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A Revolução do MP3
Será ruim para Música o que é ruim para as gravadoras?
Nehemias Gueiros Jr.*
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Recentemente manuseei pela primeira vez um aparelho portátil em formato

MP3, em viagem a Nova Iorque. Encorajado pelo vendedor de uma loja

de eletroeletrônicos, escutei diversas músicas na maquininha e o som me

pareceu realmente fantástico, contrário ao que pensam as grandes

companhias de disco.

Em síntese, o MP3 permite a qualquer músico compor, gravar e vender

faixas com qualidade digital igual à dos CDs sem a intervenção de

qualquer revendedor atacadista ou varejista (ou, em outras palavras, sem a

necessidade de um diretor de A&R de uma gravadora).

Rumores distantes que nos chegam dos EUA e da Europa informam que o

formato MP3, que oferece arquivos musicais digitais em razoável

velocidade através da Internet está se combinando com os gravadores de

CDs (CD Recordables) para revolucionar a indústria da música.

Certamente não é uma refeição agradável para a cadeia alimentar de US$

40 bilhões/ano representada pela indústria global da música. Mas será que

isso realmente representa algo ruim para a música?

A IFPI - International Federation of the Phonographic Industry, a

Federação Internacional da Indústria Fonográfica, entidade com sede em

Londres que congrega as grandes gravadoras, diz que o formato MP3

vem sendo capturado (downloadeado) mais de 3 milhões de vezes por dia

em todo o mundo pela Internet, a maioria, segundo a instituição, pirata,

sem pagar direitos autorais. A ironia está em que as forças determinantes

que transformaram a indústria do disco na década de 60 - então de

proporções tacanhas - no gigante global dos dias de hoje, foram

justamente as mudanças de formato, que ocorreram em média uma vez em

cada década.

Também é interessante notar que as mesmas gravadoras que hoje

esperneiam contra o MP3, foram as primeiras a perseguir a melhor

qualidade sonora para os seus consumidores, com a introdução dos discos

de vinil, do cartucho stereo-8, da fita cassete e finalmente, do compact

disk. A empresa de pesquisa estatística americana Forrester Research

vislumbra um crescimento de cerca de 7% de vendas de produtos

musicais online até 2003, sendo uma fração desse número gerada na Ásia.

Mas basta uma olhada detalhada nos problemas estruturais das

gravadoras majors para implementar o mercado musical asiático

recentemente, somada às ambiciosas projeções do tráfego conectado à

Internet em mercados como a China, e podemos tranqüilamente projetar o

sucesso do MP3 no Ocidente muito em breve.

Em mercados pop mais estabelecidos, artistas como Prince, David Bowie

e Lobão aqui no Brasil, já adotaram a revolução do MP3. A médio prazo

os discos serão compostos, gravados, produzidos e mixados em

computadores pessoais domésticos (PCs), utilizando tecnologias como

Pro Tools e CuBase, um processo de substancial barateamento dos

tradicionais gastos com estúdios convencionais.

Músicas e álbuns inteiros já estão sendo comprimidos, inseridos na

Grande Rede (uploaded) e comercializados em todo o planeta à

velocidade da luz, depois capturados (downloaded) na ponta de destino e

"queimados" num CD gravável pelos consumidores. Ôpa, alguém está

sentindo falta da gravadora?

Na Ásia, onde a qualidade do produto musical está num distante segundo

lugar em relação à embalagem e ao marketing do artista - a televisão,

shows e merchandising - uma revolução desse nível poderá levar ainda

algum tempo, mas as gravadoras ocidentais já estão bastante preocupadas

e empenhadas em implementar os seus próprios sistemas de captura

musical online para não perder o trem.

Mas porque será que elas ainda relutam em abraçar definitivamente as

tecnologias da Internet como o MP3 e o Liquid Audio? Para começar, os

centros de lucro da venda de música pré-gravada vão sofrer grande

redução e as grandes companhias mundiais de discos são famosas por sua

obesidade econômica. Basta uma olhada em um contrato artístico padrão,

para se ter uma idéia dessa dimensão.

O custo de estúdio é totalmente recuperável em vários dos grandes

mercados do mundo, considerado advance de royalties aos artistas. A

distribuição de música é propositalmente limitada e bastante exagerada na

mídia, para alavancar a carreira de determinados nomes e músicos e

compositores são marginalizados no acostamento, com pouco ou nenhum

poder de penetrar no fechado mundo dos superstars. Num ambiente como

esse, é difícil sobressair a criatividade. Qualquer semelhança com o atual

mercado musical brasileiro é mera coincidência...

O mesmo se dá com vários outros custos associados à gravação,

prensagem, embalagem e entrega do produto. O próprio CD, a impressão

gráfica do encarte (tray-card), a caixinha plástica que o contém e sua

distribuição, tudo gera fantásticos lucros destinados a desaparecer em um

mundo dominado pelo formato MP3 e seus similares. Moral da história: as

gravadoras majors não estão abraçando o MP3 e a Internet pela simples

razão de que esses formatos removem "gordura" dos seus balanços anuais.

 

Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 1999.

 

 

Nehemias Gueiros Jr. é advogado no Rio de Janeiro, especialista em Direito

Autoral.

Retirado do site: http://jus.com.br/infojur/artigos.html