A
lei dos crimes ambientais
MIguel
Sales
Após
sete anos de tramitação no Congresso Nacional, foi
sancionada a tão esperada Lei de Crimes Ambientais, que
entrou em vigor, nos aspectos penais, a partir de 30.03.98. Como a
lei não só cuida de sanções criminais,
mas também administrativas, estas ainda estão
pendentes de regulamentação. Ela é resultado
do possível, num país em que quase tudo,
infelizmente, passa pelo balcão da barganha e do lobby dos
poderosos. Assim, quando já aprovado o seu projeto na
Câmara dos Deputados, ele teve que sofrer, de afogadilho,
umas outras alterações, ditadas pelo próprio
Executivo, ante as pressões dos grandes produtores
agrícolas. Banidos, de véspera, os pontos essenciais
que atingiam a dita classe, como, por exemplo, o que previa
reclusão de até quatro anos para certos danos contra
a flora, ao presidente da República coube apenas vetar,
salvo poucas exceções, as imprecisões legais
contidas no texto final da Lei. Entretanto, no conjunto, a Lei é
de bom quilate, caracterizando-se como uma diploma normativo
moderno, dotado de regras avançadas, estabelecendo
coerentemente quase todas as condutas administrativas e criminais
lesivas ao meio ambiente, sem prejuízo das sanções
civis, já existentes em outras leis específicas.
Antes, as regras para os crimes ambientais estavam
embrenhadas num confuso palheiro de leis, geralmente conflitantes
entre si. Agora, a nova lei sistematizou adequada-mente, numa só
ordenação, as normas de direito penal ambiental,
possibilitando o seu conhecimento pela sociedade e a sua execução
pelos entes estatais. Contudo, mesmo no âm-bito penal, nem
todos os atos lesivos à natureza, foram abrangidos pela
nova lei, como era a intenção original de seus
idealizadores. Assim, muitas normas do Código Penal, da Lei
de Contravenções Penais e do Código Florestal
permanecem em vigor, como é caso, respectivamente, do
delito de difusão de doença ou praga, de poluição
sonora e de proibição da pesca de certos animais
marinhos, entre outros.
Sem dúvida, a referida lei,
lapidada por juristas de renome, assemelha-se, no seu formato, ao
Estatuto da Criança e do Adolescente e ao Código de
Defesa do Consumidor, que são leis de terceira geração,
visando promover a qualidade de vida e a dignidade huma-na, num
País cheio de contrastes e marginalização
social. Ter leis boas é ótimo. É um bom
passo. Mas não basta parar aí. A norma é
apenas um ponto de partida. Para a sua efetividade, é
necessário, igualmente, a adoção de outras
medidas destinadas a institucionalizar os órgãos
responsáveis pela preservação ambiental, pois
os atuais estão carentes de toda a sorte de recursos.
Veja-se, por exemplo, o caso de Roraima, em que se demonstra a
incapacidade governamental de apagar o fogo que devora vários
trechos do coração da floresta amazônica - o
qual não é só decorrente da estiagem, mas
também reflete a falta de prevenção do poder
público em relação às nossas reservas
ecológicas. Para a promoção do
desenvolvimento e a proteção do meio ambiente, é
preciso vontade política eficaz, não resumida apenas
na retórica, aliás sempre repetida, notadamente às
vésperas das eleições.
Curioso, é
o veto do presidente da República ao art. 81 da Lei em
comento - que previa a sua vigência imediata -, ancorado no
o argumento de que ela teria de ser amplamente divulgada ao
público, para poder alcançar os seus objetivos. Não
obstante, a lei co-meçou vigorar à mingua da
prometida publicidade - ao contrário do que ocorreu,
acertadamente, com o novo Código de Trânsito. Patente
está a contradição entre o discurso e a
prática do governo em relação ao trato das
questões ambientais. Ademais, a esse respeito, as entidades
responsáveis pela preservação da natureza só
agem até um certo limite, mesmo porque muitas das decisões
emanadas do próprio Planalto são arrefecidas pelo
grito mais forte do poder econômico nacional e estrangeiro -
agora não só aliados, mas também
globalizados.
De qualquer sorte, a Lei com os seus 82
artigos (incluindo-se os vetados), distribuídos em oito
capítulos, regulamenta o artigo 225 da Constituição
- esta, na esfera do meio ambiente, uma das mais avançadas
do mundo. E surgiu, mais por pressões dos países
ricos, em suas preocupações com a Amazônia, as
condições climáticas da Terra e as
substâncias que ameaçam a sua frágil camada de
ozônio.
De principal novidade, a nova lei introduziu
no nosso ordenamento jurídico, de forma clara e objetiva, a
responsabilidade penal da pessoa jurídica, prevendo para
elas tipos e sanções e bem definidos -
evidentemente, diversas daquelas que só se aplicam à
pessoa humana. No geral, a nova lei transformou em crimes, com
penas, em média, de um a três anos, a maioria das
condutas outrora tidas simplesmente como contravenções
penais, quer previstas no Código Florestal ou em outros
diplomas legais. Passou a punir com pena de até cinco anos
quem dificultar ou impedir o uso público das praias -
situação que é comum ao longo da zona
costeira. Corrigiu distorções existentes no Código
de caça, como a que tipificava de crime inafiançável,
com alta punição, o fato de um simples camponês
abater um animal silvestre para o consumo; enquanto os imensos
latifúndios, pulverizados com agrotóxicos, ficavam
isento de sanção penal, mesmo que houvesse a
dizimação de um ecos-sistema por inteiro.
A
recente lei, em suas prescrições, além de
tipificar penalmente inúmeras outras condutas como lesivas
à natureza, adota princípios ramificados nas
principais convenções mundiais sobre o meio
ambiente, no encalço de sua preservação e na
busca de um progres-so economicamente sustentável. Porém,
é preciso cautela na sua aplicação, pois
desde que não se agrida realmente a natureza, devemos
utilizar a madeira, o minério, a caça, a pesca e
outros recursos naturais. Não se deve esquecer que a
maioria do nosso povo é pobre e vive do extrativismo. O
puro conservacionismo se agenda mais a serviço de países
como os Es-tados Unidos, o Canadá, a Alemanha, que
incendiaram as suas florestas, mataram os seus solos, secaram as
suas fontes de água e, agora, querem ditar regras
ambientais para os países do terceiro mundo, sem deixar de
explorar os seus recursos naturais e de ter qualquer preocupação
com o seu subdesenvolvimento.
Em trabalho memorável,
demonstrou Vasconcelos Sobrinho, que o uso racional da madeira da
Amazônia - há muito um produto de grande valor
econômico no mercado mundial - daria para pagar folgadamente
a corrosiva dívida externa a que estamos submetidos, e
ainda sobraria um bom troco para minimizar a miséria de
nosso povo.
Miguel
Sales Promotor de Justiça em Pernambuco
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