®BuscaLegis.ccj.ufsc.br


As obras viárias perante o Direito ambiental brasileiro

HAMÍLTON ALONSO JÚNIOR


Promotor de Justiça – SP

I – Colocação do problemaSegundo estatísticas fornecidas pelo jornal "O Estado de S. Paulo" (2/6/96), metade da população mundial estará vivendo nas cidades até o final do século. Em 2015, nove das dez maiores megalópoles do mundo estarão em países em desenvolvimento. Uma delas será São Paulo.

Esse quadro assusta e alerta a humanidade para a necessidade de priorização do tema urbanização, a exemplo do forte movimento de outrora (Estocolmo/72) em prol de nossos recursos naturais.

Os grandes centros precisam crescer ordenadamente, dentro de normatização garantidora da preservação ambiental do Município (art. 182 da Constituição Federal).

No presente artigo, se analisará uma das variantes desse crescimento urbano. Isto porque a urbanização planificada passa por outros temas de igual ou maior relevância, como habitação, saneamento básico, dentre outros. Aqui trataremos apenas das obras viárias urbanas, tão presentes nos últimos anos na vida de todos, principalmente dos paulistanos e cariocas.

Ressalta-se o tema até porque nota-se crescente indignação de vários segmentos da sociedade civil (ou de cidadãos isolados) em face da existência de inúmeras obras que ocasionam transtorno, quando de sua realização, ou – o que é pior – após sua conclusão.

Várias representações ingressam nas Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, onde os subscritores (geralmente associações de bairros) pedem providências porque seu bairro, por exemplo, seráafetado pela construção de um viaduto, ponte, túnel ou qualquer outra construção que, sob a ótica do representante, causará impacto ambiental considerável.

Argumenta-se desesperadamente que determinado bairro sofreráfluxo excessivo de veículos, especulação comercial, além de outros problemas, chegando-se até a sustentar ser errônea a priorização dessa ou daquela obra pela Administração Pública.

Leigos, bem ou mal intencionados, os cidadãos exigem do Ministério Público e do Poder Judiciário providências muitas vezes impossíveis sob o prisma jurídico.

II – Impacto ambiental decorrente de modificação
viária e urbanística
Dificuldade existe em se conciliar o enunciado do artigo 225 caput da Constituição Federal, onde se contempla que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, com a necessidade da realização de determinada obra pública causadora de incômodo e até danos ambientais impingidos aos residentes em determinado bairro.

Tratando do assunto, José Afonso da Silva, em seu Direito Ambiental Constitucional, comenta merecer "...uma reflexão final a correlação entre renovação urbana e proteção do meio ambiente urbano, porque aí se dão tensões entre valores que se opõem." (2ª ed. pág. 153).

O conflito se estabelece entre a interferência negativa na qualidade de vida dos moradores da região afetada e a obra viária construída com o fim social direcionado pela Administração Pública (escoamento do tráfego, adensamento populacional dirigido, etc.).

Tal conflito tende em regra a ser resolvido a favor da Administração, desde que tomadas todas as cautelas ambientais necessárias previstas em lei, não sendo possível obstar determinada iniciativa do Poder Público com a argumentação de que essa ou aquela obra gerará futuro adensamento populacional indesejável a quem reside em determinado bairro ou que o sossego e a tranqüilidade de determinada região serão atingidos em face da edificação de um túnel direcionador do tráfego para bairro atéentão muito aprazível para se residir.

Suportará a comunidade eventuais dissabores ambientais, pois impedir a realização da obra, se dentro da lei, éinviável diante do íncito e presumível interesse público que ela desperta, sendo impossível ignorar a competência do município para "...promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano" (art. 30, VIII, da Constituição Federal).

Excepcionalmente porém, poderá ocorrer hipótese onde restará cabalmente comprovado que o dano suportado pelo bairroé bem mais relevante do que o ganho social pretendido com a obra pública. Nesta hipótese, mesmo estando licenciado o empreendimento, será possível questionar judicialmente a realização da obra.

III – Aspectos legais e jurídicos das obras viáriasA preocupação de evitar ou minimizar impactos ambientais em nosso ordenamento jurídico passou a ter relevância legal com a edição da Lei nº 6.938/81, Instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente.

O artigo 10 da supra – referida lei veio a prever que "...a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidora, bem com os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento...".

Passou, portanto, o legislador a exigir em âmbito nacional, o licenciamento ambiental, consagrando-o juntamente com a avaliação de impacto, como instrumento da política nacional do meio ambiente (art. 9º da Lei nº 6.938/781, inciso II e III).

Em 1988 a preocupação preventiva na questão ambiental ganhou status constitucional, com a previsão no art. 225, inciso IV (C.F.), a exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo de impacto ambiental.

A Lei Federal nº 6.938/81, anterior à Constituição, foi por ela recepcionada, preenchendo lacuna visível em face da impossibilidade de auto-aplicação (na forma da lei...) da norma constitucional.

Regulamentando a lei instituidora da política nacional do meio ambiente temos atualmente o Decreto Federal nº 99.274/90, dispondo, em seu artigo 17 § 1º, ser função do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA "...fixar os critérios básicos, segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento...." (competência dada pelo art. 8º L. nº 6.938/81).

Ao mesmo CONAMA cabe estabelecer normas e critérios para licenciamento de atividades efetiva o potencialmente poluidoras (inc. I, art. 8ºda Lei nº 6.938/81).

O CONAMA acabou apenas por exercer essa competência de forma parcial, para obras onde o estudo de impacto ambiental e respectivo relatório (EIA/RIMA) são exigidos (integrem o processo de licenciamento ou sejam a única precaução ambiental). O fez através da Resolução nº 001/86, que elenca várias hipóteses de apresentação do EIA/RIMA, in verbis:

Artigo 2º – Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental -RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente e da SEMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:

I – Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento;

II – Ferrovias;

III – ...

IV – ...

O rol acima, como é incontroverso, é exemplificativo, recebendo elogios do professor Paulo Affonso Leme Machado que, em seu consagrado Direito Ambiental Brasileiro, escreveu: "... A vantagem de se arrolarem algumas atividades no art. 2º obriga também a própria Administração pública, que não pode transigir outorgado a licença e/ou autorização, sem o EIA." (5ª ed. pág. 141).

Cabe registrar que, se no âmbito federal se disciplinou, sem exaustão, as hipóteses de estudo de impacto (Res. 001/86), o mesmo não se fez com o licenciamento (art. 9º, IV) que ficou apenas previsto de maneira geral, permitindo a lei (art. 8º, I) sua regulamentação pelos Estados e Municípios (estes à luz dos incisos I e II do art. 30 da CF).

Portanto, será analisando os dispositivos acima que se poderáexaminar a necessidade legal de determinado empreendimento obter prévio licenciamento ambiental, estudo de impacto ambiental (respectivamente, inc. IV e III do art. 9º, da Lei nº 6.938/81) ou os dois instrumentos, pois conforme bem frisa Silvia Cappelli "... o EIA, em que pese vinculado ao processo de licenciamento, com ele não se confunde." (in "Dano Ambiental – Prevenção, Reparação e Repressão" – Ed. RT, pág. 159).

Pois bem, feita essa necessária digressão sobre o ordenamento legal, cabe agora examinar especificamente o tema proposto, verificando a que regras ambientais preventivas estão jungidas as obras viárias urbanas.

Na esfera federal já se constatou inexistir regulamentação para o licenciamento (art. 9º, IV). Como dito, o máximo que se fez foi abrir a oportunidade de regulamentação para Estados e Municípios. Não será a nível nacional, dessarte, que encontraremos exigência de licenciamento ambiental para obras viárias.

Já, no tocante à avaliação de impacto ao meio ambiente (art. 9º, III), existe expressa exigência em âmbito nacional por parte da Resolução CONAMA acima citada (001/86), prevendo-se no inciso XV que os ".... projetos urbanísticos, acima de 100 ha., ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental, a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes," necessitarão de EIA/RIMA.

A situação posta acima, portanto, não gera dúvida da necessidade de apresentação do EIA e seu respectivo relatório quando da realização de obras viárias no município. Porém não só nessa clara hipótese o empreendedor estará obrigado a elaborar, apresentar e aprovar o estudo e o relatório de impacto. Pela leitura do artigo 225, IV, da Constituição Federal, que deve ser examinado em conjunto com o art. 10 da Lei nº6.938/81 (em face do termo "... na forma da lei"), sempre que a obra for "... potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.." deverá se exigir o EIA/RIMA.

Em sendo assim, em face do caráter exemplificativo do artigo 2º da Resolução CONAMA (001/86) e diante do teor do mandamento constitucional, mesmo para obras viárias que escapem do inciso XV da Resolução nº 001/86 (v.g. obra com menos de cem hectares) é possível exigir a avaliação de impacto e seu relatório. Essa exigência, se não realizada pelo poder público, poderá ser feita administrativamente pelo cidadão (art. 5º, XXXIV da CF) e pelo Ministério Público ou através da ação popular (art. 5º, LXXXIII da CF) e da ação civil pública (art. 129, III, da CF).

No entanto, a necessidade prévia do EIA ou do licenciamento não pode ser verificada somente sob o ângulo federal. Estados e Municípios, dentro de suas respectivas competências, outorgadas pela Constituição Federal ou em face da delegação de leis infra-constitucionais podem e, por vezes, devem disciplinar a questão.

A Constituição Pátria confere a tutela do meio ambiente aos entes políticos autônomos, dando-lhes competência diferencidada (arts. 23, VI, 24, VI, VIII e 30, II), o que possibilita regulamentação própria para cada pessoa jurídica de direito público, evidentemente dentro da reserva de competência de cada uma (art. 25 § 1º da CF) e respeitada a hierarquia legislativa própria do sitema federativo.

A Constituição do Estado de São Paulo, na esteira da Lei Maior, consigna a necessidade de licença ambiental (§§do art. 192), com observância dos critérios fixados em lei, normas e padrões estabelecidos pelo Poder Público, sendo muito feliz a distinção feita no § 2º do art. 192, quando o constituinte paulista deixa claro que o EIA pode vir a ser umas das fases do licenciamento ambiental, com ele não se confundindo (na legislação federal esta situação não ficou bem definida, gerando confusões de interpretação).

A legislação paulista sobre controle de poluição se antecipou bastante às posturas federais e à Carta Política do Estado, pois bem antes de o art. 8º da Lei Instituidora da Política do Meio Ambiente (nº 6.983/81) delegar ao Estado (inc. I) a função de licenciar, já tínhamos a Lei Estadual nº 997, de maio de 1976, dispondo em seu artigo 5º que as atividades enumeradas "... no Regulamento desta Lei, ficam sujeitas à prévia autorização... mediante licenças de instalação e funcionamento."

A regulamentação desta lei se deu pelo do Decreto nº8.468/76, e, em seu artigo 57, temos o elenco de atividades que necessitarão de licenciamento, não estando na relação nenhum tipo de obra viária.

Por essa razão, forçoso reconhecer que a legislação estadual não exige nenhum tipo de licenciamento e/ou estudo de impacto ambiental para obras viárias urbanas, posto que a legislação pertinente nada especifica.

A questão, entretanto, pode ser tratada em outros Estados de forma diversa, com expressa exigência de licenciamento para citadas obras, posto que, como visto, a legislação federal outorgadaàs unidades da federação o poder de fixação de normas e critérios para licenciamento de atividades efetiva e potencialmente poluidoras (art. 8º da Lei nº 6.938/81).

No âmbito municipal, para sabermos se obras viárias (bem como qualquer outra atividade) dependem de licenciamento e/ou avaliação de impacto ambiental, msiter se faz examinar a legislação local. Isto porque, sendo o município integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA (art. 6º, VI, da Lei nº 6.938/81) e, considerando sua competência legislativa suplementar (em face dos Estados e da União, cf. art. 30, II, da CF), tal ente estáperfeitamente credenciado a estabelecer hipóteses outras que não as previstas em legislação federal ou estadual.

A competência do Município, inclusive, lhe permite tratar de hipótese já prevista em lei hierarquicamente superior, porém, sempre com as limitações impostas pela União e pelos Estados (§ 2º do art. 6º da Lei nº 6.938/81).

Na cidade de São Paulo, por exemplo, a Lei do Plano Diretor, nº 10.676/88, no seu artigo 11, letra "j", obriga o empreendedor a apresentar relatório de impacto ambiental para implementação de empreendimentos de grande efeito na área urbana, cabendo ao parágrafoúnico do referido artigo esclarecer o que é empreendimento de grande efeito:

"Parágrafo único. Entende-se por empreendimento de grande efeito, além daqueles explicitados por norma federal, os grandes equipamentos referidos no artigo 10 desta Lei e mais os equipamentos do sistema estrutural viário e de transporte coletivo, os conjuntos habitacionais acima de 400 (quatrocentas) unidades e as operações urbanas com área de intervenção acima de 10 (dez) hectares."

Nota-se, pois, na esfera legislativa municipal, norma mais restritiva que em âmbito federal para a realização de obras viárias (Res. 001/86, inc. XV – 100 ha.). Na cidade de São Paulo, operações urbanas com área de intervenção acima de 10 ha. devem ser precedidas da apresentação e aprovação do RIMA.

Ao Município, contudo, em razão da natureza de sua competência (suplementar), repise-se, é vedada a possibilidade de formular norma mais branda (menos exigente) do que as já existentes no âmbito federal ou estadual.

IV – Competência para apreciar o Eia/Rima nas obras viárias.Se a competência para legislar na área ambiental édistinta, sendo concorrente entre União e Estados (art. 24, VI, CF) e suplementar para o Município (art. 30, II, da CF), no tocanteà competência executiva ou implementadora, todos os entes federativos possuem competência comum, conforme textualmente prevêo artigo 23, inciso VI, da Constituição Federal.

Portanto, União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem concorrentemente "... proteger o meio ambiente e combater a poluição...", utilizando, para tanto, os instrumentos postos à disposição na legislação.

Dois desses instrumentos, de grande eficácia, em face do caráter preventivo, como exposto, são a avaliação de impacto ambiental e o licenciamento (respectivamente, incisos III e IV do art. 9º da Lei nº 6.938/81). A avaliação, como visto, pode ser parte do processo de licenciamento ou ser considerada o próprio, quando inexistir qualquer outra exigência para determinada atividade ser licenciada.

No caso das obras viárias urbanas, a União, o Estado e o Município de São Paulo nada estabelecem sobre a necessidade de licenciamento ambiental administrativo, restando como única precaução ambiental o estudo de impacto (EIA) que acaba, in casu por se transformar no processo de licenciamento (não mais parte dele) e única garantia do cidadão de evitar ou minimizar agressões ao meio ambiente (pode ser que em alguns Estados ou Municípios exista licenciamento amplo, como frisado no item anterior).

A competência para apreciar o EIA/RIMA, nesses casos, équestão de debate acirrado na atualidade, pois os Estados que, na frente dos Municípios, se organizaram para análise dos RIMAs, através de seus Conselhos Estaduais do Meio Ambiente, veêm o esvaziamento parcial de suas funções com a constituição pelos Municípios de seus próprios Conselhos Ambientais.

Ninguém nega ao Município, dentro de sua competência executiva (art. 23, VI, da CF), em face de sua integração ao SISNAMA (art. 6º, VI, da Lei nº 6.938/81), a formação de seu próprio Conselho; a questão geradora de conflito éo que cabe a cada ente federativo apreciar.

No caso expecífico das obras viárias, quais são os empreendimentos de competência do órgão licenciador municipal, estadual e federal?

Tem-se que a fixação do órgão licenciador competente dependerá da área de influência que o empreendimento atingir, seja na sua construção, seja quando utilizado.

O interesse ambiental preponderante indicará o Conselho Ambiental da União, do Estado ou do Município como competente.

Assim, se determinada obra viária afetar significativamente mais de um Município ou, pontencialmente, trouxer risco a bem ambiental de mais de um Estado Membro, respectivamente, o Conselho Estadual ou Nacional do Meio Ambiente analisará o EIA/RIMA do empreendimento.

De forma diversa, se determinado empreendimento for de interesse preponderantemente local, impossível querer exigir o licenciamento em agência ambiental do Estado ou da União.

Anote-se que não é o fator decisivo estar a obra dentro dos limites de determinada cidade, pouco importando ainda a titularidade da área onde será edificado o equipamento urbano. O raio de influência ambiental é que indicará o interesse gerador da fixação da atribuição, traçando-se uma identificação de competência licenciadora com a competência jurisdicional (art. 2º da Lei Federal nº 7.347/85 – local do dano ambiental).

Como exemplo, se o empreendimento viário atingir área de proteção aos mananciais hídricos de determinada região, impossível querer licenciar a obra na agência municipal da cidade onde esta obra será realizada. O interesse, no referido exemplo, não é local ou preponderantemente local. Toda a região abastecida pela água daquele manancial seráconsiderada área de influência ambiental, o que determina a análise do EIA/RIMA pelo Conselho Estadual.

No Município de São Paulo ocorreu a situação posta acima, querendo a Administração local implantar corredor de ônibus de vários e vários quilômetros em áreas de proteção aos mananciais, com licenciamento único e exclusivo do CADES (Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de São Paulo). A questão está sub judice.

Em contrapartida, outras hipóteses já foram analisadas pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital, em São Paulo, onde se pretendia a análise do EIA/RIMA de túneis, pontes e outras intervenções urbanísticas pelo CONSEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente), sendo nítido, nos casos, apenas o interesse local.

Um dos casos analisados pela Promotoria trazia ainda componente interessante, vez que o túnel passaria sob o Rio Pinheiros, trazendo, segundo a representação distribuída junto ao Ministério Público, um caráter metropolitano para o empreendimento.

Esse raciocínio da abragência metropolitana porém não vingou. O simples fato de transpor o Rio Pinheiros não tem o condão de trazer a interferência ambiental para o âmbito regional, não se vislumbrando qualquer risco ao rio, por mais cauteloso que se queira ser.

Ademais, a definição de interesse local em contraponto com o regional ou o metropolitano deve ser bem entendida, cabendo aqui transcrever a lição do saudoso Hely Lopes Meirelles:

"Interesse local não é interesse exclusivo do Município; não é interesse privativo da localidade; não éinteresse único dos Municípios. Se se o exigisse essa exclusividade, essa privacidade, essa unicidade, bem reduzido ficaria o âmbito da Administração local, aniquilando-se a autonomia de que faz praça a Constituição. Mesmo porque não háinteresse municipal que não seja reflexamente da União e do Estado – Membro, como também, não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos Municípios, como partes integrantes da Federação brasileira. O que define e caracteriza o interesse local, inscrito como dogma constitucional, éa predominância do interesse do Município sobre o do Estado ou o da União". ("Direito Municipal Brasileiro" – Malheiros Editores, 7ª ed. – pág. 99).

Por outro lado, a alegação de que normas infraconstitucionais podem estabelecer qual o órgão ou conselho ambiental competente não parece a melhor exegese, posto que a lei não poderácolidir com a autonomia municipal, consagrada na Carta Magna (ressaltada por Hely Lopes Meirelles), bem como com o art. 23 da Constituição Federal, que estabelece ser competência comum, de todos os entes federativos, "...proteger o meio ambiente e combater a poluição..." (inc. VI).

Frente à Constituição, fica sem nanhuma força, por exemplo, a Resolução CONAMA nº 001/86, quando define estarem os empreendimentos elencados em seu art. 2º sob a competência licenciadora do "... órgão estadual e do IBAMA, em caráter supletivo", posto que tal dispositivo colide frontalmente com a competência executiva (chamada também de implementadora), outorgada aos Municípios pela Lei Maior (art. 23, VI).

V – Conclusõesa) Embora o art. 225, caput, da Constituição Federal contemple que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impossível obstar a construção de obra viária urbana com a constatação de que haverá dano ambiental a um determinado bairro ou comunidade. Basta o empreendimento estar dentro da lei e haverá presunção (relativa) de ganho social diante da opção administrativa (Poder Discricionário, dentro do art. 30, VIII, da CF).

Por ser relativa a presunção, em casos excepcionais, devidamente comprovado ser o dano ambiental superior ao ganho social da obra, poderáhaver embargo do empreendimento (administrativa ou judicialmente).

b) EIA/RIMA (art. 225, § 1º, IV, da CF) é o único instrumento da política nacional do meio ambiente (art. 9º, III, da Lei nº 6.938/81) utilizado para impedir ou minimizar impacto ambiental causado por obras viárias urbanas, podendo, entretanto, algum Estado Membro ou Município prever licenciamento mais complexo (O Estado e o Município de São Paulo nada prevêem).

c) Na esfera federal, o EIA/RIMA é exigido pela Resolução CONAMA nº 001/86 para " ... projetos urbanísticos, acima de 100 ha., ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental...".

O Estado de São Paulo nada prevê especificamente para obras viárias urbanas.

No Município de São Paulo há previsão para apresentação de relatório de impacto ambiental para operações urbanas com área de intervenção acima de 10 ha. (Lei Municipal nº 10.676/88, art. 11, "j").

Estados e Municípios poderão suplementar legislação hierarquicamente superior tão-só para trazer mais garantias preventivas (restrições), nunca para abrandar precauções e exigências ambientais (arts. 24, § 2º, e 30, II, ambos de Constituição Federal).

d) Mesmo nos casos não especificados em lei, há possibilidade de exigência do EIA/RIMA, em razão de o art. 225, inc. IV, da Constituição, e de o art. 10 da Lei nº 6.938/81 exigirem, para "...obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente...", a avaliação do impacto ambiental. A exigência poderá ser feita pelos órgãos licenciadores ou, judicialmente, pelo Ministério Público, demais legitimados do art. 5º da Lei nº 7.347/85, ou pelo cidadão (art. 5º, LXXIII, da CF).

e) Considerando que todos os entes federativos possuem competência executiva ou implementadora comum (art. 23, VI, da CF) e que União, Estados e Municípios integram o SISNAMA (art. 6º da Lei nº6.938/81), o critério de fixação de competência para apreciação do EIA/RIMA (competência licenciadora) será determinado pela área de influência ambiental, sendo competente o órgão licenciador da pessoa jurídica de direito público com interesse ambiental preponderante.

Bibliografia:1. José Afonso da Silva – "Direito Ambiental Constitucional" – 2ª edição – Malheiros.

2. Paulo Affonso Leme Machado – "Direito Ambiental Brasileiro – 5ª edição – Malheiros.

3. Silvia Capelli – "O Estudo de Impacto Ambiental na Realidade Brasileira – "Dano Ambiental – Prevenção, Reparação e Repressão" – Revista dos Tribunais.

4. Hely Lopes Meirelles – "Direito Municipal Brasileiro" – 7ª edição – Malheiros.