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ASPECTOS LEGAIS DO PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL
MUNICIPAL
CLAUDIA MARÇAL
(Advogada. Gestora Jurídica da Agência Goiana do Meio Ambiente do Estado
de Goiás. Especialista em Gestão Ambiental)
E-mail: claudia.m@agenciaambiental.go.gov.br
Elaborado :janeiro de 2003
SUMÁRIO:1.Introdução. 2.Do exercício do poder de polícia ambiental pelos
Municípios.2.1. Conceito do poder de polícia ambiental. 2.2. Competência
constitucional para o exercício da atividade de fiscalização. 3. Da legislação
aplicável. 4. Das sanções administrativas aplicáveis por infração às normas
ambientais.
O presente trabalho tem por escopo analisar os aspectos referentes ao
poder de polícia ambiental conferido aos Municípios dentro do ordenamento
jurídico brasileiro, em especial no que pertine à aplicabilidade das sanções
administrativas previstas na Lei Federal n°9.605, de 12 de fevereiro de 1998 e
Decreto n°3179, de 1999, no exercício de seu poder fiscalizatório.
2. Do exercício do poder de polícia ambiental pelos Municípios
2.1. Conceito de poder de polícia ambiental
O exercício do poder de polícia ambiental, na definição de Paulo Affonso
Leme Machado , corresponde à atividade da administração pública que limita ou
disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a
abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da
população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado,
ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de
concessão, autorização, permissão ou licença do Poder Público de cujas
atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.
O conceito legal de poder de polícia é previsto no artigo 78 do Código
Tributário Nacional, como atividade da administração pública que, limitando ou
disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou
abstenção de fato, em razão do interesse público concernente aos direitos
individuais e coletivos.
A acepção é ampla de forma a abarcar vários instrumentos da política
ambiental como o licenciamento, a atividade de fiscalização, monitoramento e
realização de auditorias ambientais.
2.2. Competência constitucional para o exercício da atividade de
fiscalização
O artigo 23 da Constituição Federal, estabelece nos incisos III, VI e VII,
a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
de proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico
e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e sítios
arqueológicos; o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas
formas, bem como de preservar as florestas, fauna e flora.
Por competência comum, cumulativa ou paralela compreendemos aquela
conferida simultaneamente às entidades político-administrativas.
Hamilton Alonso Júnior ensina que em regra, a competência para o exercício
do poder de polícia ambiental segue a competência legislativa, ou seja, o ente
a quem a Constituição Federal outorga a competência para legislar sobre
determinada matéria também será competente para sobre ela exercer a polícia
administrativa. Ressaltando entretanto, que “No que tange ao meio ambiente, por
exemplo, em face do que dispõe a Constituição Federal, à primeira vista se
poderia concluir que somente têm competência legislativa a União, os Estados e
o Distrito Federal (incs. VI, VII e VIII). Tal conclusão no entanto, é falsa,
pois a mesma Magna Carta, mais adiante, no art.30, defere aos Municípios
competência para legislar sobre assuntos de interesse (predominantemente) local
(inc.I) e suplementar a legislação federal e a estadual (inc.II).”
Paulo Leme explica que a Constituição foi clara ao atribuir
indistintamente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a
competência para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas e de preservar as florestas, a fauna e a flora (art.23, incisos VI
e VII). Adequado interpretar-se que qualquer dos entes públicos mencionados têm
competência para aplicar a legislação ambiental, ainda que essa legislação não
tenha sido da autoria do ente público que a aplica.
William Freire , citando acórdão proferido pelo TJMG, Jurisprudência
Mineira 1171/96, diz ser dever do município exercer o poder de polícia,
impedindo que a população polua o meio ambiente, bem como coibir qualquer
depredação ambiental, fazendo cumprir as normas vigentes e impondo as penas
previstas na lei.
Outrossim, verifica-se pela doutrina mais abalizada de direito ambiental,
o reconhecimento do poder de fiscalização ambiental conferido aos Municípios.
3. Da legislação aplicável
A aplicação das penalidades disciplinares ou compensatórias ao não
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação
ambiental constitui um dos instrumentos da política nacional do meio ambiente.
A Lei n°9605, de 12 de fevereiro de 1998 trata das sanções penais e
administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
A referida lei, de aplicação geral, determinou como autoridades
competentes para lavrar o auto de infração ambiental e instaurar o processo
administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do SISNAMA,
designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das
Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
Os Municípios compõem , juntantamente com outras entidades o Sistema
Nacional de Meio Ambiente- SISNAMA , previsto no artigo 6º da Lei n°6938/81.
A posteriori foi editado o Decreto n°3179, de 21 de setembro de 1999,
regulamentando as infrações administrativas, assim compreendidas como toda ação
ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e
recuperação do ambiente.
Trata-se de atividade vinculada da administração, vez que constatada a
infração ambiental pela autoridade competente, esta é obrigada a promover a sua
apuração imediata, sob pena de co-responsabilidade, tendo a lei imputado
severas sanções ao administrador, que poderá ser responsabilizado
administrativa, penal e civilmente .
De forma que podem os Municípios aplicar a referida legislação, desde que
tenham em sua estrutura administrativa, órgão ou entidade com as atribuições de
controle e fiscalização ambiental.
4. Das sanções administrativas
aplicáveis por infração às normas ambientais
O artigo 2º, do Decreto nº 3.179/99 relaciona as sanções administrativas
aplicáveis no caso de cometimento de infração ambiental:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais
produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, apetrechos, equipamentos
ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou
inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e
fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou
atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou
total das atividades;
X - restritiva de
direitos; e
XI - reparação dos danos
causados.
Na aplicação destas sanções, temos que serão advertidos, sempre que
observado descumprimento de qualquer disposição em lei, a fim de que regularize
a situação, dentro do prazo previsto pela administração pública.
A sanção de multa simples é aplicada sempre que o agente, por negligência
ou dolo: I- advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de
saná-las, no prazo assinado pelo órgão competente; II - opuser embaraço à
fiscalização.
Embora a atividade de poder de polícia seja vinculada, quanto à aplicação
das sanções administrativas é discricionária, devendo o agente fiscal ao
aplicar a penalidade observar a gravidade dos fatos, tendo em vista os motivos
da infração e suas conseqüências para saúde pública e ambiente; os antecedentes
do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental e a situação
econômica do infrator.
Verifica-se pela análise dos §§1°e 2º do artigo 2º que o legislador
pretendeu a aplicação discricionária das sanções administrativas:
“ §1º- Se o infrator cometer, simultaneamente duas ou mais infrações,
ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente as sanções previstas neste artigo.
§2º-A advertência será
aplicada pela inobservância das disposições deste Decreto e da legislação em
vigor, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.”
Ressalva se faz todavia ao §3º do artigo 2º, em que é obrigatória a
aplicação de multa simples, se caracterizada a situação em que o agente tendo
sido advertido, este por dolo ou negligência não tenha sanado as
irregularidades ou opuser embaraço à fiscalização.
Respalda ainda tal entendimento a aplicação dos princípios do direito
ambiental, como o princípio da prevenção. Neste sentido Celso Antônio Pacheco
Fiorillo:
“Diante da impotência do sistema jurídico, incapaz de restabelecer, em
igualdade de condições, uma situação idêntica à anterior, adota-se princípio da
prevenção do dano ao meio ambiente como sustentáculo do direito ambiental,
consubstanciando-se como seu objetivo fundamental. A prevenção e a preservação
devem ser concretizadas por meio de uma consciência ecológica, a qual deve ser
desenvolvida através de uma política de educação ambiental.
Além disso, a efetiva prevenção do dano deve-se também ao papel exercido
pelo Estado na punição correta do poluidor, pois, dessa forma, ela passa a ser
um estimulante negativo contra a prática de agressões ao meio ambiente.
Sob o prisma da Administração, encontramos a aplicabilidade do princípio
da preservação por intermédio das licenças, das sanções administrativas, da
fiscalização e das autorizações, entre outros tantos atos do Poder Público,
determinantes da sua função ambiental de tutela do meio ambiente.”
Permite-se a conversão da multa simples em serviços de preservação,
melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Quanto a multa diária,
será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo (art.
72, § 5º, Lei n.º 9605/98 e § 5º, art. 2º, Dec. n.º 3179/99).
O Decreto estabelece os valores máximos e mínimos de aplicação do valor da
multa. Os três entes federados estão habilitados à aplicação desta sanção, conforme
disposto no artigo 76, da Lei n.º 9605/98. “O pagamento de multa imposta pelos
Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal
na mesma hipótese de incidência”. Mesmo que corram processos administrativos
nas três instâncias, o pagamento da multa em uma destas, exclui o pagamento da
multa federal ou mesmo, dentro de uma interpretação analógica, a multa estadual
em relação aos Municípios , podendo a autoridade competente, de ofício ou
mediante provocação, independentemente do recolhimento de multa aplicada,
majorar, manter ou minorar o seu valor, respeitando os valores determinados no
Decreto.
Vladimir Passos de Freitas entende ser ilegal a disposição do artigo 3º do
Decreto n°3179/99, o qual fixou em 10% o percentual da multa devido ao Fundo
Nacional do Meio Ambiente, pois inexistente tal limitação na Lei n°9605/98.
A valoração da multa tem por base a unidade, o hectare, o metro cúbico, a
quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.
É lícita a suspensão da exigibilidade das multas, quando o infrator, por
termo de compromisso aprovado pela autoridade competente, obrigar-se à adoção
de medidas específicas, para fazer cessar ou corrigir a degradação ambiental
(art. 60, Dec. 3179/99). Prevê o §9°, do art.2° do Dec. n°3179/99, que o
cometimento de nova infração por agente beneficiado com a conversão de multa
simples em prestação de serviços de preservação , melhoria e recuperação da
qualidade do meio ambiente, implicará na aplicação de multa em dobro do valor
daquela anteriormente imposta.
As sanções dos incisos IV
e V dispensam comentários. Quanto as sanções previstas nos incisos IV
(suspensão de venda e fabricação do produto), VII (embargo de obra ou
atividade) e VIII (demolição de obra) do caput do artigo 2º, do Dec. n.º
3179/99, serão aplicadas quando o produto, a obra, atividade ou o
estabelecimento não estiverem obedecendo as determinações legais ou
regulamentares.
As sanções restritivas de
direitos são aplicáveis às pessoas físicas ou jurídicas, sendo elas: I -
suspensão de registro licença, permissão ou autorização; II - cancelamento de
registro, licença, permissão ou autorização; III - perda ou restrição de
incentivos e benefícios fiscais; IV - perda ou suspensão da participação em
linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; e V -
proibição de contratar com a administração pública, pelo período de até 03
anos.
A lei prevê a
reincidência, quando configurada a prática de nova infração ambiental cometida
pelo mesmo agente no período de três anos, determinando que esta pode
ser:a)específica- cometimento de infração da mesma natureza; b) genérica-
cometimento de infração ambiental de natureza diversa. Neste caso aplica-se
multa em dobro ou triplo, conforme o caso.
Sobre o procedimento administrativo, temos que estas infrações devem ser
apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla
defesa e o contraditório, consoante o artigo 5º, inc. LV da Constituição
Federal.
Os Municípios deverão organizar sistema de contencioso administrativo para
apreciação dos recursos atinentes à aplicação das sanções mencionadas,
delineando a autoridade competente, as instâncias cabíveis e os prazos
recursais.
Os recursos ou impugnações aos autos de infração deverão ser dirigidos aos
órgãos ou entidades da mesma esfera administrativa do ente federado, não
permitindo por exemplo, que um auto de infração lavrado por agente fiscal
municipal seja julgado por entidade estadual.
O artigo 71 estabelece os seguintes prazos máximos para apuração da
infração: I- 20 (vinte) dias para o infrator oferecer defesa, ou impugnação
contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação; b) 30
(trinta) dias para a autoridade julgar o auto de infração, contados da data de
sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação; c) 20 (vinte) dias
para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância superior do
Sistema Nacional do Meio Ambiente- SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas,
do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação; d) 05 (cinco) dias
para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da notificação.
A justificativa dos prazos decorre principalmente da peculiaridade das
infrações ambientais que exigem agilidade.
Por fim, ressalte o caráter objetivo da caracterização da infração
administrativa. O artigo 2º,§10º do Decreto n°3179/99 prevê que
independentemente de existência de culpa, é o infrator obrigado à reparação do
dano causado, afetado por sua atividade.
A responsabilidade ambiental tanto civil como administrativa é objetiva.
Por responsabilidade objetiva compreende-se a imputação de reparação do dano
independente da avaliação do elemento subjetivo (dolo ou culpa) da conduta do
agente, bastando a comprovação do nexo de causalidade e a ocorrência efetiva do
dano.
O artigo 225, §3º da Constituição Federal trata da questão, ao prescrever
que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais ou
administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano.
É mister salientar que não devemos confundir a aplicação da sanção
administrativa e a obrigação de reparação dos danos, pois possuem fundamentação
diversa. A primeira possui caráter punitivo, no sentido de inibir a ocorrência
da infração, já a reparação constitui obrigação legal de recomposição dos
danos, sendo atos independentes.
As sanções acima discriminadas são atos administrativos é como tais,
deverão atender aos elementos essenciais que formam o ato administrativo, como
a competência, finalidade, forma, objeto e motivo, sob pena de nulidade.
Gozam ainda os atributos naturais do ato administrativo: a) presunção de
legitimidade, respaldada na supremacia do interesse público sobre o privado, o
qual exige celeridade e segurança jurídica nas atividades do poder público.
Hely Lopes Meirelles ensina que a presunção de legitimidade autoriza a imediata
execução ou operatividade dos atos administrativos, mesmo que argüidos com
defeitos ou nulidades e gera a transferência do ônus da prova ao administrado;
b)imperatividade o qual imputa a administração o poder de coerção para o
cumprimento de seus atos; c) auto-executoriedade ensejando a imediata e direta
execução sem pronunciamento judicial. Assim, por exemplo, a administração pode
sem pronunciamento judicial interditar uma atividade que esteja descumprindo a
legislação ambiental.
Devendo o Município em sua atuação, regulamentar os aspectos referentes à
estruturação administrativa, indicando o órgão ou entidade responsável pela
fiscalização e controle ambiental, o sistema de contencioso para apuração das
sanções aplicadas e a legislação referente aos prazos e condições de recursos.
Retirado de: http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?t=598