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Competência do município no exercício do poder de polícia em áreas da união





Luís Eduardo Couto de Oliveira Souto*




Partindo do caso prático ocorrido no município de Tijucas materializado pela ocupação coletiva, a partir de meados da década de noventa, de área pública pertencente à União Federal, resultando no crescimento acelerado de processo de favelização em detrimento de um adequado desenvolvimento urbanístico local, faz-se uma análise legal e doutrinária acerca da possibilidade de defesa desse patrimônio por meio do exercício do poder de polícia pelo município.

Ensina o professor Hely Lopes Meirelles, em sua obra "Direito de Construir", Malheiros, 7ª Ed., que o poder de polícia é a faculdade discricionária que reconhece à Administração Pública de restringir e condicionar o uso e gozo dos bens e direitos individuais, especialmente os de propriedade, em benefício do bem-estar geral.

Segundo Caio Tácito "O Poder de polícia e seus limites", Direito Administrativo, 1975, o poder de polícia "é o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais".

Complementa Odete Medauar (Direito Administrativo Moderno, 7ª Edição, Ed. RT, 2003, p.357) afirmando que "a noção de poder de polícia permite expressar a realidade de um poder da Administração de limitar, de modo direto, com base legal, liberdades fundamentais, em prol do bem comum".

Em síntese, o cerne do poder de polícia está direcionado a impedir, através de ordens, atos e proibições, comportamentos individuais que possam ocasionar prejuízos à coletividade.

Esse exercício poderá manifestar-se sobre diversos campos de atuação, variando desde os clássicos aspectos de segurança dos bens das pessoas, da saúde e paz pública, da restrição ao direito de construir, da localização e do funcionamento de atividades, do o combate do abuso do poder econômico, e até mesmo da a preservação da qualidade do meio ambiente natural e cultural (ver Medauar, obr. cit.,p. 360).

Na análise dos limites para o exercício do poder de polícia verifica-se a necessária legalidade dos meios e modos a serem exercidos e a competência do órgão que o executa.

No tocante à competência para o exercício do poder de polícia, objeto da presente análise, Hely Lopes Meireles, em Dir. Administrativo Brasileiro, 25ª Edição, pág. 121 destaca que tem competência para policiar o bem público a entidade que dispõe do poder de regular a matéria. Assim sendo, os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional sujeitam-se às normas e à polícia estadual; e os assuntos de interesse local subordinam-se aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal. Todavia, como certas atividades interessam simultaneamente às três entidades estatais (v.g. saúde pública, trânsito, transportes) o poder de regular e de policiar se difunde entre todas as Administrações interessadas, provendo cada qual nos limites de sua competência territorial.

Destaca, pois, o nobre jurista a competência primária do órgão público titular do direito protegido, bem como a competência subsidiária dos demais na defesa do interesse público comum violado no âmbito de seu território.

Sendo assim, especificamente quanto aos limites de atuação do município na defesa de um correto desenvolvimento urbanístico, o art. 18 da Constituição da República elenca-o no rol dos entes autônomos responsáveis pela organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, além do que, atribui a esse, segundo o art. 29, capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto-administração, decorrendo daí, segundo art. 30 da referida Carta, o poder de promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle de uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

Seguindo a mesma esteira do art.30, inc. VII, da CF/88, a Constituição do Estado de Santa Catarina, em seu art. 112 prevê que "Compete ao Município: inc. XI - exigir, nos termos da Constituição e legislação federal, o adequado aproveitamento do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado."

Percebe-se, pois, que o uso clandestino de imóvel público, ainda que pertencente a outro ente, situado em perímetro urbano, trata-se de manifesto interesse local do município, a ser coibido inicialmente pelo titular do bem, seja ele a União ou o Estado, e subsidiariamente pelo policiamento administrativo municipal, em atenção ao disposto no art. 30, VII, da CF/88.

Acrescente-se, a título ilustrativo, que a Lei Municipal de Florianópolis no. 1246/74, em seus arts.43 e 48 regulamenta o exercício do poder de polícia municipal em áreas de marinha (pertencente à União), autorizando a demolição de edificações clandestinas, com o objetivo final de proteção ao interesse público local.

Nesse sentido, ver TJ/SC, 2ª Câmara Cível, Apel. Civel da Capital no. 3292, de 29/11/94, Rel. Desembargador Pedro Manoel Abreu.

Também TJ/SC, 3ª Câmara Cível, Agr. Instrum. 6.438 de 3/12/91, rel. Des. Cid Pedroso.

Sendo assim, extrai-se do exposto, que no sistema federativo brasileiro o município possui um interesse não apenas primário, mas também secundário que o autoriza ao exercício do poder de polícia, nos limites de seu território, de operar no controle e na defesa de áreas pertencentes aos demais entes públicos, sendo aconselhável que receba, da União Federal ou dos Estados Federados, termo de Guarda e Conservação para continuamente exercê-lo.





*Promotor de Justiça; 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Tijucas.





Disponível em: http://portalmpsc.mp.sc.gov.br/site/portal/portal_detalhe.asp?campo=2225 Acesso em 19.09.05