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A América Latina e a Lei de Cultivares

 

 

Maria Thereza Wolff
Engenheira Química
Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira
Dannemann Siemsen Meio Ambiente Consultores

 

1. CULTIVARES

Cultivares, ou melhor, Variedades Cultivadas não é um termo botânico mas foi especificamente criado para determinar variedades de plantas com características específicas, que, no final do século 19 na Europa, vinham obtendo crescente implementação e passaram a necessitar de alguma forma de regulamentação que permitisse a seu melhorista, ou seja, a seu criador, investir financeiramente nesta área sabendo que iria posteriormente obter um retorno do capital investido.

Nesta época, na agricultura, avanços tecnológicos começaram a permitir o cultivo de variedades e a produção de sementes com propriedades melhoradas, sobretudo no que dizia respeito à sua qualidade.

Simultaneamente produtos de qualidade inferior passaram a ser também comercializados, o que começou a interferir enormemente na área da melhoria das variedades, tanto de sementes quanto de plantas em geral, no que se referia a "boa qualidade" e fez com que melhoristas honestos passassem a procurar proteger seus produtos por intermédio de contratos de comercialização particulares para assim contornarem a pirataria já existente e a injusta má reputação que acabou por atingir seus bons produtos.

Os direitos de patentes e de marcas pouco auxílio trouxeram ao problema que se alastrou até o início da década de 20, quando então diversos países da Europa sancionaram suas leis diretamente dirigidas à proteção de variedades de plantas e de sementes. Nos E.E.U.U., na mesma época, foi também sancionada a Lei de Patentes de Plantas (PPA) mostrando assim o anseio mundial por legislações que protegessem o trabalho árduo e demorado dos melhoristas. Tais legislações nacionais no entanto, apesar de exercerem suas proteções territoriais, não sanaram os problemas das Comunidades como um todo, sendo cada vez mais clara a evidente necessidade da criação de um organismo internacional que reunisse os diversos países através de uma legislação básica única.

2. COMO SE FORMOU A UPOV

Em 1952, no Congresso da AIPPI em Viena e em 1954 no Congresso de Bruxelas, foram tomadas decisões essenciais relativas a formação de um Organismo Internacional que gerisse a proteção de variedades de plantas, que teve finalmente sua data de fundação em 1961 em Genebra sob o nome de UPOV (INTERNATIONAL UNION FOR THE PROTECTION OF PLANT VARIETIES).

Tomaram parte nesta fundação inicialmente: Bélgica, Suiça, Dinamarca, Finlândia, Inglaterra, Itália, Holanda, Noruega e Espanha. Naquela ocasião forma fixadas as regras básicas que reuniriam a proteção de sementes e de variedades de plantas em um único Acordo Internacional.

Como artigos principais deste Instrumento, citam-se:

  • Art. 4° que dispõe sobre todos os gêneros e espécies botânicas;
  • Art. 5° que dispõe sobre o âmbito de proteção;
  • Art. 5° §1° item 3 que dispõe sobre a regulamentação especial de plantas ornamentais.
  • Art. 5° §3° que dispõe sobre a ausência de dependência do direito de variedades.
  • Art. 6° b) que dispõe sobre:
    • a distinguibiliade das variedades;
    • a homogeneidade das variedades;
    • sobre a resistência das variedades;
    • sobre a denominação das variedades.
  • Art. 8° §1° que dispõe sobre a duração da proteção,
  • Art. 12 §1° que dispõe sobre a prioridade.

 

3. REVISÕES DO ACORDO

Em 1972 este Acordo sofreu sua primeira revisão de ordem preponderantemente financeira e em 1978, sua segunda revisão desta vez sendo modificados determinados conceitos, tais como, o da novidade que ficou delimitada pela comercialização. Com o desenvolvimento tecnológico se expandindo enormemente, sobretudo nas áreas de tecnologia genética e biologia molecular, fizeram-se necessárias novas mudanças estruturais no texto da versão de 1978 e em 1991 houve uma nova revisão do Acordo com uma reformulação de seu texto no qual foi inserido o tão necessário e desejado conceito de "variedade essencialmente derivada", já que tinha se tornando extremamente injusta para o melhorista a situação conflitante e cada vez mais repetida de ser criada uma variedade através de custosos procedimentos que envolvem a engenharia genética e após isto, terceiros estarem permitidos de criar ou usar livremente uma outra variedade que se distinguisse da primeira apenas por um pequeno e pouco importante número de descritores (que são características das variedades). Não havendo na versão de 1978 a previsão de depêndencias de cultivares, os terceiros nada haviam a retribuir ao melhorista da primeira cultivar. Foi também introduzida nesta última versão de 1991, o conceito de privilégio do agricultor que passou a permitir ao mesmo fazer uso sem a necessidade de pagamento de royalties, de uma variedade protegida, desde que fosse para seu próprio consumo e dentro dos limites de sua propriedade.

4. COMPARAÇÕES ENTRE O SISTEMA DE PATENTES E O DE CULTIVARES

Para uma melhor apreciação das diversas versões da Lei de Cultivares da UPOV e suas comparações com o Sistema de Patentes, segue-se o seguinte

quadro comparativo:

CULTIVARES E PATENTES DE INVENÇÃO: SUAS SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

 

CULTIVARES

PATENTES DE INVENÇÃO

I. OBJETO DE PROTEÇÃO

Uma variedade vegetal definida como tal

Uma solução para um problema técnico - pode ser um produto ou um processo (inclusive aplicações ou usos).

II. REQUISITOS DE PROTEÇÃO

 

 

  Novidade (comercial)

  Distinguibilidade

  Homogeneidade

  Estabilidade

  Aplicabilidade industrial (ou utilidade)

  Novidade absoluta (em função do estado da técnica)

  Atividade inventiva (a invenção não deve ser obvia ou evidente).

  Descrição suficiente para poder repetir ou executar a invenção.

 

  Denominação da variedade (destinada a ser o nome genérico da variedade)

 

III. DEFINIÇÃO DO DIREITO EXCLUSIVO

O direito do melhorista está delimitado pela descrição da variedade, tal como aparece no registro de variedades protegidas. Em caso de dúvida, se consulta a amostra que a Autoridade mantém.

  O direito do titular da patente está delimitado pelas reivindicações da patente. A descrição e os desenhos, se for o caso, podem ser usados para interpretar as reivindicações.

IV. ÂMBITO DO DIREITO EXCLUSIVO

  Direito de impedir terceiros de realizar atos com fins comerciais (*) a respeito:

  do material de multiplicação ou de reprodução das plantas da variedade

  a produtos da colheita (plantas inteiras, partes de plantas, frutos, flores cortadas, etc..), sempre que tenham sido obtidos mediante uso não autorizado do material de reprodução ou de multiplicação e o melhorista não tenha podido exercer seu direito a respeito do material de reprodução ou de multiplicação.

  (produtos fabricados diretamente a partir de um produto da colheita)

  outras variedades (de terceiros) que possam ser consideradas como essencialmente derivadas ou que não sejam claramente distinguíveis ou tenham sido obtidas pelo emprego repetido da variedade protegida.

  Direito de impedir terceiros de efetuar atos com fins comerciais (*) a respeito de:

  o produto patenteado

  o processo patenteado

  a produtos obtidos diretamente pelo processo patenteado

  A proteção não só abrange estritamente aquilo que está reivindicado, mas também resultados equivalentes obtidos por meios equivalentes àqueles reivindicados.

 

V. LIMITAÇÕES DO DIREITO EXCLUSIVO

  atos realizados em âmbito privado e sem fins comerciais (*)

  atos realizados a título experimental

  atos realizados com a finalidade de criação de novas variedades e atos realizados com as novas variedades assim obtidas (com exceção do melhorista)

  privilégio do agricultor

  exaustão do direito

  usuário anterior (direitos adquiridos)

  atos realizados em âmbito privado e com fins comerciais (*)

  atos realizados com fins experimentais no que diz respeito ao objeto da patente (por exemplo, engenharia reversa).

  atos realizados com finalidade de estudos ou de ensino

  exaustão dos direitos

  usuário anterior (direitos adquiridos)

VI. ACESSO AO OBJETO DE PROTEÇÃO

  O material da variedade que se entrega a Autoridade Competente não fica à disposição do público - o público tem acesso ao material da variedade apenas quando o titular o comercializa;

  A descrição da variedade para o relatório a ser depositado na autoridade Competente não é uma descrição suficiente para se repetir ou criar a variedade, mas somente tem a finalidade de identificar e distinguir as variedades entre si.

  A invenção deve ser descrita de maneira tal que um técnico no assunto possa compreender a invenção e reproduzí-la (requisito de suficiência descritiva). Quando for necessário, deve-se depositar uma amostra do material, objeto da invenção, para que se possa repetí-la. Existe o acesso à descrição da invenção e ao material depositado, a partir da publicação da invenção.

 

(*) NOTA: Por fins comerciais entende-se entre outros, produzir, fabricar, oferecer à venda, vender, usar ou possuir, armazenar, importar ou exportar para fins de comercialização.

 

5. CULTIVARES NOS PAÍSES DO PACTO ANDINO

 

Em 21 de Outubro de 1993, pela decisão 345 do Acordo de Cartagena, foi sancionado um "Regime Comum de Proteção aos Direitos de Melhoristas de Variedades Vegetais", nos países que compõem o pacto andino e que são: Perú, Equador, Venezuela, Colômbia e Bolívia. Esta Lei toma como base as versões revisadas da UPOV de 1978 e 1991 mas guardando sempre a autonomia territorial de cada País e traz como artigos interessantes de serem ressaltados:

  • Art. 9, que em seus 5 ítens discrimina casos específicos nos quais pode se considerar como ainda mantida a novidade da Cultivar, e inclui o conceito de "abuso" que pela primeira vez é apontado em uma tal legislação.
  • Art. 25, que em seu ítem c) inclue na proteção, a variedade essencialmente derivada;
  • Art. 27, que em seu ítem b) delimita a exaustão de direitos para casos específicos em que as variedades estiverem sendo exportadas para países onde não existir tal Lei. Cabe ressaltar aqui que os países do pacto andino ainda não assinaram nem ratificaram sua entrada para a UPOV.

 

5. CULTIVARES NO MERCOSUL

 

Dos países que integram o Mercosul, ou seja, Brasil, Argentina, Uruguay e Paraguay, apenas o Brasil e o Paraguay ainda não possuem legislação de proteção de variedades de plantas e portanto ainda não aderiram a UPOV, o tendo feito no entanto entre 1993 e 1994, o Chile, a Argentina e o Uruguay. Cabe aqui ressaltar que a Argentina desde 1973 protege suas criações fitogenéticas e de sementes através de legislação própria e o Uruguay desde 1981 também possue suas leis de proteção às sementes e às variedades de plantas.

 

6. CULTIVARES NO BRASIL

 

O Brasil que assinou e ratificou o Acordo Gatt/Trips em 01/01/1995, o qual prevê em seu Art. 27, item 3 b) que os Países-Membros terão que proteger as variedades de plantas seja por leis de patentes seja por leis sui-generis ou pela combinação das duas modalidades, tem já seu projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, esperando-se para breve a aprovação final do mesmo e seu sancionamento pelo Presidente da República. Tal projeto é uma aglutinação dos projetos n° 1325 de 1995 e n° 1457 de 1996 e engloba partes das versões de 1978 e de 1991 da UPOV.

Em resumo, são os seguintes os tópicos mais importantes do Projeto de

Lei de Cultivares aprovado pela Câmara dos Deputados:

I. DEFINIÇÃO DE NOVA CULTIVAR

Nova cultivar é aquela que não tenha sido oferecida à venda no Brasil há mais de 12 meses em relação à data do pedido de proteção e que, observado o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outros países com o consentimento do melhorista, há mais de 6 anos para espécies de árvores e videiras e há mais de 4 anos para as demais espécies.

II. CULTIVAR ESSENCIALMENTE DERIVADA

Uma cultivar é considerada como sendo essencialmente derivada de outra cultivar se, cumulativamente for:

  1. predominantemente derivada de cultivar inicial ou de outra cultivar essencialmente derivada sem perder a expressão das caracteríticas essenciais que resultem do genótipo ou da combinação de genótipos da cultivar da qual derivou, exceto no que diz respeito às diferenças resultantes da derivação;
  2. claramente distinta da cultivar da qual derivou por margem mínima de descritores;
  3. apresente os requisitos de nova cultivar.

 

III. PIPELINE PARA CULTIVARES ESSENCIALMENTE DERIVADAS

 

São passíveis de proteção por pipeline, as cultivares essencialmente derivadas que já tenham sido oferecidas à venda até a data do pedido, desde que obedecidas as seguintes condições cumulativas:

  1. que o pedido de proteção seja apresentado até 12 meses após a Repartição do Governo ter divulgado a lista das espécies vegetais protegíveis e os descritores mínimos necessários à proteção;
  2. que a primeira comercialização da cultivar haja ocorrido a no máximo 10 anos da data do pedido de proteção;

A proteção será concedida pelo período remascente aos prazos previstos, considerando para tanto a data da primeira comercialização.

IV. INTRODUÇÃO GRADATIVA DE PELO MENOS 24 ESPÉCIES AO LONGO DE 8 ANOS.

 

V. ÂMBITO DE PROTEÇÃO

A proteção da cultivar recairá sobre o material de reprodução ou de multiplicação vegetativa da planta inteira.

VI. EXCLUSÕES NA PROTEÇÃO

Não se aplicam os direitos de proteção nos casos seguintes:

  1. quando reserva-se e planta-se sementes para uso próprio em seu estabelecimento;
  2. quando utliza-se ou vende-se como alimento ou matéria prima, o produto do plantio, EXCETO para fins reprodutivos;
  3. quando utiliza-se a cultivar como fonte de variação no melhoramento genético ou na pesquisa científica.
  4.  

VII. EXCEÇÕES NAS EXCLUSÕES, ESPECIFICANENTE PARA CANA DE AÇUCAR

 

Estão incluídos nos direitos de proteção, especificamente para Cana de Açúcar:

  1. a multiplicação do material vegetativo, MESMO PARA USO PRÓPRIO, sendo o agricultor obrigado a obter autorização do titular da proteção.
  2. quando para a concessão da autorização for exigido pagamento, não poderá este ir de encontro ao equilibrio econômico-financeiro da lavoura do agricultor;.
  3. somente se incluem neste direito as lavouras em propriedades rurais com área de no mínimo 4 módulos fiscais, quando destinadas à produção para fins de processamento industrial;
  4. não se aplica o direito de proteção de cultivares aos produtores que,ANTES DA VIGÊNCIA DESTA LEI, houverem iniciado a multiplicação para uso próprio, de cultivares que vierem a ser protegidas.

VIII. EXPLORAÇÃO COMERCIAL DE CULTIVAR ESSENCIALMENTE DERIVADA

 

Quando uma cultivar for considerada como essencialmente derivada de uma cultivar protegida, sua exploração comercial estará condicionada à autorização do titular da primeira cultivar protegida.

 

IX. PRAZO DE PROTEÇÃO

 

O prazo de proteção das cultivares será de 15 anos excetuadas as espécies de frutíferas, árvores florestais, árvores ornamentais e videiras que terão um prazo de 18 anos a partir da Concessão do Certificado Provisório de Proteção (que é dado quando da publicação e que serve como instrumento para a exploração comercial da cultivar).

 

X. LICENÇA COMPULSÓRIA

 

A concessão de uma licença compulsória será decidida pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e, entre outros requisitos, o requerente de tal licença terá que provar que:

  1. tentou sem sucesso junto ao titular da cultivar obter uma licença voluntária;
  2. goza de capacidade financeira e técnica para explorar a cultivar.

Espera-se que após o sancionamento desta Lei de Cultivares, o Brasil ingresse também na UPOV, com vistas a uma harmonização com o Mercosul.

 

Disponível em : < http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=mtw&pos=5.7&lng=pt >

Acesso: 21/07/06