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Do contrato de provedor de acesso à Internet frente ao Código de Defesa do Consumidor
Autor: Flávio Quinaud Pedron*
    
        

Síntese:

O presente texto tem como finalidade estudar o contrato de provedor de Internet buscando definir sobre  a possibilidade de incidência do Código de Defesa do Consumidor, na relação jurídica que se forma entre a pessoa (física ou jurídica) contratante e a empresa provedora de serviços de acesso à Internet.

Uma vez que tal contrato reúne os requisitos necessários para a configuração de uma relação de consumo, apresentaremos quais são os deveres dos provedores de acesso à Internet, incluindo a questão da possibilidade de responsabilização do mesmo frente ao Código de Defesa do Consumidor.

 

I - Introdução:

Hoje, vivemos em um período marcado pelo avanço tecnológico. A Internet, realiza a conexão entre milhares de pessoas diariamente. Pessoas estas, muitas vezes, situados nos locais distantes. Permite que as pessoas se comuniquem, conversem, expressem seus pensamentos e opiniões. Também se mostra uma importante ferramenta para o surgimento de uma nova modalidade de comércio, que é o comércio eletrônico (e-commerce).

Tamanhas são as conseqüências da Internet, que estudiosos chegam a afirmar estarmos vivendo um marco histórico semelhante ao que se passou no período da Revolução Industrial.

Mas como tudo isso teve início? Como surgiu, o que hoje, chamamos tão intimamente de Internet (ou de outros nomes como A Rede ou A Net)?

As origens da Internet estão na década de 1970. Neste período o Departamento de Defesa Norte-Americano, criou o chamado ARPAnet (Advanced Research Projects Agency), cujo objetivo era interligar os centros de pesquisa militares, permitindo a troca de informações e documentos entre estes órgãos[1]

No final da década de 80, ocorreu a expansão das comunicações, interligando, desta vez, as universidades, institutos de pesquisas e agenciais do governo dos Estados Unidos. Somente em 1993, que podemos vislumbrar sensivelmente a difusão da Internet pelo mundo.

Hoje, para usufruir desta interminável rede de informações, só é necessário ter um computador com um (modem) instalado, uma linha telefônica comum e estar associado a um provedor de acesso à Internet.

De posse destes três requisitos necessários, quem estiver utilizando poderá ter acesso as mais diversas informações e serviços que procurar. Há, hoje, na Internet, uma infinidade de páginas sobre os mais diversos assuntos, que vão de cinema aos esportes, passando por música e notícias. Pode, ainda, incluir uma série de ações que podem ser feitas pela Internet.

A Internet possibilita sem dúvida alguma a realização de relações que antes não eram imaginadas. Por exemplo, alguém no Brasil pode fechar uma compra de um aparelho de som através de uma página sediada na França em tempo real. A mesma transação se feita por carta levaria dias ou semanas. Agora leva minutos ou segundos. Ou seja, a Internet é capaz de servir como meio de contato entre as pessoas, o que a faz ser antes de tudo um meio de propagação de informações. Uma página exposta por um provedor na Austrália não está somente accessível aos moradores daquela localidade, e sim, a todos que consigam obter o endereço que leva à página.

Estes são apenas exemplos para mostrar o impacto que esta nova realidade a qual chamamos de Internet vem trazendo para nossa vida cotidiana. E diante das mudanças não há como o Direito se mostrar indiferente, fazendo-se necessária uma revisão de nossos institutos, a criação de outros e muito estudo e reflexão.

Portanto, a Internet dentro deste contexto ganha importância, pois é uma fonte de relações jurídicas. Razão esta que justifica o interesse dos operadores do Direito. Por ser geradora de relações jurídicas, conseqüentemente é criadora de direitos e obrigações. As relações jurídicas como sabemos surgem da Lei, dos contratos ou de atos ilícitos. E neste contexto da informática vemos que as três formas de relação jurídica acontecem. No caso dos atos ilícitos chegamos a ponto de afirmar a existência de crimes por computador  (computer crimes). 

Sustentam muitos juristas que se faz necessário de surgimento de um novo ramo jurídico, que viria a ser o Direito Informático. Mas este ramo não pode estudado sozinho, uma vez que todos sabemos do caráter sistêmico que o Ordenamento Jurídico apresenta. Sendo assim, deverá haver intervenções de conceitos e institutos pertencentes a outros ramos. 

E é neste pondo que pretendemos apresentar o propósito deste texto. Sendo o provedor de Internet um dos requisitos fundamentais para a realização de uma conexão com a rede mundial de computadores, há uma relação jurídica clara entre o provedor e a pessoa que utiliza deste serviço. Logo teremos um contrato. Mas como é este contrato? Quais são seus requisitos?

E juntamente com o Direito Informático, temos um ramo recente que é o Direito do Consumidor, que nos faz questionar se neste contrato incidem as normas presentes no Código de Defesa do Consumidor.

 

II-    Desenvolvimento:

Como requisito para o estudo das regras do Direito do Consumidor sobre o contrato de acesso à Internet por meio do provedor, devemos antes nos inteiramos de alguns conceitos básicos que informam este mesmo Ramo do Direito. São estes conceitos aqueles referentes aos sujeitos e ao objeto da relação jurídica.

O Direito do Consumidor teve sua inserção no Ordenamento Jurídico pátrio através de previsão constitucional pelo poder constituinte originário de 1988. A Carta Magna deu tamanha importância à proteção ao consumidor que em três artigos disciplina o tema. São os artigos 5º, XXXII, o artigo 170, V, e o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Este último, por sinal, expressamente determina a criação do Código de Defesa do Consumidor, foi promulgado na forma da Lei 8.078/90.

Os sujeitos da relação jurídica advinda de uma relação de consumo são definidos como consumidor e fornecedor.

O Código de Defesa do Consumidor define, em seu artigo 2º, que o consumidor deverá ser toda pessoa, podendo ser física ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Logo, o termo destinatário final, representa um elemento especializante da relação de consumo. Este não é exigido no contrato de compra e venda e nem no contrato de prestação de serviço, mas sua ausência descaracteriza por completo a relação de consumo, e como conseqüência, a possibilidade de aplicação das normas reguladoras da relação de consumo, em suma do Código de Defesa do Consumidor.

Já, por sua vez, o fornecedor também é definido pelo Código de Defesa do Consumidor no seu art. 3º. Este é toda pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado, pública ou privada, nacional ou estrangeira, que deverá realizar como atividade a produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou serviços.

Desde logo, pode-se notar que se trata de uma definição bastante ampla. Mas não ampla a ponto de englobar a figura jurídica do vendedor, presente no contrato de compra e venda. Sendo, então, mais uma especialização deste conceito, como também ocorre com do prestador de serviços. Isto porque uma pessoa física ou jurídica pode vender um de seus bens a outra, sem que necessariamente se caracterize uma relação jurídica tutelada pelo Código de Defesa do Consumidor. Ele se encaixará no conceito de pessoa física nacional, mas este não é sozinho capaz de configurar a relação de consumo. O mesmo artigo exige que para ser fornecedor a pessoa deve “desenvolver atividades de”, ou seja, deve haver uma situação de continuidade ou habitualidade, que é requisito estritamente necessário para a configuração da relação de consumo.

Depois de definidos os sujeitos da relação de consumo, passamos para a análise do objeto da mesma. A relação de consumo tem como objeto: produtos ou serviços, definidos respectivamente pelos parágrafos primeiro e segundo do art. 3º.

Pelo texto legal, produto é todo bem móvel ou imóvel que pode ser material ou imaterial. Por bem temos um conceito muito mais amplo que o de coisa. Bem é todo valor representativo para a vida humana, de ordem material ou imaterial. Aos valores de ordem material dá-se o nome de coisa.

Já serviço é, segundo texto legal, atividade fornecida ao consumo mediante remuneração, salvo as de caráter trabalhista, que são típicas do Direito do Trabalho. Entendemos serviço como qualquer atividade que se presta em benefício de outrem, mediante remuneração.

Diante dos conceitos apresentados anteriormente, agora podemos inseri-los no contexto da relação jurídica havida em estudo.

Subjetivamente, podemos afirmar que haverá relação jurídica disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, quando uma pessoa estiver utilizando o acesso à Internet prestado pelo provedor como destinatária final, não importando se esta pessoa é uma física ou jurídica. Isto representa um enorme passo, pois se alguém não estiver atuando como intermediária, isto é, recebendo o acesso à Internet e retransmitindo-o para outras pessoas, esta pessoa será reputada como consumidora e, por tato, faz jus à proteção típica dos consumidores. Pela definição do CDC não importa se esta pessoa for física ou jurídica, ainda terá o amparo legal especializado.

Agora, indagamos-nos se o provedor pode ser caracterizado como fornecedor. Pela leitura do art. 3º do CDC não há como ter dúvidas, pois o provedor de acesso à Internet é pessoa, que desenvolve, isto é, age com habitualidade, na distribuição do acesso à Internet. Logo, tal conduta se amolda perfeitamente à definição legal de fornecedor.

Passamos, então, para a análise do objeto da relação jurídica. O objeto de uma relação de consumo, segundo o Código de Defesa do Consumidor, pode ser um produto ou um serviço. Então, devemos nos indagar: o acesso à Internet é um produto ou um serviço?

Se compreendermos o conceito de produto como um bem, e por sua vez, o de serviço como uma atividade que é periodicamente fornecida, teremos uma maior coerência deste último instituto com a realidade presente nos contratos de acesso à Internet.

O Prof. Newton de Lucca, com extrema precisão, põe fim a discussão ao definir que vem a ser a figura do provedor de Internet.

“Provedor é aquele que presta, ao usuário, um serviço de natureza vária, seja franqueando o endereço na Internet, seja armazenado e disponibilizando o site para a rede, seja prestando e coletando informações etc. é designado, tecnicamente, de Provedor de Serviço de Conexão à Internet (PSCI),sendo a entidade que presta o Serviço de Conexão à Internet (SCI)”[2] (negritos nossos).

Conceituando o contrato de prestação de serviços, César Fiuza, assim o define como sendo um  “contrato em que uma das partes se obriga para com a outra a fornecer-lhe a prestação de sua atividade (...) mediante certa remuneração”[3]. Esta remuneração é o preço, contraprestação paga pela pessoa que recebe o acesso à Internet.

Com relação à manifestação da vontade nos contratos de acesso à Internet, podemos perceber que se manifestam como verdadeiros contratos de adesão, segundo a definição legal presente no artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor. Esta norma reza que o contrato de adesão é formado por cláusulas que tenham sido estabaledicas pela autoridade competente ou de modo unilateral pelo fornecedor sem que o consumidor possa discutí-las ou modificá-las substancialmente.

Isto realmente acontece na prática, pois a contratação se dá, na maioria das vezes, por meio da aceitação do contrato como um todo ao contrato, sendo que este, geralmente está disposto em uma página na Internet. A possibilidade de escolha do consumidor se limita ao plano de serviço, quando existir diferentes serviços prestados pela provedora.

Outra observação a ser feita é estes contratos serão reputados contratos feitos entre ausentes ou entre presentes. São considerados contratos entre presentes quando há a presença física de ambos contratante no momento da celebração do contrato. Já no contrato entre ausentes temos uma diferença entre o momento em que se faz a oferta e no momento em que se dá a aceitação.

 Com a evolução tecnológica esta realidade sofre alterações. Por exemplo, por meio do telefone, duas pessoas podem contratar de modo que a oferta e a aceitação se dêem no mesmo momento, sem, contudo,  estas pessoas estarem no mesmo local ao mesmo tempo. Logo, podemos deduzir que o cerne dos contratos entre presentes não é a presença física dos contratantes, mas o fato da oferta e a aceitação serem emanadas de modo a que os contratantes tenham conhecimento das mesmas e surja um consenso em momento não distante entre ambas.

Sendo assim, o ilustre civilista Orlando Gomes, com primazia e exatidão, acerta ao afirmar que os contratos firmados por meio telefônico devem ser tidos como contratos entre presentes[4].

E também, Ricardo Luis Lorenzetti explica a questão no ponto da Legislação Argentina:

“Na Argentina observou-se que no contrato entre ausentes o que interessa não é a presença física, mas sim a declaração, e que mais do que a distância física, importa a jurídica. Com base nisso, interpretou-se que se duas pessoas distantes entre si, mas que se comunicam telefonicamente, emitem declarações instantâneas, deve-se considerar que ocorre uma contratação entre presentes (...)”[5]

Diante de tais observações, temos que parte da Doutrina considera os contratos aceitos pelo consumidor quando expostos em uma página na Internet como contratos entre ausentes de equivoca, pois minutos após a aceitação do contrato, o consumidor já pode configurar seu computador e instantaneamente fazer uso dos serviços de Internet prestados pelo provedor contratado, havendo, assim, claro início da execução contratual. O que nos leva a crer que o mesmo já recebeu e processou a aceitação do contrato, havendo, então, o consenso, que é elemento formador de qualquer contrato. 

Aceito o contrato, o consumidor passará a ter certos direito e deveres, juntamente com o provedor de Internet.

Os serviços básicos a que o consumidor passará a ter serão os seguintes:

·                                       Acesso à Internet, mediante protocolo TCP/IP, via fax modem, mediante ligação telefônica, a cabo ou qualquer outro meio possível.

·                                       Serviço de correspondência eletrônica (e-mail), devendo o provedor disponibilizar uma conta exclusiva para que o consumidor possa realizar sua comunicação com outros usuários ou com o próprio provedor de Internet.

·                                       Possibilidade de alojamento de uma página na Internet, as chamadas home-pages, versando sobre qualquer assunto desde que  não defeso pelo provedor explicitamente.

O acesso à Internet dependerá, evidentemente, da existência de um computador de posse do usuário, devendo o mesmo já ter instalado uma placa de fax modem.

Ao se cadastrar, o consumidor receberá um se conectar à Internet, que se chama de login. Deverá, ainda, registra uma senha. Deste modo, o serviço será prestado de modo pessoal ao usuário detenha simultaneamente o login e senha. Fundamenta-se este procedimento na segurança para pessoas indesejáveis ou não autorizadas pelo consumidor façam uso dos serviços do provedor. Toda vez que se pretender conectar será requerido à apresentação do login e da senha, respectivamente.

Conectado à Internet o consumidor poderá usufruir do acesso à Internet de acordo com o limites de horas que houver contratado com o provedor. Os planos, em geral, são de horas limitadas, normalmente, 20 (vinte) horas mensais, cabendo acréscimo da hora adicional ou o plano de horas ilimitadas, no qual o consumidor poderá permanecer conectado por quanto bem entender não havendo acréscimo no valor final do preço do serviço.

Um serviço básico fornecido pelo provedor é o serviço de e-mail ou correio eletrônico. O correio eletrônico é uma forma de comunicação não-sincronizada entre dois usuários de Internet[6], configurando-se na forma de um conjunto de dados (podendo ser um texto, um arquivo, uma imagem ou misto dos demais) elaborados por um usuário e enviado para outro, que o receberá e o lerá em momento não consecutivo. Devido a sua praticidade e informalidade, os e-mails são amplamente utilizados. Possibilitam a comunicação de forma rápida e para mais de um destinatário simultaneamente.

Com o contrato com o provedor, este se obriga a fornecer uma conta de correio eletrônico ao consumidor. Dependendo do contrato, o consumidor poderá ter até mesmo mais de uma conta.

Esta conta é nomeada, geralmente, pelo próprio login do usuário. Por exemplo: se alguém que se chama José Silva contrata com uma Provedora chamada X-Net, receberá um login jsilva e, conseqüentemente, seu e-mail será jsilva@x-net.com.br.

O conteúdo das mensagens de correio eletrônico é totalmente pessoal, integrando o direito de intimidade do consumidor, devendo ser respeitado por todos, inclusive pelo provedor, que deverá repassar a mensagem sem tomar conhecimento do seu conteúdo.

Sendo assim, o provedor de serviços de acesso à Internet deverá tomar todas as medidas necessárias para garantir esta inviolabilidade sob pena de responsabilizar-se civilmente. Deverá assim manter-se atualizado quanto à evolução dos mecanismos de proteção contra vírus e ataques de hackers.

“Assim, o provedor tem responsabilidade que, nesse passo, se aproxima da responsabilidade do agente de comunicação telefônica e dos correios convencionais (...). Apenas através: da Internet, da telefonia e do correio convencional é que se confere uma comunicação entre os usuários do sistema”[7].

Lembramos que a responsabilidade neste caso é objetiva,

“isto é, torna-se desnecessária a demonstração da culpa de violador da correspondência via Internet. Essa conclusão pode-se extrair do próprio sistema jurídico brasileiro, já que a norma constitucional que reconhece a inviabilidade do direito à intimidade não prevê qualquer conduta para que o infrator seja obrigado a indenizar pelo dano moral perpetrado”[8]

Temos a este argumento o artigo 14, § 1º do Código de Defesa do Consumidor. No caput, do artigo está a previsão de responsabilização independente de culpa, ou seja, objetivamente, e em seu § 1º temos o conceito do que vem a ser serviço defeituoso: “o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar”. 

Logo, o consumidor espera que o fornecedor aja com boa-fé e lealdade contratual, devendo no caso dos provedores de acesso à Internet, incluir no rol de suas preocupações a proteção das informações vinculadas por seus clientes através das mensagens de correio eletrônico. O fato do provedor não se preocupar com a atualização de seu sistema antivírus de computador ou de impedimento de invasões,  enseja  a sua responsabilização.

Por responder objetivamente, restará ao provedor fazer prova demonstrando ter agido o consumidor como contribuinte dos acontecimentos ou da inevitabilidade.  Entretanto,

“em questão de Internet, torna-se provável que não teria qualquer respaldo uma tese que venhas a objetivar excludência de responsabilidade alicerçada nas dificuldades de obtenção de equipamentos certeiros de segurança para proteção do consumidor em ambiente de Internet ou, ainda, no fato de que eventualmente esta tecnologia seja por demais onerosa”[9].

Sobre o tema é importante lembrar que qualquer cláusula que exclua a responsabilidade do provedor de acesso à Internet da proteção, quer seja o e-mail, quer seja das páginas criadas pelos usuários e alojadas em seus sistemas,  trata-se de cláusula abusiva, forme o artigo 51, I do Código de Defesa do Consumidor, e por isso nula, devendo ser tida como não escrita.

Outro direito do consumidor é o de criar e manter em exposição uma página na Internet, devendo o provedor diligenciar para o alojamento da mesma e sua proteção contra invasões. O raciocínio para a proteção segue a mesma linha da proteção  jurídica relativa a responsabilidade frente ao correio eletrônico, devendo o provedor usar de todas as suas forças para garantir a segurança do consumidor, sob pena de responderem civilmente independente de culpa, haja vista os ditames do Código de Defesa do Consumidor.

Para não ser responsabilizado por uma invasão e pelos danos causados, o provedor deverá, conforme o artigo 14, § 3º, II do Código de Defesa do Consumidor, provar que a culpa foi exclusiva do contratado.

Apesar de termos acima tratado das obrigações principais dos provedores de acesso à Internet, o tema não se encontra esgotado. O próprio Código de Defesa do Consumidor impõe deveres que são inerentes a qualquer fornecedor de produto ou prestador de serviço enquadrado na legislação consumerista.

Como, em regra, prevalece a máxima de que a todo direito se contrapõe um dever, no Direito do Consumidor não poderia ser diferente. O Capítulo III que apresenta os direitos básicos do consumidor, representam para o fornecedor obrigações.

Neste rol encontramos, um direito que é pilar para o Direito do Consumidor. Tratamos  do direito a informação, positivado no inciso III do artigo 6ª do Código de Defesa do Consumidor. Aliado este princípio às regras dos artigos 30 a 38 da Lei 8.078/90, temos que o provedor deverá informar o consumidor para que este possa se interar das questões de segurança e dos riscos que podem ocorrer com a contratação.

A omissão destas informações, além de ensejar uma responsabilização do provedor de Internet, violam os princípios da transparência e da confiança.

 

O princípio da transparência surge no momento de formação dos contratos entre consumidores e fornecedores ou prestadores de serviços. É instituído no artigo 4º, caput do Código de Defesa do Consumidor. Este princípio tem como

“idéia central (...) possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo”[10].

Desta forma, o Código de Defesa do Consumidor tem por objetivo regular os atos do fornecedor que visam atrair o consumidor para uma relação de consumo, de modo a motivá-lo a adquirir produtos ou serviços que o mesmo oferece. Logo, regula a oferta que o fornecedor faz, incluindo também a publicidade veiculada por ele, para com isso, seja garantida a seriedade e a veracidade destas manifestações. Surge o dever para o fornecedor de informar o consumidor não só das características do produto ou serviço, como também do conteúdo do contrato.

“Pretendeu, assim, o legislador evitar qualquer tipo de lesão ao consumidor, pois sem ter conhecimento do conteúdo do contrato, das obrigações que está assumindo, poderia vincular-se a obrigações que não pode suportar ou que simplesmente não deseja. Assim também adquirindo um produto sem ter informações claras e precisas sobre suas qualidades e características pode adquirir um produto que não é adequado ao que pretende ou que não possui as qualidades que o fornecedor afirma ter, ensejando mais facilmente o desfazimento do vínculo contratual”[11].

 

O princípio da transparência inverteu os papéis tradicionais de uma relação de consumo, já que aquele que se encontrava, anteriormente ao Código de Defesa do Consumidor, em uma posição ativa e menos confortável, tendo de buscar informações e conhecimentos técnicos, para só assim, poder realizar um bom negócio, passou a ser detentor de um direito subjetivo de informação. Direito este, básico segundo o Código de Defesa do Consumidor que todos os consumidores detêm. Reza o Código de Defesa do Consumidor que o consumidor possui o direto básico a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam. Já o fornecedor, este passou de posição mais confortável, nas relações de consumo, para ser o sujeito do dever de informar.

Como já anteriormente dito, o princípio da transparência rega o momento pré-contratual. Entretanto, deverá também estar presente, de modo a estender-se, até a conclusão do contrato. Por isso, mais que um simples elemento formal, este princípio é peça vital para a manutenção do equilíbrio nas relações de consumo.

 O princípio da confiança, por sua vez, apresenta os deveres de conduta e boa-fé, que deverão estar presentes nas relações sociais mesmo antes da conclusão dos contratos e permanecer duradouros até exauridos os efeitos de suas prestações.

Como abordado anteriormente, o princípio da confiança é uma subdivisão do princípio da boa-fé. O princípio da boa-fé é um princípio maior informador do Direito do Consumidor, que visa à harmonia entre as relações de consumo. Para isso, funda-se em duas espécies de boa-fé: boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva. A boa-fé subjetiva corresponde à crença interna de confiança, ou seja, em seu íntimo os sujeitos de uma relação jurídica devem pretender agir lealmente, sem visar prejudicar a outra parte. Tem haver com a própria motivação da conduta. Por sua vez, a boa-fé objetiva é motivada por fatores externos, sendo a confiança que um contratante tem no outro e em suas ações. Difere-se da primeira espécie por ser aferido já no mundo fático, enquanto o outro, somente o faz parte da esfera psíquica do sujeito. E é esse princípio da boa-fé objetiva que também recebe o nome de princípio da confiança ou boa-fé confiança.

Logo, o princípio informador do Direito do consumidor que visa as ações das partes dentro de uma relação de consumo

“É o princípio da Confiança, instituído pelo CDC, para garantir ao consumidor a adequação do produto e do serviço, para evitar riscos e prejuízos oriundos dos produtos e serviços, para assegurar o ressarcimento do consumidor, em caso de insolvência, de abuso, desvio da pessoa jurídica-fornecedora, para regular também alguns aspectos da inexecução contratual do próprio consumidor”[12].

Difere-se do princípio da transparência pelo fato deste nortear a fase pré-contratual, de modo a garantir segurança ao consumidor através do fornecimento das informações do contrato, de modo que este não contrataria se já estivesse ciente de determinada informação. O princípio da confiança, então, fundamenta, principalmente, a fase da execução do contrato, já que pressupõe que as partes agirão conforme contratado.  É a proteção ao vínculo contratual e também a prestação contratual. 

Por isso, podemos concluir que

“se um site se diz seguro para operações comerciais, mencionando que dados do cliente são mantidos sigilosos, e o consumidor – por esta razão – passa a efetuar neste ambiente suas aquisições de produtos e / ou serviços, em caso de invasão com resultados danosos ao último, dificilmente será afastada uma responsabilidade de quem explora os serviços do site ou vende os produtos.

Entendemos que dentro do princípio de transparência e boa-fé, os sites que operam diretamente com serviços ao consumidor deveriam informar não só os dados sobre sua segurança, limites e alcance, bem como dados sobre eventual possibilidade de invasão de um sistema semelhante ao seu.”[13].

Caberá somente ao consumidor, após ter acesso as informações de forma completa e clara, incluindo neste conceito a utilização de uma linguagem compatível à compreensão de uma pessoa com intelecto médio, escolher se é vantajoso ou não contratar, pois vigora no direito do consumidor, assim como no Direito Civil, a máxima que ninguém contrata para se prejudicar.

 

III- Conclusão:

 

Após as questões levantadas no desenvolver do texto podemos tecer algumas conclusões a respeito do tema, lembrando, entretanto, que nosso objetivo foi de apenas trazê-las à tona para realidade jurídica, sem, contudo, ter a mínima pretensão de esgotar o tema, tendo em vista que o mesmo se encontra cheio de controvérsias e posições conflitantes tanto na esfera doutrinária quanto na esfera jurisprudencial, o que por se só já justifica o aprofundamento do tema futuramente.

Inicialmente podemos concluir que não há como negar a necessidade de examinar o tema proposto, pois conforme demonstrado e sabido por todos nós, que a Internet deixa de ser a cada dia menos parte dos enredos de ficção científica para se tornar progressivamente uma realidade. Em conseqüência, os contratos com os provedores de acesso à Internet tornam-se tão comuns e necessários quanto os contratos de energia elétrica, vindo a fazer parte de nossa rotina.

Com isso, termos a ocorrência do fenômeno da massificação contratual, marca ensejadora do surgimento do Direito do Consumidor. Ramo jurídico este, que tem o marco dentro do Ordenamento Jurídico brasileiro com a previsão constitucional do tema e seguida promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), ou simplesmente, CDC.

Mas para que possamos reger o contrato entre provedor de acesso à Internet e pessoa contratante pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, devemos antes averiguar a existência de uma real relação jurídica especial, que chamada de relação de consumo. Para tanto deverá apresentar os requisitos supra mencionados.

Logo, podemos com seguridade defender a tese de que a pessoa contratante é consumidora, haja vista enquadrar-se na tipificação legal, lembrando que deverá ser o destinatário final do acesso.

Também com tranqüilidade temos a figura dos fornecedores perfeitamente inseridos no contexto descrito como os provedores de acesso à Internet. Fornecedores, estes, de um serviço, e por isso deverá ser observada a regra própria para a responsabilização por fato e por vício, que algumas vezes se destoam da previsão para fato ou vício do produto

Com relação à forma de pactuação, explicamos anteriormente tratar-se de um contrato entre presentes, não sendo cabível a defesa da tese de contratos entre ausentes, uma vez que o que deve ser levado em conta não é a existência da presença física dos contratantes, e sim, da imediatidade da aceitação após a oferta.

Explicamos e caracterizamos os três serviços básicos a que terá direito o consumidor neste contrato, que são: Acesso à Internet, mediante protocolo TCP/IP, via fax modem, mediante ligação telefônica, a cabo ou qualquer outro meio possível; o serviço de correspondência eletrônica (e-mail); e a possibilidade de alojamento de uma página na Internet, versando sobre o que bem entender o consumidor.

Mas os deveres do provedor não se esgotam, incluindo os deveres de proteção e segurança dos e-mails e sites. Responsabilidade esta que poderá levar a aplicação de uma indenização se ocorrer dano ao consumidor, gozando este último dos ditames do Código de Defesa do Consumidor que estabelece o princípio da responsabilidade objetiva do fornecedor e da inversão do ônus da prova.

Incluem-se, ainda, nos deveres do fornecedor a observância dos direito básicos do consumidor e o respeito aos  princípios pilares do Direito do Consumidor, que são os princípios da Transparência, Boa-fé e Confiança. 

 

BIBLIOGRAFIA:

FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. Del Rey. Belo Horizonte. 1998.

GOMES, Orlando. Contratos. 18ª edição. Forense. Rio de Janeiro. 1998.

LUCCA, Newton de. At alli. Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes. EDIPRO. Bauru. 2001.

Marques, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª edição. Revista dos tribunais. São Paulo. 1999.

 

Flávio Quinaud Pedron
Acadêmico de Direito da PUC-MG em Belo Horizonte-MG; Monitor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil na PUC-MG; Membro e Ex-Coordenador do Grupo de Estudos em Direito do Consumidor do Núcleo Acadêmico de Pesquisa (NAP).

 

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