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Erica Brandini Barbagalo é Técnica em
Eletrônica, Bacharel em Direito pela PUCSP e Mestre em Direito pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo.
Com a
popularização do uso de computadores e sua interligação por meio de recursos de
telecomunicações, verificou-se o surgimento de nova forma de comunicação entre
pessoas, apta a permitir a constituição de relações jurídicas, o que deu azo ao
questionamento sobre a validade jurídica de negociações celebradas por meio
dessas redes de computadores.
Atualmente, a
contratação por meios eletrônicos já é uma realidade inafastável de nosso
cotidiano, e o contrato eletrônico já se transformou em conceito arraigado na
prática. Ainda assim, e talvez por essa mesma razão, tal instituto merece cada
vez mais atenção.
O uso reiterado
consolidou várias expressões relacionadas ao uso das redes de computadores e à
informática, de modo geral, mas ainda se observa a generalização da expressão
contrato eletrônico. Vislumbra-se por vezes uma divergência conceitual no
tocante ao alcance da expressão, o que fez necessário delimitar o conceito.
A
característica peculiar aos contratos eletrônicos é o meio utilizado para a
manifestação da vontade das partes, ou seja, rede de computadores, assim
entendido o arranjo de sistemas de computadores e de recursos de
telecomunicações, diretamente relacionados com as facilidades para acessar e
armazenar informações. Portanto, derivado do conceito clássico de contrato,
extrai-se a definição de contratos eletrônicos como acordos entre duas ou mais
pessoas para, entre si, constituir, modificar ou extinguir um vínculo jurídico,
de natureza patrimonial, expressando suas respectivas declarações de vontade
mediante de computadores interligados.
A denominação
“contratos eletrônicos” deriva da peculiaridade de sua formação dar-se através
de comunicação por impulsos elétricos, o que justificaria a adoção do adjetivo
“eletrônico” em detrimento de outras nomenclaturas utilizadas, como cibernético
ou digital. Também se deve ter em conta que se convencionou classificar de
“eletrônico” os conceitos cotidianos quando esses passam à esfera da
informática. Desse modo, temos documento eletrônico, comércio eletrônico e
banco eletrônico.
A contratação
eletrônica ainda é alvo de questionamento quanto à sua validade jurídica. No
entanto, por meio de estudo comparativo entre esta forma de contratar e os
contratos constituídos pelos modos tradicionais, chega-se à conclusão de que
àqueles aplicam-se as mesmas regras destes, ou seja, é necessária a verificação
dos requisitos de validade dos contratos, independentemente do modo como se
constituem. Assim, para que tenham validade jurídica e para que surtam os
efeitos pretendidos pelas partes, os contratos eletrônicos, assim como
quaisquer contratos, precisam ter presentes os requisitos que lhes asseguram a
validade, quais sejam, capacidade e legitimação das partes, objeto idôneo e
licitude do objeto, forma prescrita ou não defesa em lei e consentimento. Há
que se observar que os contratos eletrônicos não englobam os contratos que
exigem solenidades para sua validade, a menos que a lei expressamente o
autorize.
Nos contratos
eletrônicos é a identificação das partes que merece maior atenção, havendo,
atualmente, tecnologia que visa facilitá-la pela utilização de assinatura
digital. Esta assegura, além da procedência da declaração de vontade, também
sua integridade. Para maior segurança quanto à identidade das partes,
recomenda-se o uso de certificados digitais concedidos por autoridade
certificadora, que atua como terceiro garantidor da identidade da pessoa para
quem o certificado digital é criado.
A declaração de
vontade pode ser considerada requisito se entendermos que o consentimento é
requisito para a validade do contrato. Assim, convém analisar a validade da
manifestação de vontade por meios eletrônicos. A declaração é a exteriorização
do elemento interno à parte, sua vontade, e se destina a levar ao conhecimento
de outra parte a intenção de alcançar determinado efeito jurídico. São inúmeras
as combinações entre os meios de exteriorização e os de comunicação das
declarações de vontade. Importante é que sejam meios eficientes para o
conhecimento do conteúdo da declaração pela parte a que se destina.
No caso da
declaração de vontade expressa por meios eletrônicos, a pessoa que acessa um
sistema de computadores manifesta sua vontade declarando-a por escrito ou
acionando um comando, ou conjunto de comandos, programado para enviar a
manifestação à outra parte. Quando a declaração é enviada por escrito, não
apresenta maiores questionamentos. Mas a manifestação de vontade pode ser
expressa pelo acionamento de comandos informáticos, como os “botões” de “sim”,
“não” ou “concordo”, existentes em páginas eletrônicas de Web sites.
Essa forma de declarar a vontade não é usual, mas é válida, já que, ao acionar
o comando que enviará a mensagem, considera-se que o contraente tenha, ou
deveria ter, ciência de sua ação, uma vez que a consulta a um Web site é
atitude deliberada: o site não é automaticamente projetado no computador
do usuário sem que este tenha agido para tanto. Ao contrário, o usuário precisa
praticar uma série de atividades para ter acesso a um Web site, e
durante a interação com este outras atitudes levarão o usuário a confrontar-se
com a opção de “clicar” – pressionar – a representação de sua vontade.
Corroborando a
validade da declaração de vontade por meios eletrônicos, acode-nos o art. 85 do
Código Civil, que exalta a intenção da vontade, em detrimento do sentido
literal da linguagem utilizada, podendo-se estender a exegese da lei para
considerarmos linguagem também a que é própria aos computadores.
Constata-se,
portanto, que o contrato eletrônico não é novo tipo contratual, no conceito das
classificações tradicionais, é mais a representação de contratos passíveis de
serem entabulados por novo modo de comunicação entre as partes,
constituindo-se, na verdade, em nova técnica de formação contratual, aplicável
a qualquer categoria de contrato, típico ou atípico, que possa ser formalizado
por meio eletrônico.
Resta-nos que a
especificidade dos contratos eletrônicos deriva da utilização das redes de
computadores para sua formação, o que pode dar-se por diferentes modos, mas
cada modo de formação merece ser analisado em conformidade com suas
características. Daí resulta a necessidade de classificação do contrato
eletrônico quanto ao modo de utilização dos computadores em rede e quanto à
imediatidade na percepção das declarações de vontade.
Essa
classificação permite a divisão dos contratos eletrônicos em três categorias:
contratos eletrônicos intersistêmicos, que são os formados pela interação entre
dois sistemas computacionais, programados para comunicação entre si, derivados
de contratos firmados entre os titulares dos referidos sistemas computacionais;
contratos eletrônicos interpessoais, caracterizados pela existência de pessoas
em cada extremo da relação, admitindo duas subcategorias: contrato eletrônico interpessoal
simultâneo e contrato eletrônico interpessoal não simultâneo, diferenciando-se
essas subcategorias quanto à existência de lapso temporal entre a emanação da
declaração de vontade e a percepção desta pela outra parte, sendo um exemplo da
primeira subcategoria contratos firmados por meio de sistema broadcast ou
em ambientes de chat, e exemplo da segunda subcategoria contratos
formados por correio eletrônico; e, por fim, contratos eletrônicos interativos,
que se caracterizam pela interação entre uma pessoa e um sistema computacional
ou banco de dados. O exemplo mais conhecido desta última categoria de contrato
eletrônico são os contratos celebrados mediante Web sites que contenham
em suas páginas propostas ou convites a fazer propostas.
A divisão em
categorias, acima proposta, torna-se imprescindível para a identificação do
local e momento de formação do vínculo contratual, aspecto mais intrigante
desses contratos, peculiaridade essa ressaltada pela incorporeidade dos atos
praticados por meio das redes de computadores. Acresça-se a isso que o uso de
redes de computadores tornou relativos conceitos arraigados, como espaço e
tempo.
No que tange ao
local de formação dos contratos eletrônicos, aplica-se a regra constante do
art. 1.087 do Código Civil quando ambas as partes residirem no território
nacional, ao passo que se as partes ou uma delas tiver residência em outro
país, a regra contida na Lei de Introdução ao Código Civil, art. 9.º, § 2.º, é
a aplicável. Ambos os dispositivos consideram formado o contrato no local onde
for feita a proposta. Resguarda-se, todavia, a autonomia da vontade na escolha
da lei de regência do contrato, desde que respeitados os limites do âmbito das
leis imperativas.
Em ambos os
dispositivos, vemos que prepondera o lugar de residência do proponente; essas
disposições, entendemos, visaram resguardar a relação contratual, dando ao
originador desta a prerrogativa de vê-la regulada pela legislação a que está
afeito. A noção de residência constante dos referidos dispositivos legais deve
ser interpretada em harmonia com as circunstâncias peculiares a cada caso,
considerando-se seu caráter de eventualidade e transitoriedade. O caráter de
eventualidade do conceito de residência acentua-se quando o transportamos para
as redes de computadores, onde a localização das partes não se compreende no
espectro geográfico. Isso porque a verificação da localização das partes é
dificultada devido à não-fixação geográfica, à irrelevância da localização
física em âmbito virtual, pois, como é sabido, uma pessoa pode utilizar sua
identificação lógica independentemente do lugar onde esteja.
Para a
determinação do local de formação dos contratos eletrônicos interpessoais,
inicialmente convém identificar qual mensagem contém a proposta. Identificados
proponente e aceitante, resta verificar a residência do proponente. No mais,
vale o disposto sobre lugar de formação dos contratos, conforme dito
anteriormente. Para os contratos eletrônicos interpessoais, simultâneos ou não,
seria recomendável constasse da proposta o local onde esta é realizada, visando
imprimir maior segurança à relação contratual no tocante à aplicação da lei no
espaço. Em essa identificação física não sendo especificada, e em sendo
diferente da residência indicada pela identificação lógica do proponente,
haverá que se rastrear, eletronicamente, o caminho percorrido pela proposta
para identificar o local de sua origem.
Já para os
contratos eletrônicos interativos, em sendo a informação inserida na rede de
computadores caracterizada como proposta, caso esta não explicite o local onde
é feita, deve-se considerar a proposta como emanada no local em que é inserida
na rede de computadores. Também nesse caso, em não sendo clara a localização do
proponente durante a inserção da proposta na rede, haverá que se rastrear o
local onde foi originada a proposta.
Quanto ao
momento de formação dos contratos eletrônicos, interessante é averiguar, para
cada categoria de contrato eletrônico, o fato de tratar-se de negócio jurídico
entre ausentes ou entre presentes, seguindo a ficção jurídica, ademais adotada
pelo Código Civil. Devemos atentar que por costume jurídico criou-se a ficção
de chamar-se contratos entre ausentes aqueles em que ocorre lapso temporal
entre a manifestação da vontade e seu conhecimento pela outra parte, e de
contratos entre presentes aqueles em que essa percepção das manifestações da
vontade ocorre no instante em que se manifesta, ainda que as partes não estejam
fisicamente uma perante a outra. É isso que nos dá a entender o Código Civil
quando qualifica como contrato entre presentes o contrato concluído por
telefone. Verificamos, portanto, que a característica que se destaca é a
imediatidade da percepção da manifestação da vontade, e não a presença física
das partes.
Assim, nos
contratos eletrônicos intersistêmicos, por se tratarem de contratos derivados
de um contrato prévio, a declaração volitiva das partes coincide com o momento
em que seus sistemas computacionais são programados para transacionarem entre
si, estando regulado no contrato prévio o momento de formação de cada transação
deste derivada. Para os contratos eletrônicos interpessoais simultâneos, o
momento de formação rege-se pela mesma regra dos contratos firmados por
telefone, tendo-se por celebrado o contrato no momento em que a aceitação é
emitida. Já para os contratos eletrônicos não simultâneos aplicam-se, por
analogia, os preceitos do art. 1.086 do Código Civil, tendo-se por celebrado o
contrato no momento em que a aceitação é enviada ao proponente. Finalmente,
para os contratos eletrônicos interativos, em existindo uma proposta acessível
pela outra parte, considerar-se-á como celebrado o contrato no momento em que o
oblato expede a aceitação, valendo as regras aplicáveis aos contratos firmados
entre ausentes.
Outro
questionamento que freqüentemente se apresenta é quanto à prova do contrato
eletrônico. Se tivermos em mente que prova é o conjunto de meios empregados
para demonstrar, legalmente, a existência de fatos jurídicos, socorre-nos a
legislação vigente, mais especificamente o Código de Processo Civil, a
demonstrar que a expressão da vontade das partes por meios eletrônicos encontra
guarida em nosso ordenamento. Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica,
cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos
representados se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade,
preceitua o art. 338 do Código de Processo Civil, e seu parágrafo único dá
margem a que se realize exame pericial caso a autenticidade do meio de
reprodução for impugnada. Também cabe ressaltar outros preceitos do mesmo
Código, que dispõe que são hábeis a provar a verdade dos fatos todos os meios
legais e moralmente legítimos, bem como que, na ausência de normas jurídicas
particulares, o juiz deve aplicar as regras de experiência comum e regras de
experiência técnica (arts. 332 e 335).
A dificuldade
prática que os contratos eletrônicos ou qualquer documento eletrônico enfrentam
é a comprovação de autoria e de integridade, ou seja, devido à desvinculação
física entre autor e documento, nos meios eletrônicos, é facilmente contestável
a imputação de autoria de um documento, uma vez que, por exemplo, alguém que se
utilize da identificação lógica de outrem pode produzir declarações de vontade
como se fosse este. Do mesmo modo, as declarações de vontade produzidas por
meios eletrônicos podem ser adulteradas sem deixar vestígios. Para suprir essas
dificuldades pode-se lançar mão dos métodos criptográficos, como assinatura
digital, mencionada acima. Assim, a prova de um contrato eletrônico que na sua
formação ou documentação tenha se utilizado de métodos reconhecidamente aptos a
garantir sua autoria e integridade, como criptografia assimétrica, será mais
fácil que a de um documento produzido sem os mesmos cuidados.
Ao final, resta
inconteste a validade jurídica dos contratos eletrônicos e a sua submissão à
legislação vigente relativa a contratos em geral, cabendo apenas aos
profissionais do Direito aplicarem às inovações trazidas pela nova técnica
contratual as soluções já existentes.
Retirado de: www.saraivajur.com.br