componentes dois elementos: o documento eletrônico e a chave
privada. Esta última, somente é de conhecimento do usuário do sistema.
Relativamente ao problema da conferência de assinaturas, diferentemente do que
se dá com a conferência de documentos comuns (meio papel), a conferência da
assinatura digital é feita com o uso da chave pública (public domain), que se
compara com a chave privada: a alteração do documento ("fraude") pode
ser verificada se ao comparar-se os documentos não ocorrer perfeito sincronismo
das resultantes matemáticas.
Os dados que circulam pela internet podem ser acessados por pessoas que tenham
um mínimo de informação e conhecimento de informática. A insegurança desse
ambiente tem trazido uma série de problemas em todo o mundo e a inexistência de
normas que garantam prejuízos eventuais dos usuários corrobora para esse
verdadeiro "caos" digital.
É de fundamental relevo para que possa continuar a expansão desse surpreendente
setor que, ao menos na área contratual e da circulação de crédito, o consumidor
possa ter um arrimo legal em caso de eventuais invasões de "hackers".
O direito do consumidor há de prevalecer tanto no âmbito do direito contratual
tradicional quanto nos casos que envolvem as chamadas "transações
virtuais".
Outro problema que tem causado inúmeros prejuízos, em milhares de dólares, são
os chamados "cavalos de tróia'. Como bem diz Arthur José Concerino (9),
no texto "Internet e segurança são compatíveis" ressalva que:
"hoje em dia com a quantidade de "Trojan Horses" (cavalos de
tróia) que estão de forma assustadora tão disseminados na rede, fica muito
fácil promover uma invasão a um computador, mesmo não sendo um ás da
informática. Isso em conseqüência do desconhecimento da maioria dos usuários ,
que continuam recebendo arquivos via ICQ ou e-mail (até mesmo através de
disquetes contaminados) de qualquer emissor, clicando em tudo que recebem sem
qualquer preocupação de saber se a origem é confiável, dentando assim sua
ingenuidade. Outro fato preponderante nos desavisados, são os downloads de
programas em Home Pages maliciosas, pois o internauta tem por costume fazer uso
indiscriminado de aplicativos sem tomar o mínimo cuidado com o que estão
trazendo para dentro de suas máquinas".
Para falarmos hoje em dia sobre internet e cibernética e buscar um nexo ou
harmonia com o ordenamento jurídico torna-se tarefa árdua e muitas vezes
intranqüila. Cabe dessarte ao pesquisador colacionar dados e reunir evidências
científicas no intuito de se mostrar à comunidade científica e ao legislador a
necessidade de adequação do ordenamento jurídico à nova realidade fática
discutida e devidamente demonstrada, com construção científica.
O tema a respeitos dos contratos eletrônicos ou virtuais e a conseqüente tributação
nos negócios jurídicos "on line" é muito recente tanto em nível de
doutrina nacional como no direito comparado.É de fundamental relevo científico
a exploração desses novos conceitos e sua repercussão na área jurídica. Com os
chamados meios eletrônicos visualiza-se uma tendência de se abandonar aos
poucos aqueles conceitos tidos como imutáveis e intangíveis. O direito
comercial, como ciência jurídica, é necessariamente dinâmico, sendo certo que é
muito importante que seus institutos não fiquem na absoluta dependência do
direito posto ou na inexistência de regulamentação dos vários institutos
jurídicos que o compõem.
A existência de documentos eletrônicos, da substituição paulatina do meio papel
pelo eletrônico ou virtual é uma realidade presente e incontestável sendo certo
que é dever do jurista explorar institutos novos que ainda não foram objetos de
amplo estudo sob a ótica científica.
O crédito hoje, diferentemente do início da década passada, flui através da
grande rede ("WEB") de forma espantosa. A presença física dos
contratantes de conta corrente em instituições financeiras é prescindível, à
medida que as transações podem ser feitas de maneira confiável e incrivelmente
rápida, via modem, isto é, via internet. Outros instrumentos que estão servindo
de alavancas para a fluidez do crédito são os contratos eletrônicos, que também
carecem de regulamentação específica no direito pátrio.Não obstante essas
fantásticas inovações virtuais, a legislação parece não ter acompanhado tal
evolução. Praticamente inexistem obras a respeito do assunto abordado.
Desta forma, temos como conclusão que torna-se imprescindível ao
desenvolvimento do "e-commerce" ou comércio virtual que regras sejam
estabelecidas. É de fundamental importância a criação urgente de normas
reguladoras e de definições legais a respeito do tema, posto que inexistem hoje
em termos legislativos no Brasil.
Notas de rodapé
1 - Waldirio Bulgarelli. Títulos de Crédito. p 22 e ss.
2 - Ibid. Mesma página.
3 - Direito & Internet - Aspectos jurídicos Relevantes, p. 177
4 - Ibid. Mesma página.
5 - Op. Cit. p. 185
6 - Op. Cit. p. 187
7 - As atividades das Corretoras e das próprias Bolsas de valores estão
disciplinadas pelas Resoluções de n. 1.655/89 e n. 2690/2000 e que foram
editadas pelo Conselho Monetário Nacional o CMN.
8 - O site da Bovespa é: http: //www.bovespa.com.Br
9 - Direito & Internet - Aspectos jurídicos Relevantes, p. 133
Retirado de: www.jus.com.br