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Combate à Biopirataria

Paulo de Bessa Antunes
Advogado
Dannemann Siemsen Meio Ambiente Consultores

 

 

 

 

Uma das questões mais polêmicas que têm dominado o debate nas diferentes mídias atualmente é o tema da biopirataria. Muito se tem falado, mas pouco tem sido explicado. O objetivo deste artigo é buscar explicar o termo biopirataria, com vistas a auxiliar em tão importante debate. Biopirataria é um neologismo, de sentido muito amplo que busca denunciar a utilização de recursos genéticos sem os devidos créditos para os países de origem e para as populações que dominam os conhecimentos tradicionais que possibilitaram a utilização do mencionado recurso para alguma finalidade específica, seja ela de pesquisa, medicinal, alimentar, cosmética ou outra qualquer. A expressão biopirataria é usada como uma analogia às ações de antigos piratas e bucaneiros que saqueavam o novo mundo em séculos passados. Com a expressão, pretende-se chamar a atenção para saques de riquezas genéticas.

É importante ressaltar que a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) firmada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92, estabeleceu um quadro geral para a proteção dos recursos genéticos, bem como para a proteção dos conhecimentos tradicionais associados à diversidade biológica que são da titularidade de comunidades locais e indígenas. No Brasil, a Medida Provisória 2186, em nível federal, estabeleceu os mecanismos básicos para a efetiva proteção dos recursos genéticos brasileiros. Acrescente-se que os Estados do Acre e do Amapá, mediante a utilização de legislação própria, também estabeleceram os seus mecanismos de proteção à diversidade biológica e ao conhecimento tradicional associado.

A CDB busca estabelecer um fluxo internacional de recursos genéticos, transferência de tecnologia e repartição justa e eqüitativa dos benefícios. Este fluxo, entretanto, deve ser regulado por leis nacionais de cada país que são os titulares da diversidade biológica. Um bom exemplo de legislação inteligente e que tem alcançado bons resultados é o da Costa Rica. O país centro americano estabeleceu uma lei de diversidade biológica (Lei 7788, de 22 de abril de 1988) que estabelece mecanismos bastante claros de acesso aos recursos de diversidade biológica, bem como de repartição dos benefícios. A Costa Rica é, também, a responsável pelo mais importante contrato de acesso aos recursos genéticos que é o celebrado entre o Instituto Nacional de Biodiversidade (INBio) e a empresa Merck, contrato este celebrado em 1991. O modelo costarriquenho precisa ser estudado com afinco, pois até o momento é o que tem de mais adequado na matéria. O contrato da Costa Rica foi feito da seguinte forma. A empresa Merck pagou cerca de U$ 1.000.000,00 para analisar 10.000 amostras de plantas e animais, pelo período de 2 anos e, adicionalmente, implantou um laboratório no valor de U$ 130.000,00 para o Inbio. Caso sejam encontradas utilidades comerciais para as pesquisas, a Merck paga até 10% de royalties para o INBio.

Com o combate à biopirataria busca se proteger o patrimônio genético contido na diversidade biológica. Patrimônio genético é a informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécie vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in situ (no local), inclusive domesticados, ou mantidos em coleções ex situ, desde que coletados em condições in situ no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva.

A biopirataria é uma preocupação recente da comunidade internacional, pois nos séculos passados o que prevalecia era uma certa despreocupação com o trânsito de espécies de uma região para outra do planeta. Um notável exemplo brasileiro de adaptação de espécies alienígenas ao território nacional é o resultante dos trabalhos realizados pelo Jardim Botânico que foi criado por Dom João VI com a finalidade de adaptar espécies ao Brasil, pois Portugal ficara sem o acesso às suas colônias na Índia, em função das guerras napoleônicas. O café que durante muito anos foi o principal produto de exportação brasileiro - se nos utilizarmos de um termo moderno - poderia ser incluído no rol de produtos biopirateados. Em sentido contrário, a borracha brasileira foi levada para a Ásia por caminhos ainda não bem explicados. A batata, produto originários dos Andes, encontra-se atualmente amplamente disseminada no mundo. É importante lembrar que, no século XIX, a Irlanda passou a famosa fome das batatas - uma praga atingiu as plantações irlandesas - e a metade de sua população foi obrigada a imigrar para os Estados Unidos. Muitos outros produtos podem ser incluídos na relação. O mesmo ocorre com animais. O grande tráfego internacional de pessoas, navios e aviões tem feito com que espécies de um local se desloquem para outros e, nem sempre, com resultados ambientalmente positivos. É um fenômeno que se conhece como espécies intrusivas. Este é um dos principais problemas ambientais e, lamentavelmente, não tem merecido a necessária atenção.

O Brasil como um dos países que detêm a maior parcela da diversidade biológica deve dedicar muita atenção ao tema da biopirataria e combatê-la de forma inteligente e proveitosa para a nossa sociedade. Em minha opinião isto significa uma adequada legislação que possibilite a pesquisa científica, desenvolva a cooperação com instituições financeiras e de pesquisa que sejam detentoras de capital econômico e científico capazes de alavancar as diferentes pesquisas que são necessárias para o pleno aproveitamento da nossa diversidade biológica. É necessário, também, que se produzam instrumentos legais aptos a garantir a justa e eqüitativa repartição dos benefícios advindos da bioprospecção (pesquisa sobre a diversidade biológica realizada dentro da lei) com as comunidades locais e indígenas. Ocorre que, isto tudo somente poderá ser possível com a necessária transferência de tecnologia e capacitação profissional de nosso pessoal técnico.

Penso que a biopirataria é um mal que devemos combater com afinco e que, para que tal combate possa ter o êxito que o nosso país espera, devemos nos dedicar a estabelecer um sistema de regras de acesso à diversidade biológica que seja de acordo com a CDB, estável e que assegure garantias firmes para os detentores dos conhecimentos tradicionais, da diversidade biológica e das tecnologias e recursos necessários ao progresso da área.

 

Disponível em : http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=pba3&pos=5.15&lng=pt

Acesso: 20/07/06