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Ação Civil Pública - art. 461 do CPC





Alexandre Herculano Abreu * e Elisiane Kiel **




SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Objeto da Ação Civil Pública - 3. A Aplicação do art. 461 do CPC nas obrigações de fazer e não fazer - 4. Multa diária contra o agente administrativo responsável pelos atos concretos de cumprimento da decisão judicial - 5. Conclusão - 6. Referências Bibliográficas 1-Introdução

Com o intuito de dar praticidade ao art. 461 do CPC, aplicando-o a peça processual da Ação Civil Pública, o Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente fez um estudo com a finalidade de ampliar os limites do art. 5º, XXXV, da CF, delineando maiores poderes ao juiz, para tentar inibir o descumprimento dos provimentos mandamentais. Inicialmente adentramos no campo do objeto da Ação Civil Pública, tema principal deste artigo, conceituando, para um melhor esclarecimento, as Obrigações de Fazer e de Não Fazer, a aplicação do art. 461 do CPC, e como último tópico referimo-nos a multa, medida coercitiva mais utilizada, prevista nos art. 14, parágrafo único, e 461, § 4° e 5°, do CPC.

2- Objeto da Ação Civil Pública

O direito brasileiro sempre foi riquíssimo em seu sistema de proteção dos direitos transindividuais e dos direitos individuais, cada qual com um processo diferenciado. A Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) regula as ações tendentes à tutela do meio ambiente, do consumidor e de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou de qualquer interesse difuso ou coletivo, inclusive infração à ordem econômica.

O art. 3º da Lei nº 7347/85 destaca o objeto da Ação Civil Pública:

"A Ação Civil Pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer". Nesse campo, interessa mais ao nosso estudo o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, esses nada mais seriam do que deveres da parte e seus procuradores, com o dito no art. 14, V do CPC e seu parágrafo único:

[...] V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final, "Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade de conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.

É de suma importância a clareza de que provimentos mandamentais poderiam ser as sentenças condenatórias, os despachos, as decisões interlocutórias, ou seja, uma medida coercitiva prevista genericamente para qualquer caso de obrigações de fazer e de não fazer. Ainda reafirmando essa postura do cumprimento das obrigações, o art. 461 do CPC declara:

[...] Na Ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que asseguram o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Isso fica, principalmente evidenciando seu parágrafo 5°,

[...] Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Essa ação, prevista no art. 461, é condenatória, com eficácia executivo-mandamental, pois autoriza a emissão de mandado de execução do mérito e ainda impõe uma multa, com caráter apenas inibitório, para evitar que o requerido desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica (seja ela de fazer ou não fazer).

3¿ A Aplicação do art. 461 do CPC nas Obrigações de Fazer e de Não-Fazer

As Obrigações de Fazer e Não Fazer estão vinculadas ao nosso Código Civil, na parte geral das obrigações, e como afirma o jurista Silvio Rodrigues;

[...] a obrigação de fazer ocorre quando o devedor se vincula a determinado comportamento, consistente em praticar um ato, ou realizar uma tarefa, donde decorre uma vantagem para o credor. Pode esta constar de um trabalho físico ou intelectual, como também a prática de um ato jurídico [1] .

Já a Obrigação de Não Fazer simplesmente seria aquela em que o ¿devedor¿ assume um compromisso de se abster da realização de um ato, sendo essa obrigação considerada negativa, paralelamente à obrigação de fazer que é positiva.

O Código de Processo Civil, por seu processo de execução, sustenta no dispositivo 461, § 5º, a eficiência da execução das sentenças, dando uma certa liberdade ao juiz, devidamente interpretado à luz do art. 5º, inc. XXXV, da CF, jamais deixando de aplicar o princípio da proporcionalidade e razoabilidade. O certo é que o juiz, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis, pode adotar as medidas executivas que forem mais adequadas ao caso concreto, assegurando o direito. Não se pode deixar de relacioná-lo ao art. 14 do CPC, que está intimamente ligado, pois este prevê uma sanção processual a quem deixar de cumprir um provimento mandamental, o juiz, com esses dispositivos que lhe conferem poderes indeterminados, pode adotar medidas executivas não previstas em lei (sub-rogatórias e coercitivas) nas ações tendentes ao cumprimento de obrigação de fazer e não fazer, sendo que essa intervenção pode ser utilizada não somente nas execuções disciplinadas pelo CPC, mas também as que tenham o CPC como fonte subsidiária.

4- Multa diária contra o agente administrativo responsável pelos atos concretos de cumprimento da decisão judicial

A multa é o instrumento que mais tem sido utilizado para se punir o descumprimento de decisão judicial, podendo ser tanto aplicada a pessoas jurídicas como a pessoas físicas. Tratando-se de pessoa jurídica de Direito Público, o que tem se observado é que essa medida quase não surte efeito, pois a multa geralmente incide sobre o patrimônio do Poder Público e não do agente administrativo que acaba se omitindo no cumprimento da decisão mandamental, causando embaraço ao próprio Poder Judiciário que vê suas decisões serem ignoradas, para a perplexidade do jurisdicionado, gerando uma sensação de impunidade e desrespeito a um Poder Constituído.

Nesse passo, entendemos que a solução para esse embrólio é a aplicação da multa diária contra o próprio agente administrativo, pessoa física, responsável pelo cumprimento da obrigação a ser satisfeita, tendo como base para essa argumentação o próprio art. 461, § 5º, do CPC, uma vez que esse confere ao juiz poderes para determinar as medidas que julgar necessárias para a prestação de uma obrigação de fazer ou não fazer. Sendo assim, como afirma o Doutor em Direito pela PUC-SP Professor Marcelo Lima Guerra:

[...], a multa diária contra terceiro em processo de execução, de cuja ação ou omissão dependa, diretamente, a obtenção da ´tutela específica ou do resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação", na terminologia do Código, sendo medida eficaz para a obtenção dessa mesma tutela específica, à luz de dados da situação concreta, estaria abrangida pela indeterminação daquele dispositivo, vale dizer, estaria incluída no âmbito dos poderes indeterminados que tal dispositivo legal reconhece ao juiz. Neste sentido o TRF da 2ª Região, em louvável decisão da lavra do Magistrado e processualista Ricardo Perlingeiro, assim se pronunciou: `3.Provido o agravo para que o juiz adote todos os meios capazes de dar efetividade à jurisdição, registrando que a aplicação de astreintes à Fazenda Pública é ineficaz como meio de coerção psicológica, já que sujeita ao regime do precatório. 4. Nas causas envolvendo o erário público, a coerção somente será eficaz se incindir sobre o agente que detiver a responsabilidade direta pelo cumprimento da ordem, reiterada e imotivadamente desrespeitada" (AgIn 97.02.29066-0-RJ, rel. Juiz Federal convocado Ricardo Perlingeiro) [2] .

Ora, como se sabe, a multa diária é um dos instrumentos processuais utilizados para inibir o descumprimento de ordem judicial, podendo ser utilizado qualquer outro instrumento desde que inserido no âmbito dos poderes judiciais, daí utilizando-se ex oficio do art. 461, caput, e seus parágrafos, do CPC.

Reforçando a utilidade dessa medida, segue abaixo entendimento jurisprudencial:

[...] RECURSO ESPECIAL Nº 201.378-SP(99/0005215-3)
RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
RECTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADO: MARCOS FÁBIO DE OLIVEIRA NUSDEO E OUTROS
RECDO: DINA DE LARA E OUTROS
ADVOGADO: ANTÔNIO MARMO PETRERE E OUTROS

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER, MULTA DIÁRIA (ASTREINTES). FIXAÇÃO DE OFÍCIO CONTRA PESOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.

1- As astreintes podem ser fixadas pelo juiz de ofício, mesmo sendo contra pessoa jurídica de direito público (IPERGS), que ficará obrigada a suportá-las casos não cumpra a obrigação de fazer no prazo estipulado. Precedentes desta Corte.

2- Recurso conhecido e provido

E, também, decisão interlocutória:

Mandado de Segurança nº 2003.005177-5, da Capital

Relator: Dês. César Abreu

[...] O descumprimento de ordem judicial, liminar ou definitiva, de caráter pessoal do agente, torna razoável dirigir-se contra este as medidas coercitivas pertinentes, com fixação, inclusive, de multa pecuniária diária (STJ, Suspensão de Segurança n. 1.164).

A falta de norma específica, na lei do mandado de segurança, assegurando a realização prática da liminar não deve ser vista como um empecilho à adoção de medida de caráter coercitivo, como a aqui propugnada. Serve de fonte de referência a disciplina do art. 461 do CPC, considerada medida de apoio e de resguardo à eficácia das decisões judiciárias, portanto, que transcende os limites do código em que se insere. Esse dispositivo, afirma o Min. Fernando Gonçalves, chega ao código num momento de abertura para uma grande plasticidade das funções do juiz no comando do processo e empenho pela efetividade de suas decisões (Resp 451.109-RS). Assim, seja por aplicação direta do art. 5º, XXXV da CFRB/88, seja por aplicação subsidiária dos § 4º e 5º do art. 461 do CPC, o certo é que o juiz, diante da insistência da autoridade coatora em não cumprir o que restou determinado na decisão liminar, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis, pode adotar as medidas executivas que se revelarem mais adequadas ao caso concreto, a fim de assegurar a realização prática do direito líquido e certo reivindicado.

5- Conclusão

Tendo em vista que a Ação Civil Pública, na maioria das vezes, reveste-se de caráter mandamental, o art. 461 do CPC ganha sua importância, pois, toda vez que a parte responsável descumprir uma obrigação de fazer ou não fazer, este artigo propõe ao juiz uma liberdade maior para oferecer medidas necessárias tentando assegurar o resultado prático do que é pedido na Ação Civil Pública ou em qualquer outra ação de caráter mandamental, a fim de que tais decisões judiciais não fiquem à mercê das partes, incutindo nessas, psicologicamente falando, a necessidade de efetivar o provimento mandamental.

6- Referências

BRASIL. Constituição Federal da República Do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL.Código Processual Civil Comentado. Organização e comentários dos textos, notas remissivas e índices por Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. 4ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 1999.

BRASIL. Código Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Nylson Paim de Abreu Filho. 4.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2003.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil - Parte Geral das Obrigações. 30ª edição, São Paulo: Saraiva, 2002, Vol. 2.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública - Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos consumidores. 8ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento - A tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

JUNIOR, Nelson Nery, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 4ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

BUENO, Cássio Scarpinella, ALVIM, Eduardo Arruda, WAMBIER, Teresa Alvim Wambier. Aspectos Polêmicos e atuais do Mandado de Segurança 51 anos depois. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.



[1] Rodrigues, S. Direito Civil - Parte Geral das Obrigações, Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2002, pg. 31.


[2] GERRA, M. Aspectos polêmicos e Atuais do Mandado de Segurança 51 anos depois - Execução de Sentença em Mandado de Segurança. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2002, pg.651.





*Promotor de Justiça; Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente.

** Estudante da 7ª fase do Curso de Ciências Jurídicas/Univali; Estagiária do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.





Disponivel em: http://portalmpsc.mp.sc.gov.br/site/portal/portal_detalhe.asp?campo=2232 Acesso em: 28.09.05