A LEI E O COMÉRCIO ELETRÔNICO
Gustavo Testa Corrêa*
A tecnologia da informação tem sido responsável
pela crescente expansão de uma nova "fórmula econômica"
que vem excedendo em números a tradicional indústria de manufatura
de bens em diversos países. Junto com o setor dos serviços,
a indústria virtual cresce na medida que outros setores retraem
ou estagnam.
Para o crescimento sustentável e eqüitativo do comércio
eletrônico, surge a necessidade da criação de um "contrato
base" para transações realizadas por computadores. E pelo
motivo destas serem virtuais, imateriais e intangíveis, é
indispensável que esta regulamentação reconheça
a complexidade da contratação e execução comercial
dentro deste meio, adaptando os princípios gerais do Direito Contratual
e Comercial com as particularidades resultantes das transações
eletrônicas.
Há 150 anos atrás, quando identificada a importância
de regulamentar o comércio de vendas e de manufaturas de bens no
Brasil, foi elaborado o Código Comercial, lançando, assim,
as bases sólidas para o desenvolvimento e aprimoramento econômico.
Uma vez normatizado o campo comercial, o país ganharia uma maior
confiabilidade no cenário mundial, transmitindo uma imagem de organização
e funcionabilidade de uma economia ainda insipiente.
A incessante mudança das relações comerciais,
culminando na transformação de uma economia agrária
para uma sociedade industrial, de uma economia protecionista à liberalista,
do "wellfare state" ao Estado Liberal, fez com que acontecessem grandes
"remendos" na antiga Lei Comercial, tendo o intuito de evitar a destruição
das bases desenvolvimentistas econômicas, pautadas, como citado anteriormente,
na construção de um regime legal.
A economia está mudando. As transações de bens
materiais continuam importantes, mas as transações de bens
intangíveis, em um meio desta mesma natureza, são os elementos
centrais de uma nova onda da dinamicidade comercial, a do comércio
eletrônico. Uma nova legislação deverá abraçar
um novo entendimento: de que as mudanças fundamentais resultantes
de um novo tipo de transação, requererão novas regras
comerciais compatíveis com o comércio de bens via computadores
e similares. Nem a natureza do objeto, muito menos da transação,
em computadores, são similares a compra e a venda de bens efetuados
atualmente. As leis relacionadas à compra de imóveis, automóveis,
torradeiras, etc., não são aplicáveis e apropriadas
a contratos envolvendo a troca de banco de dados, sistemas de inteligência
artificial, software, multimídia, e comércio de informações
pela Internet.
Por exemplo, contratos ultimando a transferência de "bens"
imateriais não são equivalentes aos que ultimam a transação
de bens materiais. Contratos relativos a informações digitais
dão ênfase a situações que criam relações
jurídicas diversas dos contratos habituais. Estes últimos
orientam-se pela materialidade do objeto, pela sua tangibilidade, enquanto
que os primeiros orientam-se pela intangibilidade do bem em questão,
pela sua imaterialidade. Para entendermos tais preceitos devemos ter em
mente que softwares, bases de dados, sistemas de inteligência artificial,
e outras formas de informação computadorizada são
governadas por leis de propriedade intelectual, direitos autorais e, mais
especificamente, Lei do Software. É aí que surge o grande
problema do comércio eletrônico, conciliar o comércio
de bens materiais e imateriais dentro de um meio intangível.
As transações eletrônicas, atualmente, são
governadas por uma complexa e inconsistente mistura de diferentes aspectos,
envolvendo jurisprudências, a aplicação da analogia
(quando cabível) e várias instruções normativas,
muitas destas relacionadas a assuntos diversos do comércio eletrônico.
A inexistência e o desencontro destas normas legais contribuem com
a incerteza que rotunda o comércio eletrônico, culminando
em maiores custos para esta atividade, e o pior, contribuindo para o seu
retardamento. Um recente estudo realizado na União Européia
identificou que vultosas quantias são gastas judicialmente devido
a incerteza das responsabilidades advindas da prática do comércio
eletrônico. Na medida que o Brasil é um dos países
com um dos maiores números de internautas do mundo, e também,
com um dos maiores potenciais de crescimento, os custos relacionados a
esta nova prática comercial, gerados por tal incerteza, serão
de enorme monta. Daí a necessidade da uniformização
dos princípios que estruturarão esta nova modalidade, representando
a facilitação e a redução de custos desta atividade.
Seria necessária a criação de uma nova Lei Comercial
que objetivasse a criação, modificação, transferência
e distribuição de software, produtos multimídia interativos,
bens materiais, dados e base de dados de computadores, através da
Internet ou outro meio semelhante, contribuindo para a facilitação
da realização do comércio eletrônico, em todo
seu potencial, dentro deste novo espaço, para a expansão
desta prática comercial, e para uniformização legal
brasileira.
Uma nova Lei Comercial preocupada com a indústria que mais
cresce mundialmente, responsável pela construção de
uma nova base legal relacionada as transações eletrônicas
na forma criada pela era da informação, fazendo da Internet
um meio seguro e eficaz para tal prática, seria um marco histórico
para o Brasil, e incentivaria a vinda de mais investimentos deste setor
à economia, transmitindo uma imagem segura das responsabilidades
advindas de tais transações, fazendo deste país um
modelo do comércio eletrônico mundial.
Aliás, os Estados Unidos é o país que vem demonstrando
maior preocupação com o tema aqui abordado. Pelo fato daquele
país ser o líder na comercialização eletrônica,
há mais de 4 anos estão sendo realizados congressos com a
participação de todos os setores da sociedade, dentre estes
um comitê formado por 43 Estados norte-americanos e a American Bar
Association (espécie de Ordem dos Advogados), objetivando, em conjunto,
a elaboração do "UNIFORM COMPUTER INFORMATION TRANSACTIONS
ACT", a "lei para uniformização das transações
por computadores", que lançará as bases para o desenvolvimento
de todas as potencialidades do comércio eletrônico antes dos
demais países, o que, indubitavelmente, fará com que estes
tomem as mesmas providências para poderem participar do novo comércio
mundial.
*advogado, atualmente cursa pós-graduação em Direito
Processual Tributário na PUC-SP. Membro dos Escritórios,
Abal, Griesbach, Zacchi e Testa Advogados – Florianópolis, SC, e
Gait Advogados – São Paulo, SP.