AS
PROPRIEDADES RURAIS E A NOVA DISCIPLINA DAS ÁREAS DE
PRESERVAÇÃO AMBIENTAL OBRIGATÓRIAS Evandro
A. S. Grilli, Heloisa Estellita Salomão e Henrique Furquim
Paiva
O
Código Florestal (Lei n. 4.771/65) estabelece que os
proprietários de terras situadas nas regiões Leste
Meridional, Sul e Centro-Oeste (esta última na sua parte
sul) poderão explorar as florestas de domínio
privado, desde que reservem em suas propriedades o limite mínimo
de 20% da área total, a critério da autoridade
competente. Esta área recebe o nome de Reserva Florestal
Legal (RFL) e está protegida contra o corte raso. Além
disso, deve ser averbada à margem da inscrição
de matrícula do imóvel sendo vedada a alteração
de sua destinação quando houver transmissão
ou desmembramento.
Ocorre que, em muitas propriedades,
notadamente nas rurais, existem, além das reservas
obrigatórias (RFL), as Áreas de Preservação
Permante (APP). Estas áreas são aquelas, de um modo
geral, ao redor de rios, córregos, cursos d'água,
nascentes, lagos, lagoas, topo de morros, montes, montanhas e
serras etc. Não podem elas ser suprimidas total ou
parcialmente senão com autorização legal, nos
estritos termos do que dispõe o art. 225, III, da
Constituição Federal.
Nos casos de
propriedades onde existem Áreas de Preservação
Permanente, dispunha o Código Florestal que a área
de Reserva Florestal Legal de 20% não poderia incluir
aquela área. Ou seja, não poderia haver abatimento
na RFL da APP. Exemplificando: uma propriedade cuja APP, por força
de um rio, já toma 35% de sua área ainda terá
que reservar mais 20% da propriedade a título de RFL, ou
seja, 55% da área da propriedade estaria comprometida
exclusivamente com a preservação ambiental.
Porém,
em dezembro de 1998, através de uma Medida Provisória,
que tem força de lei, foi acrescido ao Código
Florestal um dispositivo legal que permite o cômputo no
cálculo do percentual de reserva legal das áreas
relativas às florestas e demais formas de vegetação
natural consideradas de preservação permanente,
sendo que estas continuarão dispensadas da averbação
à margem da inscrição de matrícula do
imóvel.
A alteração é
importantíssima e salutar. Mantém a proteção
ao meio ambiente, já que todas as propriedades rurais terão
uma área de preservação ambiental, e desonera
o proprietário de terras onde se localizam rios, lagos,
etc., os quais viam reduzidas drasticamente as áreas úteis
de suas propriedades.
Utilizando-nos do exemplo acima
empregado, teríamos que aquele proprietário estaria
desonerado de constituir a Reserva Florestal Legal, já que
a Área de Preservação Permanente localizada
em sua propriedade toma 35%, ou seja, mais que os 20% exigidos
pela legislação em vigor, o que amplia a
possibilidade de exploração econômica da área
com conservação do meio ambiente, atendendo à
ordem do art. 186, incisos I e II, da CF.
Outro aspecto
que deve ser levado em conta é o fato de que, de acordo com
a ordem constitucional (art. 225, III, da CF), os proprietários
que atualmente possuem mais de 20% de sua área reservada à
preservação ambiental, e que não puderam
descontar as Áreas de Preservação Permanente
ao longo de rios, lagos, etc., poderão valer-se desta
inovação legal para reduzirem o percentual
territorial destas áreas adequando-o aos novos limites
fixados, onde estão computadas as Áreas de
Preservação Permanente. É que a Constituição
Federal elegeu a lei como o meio hábil para dispor sobre o
tamanho e o limite de áreas de preservação
ambiental. Neste caso, a Medida Provisória editada, que tem
força de lei, permite a redução e a
readequação das propriedades aos termos da lei.
Existindo, então, a norma ambiental que viabiliza o
cômputo da Área de Preservação
Permanente na área de Reserva Florestal Legal obrigatória
de 20%, não há como deixar de reconhecer a
possibilidade de tal prática, considerando não só
o princípio da legalidade inserido no inciso II, como
também o direito de propriedade, previsto no inciso XXIII,
todos do artigo 5°, da Constituição Federal,
cuja soberania é reconhecida diante da ausência de
qualquer regra restritiva ao seu exercício.
Da
mesma forma, devem estar atentos aqueles proprietários de
terras que já firmaram "Termos de Compromisso"
com órgãos de controle ambiental federais ou
estaduais. Se referidos Termos estiverem em desacordo com a nova
disciplina legal, poderão ser revistos e cumpridos somente
naquilo que não contrariarem a nova legislação
em vigor, sendo permitido, inclusive, o questionamento judicial
das exigências feitas com base na legislação
revogada.
Deve-se ponderar, a respeito, que o Ministério
Público, na condição de fiscal da lei, tem o
poder de firmar tais compromissos somente para ajustamento de
conduta à exigências legais, como dispõe a
regra do § 6°, da Lei n. 7.347/85 (Ação
Civil Pública). Não existindo norma legal, ou sendo
ela revogada, que inspire o ajustamento da conduta, o compromisso
firmado perde completamente o seu objeto.
Cumpre observar,
ainda, que a restrição imposta pelo compromisso
poderá ser rescindida diante da onerosidade excessiva dele
decorrente, diante do advento da nova ordem legal que garante a
compensação da Área de Preservação
Permanente com a área de Reserva Florestal Legal, o que
viabilizaria a propositura de ação judicial para o
restabelecimento do equilíbrio na relação
firmada, garantindo a própria coerência legal do
compromisso firmado.
Evandro
A. S. Grilli, Heloisa Estellita Salomão, Henrique Furquim
Paiva Advogados da Equipe Interdisciplinar de Direito
Ambiental do escritório BRASIL SALOMÃO E MATTHES
S/C ADVOCACIA, Ribeirão Preto-SP
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