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As novas tendências e os novos desafios do Direito
Ambiental
Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida*
Na análise percuciente de
Domenico de Masi (1), a sociedade rural, centrada na
produção de bens agrícolas, consumiu 10 mil anos para gerar do seu seio a
sociedade industrial, focada no fornecimento de bens materiais
Este admirável e vertiginoso
progresso, acentuado sobremaneira nas quatro últimas décadas, superando o
progresso experimentado nos 40 mil anos precedentes, vem sendo acompanhado de
um alto custo ambiental.
A degradação e a poluição
ambientais ganham dimensões preocupantes e alarmantes, e tornam-se fenômenos
cada vez mais diversificados, complexos e de difícil enfrentamento. O que se
tem atualmente é uma verdadeira orquestração de ataques simultâneos e em larga
escala à natureza (poluição atmosférica, hídrica e do solo, desmatamentos,
perda da biodiversidade, caça e pescas predatórias), que, por sua vez, reage e
contra-ataca com violência. Basta se atentar para as
freqüentes catástrofes climáticas (inundações, secas, verões e invernos muito
rigorosos, incremento do efeito estufa) nas mais diferentes regiões do planeta.
E o grau de complexidade das
questões ambientais pode ser melhor dimensionado
quando se atenta para o fato de que são aspectos conjunturais e estruturais que
deram origem e contribuem para o agravamento da degradação ambiental, quais
sejam a explosão demográfica, a industrialização, a urbanização acelerada e
desordenada, a economia capitalista alicerçada na privatização dos lucros e na
socialização dos prejuízos, o problema social da pobreza e de sua urbanização e
a megalopolização crescente, notadamente nos países
pobres e superpopulosos (3).
Se o aumento da produção através
da industrialização veio atender à maior demanda e consumo decorrentes do
crescimento populacional, em contrapartida os ecossistemas passaram a sofrer
maior sobrecarga. De um lado, pela utilização em larga escala de recursos
naturais - como matéria-prima e outros insumos - inclusive para a geração de
energia e sem a preocupação com o esgotamento dos recursos não-renováveis e com
a capacidade limitada de regeneração dos recursos renováveis. De outro lado,
pelo maior volume dos resíduos lançados, bem como pela maior durabilidade,
toxicidade e periculosidade, especialmente dos resíduos sintéticos.
Destas breves considerações,
pode-se inferir que continua sendo um grande desafio, na ordem econômica
capitalista, a implementação do princípio do
desenvolvimento sustentável - o grande mote do ambientalismo,
tendo em vista a difícil conciliação entre desenvolvimento econômico-social e
proteção do meio ambiente. Exemplo mais ilustrativo é a resistência de países
como os Estados Unidos e a Rússia de assinarem e possibilitarem a entrada em
vigor do Protocolo de Kioto, por importar em
restrições à produção industrial para fins de estabilização das emissões dos
gases do efeito estufa.
Por isso mesmo, hoje tem-se a correta percepção de que as questões ambientais
estão intrincadas com as questões econômicas e sociais, e que a efetividade da
proteção ambiental depende do tratamento globalizado e conjunto de todas elas.
Nesta linha de entendimento, é digna de encômios a visão holística e adaptada à
realidade brasileira de que a Política Nacional de Educação Ambiental
preconiza, ao definir como um dos objetivos fundamentais da educação ambiental
o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente
em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos,
psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos,
culturais e éticos (4).
E no mesmo texto legal é
expressamente prevista a obrigatoriedade de o Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas
públicas que incorporem a dimensão ambiental (5).
A propósito, e em sintonia com
esta imposição legal, o Ministério do Meio Ambiente, de forma elogiável, insere
também a transversalidade como uma das quatro diretrizes que definem suas
ações, como bem reafirmou a Ministra Marina Silva, ao discursar na abertura da
Conferência Nacional do Meio Ambiente: (...) a consciência ambiental do aluno
desenvolve-se junto com o aprendizado de ciências, matemática, geografia, etc.
Da mesma forma queremos que seja compreendida pela sociedade
brasileira e situado nas ações de governo: não como a preocupação
exclusiva de um setor, um Ministério, mas como um componente de todos os
setores. A política ambiental do governo deve estar no Ministério dos
Transportes, da Agricultura, de Minas e Energia, em todas as ações de todos os
setores.. .. Dessa forma,
poderemos planejar a infra-estrutura pensando desde o princípio nas questões socioambientais e não mais somente quando, uma vez o
projeto pronto, o Governo tiver de submetê-lo ao processo de licenciamento
ambiental (6).
Aliás, a dimensão ambiental deve
ser incorporada não apenas nas políticas e ações de governo, mas também nas
políticas e ações da iniciativa privada e de todos os cidadãos, e com a
preocupação de que o desenvolvimento sustentável seja implementado
no sentido do desenvolvimento humano, expressão mais abrangente divulgada pela
ONU nos últimos anos e que contempla, adequadamente, quatro dimensões
complementares e integrais: 1) pressupõe que o crescimento econômico, por
ampliar a oferta de bens e serviços à disposição da população, é uma condição
necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento humano; 2) que este não
ocorre num contexto de exclusão social, pois tem de se processar em benefício
das pessoas; 3) que estas têm de ter acesso a informações, conhecimento e bens
culturais para a sua própria promoção; 4) que a forma de crescimento econômico
atual não venha a comprometer a gama das oportunidades das gerações futuras, ou
seja, o desenvolvimento humano pressupõe a sua sustentabilidade
(7).
Por seu turno, constitui
relevante avanço a concepção de estratégias de gestão ambiental, mormente por
serem atraentes aos empreendedores que a elas aderem em razão dos inúmeros
benefícios diretos e indiretos revertidos às empresas (8). Inserem-se dentro
desta perspectiva o sistema de gerência de qualidade e de planejamento
disciplinado pelas normas da Série ISO 14000, que tem como objetivo a obtenção
pelas empresas da certificação ambiental (Certificados de Gestão Ambiental); e
os Programas da ONU sobre Produção Limpa (PL) e Produção Mais Limpa (P + L)
(9). Produtos e processos de produção, com maior responsabilidade ambiental
constituem parte das novas estratégias competitivas utilizadas por empresas
vencedoras para interligar as questões ambientais às decisões de negócios (10).
Outra providência salutar e de
caráter igualmente preventivo é a exigência constitucional, entre nós, de elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental para fins
de obtenção de licenciamento ambiental para a instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, de cuja
relevância têm que ser conscientizados os empreendedores do setor privado e o
setor público.
E projeto de lei (PL 1834/03)
objetiva estabelecer a auditoria ambiental periódica para os órgãos públicos,
empresas públicas, privadas e de economia mista, fundações e outras
instituições, cujas atividades possam causar impacto ambiental, com o objetivo
de verificar o cumprimento da legislação, normas e técnicas destinadas à
proteção do meio ambiente.
A prevenção da poluição é a
melhor alternativa, tanto do ponto de vista da maior efetividade da proteção
ambiental quanto do empreendedor, evitando que este, com sua atividade, cause danos ao meio ambiente e venha a sofrer o concurso
simultâneo da tríplice responsabilidade (civil, administrativa e penal) em
matéria ambiental.
Com efeito, em nosso sistema
jurídico vigente, o poluidor, pessoa física ou jurídica, pode ser obrigado a
restaurar, recuperar, compensar e/ou indenizar amplamente o dano causado ao
meio ambiente, independentemente de culpa, sem prejuízo da possibilidade de
responder, ainda, pela prática de infração administrativa e de crime ambiental.
É certo que a chamada Lei de Crimes Ambientais contempla benefícios processuais-penais para o caso de
composição prévia e de reparação do dano ambiental, estando já superada a
polêmica inicial em torno da responsabilização penal da pessoa jurídica,
plenamente viável constitucional e legalmente entre nós.
Há necessidade, pois, que os
operadores do Direito, assim como outros profissionais, no âmbito das ciências
físicas, biológicas, humanas e sociais, capacitem-se para atuar no imenso campo
de oportunidades que se descortina na seara ambiental.
Sem paixões e sem radicalismos, é
imprescindível que se desenvolva a consciência ambiental em todos os setores e
segmentos da sociedade e que o ambientalismo seja
incorporado ampla e definitivamente ao modo de vida da sociedade capitalista
contemporânea.
Especificamente no que toca ao
desenvolvimento sustentável em face da realidade brasileira, merece ser citada,
para finalizar, a visão equilibrada externada pela Ministra Marina Silva,
naquela mesma oportunidade em que discorreu sobre as diretrizes de ação do
Ministério do Meio Ambiente: Meio Ambiente não é um entrave ao desenvolvimento,
é a garantia de um desenvolvimento adequado. A floresta, o pantanal, os rios, o
mar, nada disso impede o Brasil de desenvolver energia, indústrias ou
transportes, de gerar empregos e moradia, de distribuir renda e justiça social.
Ao contrário, a natureza é a fonte de todas essas riquezas. Só precisamos aprender
a fazer as coisas de modo adequado, a tomar os cuidados necessários, a seguir
as leis e a ouvir a voz do bom senso (11).
Notas
1
"Em busca do ócio". In Revista Veja 25 Anos: Reflexões para o Futuro.
Trad. Marco Antonio de Rezende, p. 44.
2
"Globalização e Justiça", palestra proferida no Seminário
"Cooperação Judiciária Internacional", São Paulo (SP), em 05/04/2001.
3 Cf.
nossa tese de doutorado Poluição em face das cidades no Direito Ambiental
Brasileiro: a relação entre degradação social e degradação ambiental, PUC/SP,
2001.
4 Lei nº 9.795/99, art. 5º, I.
5 Lei nº 9.795/99, art. 3º., I.
7 Paulo
R. Haddad; O desenvolvimento humano, Jornal da Tarde, 31 de agosto de 1998, p.
2.
8 Redução
de custos de produção e aumento de eficiência e competitividade; redução das
infrações aos padrões ambientais previstos na legislação; diminuição dos riscos
de acidentes ambientais; melhoria das condições de saúde e de segurança do
trabalhador; melhoria da imagem da empresa junto a consumidores, fornecedores e
poder público; ampliação das perspectivas de mercado interno e externo; acesso
facilitado a linhas de financiamento; melhor relacionamento com os órgãos
ambientais, com a mídia e com a comunidade ("Produção mais Limpa", Dângelle Makelle de Oliveira)
10 "Produção e Tecnologias
Limpas", in Boletim Fundação Vanzolini, Ano IX – nº
42 – março/abril/2000.
* Desembargadora Federal – TRF 3ª Região, Coordenadora e professora do curso de especialização(pós-graduação "lato sensu")Direito Ambiental da Cogeae/PUC-SP(Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Disponível em: http://www.sadireito.com/index.asp?Ir=area.asp&area=5&Pagina=textosT.asp&texto=445&categoria=3
Acesso em: 24 nov. 05