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Comércio Eletrônico no Brasil
 

Marcus Rector (IRI)




Chapel Hill, 30 de setembro de 1997

Nao há dúvida de que o comércio eletrônico já desponta como um aspecto tangível no mundo contemporâneo, notadamente nos países ricos. Com efeito, tenho tido o privilégio, nas últimas duas semanas, de pessoalmente constatar a extensão a que chegou o uso desse tipo de comércio por parte dos internautas americanos. Praticamente todos os estudantes, aqui na Universidade de Carolina do Norte, em Chapel Hilll, não só possuem um computador pessoal ligado à internet, como também já realizam, em sua grande maioria, compras on-line. Isto se deve não só à pujança econômica da maior Potência do mundo, como também ao desenvolvimento de mecanismos que tornam essas compras satisfatoriamente seguras. É bem verdade que este contexto afigura-se atípico, mesmo para os padrões estado-unidenses, uma vez que esta região se beneficia de um centro de pesquisa sem igual, conhecido por Triangle Research Park, equiparável ao Vale do Silicone na Califórnia
e complicado fazer comparações com a realidade brasileira, apesar dos significativos avanços já verificados em nosso contexto. Afinal, apresentamos a maior taxa de crescimento da Internet dos últimos tempos. O brilho dessa conquista, no entanto, é minimizado em face das carências infraestruturais de nossos meios de comunicação.

Seja como for, pode-se afirmar que o comércio eletrônico no Brasil está preparando o terreno para uma inserção melhor estruturada no futuro. Mas mesmo no presente momento já podemos levantar evidências que comprovam a paulatina maturação desse processo. Como bem apontou a colega Vera Frossard, aproximadamente 16 mil servidores WWW registrados até agosto de 1997 são comerciais. Apesar disso, nota-se ainda uma visível resistência por parte dos usuários brasileiros em realizar compras pela Internet. No IRI, por exemplo, só um aluno, até o momento, tem-se prediposto a comprar livros na Web (visto que praticamente toda a bibliografia do Curso é anglo-saxônica), em função da insegurança que ainda persiste em ceder-se o número do cartão de crédito.

Quanto ao papel do governo, é importante relativizar a afirmação peremptória de que se devem evitar quaiquer restrições ao comércio eletrnico. Se, por um lado, atividades de regulação descabidas podem prejudicar o desenvolvimento do mercado eletrônico, forçando um aumento artificial de custos e uma consequente obstaculização na oferta de produtos e serviços, por outro lado, no caso do Brasil, deve-se atentar para o problema do déficit comercial. Com efeito, urge não se descartarem por completo certas regulações, referentes a impostos e tarifas aduaneiras, resguardados os devidos cuidados com a bi-tributação. Mesmo porque verifica-se uma patente interdependência assimétrica entre o nosso comércio e o dos Estados Unidos. Sendo estes os detentores da maioria esmagadora de serviços e produtos negociados via Web, é natural que queiram (simbiose entre a iniciativa privada americana e o próprio governo americano) favorecer, ao máximo possível, a liberalização do comércio na Internet. Não se trata, todavia, de pretender resgatar um discurso protecionista demodé. Simplesmente, acredito que se deva analisar a questão do comércio eletrônico no Brasil através de uma perspectiva de conjunto, porquanto o comércio eletrônico constitui parte de um debate maior a respeito da integração do comércio como um todo.

Por exemplo, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil tem manifestado cautela diante da proposta americana de constituir a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) até 2005, em vez de a partir de 2005, conforme intenciona o Itamaraty. De fato, a estratégia americana é evitar que o comércio sub-regional do Cone Sul se fortaleça substancialmente, a ponto de ameaçar a hegemonia comercial americana na região. Nesse sentido, os Estados Unidos prefeririam uma negociacao um-a-um com os países latinos, em vez de negociar com o Mercosul enquanto bloco, por exemplo, numa tática de dividir para controlar.

O que tudo isso tem a ver com o comércio eletrônico no Brasil? Oras, partindo-se do pressuposto de que o comércio eletrônico representa uma faceta importante para a política comercial do governo brasileiro, convém que o mesmo leve a cabo sua estratégia de inserção no comércio mundial, qual seja a de aprofundar o Mercosul para depois estar apto a negociar de igual para igual ( ou próximo a isso ) com os Estados Unidos e o NAFTA, para a constituição da ALCA, no que respeita a liberalização do comércio no Continente. Nesse sentido, seria interessante observar quais são as medidas que vêm sendo tomadas, no âmbito do Mercosul, com vistas ao aperfeiçoamento do comércio eletrônico na esfera, por exemplo, da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), uma vez que há compromissos para os Estados Partes referentes à Tarifa Externa Comum (TEC), com relação a países nao-membros do bloco. Diante disso, o Brasil não poderia lançar mão de uma política de comércio eletrônico que viesse a favorecer as compras, por exemplo, dos Estados Unidos em detrimento de seus parceiros do Cone Sul. É claro que a questão é complexa e merece estudos mais aprofundados.

Cumpre resssaltar, todavia, que está-se formando no Mercosul um Direito Comunitário, o que diz respeito a um processo que levará à primazia das normas comunitárias sobre a irrestrita autonomia legislativa interna. Por conseguinte, isto implica que vários procedimentos relacionados ao comércio no Brasil, aí incluso o comércio eletrônico, tenderão a passar pelo crivo do Mercosul. Nesse mister, nem mesmo a iniciativa privada, a maior impulsionadora do comércio na Internet, poderá transpassar certas regulações estabelecidas pelos órgãos decisórios do bloco sub-regional (via "cessão parcial" de soberania por parte do Brasil, por exemplo), regulações estas destinadas a fazer melhor fluir o comércio como um todo, por mais paradoxal que isto soe para os preconizadores da obsolescência da atuação governamental no comércio.

Extraído de: http://www.cyb.com.br