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O ajuste à realidade:
quebradeira
e fusões fazem parte da realidade histórica da Internet
por Raphael Mandarino
Presidente da Associação Nacional dos Usuários de Internet (Anui) e membro do
Comitê Gestor da Internet no Brasil
Inicia-se o ano e, com a preguiça típica desta época,
as coisas começam a acontecer. Para nós, usuários, alguns dos acontecimentos
nos dizem respeito mais de perto. Refiro-me, por exemplo, ao refluxo da maré de
provimento grátis. Parece que a onda agora se vira contra nós e o acesso grátis
está condenado a desaparecer mais dia menos dia, para tristeza e prejuízo dos
internautas.
Não é bem assim. Para começar, nunca é demais repetir
que o provimento de acesso é a menor parte dos custos de uma conexão Internet,
mantendo-se ainda como principal vilão as tarifas telefônicas. Mas é um alívio
nos bolsos a conexão de acesso grátis, principalmente para quem tem filhos
adolescentes - principais usuários de provedores grátis.
Mas este mercado não irá acabar. Findo o período de euforia, onde mesmo quem
não dispunha de infra-estrutura e recursos para bancar sua entrada e manutenção
neste nicho iniciou sua operação, o que estamos assistindo agora é a depuração
do mercado, ajustando-se a realidade: não cabe todo mundo. Quebradeiras, fusões
e novos rumos de empresas já fazem parte da realidade histórica da Internet em
nosso país e no mundo.
E por falar em mundo é que afirmo que este nicho não se encerra. Em outros
países este problema já foi enfrentado ou o seu desenho, já em sua implantação,
se deu com outros contornos. O mais famoso "case" é da Inglaterra,
onde os provedores de acesso são vistos pelas empresas telefônicas como parceiros
que geram aumento no número de impulsos - verdadeira fonte de recurso das
teles. Eles são remunerados tendo por base o tempo de conexão de seus usuários.
Aqui, esta solução vem sendo perseguida pelos provedores e as empresas
telefônicas resistem, de olho elas mesmas no filão.
O fato é que, com provedores independentes ou ligados às concessionárias (a Lei
Geral de Telecomunicações sabiamente proíbe as empresas concessionárias de
atuarem diretamente neste mercado, obrigando-as a criar subsidiárias para
tanto, garantindo assim a transparência na alocação e distribuição da
infra-estrutura), o provimento grátis não irá desaparecer mas sim se
reestruturar.
Ainda neste assunto, vale lembrar que não deixa de ser curioso olhar as
declarações dos executivos do iG, que queria dizer Internet Grátis (é bom que
não esqueçamos), à época do lançamento, onde prometiam o "nirvana" ao
usuário, e comparar com a brilhante propaganda de agora, pós-capitulação,
apregoando a Internet Paga - o IP do IG -:>)))).
Outro acontecimento para o qual chamo a atenção é a ultimação dos editais do
FUST - Fundo de Universalização das Telecomunicações, criado com o objetivo de
levar pontos de presença eletrônicos a todas as localidades brasileiras. Após
um longo período de discussão (que, do ponto de vista técnico, de como vai ser
implementada estas conexões, ainda não acabou) ficou decidido que escolas,
hospitais e bibliotecas públicas terão prioridades na instalação desta
conexões. Muito nos ufanamos ao nos depararmos com números como o de oito milhões
de internautas brasileiros, mas se pensarmos bem, isso representa cerca de
cinco porcento da população brasileira.
O Ministério da Ciência e Tecnologia, na pessoa de seu Ministro declarou
recentemente que em 2003 seremos 35 milhões de usuários. Este número está de
acordo com as projeções de consultorias internacionais que o classificam como
"audiência inercial" de Internet no Brasil, naquele ano. Trocando em
miúdos: audiência inercial, quer dizer, se nada acontecer e mantendo-se as
atuais taxas de crescimento econômico e com o decréscimo dos preços, aliados a
melhor oferta dos insumos básicos (computador e linha telefônica) atingiremos
aquele número de internautas daqui a três anos.
Isso é muito bom, mas é pouco, pois deixaremos de fora da chamada nova economia
cerca de 130 milhões de brasileiros ou o equivalente a três vezes a população
da França, por exemplo. Daqui se depreende a importância de um projeto como o
do FUST, pois seu objetivo é integrar à nova economia boa parte destes
"sem Internet", resgatando-lhes a cidadania e permitindo que aspirem
participar da chamada Sociedade da Informação.
Resta em aberto, é claro, outras questões de fundo: educação, saúde, emprego,
renda e, olhando mais próximos de nós usuários, o analfabetismo digital. Existe
uma proposta construída a várias mãos por representantes da sociedade
brasileira no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia: o Programa
Sociedade da Informação. Vale um passeio pelo site e a leitura de seus
documentos. Este é um tema que pretendo abordar aqui com mais detalhes.
Finalmente, outro acontecimento que merece destaque é o evento
"Desmistificando a Internet", realizado pela Embratel e onde, pela
primeira vez, aquela empresa buscou discutir objetivamente os caminhos e suas
posições na Internet no Brasil. Merece louvor a coragem da Embratel ao reunir
jornalistas e formadores de opinião em um mesmo evento, apresentando a
oportunidade de se discutir temas espinhosos como interconexão de backbones,
pontos de troca de tráfico Internet e custos, por exemplo, permitindo um pouco
de luz sobre estes assuntos. Nem tudo foram flores, mas palestrantes
brilhantes, temas espinhosos tratados de frente e um ambiente de respeito mútuo
foram os pontos altos do evento que, espero, seja repetido, agora buscando foco
naqueles pontos em que ficaram patentes as divergências.
Ninguém mudou de opinião (eu, por exemplo, continuo achando que pagamos um dos
preços de interconexão mais caros do mundo, vivemos ainda em um monopólio e não
entendi a lógica perversa de venda de tráfico) mas abriu-se uma porta para o
diálogo e estabeleceu-se a possibilidade do início da construção de uma ponte
de confiança. Ponto para a Embratel. Parabéns!
Retirado de: http://www.cg.org.br