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  A lei de repressão aos crimes ambientais

Adilson J. P. Barbosa e Rolf Hackbart

Assessores técnicos da bancada federal do PT


 
 


Foi aprovada, no último dia 28 de janeiro, na Câmara dos Deputados, o projeto-de- lei que estabelece sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, conhecida como a "Lei do Crime Ambiental". A Constituição Federal de 1988, no seu Art. nº 225, trouxe um grande avanço ao estabelecer, que "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". No seu § 3º, do mesmo artigo, a Constituição Federal afirma, ainda, que "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". Por sua vez, o Art. 5º, inciso LXXIII, elevou a proteção ambiental à categoria de direito fundamental de todo o cidadão.

Até a aprovação da "Lei do Crime Ambiental", os enunciados constitucionais não passavam de normas programáticas, especialmente no que se refere às responsabilidades penais das pessoas físicas ou jurídicas. A primeira providência legislativa de que se tem notícia, muito embora protetora do meio ambiente, mas não no âmbito penal, foi a edição, pelo Imperador D. Pedro I, a 1.10.1828, das chamadas Posturas Municipais. Nelas, o art. 66 deliberava sobre a limpeza e conservação das fontes, aquedutos e águas infectas, em benefício comum dos habitantes (in Crimes Contra a Natureza - Vladimir e Gilberto Passos de Freitas).

No âmbito criminal propriamente dito, foi o Código Criminal de 1830 que tomou a primeira iniciativa. Nos seus arts. 178 e 257, estabelecia penas para o corte ilegal de madeiras. O incêndio foi considerado crime especial posteriormente, através da Lei 3.311, de 14.10.1886 (ibidem).

Afora estes dispositivos, o país já dispõe do Código Florestal (1989), do Código de Caça (1967), Código de Pesca (1967), da Política Nacional do Meio Ambiente (1989), da Lei dos Agrotóxicos (1989), dentre os principais dispositivos legais que se referem, direta ou indiretamente, aos vários aspectos ambientais. Na Câmara dos Deputados tramita, ainda, o projeto de lei nº 2.892/92, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) visando estabelecer critérios e normas para a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação. Portanto, ainda não havia uma lei que estabelecesse, do ponto de vista penal e administrativo, as sanções, de forma taxativa, para os infratores do meio ambiente.

  II - O SUBSTITUTIVO DO SENADO FEDERAL

O projeto-de-lei aprovado no dia 28 de janeiro último teve origem na Câmara dos Deputados (PL nº 1.164/91), por iniciativa do Poder Executivo, que "Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências". Aprovado em 1995 na Câmara dos Deputados, após debates e consultas amplas, o projeto foi aprovado no Senado Federal, na forma de um substitutivo, retornando à Câmara para apreciar as alterações promovidas no Senado.

Os principais pontos do texto aprovado no Senado Federal (quase todos objeto de rejeição na Câmara) podem ser assim resumidos:

1. as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente são punidas com sanções administrativas, civis e penais;

2. responsabiliza as pessoas jurídicas na forma administrativa, penal e civil, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, inclusive, o agente que agir por conta da entidade. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. Este ponto representou um grande avanço na proposta do Senado Federal;

3. o juiz poderá determinar que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores societários ou, no caso de grupo societário, os representantes legais ou contratuais das sociedades que o integram, tido como a responsabilidade solidária;

4. o agente, independentemente de culpa, é obrigado a indenizar ou reparar os danos por ele causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por seus atos;

5. as penas referem-se a (i) penas restritivas de direito, (ii) prestação de serviços à comunidade ou entidade ambiental, (iii) penas de interdição de direito, (iv) a cassação de autorização ou licença, (iv) a prestação pecuniária no intervalo de 1 salário mínimo até 360 salários-mínimos. A perda de bens e valores pertencentes ao condenado dar-se-á em favor do Fundo Penitenciário Nacional;

6. a prescrição das penas, antes de transitar em julgado a sentença, começa a correr da data em que o fato se tornar conhecido pela autoridade ambiental;

7. verificada a infração, serão apreendidos os animais, produtos e subprodutos da infração, bem como os instrumentos utilizados na sua prática, dando-lhes, respectivamente, os devidos fins;

8. nas infrações penais previstas, a ação penal é pública incondicionada, podendo o Ministério Público dispensar o inquérito policial para apuração das infrações penais quando possuir elementos suficientes para oferecer denúncia;

9. estabelece como crimes contra o meio ambiente, aqueles:

a) contra a fauna, ao matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente;

b) contra a flora, ao fazer fogo, provocar queimaduras, derrubar, destruir, danificar, ou cortar árvores em floresta, mata ou vegetação de preservação permanente, sem autorização ou licença;

c) que provocam a poluição e outros crimes contra o meio ambiente, ao causar poluição, de qualquer natureza, ao ar, ao solo, às águas interiores, de superfície ou subterrâneas, ao estuário, ao mangue, à águas jurisdicionais brasileiras, ou aos demais componentes do meio ambiente, em níveis que resultem ou possam resultar em danos ou perigo ao meio ambiente, ou à incolumidade humana, animal ou vegetal.

Neste item inserem-se, dentre outros, os atos de executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização; produzir, processar, embalar, comercializar, etc., produto de substância tóxica em desacordo com as exigências estabelecidas nas leis ou nos seus regulamentos; produzir sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares; disseminar doença ou pragas que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas.

d) contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural, ao destruir, inutilizar ou deteriorar bens protegidos por lei, alterar o aspecto da estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, promover construção em solo não edificável em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, etc., sem autorização da autoridade competente; pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano (três meses a um ano e multa);

e) contra a administração ambiental, quando o funcionário público fizer afirmação falsa ou enganosa, etc., em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental. Quando (o funcionário público) deixar de promover as medidas determinadas pela autoridade competente necessárias à prevenção, interrupção ou minoração do agravamento do dano ambiental;

f) que infringem a administração ambiental, referindo-se a toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente;

10. resguardadas a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, o governo brasileiro prestará no que concerne ao meio ambiente, a necessária cooperação a outro país, sem qualquer ônus, quando solicitado para a produção de provas, exame de objetos e lugares, informações sobre pessoas e coisas, etc., mantendo sistema de comunicação apto a facilitar o intercâmbio rápido e seguro de informações com órgãos de outros países.

O substitutivo aprovado no Senado Federal (90 artigos) foi muito superior, em tamanho e mérito, ao projeto original aprovado na Câmara dos Deputados (27 artigos). Houve um enorme empenho, no retorno do PL à Câmara dos Deputados, dos setores contrários ao estabelecimento de legislação concernente ao tema, em emperrar a tramitação do projeto (na forma em que veio do Senado), a exemplo das bancadas ruralista, evangélica, dos transportes etc, evidentemente, por razões diferenciadas.

Um dos pontos positivos do substitutivo do senado dizia respeito à possibilidade de criminalização de pessoa jurídica, não excluindo as respectivas pessoas físicas autoras ou co-autoras do mesmo fato. Este ponto foi resultado da pressão do bloco de oposição no senado e de autoria da Senadora Marina Silva (PT/AC). Outro ponto extremamente positivo que pode ser destacado no substitutivo do Senado refere-se à possibilidade de entidades civis, como ONGs, Partidos, sindicatos, intervirem no processo penal como assistentes do Ministério Público, ou, mesmo, como titulares da ação penal.

Na Câmara dos Deputados existe, ainda, uma propositura dispondo sobre o crime ambiental tramitando: a Proposta de Emenda Constitucional nº 269/95 - da Sra. Maria Valadão (PFL/GO-bancada ruralista). Esta PEC objetiva estabelecer exatamente o contrário do principal ponto, a nosso ver, aprovado no Senado Federal: a impossibilidade de responsabilizar, criminalmente, a pessoa jurídica , nos crimes contra o meio ambiente, com base no argumento que a pessoa jurídica não é suscetível de culpabilidade, porque "não tem alma, não tem liberdade de querer".

Dentre as sanções penais estabelecidas no substitutivo do senado, pode-se destacar a possibilidade da prestação de serviços comunitários e a adequação e devida gradação das penas para as diversas situações previstas: para cada crime corresponde, salvo melhor juízo, uma pena e/ou multa adequada.

A rigor, o substitutivo aprovado no Senado Federal surpreendeu positivamente a todos os defensores do meio ambiente. Já na época avaliava-se que o texto oriundo do senado seria objeto de retaliações na Câmara dos Deputados, o que passamos a descrever e analisar.

  III - O RESULTADO DA VOTAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a votação na Câmara dos Deputados se deu da seguinte forma: (i) os relatores das comissões de Agricultura e Política Rural (Dep. Valdir Colatto - PMDB/SC) e da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias - PFL/BA) ofereceram pareceres idênticos, pela aprovação de vários dispositivos (subemendas) do senado federal, e pela rejeição de tantas outras; (ii) o bloco de oposição apresentou cinco destaques para votação em separado (DVS) para resgatar artigos importantes do texto do senado, os quais forma todos rejeitados.

Afora o acordo principal (promovido entre o governo, a bancada ruralista, evangélica, dos transportes, da indústria) pela rejeição ou supressão de partes do substitutivo, o governo ainda assumiu o compromisso de vetar dispositivos, além da publicação de decretos regulamentadores, como o relativo às queimadas e a poluição sonora. Neste sentido, ainda não se tem uma análise final do texto da lei, em função dos vetos que o Poder Executivo promoverá, o que só será confirmado quando da sanção e publicação da lei. Registre-se, ainda, que a frente parlamentar do meio ambiente não participou das negociações e, o bloco de oposição, representado pelo PT, conseguiu, na fase final, recuperar alguns itens importantes que seriam rejeitados.
 
 

Os principais pontos rejeitados no substitutivo do Senado Federal foram:
 
 

1. Responsabilidade civil objetiva da pessoa jurídica e pessoa física (risco integral)

Rejeição do § 1º, do Art. 3º e veto do Art. 6º do substitutivo do senado:
"Art. 3º ..............

§ 1º - A pessoa jurídica será também responsabilizada, quando o agente agir por conta da entidade, no interesse ou visando o lucro desta, seja para obter um benefício material ou moral, atual ou eventual, direto ou indireto para a entidade".

"Art. 6º - Sem prejuízo do disposto nesta Lei, o agente, independentemente da existência de culpa, é obrigado a indenizar ou reparar os danos por ele causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por seus atos."
 
 

Com a rejeição destes dispositivos, a responsabilidade objetiva (risco integral) prevista no texto do senado, não poderá ser aplicada. Ou seja, a empresa infratora poderá escapar de condenações civis, responsabilizando os seus prepostos, ou sócios, ou, ainda, alegando caso fortuito ou força maior.

Por outro lado, contrariando princípios já previstos na atual Constituição, independente de culpa (negligência, imprudência, imperícia), a pessoa jurídica ou física só poderá ser punida provando-se o dolo (intenção em praticar o crime). A título de exemplo, um eventual derramamento de óleo, por acidente, não importará, em princípio, na responsabilização (indenizar e reparar o dano) da empresa petrolífera.
 
 

2. Responsabilidade solidária

Rejeição das expressões "o controlador" e "ou devendo saber", do Art. 2º do substitutivo do senado, verbis:
"Art. 2º - Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o controlador, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo ou devendo saber da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la."
 
 
A retirada da expressão "controlador" impede que se possa responsabilizar acionistas, empresas controladoras de vários empreendimentos, ou mesmo eventuais "testas de ferro" dos negócios em questão. Entretanto, o dispositivo permite a responsabilização do diretor, administrador, membro do conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica.

Em que pese serem os diretores da maioria das empresas os próprios acionistas das mesmas, portanto, estarem sujeito às penas, em outros casos não sendo os mesmos diretores, ou gerentes, poderão escapar de sanções penais decorrentes de infrações ambientais.
 
 

3. Desconsideração da personalidade da pessoa jurídica

Rejeição do Art. 5º e do caput do Art. 4º, e das expressões "também" e "de alguma forma" do seu parágrafo único, que transformou-se em artigo autônomo, verbis:
"Art. 4º - O juiz pode desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica quando, em detrimento da qualidade do meio ambiente, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social, ou ainda, quando, por má administração, houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica.

Parágrafo único - também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente."

Art. 5º - O juiz pode determinar que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores societários ou, no caso de grupo societário, os representantes legais ou contratuais das sociedades que o integram.

§ 1º - As sociedades integrantes dos grupos societários e sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes desta Lei.

§ 2º - As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes desta Lei.

§ 3º - As sociedades coligadas só responderão por culpa."

Os dispositivos acima constituíam-se em instrumento poderoso para a punição das pessoas físicas que, escondendo-se atrás da personalidade jurídica de suas empresas, cometem crimes contra o meio ambiente, causando danos materiais, econômicos e, às vezes, verdadeiros genocídios de espécies animais e vegetais.

O caput do Art. 4º e o Art. 5º atendiam ao princípio da taxatividade (descrição minuciosa da conduta delituosa e seus responsáveis), exigido em leis penais. Em que pesa esta grande perda, a manutenção do parágrafo único do Art. 4º introduz na legislação ambiental brasileira o princípio avançado de proteção aos interesses da comunidade, na medida em que permite que o juiz possa responsabilizar diretamente "o dono" da empresa.

A sua aplicação efetiva dependerá, sem dúvida, de uma pressão das entidades civis sobre os operadores (juizes, advogados, promotores etc) do direito vigente.
 
 

4. Eliminação de algumas das principais penas restritivas de direito

4.1. - cassação de autorização ou licença (Art. 9º, inciso III; Art. 12);

4.2. - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo (I), e proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do Poder Público (II) (Art. 11, incisos I e II);

4.3. - perda de bens e valores (Art. 9º, inciso VII; Art. 16; Art. 25, inciso IV e V; Art. 30).

Todos os dispositivos previstos no item "4.3" constituíam-se em um indispensável instrumental jurídico para que o Estado pudesse, de fato, coibir a prática de uma série de infrações ambientais que são praticadas com o uso de máquinas e equipamentos. A apreensão desses bens materiais representaria um prejuízo que os contumazes infratores efetivamente "sentiriam no bolso", além de implicarem em resultados mais educativos para o infrator e para a sociedade em geral.

Por outro lado, é preciso que se diga que a previsão de perdas de bens e valores se revelaria de difícil aplicação, pois se afigurava inconstitucional por ferir o direito de propriedade que, em nosso ordenamento jurídico é quase absoluto.
 
 

5. Liquidação forçada da empresa

Rejeição do Art. 25, inciso IV e V, do substitutivo do senado, verbis:
"Art. 25 - As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no Art. 3º são:

I - multa;

II - restritivas de direitos;

III - prestação de serviços à comunidade

IV - liquidação forçada;

V - perda de bens e valores".

A rejeição deste dispositivo retira a possibilidade de aplicação da liquidação forçada, o que deve ser combinado com a supressão do inciso V, do mesmo artigo (perda de bens e valores), impedindo o fechamento ou a paralisação da atividade predatória da pessoa jurídica. Os empresários, buscam, na verdade, proteger os seus bens e, o que é pior, manter a atividade causadora do dano, na medida em que os dispositivos restantes só permitem a aplicação da multa, da restrição de direitos e da prestação de serviços à comunidade.

Por outro lado, a manutenção do Art. 29, do substitutivo do senado federal, permite que no caso de empresa constituída ou utilizada preponderantemente com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crimes ambientais seja decretada a sua liquidação forçada, o que se configurará de difícil aplicação.
 
 

6. Interdição de estabelecimento

Rejeição do Art. 27, inciso III (interdição permanente de estabelecimento, obra ou atividade) do substitutivo do senado que, na mesma linha do dispositivo anterior, impede a paralisação da atividade danosa praticada pela empresa. A diferença é que na liquidação forçada a empresa ou empreendimento poderia ser vendido em hasta pública para pagamento dos eventuais danos. Na interdição permanente, o estabelecimento ficaria apenas fechado.
 
 

7. Legitimação processual para entidades da sociedade civil (ONGs, associações etc) ajuizarem ações penais

Rejeição do § 1º, do art. 32, do substitutivo do senado, que permitia que entidades representativas da sociedade civil pudessem funcionar, em ações penais, como assistentes do Ministério Público, ou, ainda, em caso de omissão deste, pudessem impetrar ações penais, diretamente, contra os infratores.

A supressão deste dispositivo representa um ataque à participação da sociedade civil na fiscalização e preservação do meio ambiente. Todos sabemos que, em muitos lugares deste país, a entidade civil organizada está muito mais presente que o Poder Público, sem falar no costumeiro conluio entre os infratores e o poder fiscalizador.

Consideramos que esse era um dos pontos mais importantes do projeto, pois, além de permitir um exercício pleno da cidadania, representaria um poderoso estimulo para que os "promotores omissos", cumprissem o seu dever de fiscal da lei e defensores da sociedade. Ademais, a legitimidade processual para que as entidades da sociedade civil pudessem impetrar ações penais seria, sem dúvida, um elemento tensionador entre a omissão crônica do Estado, o conservadorismo hermético do judiciário e as demandas reprimidas das minorias. Concluindo: calaram mais uma voz.
 
 

8. Eliminação do Rito Sumário

Rejeição do art. 35 do substitutivo do senado federal, que prevê um rito processual mais célere para a apuração das infrações previstas na projeto de lei, o que permite uma atuação mais rápida dos órgãos judiciais, gerando uma credibilidade maior da sociedade na justiça e servindo como exemplo para potenciais infratores. Enquanto os infratores, certamente, contam com os já conhecidos recursos protelatórios da justiça brasileira, o meio ambiente poderá não resistir à decisão final das nossas abarrotadas cortes superiores.
 
 

9. Proteção da reserva legal

Rejeição do art. 47, do substitutivo do senado (Dos Crimes contra a Flora), e manutenção dos incisos I, II, e parágrafo único do art. 14; e do Art. 16, do texto aprovado na Câmara dos Deputados, verbis:
"Art. 47 - Fazer fogo, provocar queimada, derrubar, destruir, danificar, ou cortar árvores em floresta, mata ou vegetação de preservação permanente, mesmo que em formação, de reserva legal, ou situadas em unidades de conservação, mesmo que em formação, sem autorização ou licença, ou em desacordo com a obtida:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa".
 
 

Texto mantido:
 
 
"Art. 14 - Constituem crime contra o meio ambiente, punível com detenção de 1 (um) a 3 (três) anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente, sem prejuízo das demais sanções estabelecidas no art. 3º desta lei:
I - destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção;

II - cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente;

Parágrafo único - Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."

"Art. 16 - Constitui crime contra o meio ambiente, punível com reclusão de 1 (um) ano a 5 (cinco) anos, sem prejuízo das demais sanções estabelecidas no art. 3º, causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização.

§ 1º - Entende-se por Unidades de Conservação as Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público.

§ 2º - A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação será considerada circunstância agravante para a fixação da pena.

§ 3º - Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."

 
O Art. 47 do substitutivo do senado previa a punição, dentre outras, para quem destruísse reserva legal.

A reserva legal é a área de floresta de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso. Em outras palavras, é a área que, de acordo com cada região, o proprietário fica obrigado a manter a floresta intacta. Segundo o mestre Paulo Afonso, existem três tipos de reservas florestais legais: um tipo indicado pela qualidade da cobertura florestal - áreas de cerrado; os outros dois tipos dependem de sua localização no território brasileiro: a reserva na região norte e da parte norte da região centro-oeste e a reserva em todas as outras regiões do Brasil, inclusive a parte sul da região centro-oeste.

Segundo ainda o autor, na região norte e na parte da região centro-oeste, a exploração à corte raso, só é permissível desde que permaneça com cobertura arbórea, pelo menos, 50 % da área de cada propriedade. Nas demais regiões do país o limite costuma ser fixado em 20 % da área de cada propriedade.

Pois bem, o dispositivo acima rejeitado, punia quem, por qualquer forma, destruísse ou danificasse a reserva legal de suas respectivas propriedades. Como se vê, a título de exemplo, se a Amazônia, algum dia, viesse a se transformar em uma grande fazenda de gado, ao menos, 50 % de sua floresta poderia ser preservada. Por outro lado, o dispositivo permitia a exploração da reserva legal, desde que houvesse autorização ou licença do órgão competente.

O texto aprovado na câmara mantém a "proteção" somente das áreas de florestas permanentes e unidades de conservação, deixando "desprotegidas", portanto, as áreas de reserva de legal. Seria redundante dizer o quanto é nefasta essa omissão da lei aprovada. Entretanto, advertimos que além da omissão em si representar um vácuo no sistema proposto, pode servir como estímulo aos depredadores do meio ambiente.
 
 

10. Veto ao dispositivo que proibia a exportação, sem licença, de espécies vegetais, inclusive germoplasma, produto ou subproduto de origem vegetal

Veto do art. 54 do substitutivo do senado federal, que condicionava essas exportações à concessão de licenças das autoridades brasileiras competentes. No mundo atual, onde a clonagem de seres vivos, de todas as espécies, passou a fazer parte da ordem do dia, sendo o domínio da biotecnologia e da genética fundamentais para o desenvolvimento das Nações, sobretudo, aquelas subdesenvolvidas, é de se estranhar que o governo nada faça para impedir que espécies valiosas de nossa biodiversidade saiam do país sem que isso represente, pelo menos, o acesso dos nossos cientistas às espécies ainda desconhecidas da ciência brasileira. Já estamos comprando do exterior medicamentos e outros produtos produzidos a partir de espécies colhidas nas nossas matas ou florestas e em outros ecossistemas.

Além da nossa conhecida incapacidade de fiscalização na aplicação das leis, temos, com este veto, mais um estímulo à biopirataria já em andamento no país.
 
 

11. Obrigatoriedade de promover a reposição da floresta

Rejeição do Art. 55, do senado federal, que estabelece penas para a não reposição florestal.

Um dos princípios que norteiam a proteção do meio ambiente é a reparação dos danos causados ao mesmo. Aliás, esse era um dos pontos centrais da lei: a reparação dos prejuízos causados ao meio ambiente, adotando-se, por analogia, o princípio mundialmente aceito de quem polui paga. O dispositivo acima representava um poderoso instrumento para a efetivação desse princípio. Ao rejeitá-lo, o governo, mais uma vez, faz tábula rasa dos compromissos assumidos nas conferências internacionais e até em convenções e acordos assinados com outros países.
 
 

12. Acordo para Veto ao dispositivo que previa a punição para quem importasse ou comercializasse substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde pública ou ao meio ambiente, verbis:
 
 

"Art. 64 - Importar ou comercializar substâncias ou produtos tóxicos ou potencialmente perigosos ao meio ambiente e à saúde pública, ou cuja comercialização seja proibida em seu país de origem:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa."

A possibilidade de veto a esse dispositivo propiciará que a população brasileira continue a servir de cobaia dos laboratórios e indústrias multinacionais, ou mesmo nacionais, que comercializam no Brasil inúmeros medicamentos, ou substâncias e produtos tóxicos vedados nos seus países de origem. O veto ao dispositivo acima permite que a vida e a saúde de milhares de brasileiros continue a ser ameaçada pela ganância de empresários imorais e antiéticos. O governo abre mão de mais um instrumento que impediria que esta prática desumana continuasse a ser praticada contra o povo brasileiro.
 
 

13. Veto ao dispositivo que previa a punição para quem provocar poluição sonora

Veto ao Art. 66, do substitutivo do senado, que previa pena de detenção de três meses a um ano, e multa, para quem produzisse sons, ruídos ou vibrações em desacordo com as prescrições legais ou regulamentares, ou desrespeitando as normas sobre emissão de ruídos e vibrações resultantes de quaisquer atividades.

Esta rejeição atende reivindicação da bancada evangélica que, em função do dispositivo não definir, de logo, as atividades passíveis de regulamentação, possibilitando que as autoridades federais, estaduais, ou municipais, pudessem estabelecer, em seus regulamentos, limites de produção de som. Temiam, os evangélicos, que a fixação desses limites, em percentuais muito baixos, poderiam levar ao fechamento de seus templos.
 
 

14. Rejeição do dispositivo que estabelecia a punição para quem deixasse de promover as medidas necessárias à prevenção, interrupção ou minoração do agravamento do dano ambiental

Rejeição do caput do art. 75, do substitutivo do senado federal, contido na Seção V, que trata dos crimes contra a administração ambiental, e manutenção do Art. 19, inciso X do projeto aprovado na Câmara, verbis:
 
 

"Art. 75 - Deixar de promover as medidas, determinadas pela autoridade competente ou a que está obrigado por dever legal, necessárias à prevenção, interrupção ou minoração do agravamento do dano ambiental.
 
 

Pena - detenção, de um a três anos, e multa"
 
 

Texto da Câmara mantido:
"X - deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental;"
O dispositivo rejeitado possuía amplitude maior que o texto mantido da Câmara, pois, enquanto este último elenca um elemento extremamente subjetivo: relevância do interesse ambiental, o texto rejeitado era objetivo e referia-se diretamente "à prevenção, interrupção ou minoração do agravamento do dano ambiental".

Tratando-se de lei penal, a tipicidade é fundamental para a sua aplicação. Por outro lado, a rejeição do dispositivo é coerente com a derrubada do Art. 55 do substitutivo do senado, que também punia quem deixasse de reparar prejuízos causados ao meio ambiente.
 
 

15. Limites para as multas

Rejeição do § 2º, e do caput do art. 82, do substitutivo do senado federal.
O caput do Art. 82 do substitutivo do senado estabelecia que "a multa não deverá ser inferior ao benefício econômico esperado pelo infrator com a sua atividade ou conduta". E o seu parágrafo 2º definia que "A multa poderá ser aumentada até cem vezes, se a autoridade considerar que, em virtude da situação econômica do agente, ela se revela ineficaz, ainda que aplicada no seu valor máximo".

Quando se trata de dano ambiental, sobretudo aquele praticado por grandes empresas, os prejuízos ao meio ambiente e à população como um todo, são incalculáveis, pois, às vezes, trazem prejuízos irreparáveis para o ecosistema de uma região, ou mesmo um país. Note-se que o limite superior previsto no texto do senado somente seria aplicado em caso de ineficácia da multa antes aplicada.

Tragédias, como Chernobyl, mercúrio na bacia japonesa, ou explosões nucleares, ou mesmo, o desmatamento de grandes áreas da floresta amazônica, não podem ser mensurados economicamente. Mais que isso, exigem do Poder Público ações que, de fato, eliminem, de uma vez por todas, a empresa ou empreendimento ocasionador do dano. Portanto, não são pertinentes as críticas daqueles que defendem a rejeição do dispositivo. Afinal, o meio ambiente deve ser preservado para as gerações presentes e futuras.
 
 

16. Opção pela revogação tácita de outras legislações em detrimento de revogação expressa prevista no artigo 90 do texto do Senado.

O Art. 90 revogava, expressamente, alguns dispositivos de caráter penal de algumas das leis ambientais do nosso ordenamento jurídico (Código Florestal, Lei de Proteção à Fauna, Lei para Prevenção de Uso de Agrotóxicos etc). A rejeição em nada altera essa revogação, pois, princípio comezinho, lei posterior revoga a anterior, podendo fazê-lo, expressamente, ou quando regular de forma diferente a mesma matéria prevista na legislação editada no passado. Assim, independente da expressa referência aos dispositivos revogados das legislações citadas, os mesmos não mais vigorarão, se tratados de forma diferente pela nova lei ambiental.

  IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS

As leis penais só atingem os criminosos. Ou seja, no caso em questão, para que os empreendedores (industriais, agricultores etc) não se sujeitassem à legislação em pauta, bastaria que os mesmos cumprissem a legislação substantiva já existente sobre a matéria que, diga-se, não trazem punições de natureza penal.

O temor à aprovação do projeto na sua integralidade, revelado pela substancial modificação proposta pelos relatores de plenário, indica que os atuais depredadores do meio ambiente desejam continuar da mesma forma. Caso contrário, nada teriam a temer, pois, repetimos, a lei só atingirá aqueles que vierem a cometer crimes contra o nosso meio ambiente.

Em que pese o lobby das bancadas ruralista, evangélica, CNA, CNI, e CNT, a guerra travada pelos partidos de oposição, parlamentares e entidades ambientalistas teve alguns resultados que permitiram a recuperação de pontos anteriormente acordados pela rejeição, como:

a) Proibição de contratar com o Poder Público, receber benefícios fiscais e financiamentos;

b) Apenação para quem "modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural";

c) Agravamento da pena para quem coloca em risco espécies raras ou ameaçadas de extinção (fauna e flora);

d) Manutenção da punição para quem abandona substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente;

Apesar do trabalho feito, parte significativa da lei de repressão aos crimes ambientais continua ameaçada, pois, conforme os comentários anteriores, vários dispositivos fundamentais para a eficácia da lei podem vir a ser vetados, em função dos acordos espúrios efetivados na Câmara dos Deputados, pelo presidente da república. Assim, é necessário, desde já, uma mobilização da sociedade no sentido de exigir a manutenção do texto soberanamente aprovado pelo Congresso Nacional.

Por outro lado, vale lembrar a nossa tradição de conceber as leis como algo que tem a capacidade de criar realidade, em vez de ser apenas sua reguladora. Apesar da consciência ecológica da sociedade brasileira ter aumentado nos últimos anos, sobretudo, a partir da promulgação da Constituição de 1988, todos sabemos das deficiências crônicas do Estado Brasileiro e da sociedade em dar cumprimento as leis. Assim, para que, mais uma vez não tenhamos uma lei "para inglês ver" e não nos percamos num "jurismo" artificioso e vão, é necessário que todos os setores da Sociedade Brasileira se mobilizem no sentido de: a) entender e divulgar a lei aprovada; b) fiscalizar sua aplicação; e c) continuar a luta pela reestruturação dos órgãos administrativos responsáveis por sua aplicação.

Brasília, em 30 de janeiro de 1998.

  Texto retirado de - www.pt.org.br/assessor/pl1164.htm