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A responsabilidade ambiental

                                                                                                                                      

                                                                                                         Alencar João Dall´Agnol                     

SUMÁRIO

1 Introdução; 2 Considerações Preliminares;  3 A Responsabilidade no Direito Ambiental;  4 A Responsabilidade Civil no Direito Ambiental;  4.1.Risco Integral; 4.2 Risco Assumido; 4.3 Risco Criado;  5 Responsabilidade Penal no Meio Ambiente; 6 A Responsabilidade Ambiental da Pessoa Jurídica na Esfera Penal; 7 Conclusão;  8 Fontes de Referências.

Resumo

Este artigo trata de um assunto de extrema relevância para o efetivo controle da depredação ambiental, permitindo que sejam alcançadas as metas propostas como condição de sobrevivência da espécie humana, ou seja, a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento econômico social, visando assim permitir a  qualidade e a continuação da vida a toda humanidade.

Entendemos que somente com educação ambiental e comandos reguladores fortes se conseguirá atingir tal objetivo. Necessita-se além da mudança de paradigma, uma legislação que responsabilize os predadores do meio ambiente, especialmente as pessoas jurídicas por serem estas os poluidores potenciais, atribuindo-lhes sanções e  penas que inibam a prática do delito ambiental, fazendo-se, em ultima analise, uma melhor aplicabilidade da tão almejada justiça, garantindo um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, conforme reza a nossa magna carta.

Abstract

This article deals with a relevant and extreme subject for the effective control of depredation to the environment, allowing that the goals are achieved and the proposals as condition to survival of human being species, or either preservation of the environment and the social economics development, thus aiming at to allow to quality and life continuation to all humanity.

We only understand that with environmental education and strong regulating commands we will reach such objective. We need a change of paradigm, the laws that it makes Responsible all the predators of the environment, especially the big companies for being these the potential polluting agents, attributing penalties to it that obtain to inhibit the practice of the environmental delict, becoming at the end, one better applicability to reach justice, thus guaranteeing and balanced ecology environment for the present and the future generation in according to the Brazilian constitution.

1. INTRODUÇÃO

É chegada à era ambiental. O mundo todo se volta para uma questão de suma importância, ou seja, a sobrevivência da própria espécie humana, pois sabedores que o meio ambiente não tem capacidade de auto renovação como se pensava em séculos passados, surge daí a idéia de preservação onde não mais se pode adotar uma política extrativista considerando o meio ambiente como uma fonte inesgotável de matéria prima.

O grito de alerta já esta lançado, as pessoas começam a se conscientizar de que exercem um papel fundamental para manter o equilíbrio entre a sobrevivência da espécie e do meio ambiente. Os Estados começam a busca do tão falado desenvolvimento sustentável, mas todavia não se consegue consenso para a grande questão ainda sem resposta, que é como se poderia crescer e desenvolver sem depredar o meio ambiente, dentro de uma concepção extremamente capitalista?

Nossos antepassados se mostraram predadores natos, qualidade esta que nos legaram e que  até então a conservamos. As grandes industrias surgiram e trouxeram com elas as metrópoles que contribuíram para a depredação do meio. A legislação avançou e tentando frear, ainda que de forma ineficaz, a destruição. Surge então à questão dos sujeitos de direitos e obrigações, as pessoas jurídicas passam a protagonizar os grandes desastres conhecidos do homem na esfera ambiental, sendo que muitas vezes passavam impunes pela lacuna da lei que não as tipificara como destinatária da norma.  

Pretendemos aqui detectar o reconhecimento da pessoa jurídica como destinatária da norma positivada, muito pouco debatida mas de importância, pois o legislador pátrio de 1998 de forma simplista, limitou-se a enunciar a responsabilidade penal por danos ao meio ambiente, cominando-lhes penas, sem lograr, contudo, instituí-la completamente.

A estruturação do presente trabalho pretende retratar a Responsabilidade Ambiental nas suas formas variadas, atentando para a real possibilidade da aplicação de sanções e da reparação do dano, como mecanismo regulador, vislumbrando assim, um controle social na esfera ambiental.

2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Tem este trabalho, o escopo de detectar as diversas formas possíveis de Responsabilização no direito Ambiental. Sem desprezar outras searas, concentraremos, todavia, os estudos nas esferas das Responsabilidades Civil e Penal, antecipando o que se pretende diagnosticar, que é a necessidade de se escrever um novo capitulo no Direito Pátrio.

O que nos move neste estudo é o entendimento de que se faz necessário uma releitura urgente no Direito Contemporâneo, seja nas esferas Civil, Constitucional e, especialmente na Penal, para que se possa instrumentalizar a força coercitiva do direito enquanto tutela do meio ambiente, atribuindo-lhe mecanismos de controle no intuito de conter esta imensurável depredação praticada contra o meio ambiente, que se não for afastada em tempo hábil, seguramente deixara seqüelas por várias gerações, acabando talvez por erradicar a vida do planeta Terra.

Existem possibilidades concretas de se frear esta destruição do meio, vês que, a prima facie, após uma análise das legislações vigentes, dentre elas a Lei 9.605/88, e principalmente pela leitura da Constituição Federal de 1988, que inovou em muitos aspectos, se detectam a incorporação de normas como as insertas nos arts. 173, § 5º e 225, §3º, que consagram a responsabilidade ambiental nosso ordenamento positivado.

3.         A RESPONSABILIDADE NO DIREITO AMBIENTAL

Ao estudar a origem da responsabilização, embora seja matéria controvertida, destaca-se que etimologicamente, o termo responsabilidade deriva de responsável, que se origina do latim responsus, particípio passado do verbo respondere, que significava na época responder, afiançar, prometer e  pagar.

A responsabilidade surge como derivação de uma obrigação anterior, à qual o responsável deixou de observar, é sem duvidas, noção peculiar a todas as relações jurídicas, visando assegurar a observância de alguma obrigação nela existente, ou porque se assumiu tal obrigação, seja em decorrência de um fato ou ato, ocorrido ou praticado.

 Em um contexto geral a responsabilidade exprime a obrigação de responder por alguma coisa, revelando o dever jurídico em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão que lhe sejam imputáveis, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legalmente previstas.

A Responsabilidade Civil é a que se apura para que se possa exigir a reparação civil, uma forma de sanção imposta ao agente ou responsável pelo ato ilícito. O Código Civil Brasileiro impõe àquele que, por ação ou omissão, lesar direito de outrem, fica-lhe obrigado a reparar o dano.

 A Responsabilidade Administrativa, a prima facie, é a que resulta da infringência de norma da administração estabelecida em lei, regulamentos ou até mesmo por força contratual, impondo um ônus ao contratado para com qualquer órgão público. É independente das demais responsabilidades, e é pessoal, mas a sanção nem sempre é de execução personalíssima, caso em que pode transmitir-se aos sucessores do contratado, quer sejam pessoas físicas ou jurídicas, como ocorre com as multas e encargos tributários.

A própria administração é quem aplica as sanções pertinentes que vão de uma simples advertência à multas, interdição de atividades, até a suspensão provisória do trabalho, conforme o estatuto da classe, que desenvolve-se por meio de um processo interno, facultando ao acusado defender-se.

 Tanto no Direito Civil como no Administrativo, a responsabilidade pode ser objetiva, podendo  até mesmo ser impessoal.

Diferentemente se opera no Direito Penal devido ao bem indisponível que o regula, muitas vezes de caráter irreparável, devendo assim ser a responsabilidade subjetiva, personalíssima e atender aos ditames da teoria geral do delito. Será um sujeito responsabilizado criminalmente quando sua conduta violar ou contribuir para violação de um bem jurídico tutelado na esfera penal e ainda possuir culpabilidade.

 Neste sentido nos deparamos com os ensinamentos do mestre Noronha[1], onde nos diz que a responsabilidade penal: "...é a obrigação que alguém tem de arcar com as conseqüências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato. Ele depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as conseqüências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo (ser imputável)."

Já Francisco Muñoz Conde[2] menciona que as causas de extinção da responsabilidade criminal diferenciam-se das causas de justificação e de inculpabilidade, pois não afetam em nada a existência do delito, mas, sim, à sua persecução no processo penal. Nosso Código Penal contempla as causas de extinção de punibilidade no título VIII.

 A sociedade moderna, evoluiu rapidamente e notoriamente revelando conhecimentos científicos, que em última análise, confere ao cidadão uma inigualável qualidade de vida, reconhecendo-se todavia o esforço daqueles que dedicam as suas vidas ao desempenho de atividades em todas as áreas.

Todavia, passou-se a questionar, entretanto, que esse notável aprimoramento técnico-científico, idealizado para facilitar o convívio do ser humano, reflete-se em formas de concretização de fatos delituosos, pois se tratava o meio ambiente como um ente isolado, com a função básica de fornecer matéria prima ao desenvolvimento desenfreado sob um sistema capitalista.

Surge então o que o professor Canotilho[3] já considerava no inicio da década de 90, o direito de Quarta Geração, “São os direitos de quarta geração (...) que abrangem as suas sucessivas sedimentações históricas ao longo do tempo, perpassando os oradicionais direitos negativos, conquista da revolução liberal; os direitos de participação política, emergentes da superação democrática do Estado Liberal; os direitos positivos de natureza econômica, social e cultural (direitos sociais), constituintes da concepção social do Estado; finalmente os direitos de quarta geração, como o direito ao meio ambiente e a qualidade de vida”.

Detecta-se no Direito Ambiental, três esferas básicas de atuação, quais sejam: a preventiva, a reparatória e a repressiva. A preventiva está voltada para o momento anterior a consumação do dano, ou seja, o mero risco, atendendo ao objetivo fundamental do direito ambiental. Importante aqui ressaltar que na prevenção ocorre ação inibitória, enquanto que nas demais, a reparatória e a repressiva, se limitam a tratar do dano já causado, que é quase sempre incerto, de difícil reparação e custoso.

 No que concerne a reparação ambiental, uma vez ocorrido o dano, ressalta-se que ate então funciona através das normas de responsabilidade civil.

 A questão toda gira em torno do fato que no direito ambiental brasileiro, prevalece a regra da responsabilidade objetiva, que prescinde de culpa, ou seja, para pleitear a reparação do dano, basta que o autor demonstre o nexo causal entre a conduta do réu e a lesão ao meio ambiente a ser protegido. Portanto, três são os pressupostos considerados para que a responsabilidade ocorra: a ação ou omissão do réu; o evento danoso e a relação de causalidade.

 4.         RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO DIREITO AMBIENTAL

 Com as transformações ocorridas pela revolução industrial e o início da civilização moderna, houve a necessidade de adaptação do objeto da responsabilidade civil das relações advindas das inovações tecnológicas e do saber científico, ou seja, ampliou-se às pessoas passíveis de responsabilização e também aumentou as possíveis vítimas do dano. Por isso, foi necessário que o alicerce teórico da responsabilidade civil passasse da culpa a responsabilidade civil subjetiva, para a idéia do risco das atividades, à responsabilidade civil objetiva.

 

            Em outras palavras, é inegável que o avanço tecnológico trouxe inúmeras inovações para a sociedade moderna, mas trouxe atrelado o mal originado pelas indústrias totalmente alienadas e despreocupadas com a questão ambiental, que colocaram em risco não só a vida dos seres humanos, como a flora e a fauna, ou seja, a biota na sua totalidade. As pessoas, ao longo dos anos, tomaram consciência dos danos ambientais que as indústrias causavam ao lançarem resíduos sólidos, efluentes líquidos e emissões gasosas no meio ambiente e começaram a se mobilizar, reivindicar e por último protestar para que fossem tomadas medidas que as protegessem das seqüelas provocadas pelas empresas.

 Visando atingir o princípio constitucional da igualdade, houve a objetivação da responsabilidade civil, decorrendo dos reflexos sociais resultantes destas atividades que motivaram a incorporação no ordenamento jurídico de legislações contemporâneas para tratar desigualmente as pessoas e as vítimas desiguais, entre elas à natureza.

No início do século passado, quando o nosso antigo Código Civil de 1916 foi promulgado, o Brasil era um país tipicamente agrário, colonial, sendo então desnecessária previsão de uma responsabilização civil objetiva. No entanto, com as instalações das indústrias em nosso país, inverteu-se a situação brasileira, isto é, de um país agrário passou a ter grandes centros urbanos oriundos de grandes parques industriais em alguns estados, formando em certos casos verdadeiras metrópoles.

 Assim, houve uma mudança de vida, na medida em que determinados fatos ocorreram no cotidiano das pessoas, estas constataram que não havia em nosso ordenamento jurídico, previsão legal para tais acontecimentos, ficando portanto, desamparadas, e pior que isso, causou na grande maioria uma sensação de impunidade, pois os agentes causadores dos fatos restavam impunes.

 Como podemos observar, consolidando tal à assertiva, encontramos alguns exemplos de situações onde a lei incorporou, no ordenamento jurídico, a responsabilidade objetiva, independentemente de culpa, associada ao risco da atividade, senão vejamos:

 A edição do Decreto 3.724/19 determinou a responsabilidade objetiva das empresas pelos danos decorrentes de acidentes do trabalho.

 O artigo 184, da Constituição Federal de 1946, determina a responsabilidade objetiva ao Estado;

 Os artigos 554 e 555 do Código Civil de 1916[4], (nos mesmos termos, os artigos 1.277 e 1.280 do novo Código Civil de 2002)[5], que tratam dos direitos de vizinhança, contemplaram a responsabilidade civil ambiental objetiva pelo uso nocivo da propriedade. Ressalta-se que o problema é a interpretação do que seja vizinho na perspectiva ambiental, na sua limitação geográfica, e de tratar especificamente da integridade do ser humano como objeto do bem a ser tutelado, não contemplando a natureza como primeiro objetivo;

  O Código Brasileiro da Aeronáutica, instituído pela Lei nº 7.565/86 dispõe sobre a responsabilidade objetiva ligada ao risco da atividade;

 No Código do Consumidor, Lei nº 8.078/90, nos artigos 12 e 14, dispõe a responsabilidade objetiva para o fornecedor e realizador de serviços nas relações de consumo;

  Na lei antitruste, Lei nº 8.884/94 consta a responsabilidade objetiva por infrações contra a ordem econômica;

     A Lei nº 6.938/81 foi um marco na década de 80 para o Brasil, pois instituiu a responsabilidade objetiva em matéria ambiental, fundamentalmente no artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6938/81.

 Este dispositivo legal rompeu com o paradigma tradicional individualista, porque objetivou a responsabilidade civil por danos ambientais, não mais empregando o artigo 159 do Código Civil de 1916, que hoje, encontra-se revogado pela Lei 10.406/02, que inseriu o Novo Código Civil Brasileiro.

     No dizer de Antônio Herman V. Benjamin[6]: “O Direito Ambiental Nacional, a partir da Lei nº 6.938/81, passa a proteger o individual a partir do coletivo. Daí, sua natureza essencialmente pública”.

    Portanto, a exigência de reparação do poluidor à vítima do dano ambiental, restara caracterizada pela atividade do agente e o nexo de causalidade com o dano ambiental, não mais se exigindo a culpabilidade deste agente.

 A própria Constituição Federal de 1988 incorporou a responsabilidade objetiva ambiental proclamada pela legislação ordinária ao mencionar no parágrafo 3º do seu artigo 225, que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os degradadores a reparar os danos causados, não fazendo qualquer menção da existência de culpa na atuação do agente degradador.

 Também, o artigo 927, parágrafo único da Lei nº 10.406/02, (o novo Código Civil Brasileiro) estabelece a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, fica obrigado de repará-lo em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Com a evolução do Direito, não restou dúvida que o instituto da responsabilidade civil modificou-se na sua finalidade, visto que anteriormente, somente priorizava a restituição do status quo ante, ou seja, recuperar a situação que existia antes do fato ocorrer. No entanto, é bom ter em mente que há casos que não é possível este restabelecimento, pois, por exemplo, ocorrendo a morte não é possível restabelecer a vida.

Outro exemplo, que também se encaixa nesta situação é o ambiental, e por este motivo, na atualidade, está inserido na finalidade do instituto da responsabilidade civil, qual seja a prevenção dos danos ambientais. Nesta perspectiva, o sistema judiciário contribui para efetivamente se restituir a situação que a vítima tinha anteriormente ao dano causado, já que preceitua com eqüidade e compreende a responsabilidade civil como um dado social, moral, preceituando assim com equidade. 

 Faz-se necessário, para um melhor entendimento, apresentar a classificação dos atos sobre os quais incidem responsabilidade, que são: os atos ilícitos absolutos provindos do dever jurídico originário, primário; os atos ilícitos relativos provindos de relações jurídicas pré-existentes de natureza contratual; e os atos jurídicos que emanam responsabilidade objetiva.

Cabe repetir que a sociedade atual apresenta um avanço tecnológico e científico, como por exemplo, na bioética, na farmacologia, na produção e etc., onde se apresentam situações absolutamente imprevisíveis. É necessário que se encontre um equilíbrio entre os direitos da livre iniciativa, de colocar novos produtos no mercado, mas que por outro lado, não infrinja os direitos da coletividade, de cada um como indivíduo referente a sua integridade física, moral e psíquica.

É neste cenário que a responsabilidade civil objetiva deve ser introduzida, para permitir que determinadas pessoas físicas ou jurídicas que criam um risco, um mal-estar ou a possibilidade de um dano a outras pessoas da sociedade sejam punidas.  

Oportuno salientar que através da aplicação da responsabilidade civil objetiva, há a ampliação do rol dos responsáveis e das vítimas do dano, bem como a concentração do enfoque na ocorrência de um dano normalmente injusto e a inversão do ônus da prova, garantindo assim, a aplicação do princípio da prevenção tão almejado pelo instituto da responsabilidade civil. 

A preocupação é que alguns estudiosos do direito entendem ainda, a responsabilidade civil de modo diverso, isto é, preconizam a culpa como fundamento da responsabilidade civil ou que o nexo de causalidade entre o dano e o agente causador deve estar suficientemente caracterizado.

Contudo, acredita-se que a inserção da responsabilidade civil objetiva no novo Código Civil Brasileiro, fundamentalmente, no parágrafo único do artigo 927, que ratificou a objetivação da responsabilidade civil, fará com que eles alterem seu posicionamento com relação à culpa. Ainda que através das modificações, as normas jurídicas é que atuarão de forma a proteger efetivamente o meio ambiente.

 Alguns juristas ignoram as normas que aqui se aplicam, estas embasadas na relação interindividual, ou seja, não contemplam a realidade da sociedade moderna, onde o direito coletivo deve prevalecer sobre o individual. Também, nota-se que não há utilização da hermenêutica baseada nos princípios constitucionais contemporâneos, nos casos onde a lei deixa dúvidas ou onde não há previsão legal, prejudicando um juízo de valor acurado.

Isto é o que observa Paulo Bonavides[7], ao dizer que: “Culmina essa complexidade com a presente época constitucional, como bem elucida Siqueira Castro, cujas reflexões acerca da Constituição aberta e dos direitos fundamentais colhem de cheio as surpreendentes mudanças de nosso tempo, as quais põem em risco ou retardam a eficácia dos novíssimos direitos humanos que se devem positivar, adjudicando-se-lhes a qualidade ou o grau de direitos fundamentais e fazendo-os, por conseqüência, subir ao patamar constitucional, onde têm sede e garantia”.

     O dano ambiental é de regra de natureza difusa, certamente por compreender a toda uma coletividade de pessoas, não podendo determiná-las ou ainda atingir a natureza sem definir os possíveis ecossistemas atingidos e conseqüências determináveis. É desta forma, pela natureza difusa do dano ambiental, o fundamento complementar da responsabilidade civil ambiental objetiva. Além do risco proveniente da atividade, a característica difusa da natureza corrobora a aplicação da responsabilidade objetiva em matéria ambiental.  

Assim, havendo uma atividade que cause dano difuso ambiental, necessária se faz a responsabilização pelo risco ambiental proveniente desta atividade, não há de perquirir se a atividade estava isenta de culpa ou se estava acobertada por excludentes de força maior ou estado de necessidade. 

Segundo a Constituição Federal de 1988, para que se possa pleitear a reparação do dano ambiental, o autor deve demonstrar o nexo causal entre a conduta do réu e a lesão do meio ambiente  protegido. Segundo tal concepção, há, a partir da Carta Magna, a impossibilidade de alteração do regime da responsabilidade civil objetiva quanto a dano ambiental, por qualquer lei infraconstitucional.  

A tendência doutrinaria é no sentido de não aceitar as clássicas excludentes da responsabilidade civil, indicando cinco conseqüências da adoção da responsabilidade civil, no tocante à questão ambiental, quais sejam: a) irrelevância da intenção danosa (basta o prejuízo); b) irrelevância da mensuração do subjetivismo; c) inversão do ônus da prova; d) irrelevância da licitude da atividade; e) atenuação do relevo do nexo casual.

Quando houver dano ao meio ambiente, surge a responsabilidade civil objetiva, aquela que vige, independentemente da existência de culpa, sob a modalidade do risco integral, que não admite qualquer excludente de responsabilidade.

Segundo Milaré[8], “a responsabilidade civil objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente desde o Direito Romano: aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. Assumem o agente, destarte, todos os riscos de sua atividade, pondo-se fim, à prática inadmissível da socialização do prejuízo e privatização do lucro”.

Entretanto, Paulo Affonso Leme Machado[9] afirma que “a responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o meio ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano-reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de reparar”.

Pelo sistema adotado no Direito Ambiental Brasileiro não se discute, necessariamente, a legalidade do ato.

É a potencialidade de dano que o ato possa trazer aos bens ambientais que servirá de fundamento para a responsabilização, desta forma, não exonera o poluidor ou degradador a prova de que sua atividade é normal e lícita, de acordo com as técnicas mais apuradas.

O que se leva em conta, quanto à responsabilidade objetiva, é a doutrina da normalidade da causa e anormalidade do resultado.

Portanto, não há que se falar em vinculação do dano ambiental com a transgressão de normas administrativas, isto é, não se elimina a responsabilidade, mesmo no caso de observância aos padrões oficiais, mas com a ocorrência do dano em si, ou seja, mesmo que este não derive de um ato ilícito, pode dizer que haverá dano.

4.1 Teoria do risco integral

Pela teoria do risco integral, uma vez que seja verificado o dano ambiental, o dever de reparar independe da análise da subjetividade do agente, seja por falha humana ou técnica, por obra do acaso ou força da natureza, deve o dano ser reparado, respondendo o causador pelos prejuízos causados, podendo o empreendedor, quando possível, ao se tratar de fato de terceiro, valer-se do direito de regresso, contra o verdadeiro causador.  

Milaré[10] afirma que “O interesse público, que é a base do Direito Ambiental, encontra na responsabilidade civil objetiva uma forma de convivência com a atividade particular voltada, normalmente, para o lucro”.

Tem-se que, o poluidor está assumindo todo o risco que sua atividade acarreta. O simples fato de existir a referida atividade, somado à existência do nexo de causalidade entre essa atividade e o dano, produz o dever de reparar.

4.2 Teoria do risco assumido

Na concepção do risco assumido, o empreendedor que obtém lucros através de atividades causadoras de riscos à vida, à saúde ou ao meio ambiente, assume a responsabilidade pelos danos ou encargos que são vinculados em um nexo causal direto com tais riscos, independentemente de culpa, em caso de efetiva ocorrência de fatos danosos, mas não assume os riscos que não lhe sejam inerentes, ficando excluídos dos riscos assumidos, deste modo, o motivo de força maior e o caso fortuito, por serem circunstâncias gerais desvinculadas do nexo causal direto em relação às atividades exercidas ou aos riscos inerentes a estas.

Constata-se, portanto, que o caso fortuito e a força maior estão fora deste risco assumido, haja vista não possuírem um nexo de causalidade atrelado especificamente ao exercício da atividade empreendida, mas sim a circunstâncias imprevisíveis, que se referem ao âmbito geral de qualquer tipo de atividade, de qualquer natureza, razão pela qual estão fora do âmbito da responsabilidade objetiva, por não corresponderem ao risco assumido especificamente pelas atividades do agente responsável.

Fundamenta-se no princípio de que o empreendedor assume os riscos de sua atividade e responde por eles, porém, não responde por fatos imprevisíveis ou necessários, cujos efeitos não se possa evitar ou impedir, como por exemplo, os danos ambientais causados por um sinistro em seu empreendimento, em razão de um temporal ou qualquer outro fenômeno da natureza.

No entendimento desta teoria, uma vez que a responsabilidade sem culpa limita-se aos danos decorrentes dos fatos que possuem um nexo causal ou um vínculo necessário com as atividades exercidas por seu empreendimento.

Pois os riscos assumidos seriam apenas os vinculados por um nexo de causalidade com este empreendimento, excluindo-se os danos que sejam causados por tal empreendimento em razão de circunstâncias alheias, imprevisíveis ou necessárias, que não pudessem ser evitados ou impedidos pelo empreendedor e cuja ocorrência não tem como causa determinante a sua atividade, mas seja motivada por circunstâncias outras, de natureza diversa, que incidiram em seu empreendimento por circunstâncias aleatórias. 

As hipóteses do caso fortuito e da força maior, assim, mesmo tratando-se de responsabilidade objetiva, excluiriam a responsabilidade do agente, ficando assim com seus efeitos equiparados aos casos de responsabilidade subjetiva.

4.3 Teoria do risco criado

Nesta concepção, a do risco criado, entende-se que o empreendedor responde por todos os riscos de danos havidos em razão das atividades de seu empreendimento, independente de culpa, entendendo-se como tais os decorrentes de quaisquer fatos que, sem a sua existência, não teriam ocorrido, estabelecendo-se, portanto, o nexo de causalidade no sentido de que quando as atividades de seu empreendimento, ou o fato da localização de suas instalações físicas, de qualquer forma, concorrerem para o evento causador do dano, responderá civilmente por este.

A apuração do nexo causal, deste modo, assenta-se na premissa do conditio sine qua non, onde  o empreendedor responde por todo o evento danoso que não tivesse sido produzido sem a existência de seu empreendimento ou das atividades deste. Responderá, pois, ainda que seu empreendimento ou atividade atue como concausa, bastando que tenha concorrido, de qualquer forma, no nexo de causalidade de sua produção, ainda esta seja derivada também de outras causas concomitantes. 

Desta maneira, nas hipóteses de caso fortuito ou força maior, permanecerá a responsabilidade objetiva do empreendedor, pois, por exemplo, se uma tempestade ou qualquer outro fenômeno imprevisto e inevitável causar uma explosão em seu estabelecimento empresarial, expondo substâncias tóxicas ao meio ambiente, responderá mesmo assim, pelos danos causados, visto que se inexistisse o seu empreendimento, a produzir e armazenar substâncias tóxicas inexistiram também os danos causados.

Considerado aqui esta simples existência de seu empreendimento, pois, atribui-se a este a concausa na produção do evento danoso, criando o risco ou a possibilidade do dano, que acabou acontecendo, mas que não teria ocorrido somente pela incidência de tal fenômeno da natureza.

Sendo assim, nesta concepção do nexo de causalidade como o evento danoso pode se estabelecer como causa ou como concausa, com os mesmos efeitos jurídicos em ambas as hipóteses, ou seja, a responsabilidade civil de quem com o seu estabelecimento ou atividades, está vinculada a tal nexo causal do dano verificado criando, portanto, o risco para que fosse produzido, seja como causa única, ou seja, como concausa a qual sejam agregados outros fatores determinantes, mesmo que sejam estes configurados como caso fortuito ou motivo de força maior.

Na tentativa de melhor entender tal situação, pode se fazer o seguinte raciocínio, procura-se eliminar a existência do empreendimento ou de suas atividades, se o resultado danoso deixar de ocorrer, é porque existe o nexo causal entre tal empreendimento (o risco criado por este) e o dano produzido, impondo-se a sua responsabilidade objetiva.

Se, ao contrário, eliminando-se tal existência, mesmo assim o resultado danoso subsistir, é porque inexiste tal nexo de causalidade, inexistindo também, por conseqüência, a responsabilidade objetiva.

No entendimento desta teoria, a responsabilidade do empreendedor, que obtém lucro com atividades potencialmente danosas precisa ser ampla, no sentido de abarcar todos os riscos por ela criados, ainda que produzidos com a concorrência de outras causas ou riscos que não lhe sejam inerentes.

Pois, não se pode admitir que exercendo atividades geradoras de riscos de eventos danosos para auferir benefícios econômicos, possa se eximir, ainda que parcialmente, da responsabilidade por danos efetivos decorrentes de tais riscos que criou, mesmo que o fato que lhe seja gerador tenha como concausa outros elementos, configuradores de caso fortuito ou força maior, desde que estes, por si só, não tenham produzido o resultado danoso independentemente do risco criado pelo empreendedor, a partir do exercício de suas atividades e da criação da estrutura física necessária para tal.

Em outras palavras, para esta concepção a responsabilidade objetiva não pode ficar vinculada à noção de risco assumido, que lhe restringe o âmbito de abrangência, mas sim à noção de risco criado, segundo a qual toda a atividade que cria para outrem um risco torna o seu autor responsável pelo dano para o qual concorra de qualquer forma, ainda que não haja culpa de sua parte.    

Há uma tendência clara, no entanto, inclusive em nível internacional, no sentido de que em matéria ambiental, a responsabilidade objetiva fundamenta-se na teoria do risco criado, ou seja, decorre somente da criação de condições de risco.

Tal matéria no Direito Ambiental Brasileiro mereceu referência especial. Com efeito, estabelece o artigo 225, §3º, da Constituição Federal e no artigo 4º, inciso VII, da Lei nº 6.938, de 31.08.81.

A responsabilidade civil objetiva em matéria ambiental, pois no Direito Brasileiro, possui assento na Carta Magna, que a recepcionou da legislação infraconstitucional, conforme descreve Paulo de Bessa Antunes (apud Gomes) [11].

Há a aditar que a parte final do § 3º do artigo 225 da Constituição Federal vigente estabeleceu a responsabilidade civil objetiva em matéria ambiental.

A bem da verdade, deve ser salientado que a responsabilidade objetiva já preexistia à Carta Constitucional artigo 14, § 1º da Lei nº 6.938, de 31.08.81. [...] A responsabilidade é um dos temas recorrentes do direito, e de fato se constitui em verdadeira questão central para aqueles que pretendam tornar efetiva a tutela constitucional do meio ambiente.

Desta forma, é maciçamente dominante o entendimento no sentido de que este, seguindo uma tendência em nível internacional, adotou a teoria do risco criado à responsabilidade objetiva em matéria ambiental, mantendo-se a responsabilidade, portanto, de acordo com esta teoria, nos termos antes aduzidos, mesmo quando sobre tal risco incidem como concausa, o caso fortuito e o motivo de força maior, porque esta é a teoria que mais se compatibiliza com os seus princípios constitucionais e com seu sistema normativo, sob o fundamento de que nestes está contida implicitamente a referida teoria do risco criado.

Na teoria do risco criado, sendo o mesmo já anteriormente existente, o que inclusive já está consagrado em norma internacional instituída pela União Européia, consoante citação de Paulo Affonso Leme Machado.[12], ao fundamentar a abrangência da responsabilidade objetiva também no Direito Ambiental Brasileiro.

A convenção sobre responsabilidade civil dos danos resultantes de atividades perigosas para o meio ambiente elaborada sob o patrocínio do Conselho da Europa, foi aberta para a assinatura dos países integrantes em Laguno, aos 21 de junho de 1993. Nos seus considerandos diz ser oportuno ‘estabelecer neste domínio um regime de responsabilidade objetiva, levando em conta o princípio poluidor-pagador’.

O artigo 10, tendo como rubrica a ‘causalidade’, diz: ‘Quando é apreciada a prova do liame de causalidade ou, quadro de uma atividade perigosa definida no artigo 2º, § 1º, alínea ‘d’, entre esta atividade e o dano, o juiz terá devidamente em conta o risco aumentado de provocar dano inerente à atividade perigosa’.

Importante mencionar que a maior parte das obras de Direito Ambiental produzidas por doutrinadores brasileiros, não fazem distinção entre as teorias do risco assumido e do risco criado, referem-se genericamente apenas à responsabilidade sem culpa como resultante da teoria do risco.

No entanto, ao delimitarem o alcance de tal responsabilidade no direito nacional, identificam claramente os seus fundamentos e extensão com os da teoria do risco criado, evidenciando pois, mesmo assim, a opção do sistema jurídico ambiental de nosso país por tal teoria, em detrimento, portanto, da concepção do risco assumido.

5.         RESPONSABILIDADE PENAL NO MEIO AMBIENTE

Devido às preocupações levantadas, como conseqüências trazidas pelo progresso técnico e industrial, a partir da década de 70, vários países deixaram a crença no progresso ilimitado da ciência que impulsionou a ideologia positivista no século XIX até os dias atuais. A proteção do meio ambiente passou a constituir um problema fundamental no mundo contemporâneo.

A humanidade, antes despreocupada com o meio ambiente,  encontra-se hoje ante a ameaça de sua extinção, pelo processo de autodestruição. Surge a necessidade de se tomar medidas enérgicas para proteger a vida e sua qualidade contra aquele que a ameaça, resolvendo o eventual conflito entre desenvolvimento econômico e proteção do meio ambiente, rumo ao então desejado desenvolvimento sustentável.

A nova relação que se estabeleceu entre o homem e a natureza, baseada no mútuo respeito e na mútua dependência, com a predominância do interesse coletivo sobre o individual, induziu a uma nova postura da sociedade para o meio ambiente, que requer um novo enfoque dos problemas existentes e uma adequação da ordem jurídica para as suas soluções, levando em consideração os novos valores emergentes e a responsabilidade comum de sua defesa.

 

Como já abordado neste estudo, a nossa Constituição, sedimentou ampla tutela ao meio ambiente e a declaração de seus princípios fundamentais no seu art. 225, que juntamente com a Lei 9.605/88, criaram mecanismos para que se assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto aos seus recursos naturais".

Consequentemente, também se espera que o Direito Penal contribua, como parte integrante da ordem jurídica, e como recurso extremo na proteção dos valores fundamentais da sociedade, através das sanções que lhe são próprias, sendo a violação dos mesmos intolerável e inevitável de outra forma.

O Direito Penal agirá como recurso necessário de defesa social, garantidor da coexistência pacífica entre os membros da coletividade, e instrumento de uma política que atenda aos anseios sociais sem descurar os do desenvolvimento econômico e as necessidades básicas da população. Nesse diapasão, se torna necessário então realizar a compatibilização da Política Criminal com as diretrizes da Política Ambiental, dotando-se a legislação penal de instrumentos e normas adequadas à proteção dos valores ambientais, refazendo e redimensionando um sistema que, além de apropriado às finalidades visadas, possa atender melhor aos anseios e às exigências da nova ordem social.

Os recursos às mais contundentes medidas de proteção, que pode proporcionar o ordenamento jurídico, são plenamente justificáveis para a conservação e manutenção do meio ambiente, pois se trata de um bem jurídico de especial transcendência cuja proteção resulta essencial para a própria existência do ser humano e em geral da vida, e que se encontra seriamente ameaçado. No entanto, a maior parte da doutrina que admite a intervenção penal em matéria ambiental, matiza a postura ressaltando o critério de última ratio do Direito Penal. 

Os mais relevantes aspectos de discussão doutrinária sobre o tema penal ambiental, relacionam-se à identificação do bem jurídico protegido, a real necessidade de uma intervenção penal nos problemas ecológicos, as novas técnicas legislativas adotadas, lei penal em branco, a autonomia das sanções de ordem administrativa em relação às de cunho penal, a possibilidade de se responsabilizar pessoas jurídicas e a aplicação das penas alternativas.

No Estado Democrático de Direito, o Direito Penal adequado, figura como um Direito Penal de mínima intervenção, em que este só atuará a fim de proteger os bens jurídicos fundamentais da sociedade, vez que sufocaria a convivência social se não fosse limitada a sua intervenção. Nesta nova concepção do controle social penal está a dignidade da pessoa humana, como centro da organização estatal, que coloca o ser humano como fim último da organização social.

Ocorrem que, principalmente a partir da década de 80, as relações sociais têm sofrido grandes mudanças, caracterizadas, as grandes empresas transnacionais que acabaram por deslocar, até certo ponto, o poder o qual passa a ter âmbito mundial, não mais regional ou nacional.

Diante de tais mudanças, ocorridas principalmente pelo incremento tecnológico, a globalização e as relações econômicas em âmbito internacional, ocorreram transformações nos fins da sociedade, a qual passa a organizar-se não mais em torno do indivíduo, mas no sentido de atingir os fins do capitalismo mundial, uma sociedade assim organizada ganha um tom organicista, onde o homem não é mais que um subsistema do sistema social e este sim deve ser preservado, demandando que o Direito Penal passe a assumir outras funções que não a de proteção de bens jurídicos fundamentais.

Perde, com isso, espaço o Direito Penal voltado à proteção de bens jurídicos, para ganhar espaço um Direito Penal de máxima intervenção, destinado a produzir mudanças estruturais necessárias. Conforme lição de Alberto Silva Franco[13], é o chamado Direito Penal Promocional, o Direito Promocional assevera que por meio dessas infiltrações é posto em xeque o caráter instrumental e garantístico da intervenção penal para atribuir-se ao controle social penal ou uma função puramente promocional ou uma função meramente simbólica. "Essa tomada de posição acarreta uma inflação de figuras criminosas para efeito de evidenciar uma atitude acautelatória do legislador diante das mudanças que se processam, com espantosa velocidade, em nível de convivencialidade social. Esta indevida e antecipada intervenção penal mostra-se de absoluta ineficácia, o que, a final, se traduz numa desmoralização do próprio controle social penal".

O objetivo de um Direito Penal Promocional seria o de aquietar a sociedade em geral, e certos segmentos sociais em particular. O resultado, no entanto, não é sempre satisfatório. A proteção do meio ambiente revela-se, atualmente, condição essencial para a sobrevivência da própria espécie humana. A ordem constitucional revela a proteção do meio ambiente como bem jurídico fundamental.

O Direito Penal, no plano de um Estado Democrático de Direito, deve ser direcionado preferencialmente para o combate dos crimes que impedem a realização dos objetivos constitucionais do Estado., ou seja, no Estado Democrático de Direito, instituído no art. 1o da CF/88, devem ser combatidos os crimes que fomentam a injustiça social, o que significa afirmar que o direito penal deve ser reforçado naquilo que diz respeito aos crimes que promovem e/ou sustentam as desigualdades sociais". Nessa linha, estão os novos bens jurídicos fundamentais, entre eles, o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Conforme prega Miranda Rodrigues[14], ao legislador "incumbe tentar encontrar o justo equilíbrio entre o progresso econômico e social e o direito fundamental à manutenção e restauração de um ambiente são. O que poderá fazer apelando também à técnica e promovendo novos meios ou recursos que permitam o controlo daquelas actividades que podem causar danos ou pôr em perigo aquele interesse fundamental”.

6.         A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA PESSOA JURÍDICA NA ESFERA PENAL

A grande questão ainda não respondida de um todo é se responde ou não criminalmente a pessoa jurídica, e talvez a maior problemática resida no que tange a como se aplicar as penas privativas de liberdade no ente jurídico. Inúmeros e acirrados debates tem-se travado ao longo das últimas décadas para verificar a possibilidade da pessoa jurídica ser sujeito ativo no campo penal, onde basicamente duas correntes antagônicas, e uma terceira via em formação, debatem a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, questão relevante para o direito ambiental.

Aos que se filiam ao sistema romano-germânico, que representam a esmagadora maioria, onde vige o princípio societas delinquere non potest, segundo o qual, é inadmissível a punibilidade penal dos entes coletivos, aplicando-se-lhes somente a punibilidade administrativa ou civil. Por outro lado, nos países anglo-saxões e naqueles que receberam suas influências, vige o princípio da common law, que admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

É bem verdade que esta orientação começa a conquistar espaço entre os países que adotam o sistema romano-germânico, como por exemplo, a Holanda e mais recentemente a França e a Dinamarca. Essa tendência se fortaleceu depois da Primeira Guerra Mundial em principio por duas razões: a primeira o Estado passou a ser mais intervencionista, regulando a produção e distribuição de vários produtos e serviços, e a segunda porque as empresas passaram a ser, em face do seu poderio resultante da formação de gigantescos monopólios, se transformando nas principais violadoras das normas estatais. 

          Existe muita controvérsia na doutrina nacional sobre a questão no âmbito constitucional. Alguns entendem que continua em vigor o princípio societas delinquere non potest, não revogado, mas ratificado pela Carta de 1988. Outros, ao contrário, sustentam que efetivamente a mais recente Constituição Brasileira desejou inovar e se adequar à tendência universal no sentido de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica. 

A Constituição de 1988, sobre o tema, assim declara:  

“A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a as punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular" (art. 173, § 5o). 

“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (art. 225, § 3o). 

Como adeptos da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, podemos citar: Paulo Affonso Leme Machado, Gilberto Passos de Freitas, Ivette Senise Ferreira, Sérgio Salomão Shecaria, Antônio Evaristo de Morais Filho, Fausto Martin de Sanctis, dentre outros ilustres.

Fausto Martin de Sanctis[15], ao defender seu ponto de vista, expõe que: "O legislador constitucional, atento às novas e complexas formas de manifestações sociais, mormente no que toca à criminalidade praticada sob o escudo das pessoas jurídicas, foi ao encontro da tendência universal de responsabilização criminal. Previu, nos dispositivos citados, a responsabilidade penal dos entes coletivos nos delitos praticados contra ordem econômica e financeira e contra a economia popular, bem como contra o meio ambiente”. 

Gilberto Passos de Freitas[16], ao comentar o art. 225, § 3o, afirma: "Diante desse dispositivo, tem-se que não há mais o que se discutir a respeito da viabilidade de tal responsabilização”. 

No dizer da Professora Ivette Senise Ferreira[17], ‘designando como infratores ecológicos as pessoas físicas ou jurídicas o legislador,... abriu caminho para um novo posicionamento do Direito Penal do futuro, com a abolição do princípio ora vigente o qual societas delinquere non potest’". 

Além dos penalistas, grande parte dos constitucionalistas, também, reconhece a responsabilidade da empresa na Carta Política de 1988. 

José Afonso da Silva[18] defende que o disposto no art. 173, § 3o, prevê a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas, independentemente de seus dirigentes, sujeitando-os às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica, tendo como um dos seus princípios a defesa do meio ambiente. 

Tanto para o supracitado autor, ou como para Shecaria[19], os dois dispositivos da Carta Magna, invocados no início deste capítulo têm entre si uma articulação orgânica, que impedem possam ser examinados separadamente, por estarem no âmbito do mesmo contexto. 

No dizer da Professora Ivette Senise Ferreira[20], ao comentar o art. 225, § 3o, afirma: “Diante desse dispositivo, tem-se que não há mais o que se discutir a respeito da viabilidade de tal responsabilização, designando como infratores ecológicos às pessoas físicas ou jurídicas o legislador,...abriu caminho para um novo posicionamento do direito penal do futuro, com a abolição do princípio ora vigente o qual societas delinquere non potest’’. 

Outros doutrinadores, contrariamente, como adeptos da não responsabilização penal das pessoas jurídicas, sustentam que desejou inovar a Constituição de 1988, e adequou-se à tendência universal no sentido de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, sendo que podemos destacar: René Ariel Dotti, Luiz Vicente Cernicchiaro, Cezar Roberto Bitencourt, Antônio Claúdio Mariz de Oliveira , Luiz Regis Prado, José Carlos de Oliveira Robaldo, William Terra de Oliveira, dentre vários. 

Segundo o entendimento predominante desta corrente doutrinária, a Constituição de forma alguma consagrou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Alegado aqui está à incapacidade de ação que o Direito Penal Contemporâneo estabelece, pois o único sujeito com capacidade de ação é o indivíduo. Pode-se dizer, como ensina Francisco de Assis Toledo[21] "que, no mundo social, só os seres humanos são capazes de ouvir e de entender as normas, portanto, só eles podem cometer crimes”.

A ação é o comportamento voluntário conscientemente dirigido a um fim, compondo-se de um comportamento exterior, de conteúdo psicológico, da antecipação mental do resultado pretendido, da escolha dos meios e a consideração dos efeitos necessários dirigido a um fim proposto. 

Cezar Roberto Bitencourt[22], em trabalho sobre o tema, lança a seguinte indagação: "Como sustentar-se que a pessoa jurídica, um ente abstrato, uma ficção normativa, destituída de sentidos e impulsos possa ter vontade e consciência? Como poderia uma abstração jurídica ter ‘representação’ ou ‘antecipação mental’ das conseqüências de sua ‘ação’?."  E acrescenta: "... a conduta (ação ou omissão) é produto exclusivo do homem”.

Já René Ariel Dotti[23] destaca, com muita propriedade, que o conceito de ação como atividade humana conscientemente dirigida a um fim vem sendo tranqüilamente aceito pela doutrina brasileira, o que implica no poder de decisão pessoal entre fazer ou não fazer alguma coisa, ou seja, num atributo inerente às pessoas naturais’. Com efeito, a capacidade de ação e de culpabilidade exige a presença de uma vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, que somente o ser humano pode ter”. 

Assim, ressalta a evidência de que a pessoa coletiva não possui consciência e vontade, ou seja, não é capaz de ser sujeito ativo do delito, pois sem estes dois elementos, consciência e vontade, é impossível falar-se, tecnicamente, em ação, que é o primeiro elemento estrutural do crime, ao menos, que se pretenda destruir o Direito Penal e partir, assumidamente, para a responsabilidade objetiva. 

Ainda nesse sentido, afastando total responsabilização penal do ente coletivo, Luiz Regis Prado[24], ao analisar o art. 225, § 3o, da Constituição Federal, aduz que o dispositivo em tela refere-se, claramente, à conduta/atividade, e em seqüência, à pessoas físicas ou jurídicas. Dessa forma, vislumbra-se que o próprio legislador procurou fazer a devida distinção, através da correlação significativa mencionada. E continua afirmando que "nada obstante, mesmo que – ad argumentandum – o dizer constitucional fosse em outro sentido – numa interpretação gramatical (a menos recomendada) diversa -, não poderia ser aceito. Não há dúvida que a idéia deve prevalecer sobre o invólucro verbal”.

Já questionando a aplicação do Direito Penal personalíssimo, atribuindo a sanção a quem cometeu o delito, sustenta José Carlos de Oliveira Robaldo[25], que a responsabilidade penal das pessoas coletivas peca por dois motivos: primeiro porque fere o Direito Penal mínimo, posto que está se atribuindo ao Direito Penal uma tarefa que não é sua; segundo porque o Direito Penal se fundamenta na culpabilidade, cuja conduta, pedra angular da teoria geral do delito, somente é atribuível ao homem.

Luiz Vicente Cernicchiaro[26], por seu turno, entende que os arts. 173, § 5o e 225, § 3o, devem ser interpretados teleologicamente e considerados dentre de um contexto sistêmico maior, sob pena de se perder a congruência e visão de conjunto em relação a outros dispositivos constitucionais. Para ele, ao menos dois princípios básicos do Direito Penal, insertos na Constituição, seriam atingidos se houvesse a responsabilidade penal da empresa, quais sejam, o princípio da culpabilidade e o da responsabilidade pessoal; "haveria, pois, ofensa à idéia de que sem culpabilidade não existe pena, dogma de segurança individual, garantido pelo sistema penal brasileiro e haurido do Iluminismo; além disso, a pena passaria da pessoa do condenado, atingindo terceiros que não houvessem praticado qualquer conduta delituosa, ou que nem mesmo tivesse dado alguma contribuição nesse sentido”.

Sustentam ainda que a capacidade de ação, de culpabilidade e de pena exige a presença de uma vontade, entendida como faculdade psíquica da pessoa individual, inexistente na pessoa jurídica, mero ente ao qual o direito atribui capacidade para outros fins distintos dos penais. Não obstante, uma outra problemática vertente situa-se na esfera processual, pois há uma enorme dificuldade em investigar e individualizar as condutas nos crimes de autoria coletiva.

A argumentação basilar é que seriam violados os princípios da Isonomia, porque a partir da identificação da pessoa jurídica como autora responsável, os partícipes, ou seja, os instigadores ou cúmplices, poderiam ser beneficiados com o relaxamento dos trabalhos de investigação, e o Princípio da humanização das sanções, pois quando a Constituição Federal trata da aplicação da pena refere-se sempre às pessoas, ou seja, à conduta humana de cada pessoa.

Neste diapasão, sustenta, René Ariel Dotti[27], In verbis:

"A se aceitar a esdrúxula proposta da imputabilidade penal da pessoa jurídica, não poderia ela promover a ação de ressarcimento contra o preposto causador do dano, posto ser a co-responsável" pelo crime gerador do dever de indenizar. Faltar-lhe-ia legitimidade, pois um réu não pode promover contra o co-réu a ação de reparação de danos oriunda do fato típico, ilícito e culpável que ambos cometeram .Corolário dessa conclusão é a regra do art. 270 do CPP: "O co-réu no mesmo processo não poderá intervir como assistente do Ministério Público”.

Além do mais, a pessoa jurídica não é intimidável pela certeza da aplicação de penas, e não pode ser ressocializada através da sanção, reforçando a tese que a Carta Magna de 1988 não adotou o princípio societas delinquere potest. Como a pessoa coletiva não possui consciência e vontade – em sentido psicológico, portanto não é capaz de ser sujeito ativo do delito, pois sem estes dois elementos – consciência e vontade – é impossível se falar, tecnicamente, em ação, que é o primeiro elemento estrutural do crime.

Ainda a Carta Magna não dotou o ente moral de responsabilidade penal, ao contrário, condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza.

É fato que pela Carta Maior a responsabilidade penal continua a ser pessoal (art. 5o, inciso XLX).

No entanto, percebe-se que as duas correntes têm boa fundamentação, aos legalistas vai de encontro ao sistema, mas resta claro que dentro da realidade jurídico-penal que está instalada com a introdução de citados dispositivos legal, onde a inércia legislativa mostra-se contrários ao molde criminal que está firmando-se neste terceiro milênio, sendo pois, imperiosa a adequação da legislação penal, estabelecendo um forte elo de ligação com a Carta Magna, buscando nesta releitura, o fim de poder de dar ampla e irrestrita aplicabilidade à responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Concebendo ser a lei do meio ambiente uma realidade e não um projeto em fase de discussão, entende-se que o legislador ordinário nada mais fez do que concretizar o imperativo constitucional em conforme uma demanda mundial de se proteger o meio ambiente, sem desconsiderar, embora não concretizada, a necessidade de intimidar ou responsabilizar o causador do dano, ainda que pessoa jurídica fosse, para atender ao clamor e aos anseios da população que clama por justiça e por proteção ao meio ambiente, bem comum da humanidade.

7.         CONCLUSÃO

Certamente é tempo de se repensar o sistema penal tradicional, especialmente no que tange ao Direito Ambiental, adaptando aos novos ditames da Carta Maior, como forma de assegurar um futuro as próximas gerações que terão que conviver com o passivo ambiental. 

Já defendia o mestre Rui Barbosa, através de seu célebre pensamento, onde eternizou que:

"Não há, numa Constituição, cláusulas a que se deve atribuir meramente o valor moral, de conselhos avisos ou lições. Todas têm força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular aos seus órgãos. Cabe, pois, ao legislador disciplinar a matéria”.

A pessoa jurídica, criada para perseguir fins lícitos previamente idealizados pelos seus membros pode, através de seus órgãos e seus dirigentes, no desempenho de seus fins, lesar bens jurídicos penais, o que por si só merece atenção da ordem jurídica penal nacional.

Andou bem o legislador brasileiro, atento a esta problemática e consciente da inadequação do sistema penal clássico para enfrentar determinadas espécies de criminalidade e, sobretudo, responsabilizar os principais agentes de sua prática, não apenas esculpiu os contornos jurídicos constitucionais da responsabilidade penal da pessoa jurídica, como também conferiu-lhes a aplicabilidade, através da instituição da Lei Ambiental n.º 9.605/98.

 Este diploma revolucionário e inovador no sistema penal brasileiro, merece aplausos de todas as pessoas efetivamente preocupadas com a tutela do meio ambiente. Necessário se faz, entretanto, algumas adaptações em seu texto, para torná-lo mais eficaz e consentâneo com o princípio da legalidade, para atingir assim a eficácia desejada.

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas deve ser entendida, a partir de então, no âmbito de uma responsabilidade social. Faz-se necessário que a pessoa jurídica na execução de suas tarefas, ainda que atue com fins e objetivos distintos da dos seus agentes ou proprietários, seja penalizada, contudo a sua  responsabilidade  não deve excluir a de seus dirigente, quando for o caso.

Não se pretende sufocar a dogmática penal que a reserva como ultima ratio, suplantada pela Escola Clássica, onde somente seria possível ao homem ser sujeito ativo de crime. Todavia, um posicionamento simplesmente contrário ao princípio da societas delinquere non potest, incondicionado, não merece consideração apesar da argumentação daqueles que são contrários à responsabilização do ente coletivo, por conta de estar o sistema jurídico-penal reclamando profundas mudanças com o intuito de ser adaptado e instrumentalizado para a efetiva responsabilização nos moldes instituídos pela Lei Maior.

A realidade é que em todo o mundo as legislações se preocupam com o fato de serem as pessoas jurídicas um instrumento que facilita as atividades criminosas, por isso, devem ser responsabilizadas não só civil e administrativamente, como também na esfera penal. A doutrina internacional já vem avançando em ritmo acelerado, dentre ela a inglesa, a holandesa e americana, estabelecendo que se é a pessoa jurídica capaz de contratar, consequentemente tem também capacidade para criminosamente, descumprir o contratado.

A pessoa jurídica pelo seu aporte econômico é na maioria das vezes, mais nociva do que todo contingente de pessoas físicas, e ainda assim pode facilmente acobertar a prática de delitos. A resistência dos partidários da tese contrária está nos clássicos conceitos de ação, culpabilidade e capacidade de pena, que se mostra ultrapassada para os dias atuais, na medida em que está centrada na idéia retributiva da pena, assim traduzida como sofrimento e tormento;

A tese sustentada de que a pessoa jurídica não é capaz de pena é facilmente derrubada, ante o fato de que não se mostra razoável, em pleno terceiro milênio, manter-se a mesma concepção teórico-penal. O sistema penal vigente, por intermédio das penas alternativas, possibilita a punição da pessoa jurídica, a exemplo das penas alternativas, como as de multa, e até se possa condená-la em privativa de liberdade, substituindo então por uma obrigação pecuniária.

Portanto, é preciso assimilar que não mais tem o Direito Penal a finalidade de fazer justiça, compensando-se a culpa com a pena. Em hipótese alguma pode o Direito Penal de um Estado Democrático, se vincular as finalidades teológicas, deve sim se destinar a fazer funcionar a sociedade, e vendo sob este prisma, pouco importa que o violador da norma seja uma pessoa física ou jurídica, há que promover um equilíbrio na balança, freando a depredação ambiental ora em andamento.

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Disponível em: < http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/alencarjoaodallagnol/responsabilidadeambiental.htm >. Acesso em: 25/09/06.