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E-Comércio: regras, nomes, domínios, ...



 
 
Resumo: Assinala o momento em que um dos últimos bastiões da Internet acadêmica e gerida pelo governo americano é passado à iniciativa privada, marcando o início de uma etapa na qual até os nomes de domínios serão cobrados "a título de manutenção". Aproveita para ensaiar, timidamente, a repercussão das medidas jurídicas americanas nos procedimentos gerenciais do ambiente brasileiro, à luz da movimentação de bastidores que o green paper tem ocasionado.

 

Como todo engenho humano que cresce em uso, exploração e complexidade, a Internet - essa gigantesca Metarrede global - sofre progressiva e cabal regulação, dado que o social e o jurídico são aspectos dicotômicos e indissociáveis, inerentes ao gênero humano.

Ontem rede acadêmica, hoje de provedores privados e governamentais, amanhã forte sucedâneo dos serviços de teleomunicações. Ontem veículo ordinário (e barato) de mensagens entre professores e alunos, hoje inexcedível estilo de troca de informações, cultura e conhecimentos, amanhã poderoso meio de convergência digital entre voz, dados e imagens, para todas as pessoas do mundo. Ontem ensaio acadêmico com conotação ideológica advinda da guerra fria, hoje mercado livre sendo potencializado, neste século ainda, pelo prospectivo faturamento de centenas de bilhões de dólares, amanhã a solução (única?!...) para o congraçamento geo-político, financeiro, mercadológico etc., de mais de seis bilhões de pessoas, sem fronteiras ideológicas ou de qualquer outra natureza.

O lance momentoso é a determinação do Presidente Clinton para o Sr. Ira Magaziner, conselheiro da Casa Branca, transferir à iniciativa privada a administração de nomes e top level’s que caracterizam os endereços e os domínios de atuação da Internet (por exemplo: .gov em www.stj.gov.br ou .com em www.correioweb.com.br).

Tal medida desfechou manifestações de todos os gêneros e graus, originadas nos quatro cantos do planeta. Corporações, cortes judiciárias e até mesmo nações mergulharam em silenciosa batalha para a conquista e a manutenção de seus territórios na Internet.

O ponto de partida desse embate entre lobbies, causas judiciais e tráfico de influências, situa-se em 1992 quando o Congresso Americano determina à NSF (Fundação Nacional para a Ciência) que comercialize a Internet. Após certame licitatório a NSF celebrou um contrato de cinco anos (que expirou oficiosamente a 30.MAR.98 pp.) com a Network Soluttions Inc. (NSI), cujo papel básico era atribuir novos endereços nos domínios .org (organizações não governamentais), .net (infra-estruturas físicas de oferecimento de serviços de transporte de bits), .edu (centros de pesquisa e de ensino) e .com (corporações e empresas comerciais/industriais), administrá-los e operar o Servidor-Raiz "A" - o Centro do Mundo Livre ou a Nova Arca da Aliança - em Herndon, VA.

Ocorre que a SAIC (Corporação Internacional para a Aplicação da Ciência), gigante no campo militar estratégico, com faturamento anual de dois bilhões de dólares, comprou a NSI em março de 1995 e renegociou o contrato com a NSF.

O Servidor-Raiz "A" - a Nova Arca da Aliança -, então, ganhou a permissão de cobrar de cada domínio cem dólares para os primeiros dois anos e cinqüenta dólares anuais, a título de operação e manutenção do tráfego.

Ora, a estimativa atual do número de computadores ostensivamente ligados à Internet (as conexões não ostensivas são estimadas em mais de cem milhões de computadores, por via de intranets e extranets) é de mais de 8,2 milhões no domínio .com e 5,2 milhões no domínio .net.

Essas cifras garantem faturamento, por baixo, da ordem de 670 milhões de dólares por ano, acrescidos de perspectivas concretas de crescimento explosivo.

Com base nesses dados e sob a premissa básica de que a operação da rede das redes não deve ter finalidade lucrativa, após a determinação do Presidente Clinton o Departamento do Comércio (lá é um departamento e não precisa de poder ministerial para tornar o mercado eficaz), por intermédio da Agência NTIA (Administração Nacional de Telecomunicações (lá é uma simples agência e funciona bem!) e Informação; endereço Internet www.ntia.doc.gov) editou o documento provisório (green paper), em 30 de janeiro pp, sobre "Melhoria da Gerência Técnica de Nomes e Endereços da Internet". As regras foram submetidas a intenso bombardeamento de e-mails (e outros veículos de transmissão de dados) até 23 de março pp.

No documento em tela a Administração Clinton reconhece que a Internet está se tornando um ambiente de densidade comercial e que o uso dela fora dos EUA intensifica-se sobremaneira, restando ao governo retirar-se completamente da liça, em prol da iniciativa privada.

O pronunciamento mais grave veio de Martin Bangemann, comissário da Comissão Européia (e, portanto, respaldado por países do G7), ao dizer que o green paper é centrado nos EUA e peca por omitir a necessidade de dimensão internacional para o governo da Internet.

Do ponto de vista do usuário final, principalmente para aquele(a) cibernauta que navega por solitário curso, as considerações acima são de lana caprina, dado que muito pouco ou quase nada se refletirá em suas operações domiciliares.

A despeito disso e não obstante a ausência de pompa e circunstância, a Internet (aos quase 29 anos) rompe seus últimos laços umbilicais com a área científica e governamental e adquire identidade e capacidade definitivas para assumir sua nítida vocação comercial.

No Brasil há, ainda, pouca repercussão sobre o caso, até porque fala-se em 30 de setembro pv. como a data oficial para a defenestração efetiva da NSI quando, aí então, serão precipitadas as demais medidas.

Apesar de constituirmos a única nação a legislar sobre a correlação entre cópias ilegais de softwares (crime de pirataria!) e a sonegação fiscal - com a Lei no. 9610, de 19.FEV.98 -, o que denota mentalidade vanguardista do legislador brasileiro, não há tradição nem bagagem nos meandros governamentais para lidar com a descentralização e a fiscalização da fronteira tecnológica, à luz do Código Penal (detenção de até quatro anos; Art. 12, § 1º da citada lei).

De qualquer forma talvez seja chegado o momento de rever-se a atuação dos reguladores da Internet no Brasil (Comitê Gestor, Fapesp e RNP/MCT) em face da definitiva vocação da metarrede, bem como da descentralização que a atribuição de nomes e endereços passará a apresentar aos usuários, com o franco e oneroso concurso da iniciativa privada.

Vale ressaltar, afinal, o exuberante exemplo de democracia online praticado pela república americana, em todo o episódio do amplo debate sobre o green paper. Sob tal aspecto o mundo inteiro, de fato sem fronteiras como uma aldeia global ou como uma ágora online, exerceu o direito mais elementar de participar do seu próprio e inexorável destino. Tempus Regit Actum.
 
 

João Francisco Guimarães