Resumo
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O direito a respirar um ar sadio é garantido a todos, fundamentado-se
no direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e no direito à
saúde. Para garantir esse direito é atribuída a todas
as entidades federativas competência administrativa para praticarem
atos na esfera da proteção ambiental e, conseqüentemente
da preservação da qualidade do ar. No que diz respeito à
competência legislativa ela é concorrente, cabendo à
União fixar normas gerais, o que não exclui eventual competência
supletiva dos Estados diante da inexistência de lei federal. É
importante observar que a concentração de determinados poluentes
está diretamente relacionada aos efeitos causados à saúde
humana. Padrões de qualidade do ar são estabelecidos em conformidade
com o disposto no Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar - PRONAR,
representando um grande avanço em termos de qualidade ambiental.
Atualmente, a poluição atmosférica representa um dos
maiores problemas das grandes metrópoles. As emissões de
fontes fixas de poluição foram controladas. Instrumentos
preventivos como o licenciamento e do zoneamento ambiental apresentam-se
como meios eficazes dentro desta dinâmica. Em compensação
as fontes móveis de poluição, em particular os automóveis
respondem atualmente por cerca de 90% das emissões nas grandes cidades.
A restrição a circulação dos automóveis
é instituída na Região Metropolitana de São
Paulo através da "Operação Rodízio" causando
muita polêmica. Entretanto o direito de propriedade não é
um direito absoluto. A limitação ao direito da propriedade
visando a defesa da qualidade do ar representa uma limitação
administrativa. Não há ofensa ao direito de ir e vir. Há
uma restrição geral em prol do interesse da coletividade
objetivando a proteção da qualidade do ar, da vida.
INTRODUÇÃO
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A proteção da qualidade do ar é uma das preocupações
maiores das sociedades contemporâneas. Nas metrópoles do mundo
todo a cada dia deteriora-se a qualidade do ar e conseqüentemente
a qualidade de vida. É incontestável que nos anos sessenta
falava-se apenas da poluição local, a curta distância.
Hoje, esta problemática é transfronteiriça com o problema
das chuvas ácidas, por exemplo e, alcança até mesmo
uma dimensão planetária com a questão da camada de
ozônio e do reaquecimento da atmosfera.
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No decorrer dos anos, as fontes de emissão de poluentes variaram
em sua importância. Se antes as fontes fixas, principalmente as indústrias,
respondiam por grande parte da poluição, atualmente as fontes
móveis, representadas pelos automóveis correspondem a aproximadamente
90% das emissões das grandes metrópoles.
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A fixação de padrões de qualidade do ar, bem como
o controle das emissões de fontes fixas e móveis é
essencial para reduzir a poluição atmosférica. Cada
entidade federativa deve desempenhar suas atividades no limite das respectivas
competências para garantirem o direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
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É importante frisar que segundo dados da Organização
Mundial da Saúde, mais de 50% das cidades do mundo possuem um nível
de monóxido de carbono superior ao limite considerado saudável
devido as emissões lançadas na atmosfera pelos automóveis.
Várias cidades vem adotando medidas restritivas de circulação
de veículos, como é o caso de Atenas, México, Chile,
Milão, São Paulo e mais recentemente Paris. A questão
da saúde muda inevitavelmente a natureza do debate e as limitações
ao direito de propriedade são necessárias para garantir a
todos o direito a respirar um ar sadio.
1. PREVISÃO CONSTITUCIONAL
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É certo que a existência de uma previsão constitucional
por si só não assegura o direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, e conseqüentemente o direito a respirar um ar sadio.
Entretanto tal enunciado constitucional possibilita exigir dos poderes
públicos uma conduta que proteja e preserve o meio ambiente como
um todo. Caso os poderes públicos não assumam o papel que
lhes foi expressamente atribuído, de acordo com a lei, e portanto
de acordo com a expressão da vontade geral, eles estarão
indubitavelmente incorrendo em omissão.
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a. O direito a respirar um ar sadio
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Dois preceitos constitucionais fundamentam o direito de respirar um ar
sadio. Em primeiro lugar, o caput do artigo 225 garante a todos o direito
a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, classificando-o como um
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Decorre desta norma constitucional que o ar, parte integrante do conjunto
de elementos que exercem uma influência sobre o meio no qual o homem
vive, é um bem de uso comum do povo. Sua qualidade deve ser preservada,
garantindo-se a todos o direito de respirar um ar sadio.
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Em segundo lugar, este direito insere-se num contexto global de saúde
pública. Vários são os estudos que comprovam a relação
entre a poluição atmosférica e os efeitos nefastos
que causam à saúde humana (1). O direito a respirar um ar
sadio corresponde portanto ao direito à saúde, garantido
a todos, segundo o artigo 196 da Constituição Federal. Pode-se
afirmar que "as normas constitucionais assumiram a consciência de
que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais
do homem é que há de orientar todas as formas de atuação
no campo da tutela do meio ambiente" (2).
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Ao Poder Público e à coletividade impõem-se o dever
de defender e de preservar a qualidade do ar para as presentes e futuras
gerações (3). Ao Estado, o dever de assegurar a todos, através
de políticas sociais e econômicas, o direito fundamental à
saúde.
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Várias constituições estaduais trazem em seu bojo
a afirmação do direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado (4). Destaque-se que a Constituição do Estado
de Pernambuco de 5 de outubro de 1989 prevê em seu artigo 204, IV
que o desenvolvimento deve conciliar-se com a proteção ao
meio ambiente proibindo-se danos à atmosfera.
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O desenvolvimento sustentável (5) não corresponde a uma utopia
nos dias atuais, mas constitui uma necessidade. Assim, o princípio
4 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
de 1992 proclama que "para alcançar o desenvolvimento sustentável,
a proteção ambiental deve constituir parte integrante do
processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente
deste". Respeitar a qualidade do ar que a população respira
é uma das condições para que o crescimento de um país
possa realizar-se nos moldes do desenvolvimento sustentável. Neste
contexto uma análise das atribuições de competências
é primordial.
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b. Competência administrativa e legislativa
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A proteção do meio ambiente e o combate a poluição
em qualquer de suas formas se inserem na competência comum
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
(art.22, VI, CF/88 ) (6). Assim, todas as unidades da federação
possuem competência administrativa para praticar atos na esfera da
proteção do meio ambiente e, portanto, da luta contra a poluição
atmosférica.
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No que diz respeito a competência legislativa, a União, os
Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente
para legislar sobre a defesa dos recursos naturais, proteção
do meio ambiente e controle da poluição (art.23, VI, CF/88);
sobre a responsabilidade por dano ao meio ambiente (art.23,VIII, CF/88),
e também sobre a proteção e defesa da saúde
(art.23, XII, CF/88). Cabe à União estabelecer normas gerais,
o que não exclui a competência suplementar dos Estados que,
diante da inexistência de lei federal sobre normas gerais, exercerão
a competência legislativa plena, visando atender suas peculiaridades.
A eficácia da lei estadual só será suspendida no caso
de superveniência de lei federal sobre normas gerais e, apenas no
que lhe for contrário. Tratando-se de matéria ambiental,
as normas hierarquicamente inferiores podem reiterar restrições
da norma hierarquicamente superior ou apenas podem ser mais restritivas
(7).
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A União possui ainda competência privativa para legislar
sobre as diretrizes da política nacional de transportes (art.22,
IX, CF/88), podendo lei complementar autorizar os Estados a legislar sobre
esta questão. A poluição do ar reclama soluções
que integre na política de transportes as preocupações
ambientais.
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É importante ressaltar que os Municípios possuem competência
para legislar sobre assuntos de interesse local (art.30, I, CF/88); como
também podem suplementar a legislação federal e a
estadual no que couber (art.30, II, CF/88); e promover adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e
da ocupação do solo urbano (art.30, VIII, CF/88) (8). O que
a legislação municipal não pode realizar é
a restrição ou a diminuição do espaço
de proteção legal atribuído pela Constituição
Federal ao meio ambiente. Assim, cabe ao conjunto das entidades federativas
preservar e a defender a qualidade do ar.
2. A QUALIDADE DO AR
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A qualidade do ar pode ser determinada através da presença
de determinados poluentes, os indicadores da qualidade do ar. Há
uma relação direta entre tais poluentes e os efeitos causados
à saúde Assim, determinados padrões são estabelecidos
objetivando a preservação da qualidade do ar.
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a. Os indicadores de qualidade do ar e os efeitos causados à
saúde humana
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Os indicadores da qualidade do ar são escolhidos entre determinados
poluentes (9), consagrados universalmente, em função de sua
maior ocorrência e dos efeitos consideráveis que causam à
saúde. Trata-se do dióxido de enxofre (SO2), da poeira em
suspensão, do monóxido de carbono (CO), dos oxidantes fotoquímicos
expressos como o ozônio (O3), os hidrocarbonetos totais e os óxidos
de nitrogênio (NO e NO2).
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Vários estudos comprovam a relação entre tais poluentes
e os efeitos que causam à saúde humana (10). Pode-se afirmar,
por exemplo, que o dióxido de enxofre contribui para o desenvolvimento
de doenças respiratórias, produzindo irritação
no sistema respiratório e agravando as doenças respiratórias
preexistentes. «Exposições prolongadas e baixas concentrações
de dióxido de enxofre tem sido associadas com o aumento de morbidade
cardiovascular em pessoas idosas" (11). O material particulado - fumaça,
poeira, fuligem - pode interferir na visibilidade, na capacidade do sistema
respiratório de remover as partículas no ar inalado (no caso
das poeiras inaláveis - PI), além de aumentar os efeitos
dos gases presentes no ar ou de catalisar e transformar quimicamente tais
gases, criando espécies mais nocivas. O monóxido de carbono
(CO) inalado acarreta a formação da carboxihemoglobina que
diminui a capacidade de oxigenação do sangue, podendo causar
diminuição na capacidade de estimar intervalos de tempo e
diminuir os reflexos e a acuidade visual da pessoa exposta. Os oxidantes
fotoquímicos estão associados à irritação
dos olhos, à redução da capacidade pulmonar e ao agravamento
de doenças respiratórias, como a asma.
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As emissões não são as únicas responsáveis
para determinar a qualidade do ar. As condições meteorológicas
também têm um papel fundamental, pois ocasionam uma maior
ou menor diluição dos poluentes. Nos meses de inverno a qualidade
do ar piora sensivelmente, visto que as condições meteorológicas
não são favoráveis a dispersão de poluentes.
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Verifica-se, pelo exposto, a importância da determinação
de limites máximos para a concentração desses poluentes
objetivando alcançar uma qualidade ambiental.
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b. A fixação dos padrões de qualidade do ar
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Os padrões de qualidade do ar constituem a tradução
legal de limites máximos para a concentração de determinados
componentes atmosféricos Eles são fixados com o escopo de
preservar a qualidade do ar, mantendo as emissões dentro de níveis
que não prejudiquem à saúde.
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A Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 (12), pedra angular da Política
Nacional do Meio Ambiente, cria o Conselho Nacional do Meio Ambiente -
CONAMA e lhe confere competências para estabelecer padrões
e métodos ambientais, dentre os quais os padrões da qualidade
do ar. Ressalte-se que a Portaria 231 de 27.4.1976, do Ministério
do Interior, já oferecia suporte legal para os padrões de
emissões. Ela estabelecia, de acordo com as propostas estaduais
efetuadas, os padrões nacionais de qualidade do ar para material
particulado, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e oxidantes.
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A Resolução do CONAMA n°03/90 (13), em conformidade com
o Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar - PRONAR, fixa os padrões
nacionais de qualidade do ar, ampliando o número de parâmetros
anteriormente regulamentados pela referida portaria, apresentados na tabela
1.
TABELA 1
Padrões Nacionais de Qualidade do ar
conforme a Resolução do CONAMA n°3 de 28.06.90
(14)
Poluentes |
Tempo de Amostragem |
Padrão Primário
µg/m3 |
Padrão Secundário
µg/m3 |
Método de Medição |
Partículas Totais em Suspensão |
24 horas (1)
MGA (2) |
240
80 |
150
60 |
Amostrador de grandes volumes |
Dióxido de Enxofre |
24 horas (1)
AA(2) |
365
80 |
100
40 |
Pararosanílina |
Monóxido de Carbono |
1 hora (1)
8 horas (1) |
40.000
(35 ppm)
10.000
(9 ppm) |
40.000
(35 ppm)
10.000
(9 ppm) |
Infra-vermelho não dispersivo |
Ozônio |
1 hora (1) |
160 |
160 |
Quimioluminescência |
Fumaça |
24 horas (1)
MAA (3) |
150
60 |
100
40 |
Refletância |
Partículas Inaláveis |
24 horas (1)
MAA (3) |
150
50 |
150
50 |
Separação
Inercial/Filtração |
Dióxido de Nitrogênio |
1 hora (1)
MAA (3) |
320
100 |
190
100 |
Quimioluminescência |
(1) Não deve ser excedido mais que uma vez ao ano.
(2) Média geométrica anual.
(3) Média aritmética anual.
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b.1. O Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar - PRONAR
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O Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar - PRONAR é instituído
pela Resolução do CONAMA n°5, de 15.06.89. O objetivo
deste programa é a limitação dos níveis de
emissão de poluentes para controlar, preservar e recuperar a qualidade
do ar em todo o território.
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São definidos dois padrões de qualidade do ar : os primários
e os secundários :
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"a) São padrões primários de qualidade do ar as
concentrações de poluentes que, ultrapassadas, poderão
afetar a saúde da população, podendo ser entendidos
como níveis máximos toleráveis de concentração
de poluentes atmosféricos, constituindo-se em metas de curto e médio
prazo.
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b) São padrões secundários de qualidade do ar,
as concentrações de poluentes atmosféricos abaixo
das quais se prevê o mínimo efeito adverso sobre o bem estar
da população, assim como o mínimo dano à fauna
e à flora, aos materiais e meio ambiente em geral, podendo ser entendidos
como níveis desejados de concentração de poluentes,
constituindo-se em meta de longo prazo."
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O PRONAR prevê que as áreas do território nacional
deverão ser enquadradas em classes de acordo com os usos pretendidos:
a) áreas de classe I, onde deverá ser mantida a qualidade
do ar em nível mais próximo possível do verificado
sem a intervenção antropogênica ; b) áreas de
classe II, onde o nível de deterioração da qualidade
do ar seja limitado pelo padrão secundário de qualidade ;
c) áreas de classe III, concebidas como áreas de desenvolvimento,
onde o nível de deterioração da qualidade do ar seja
limitado pelo padrão primário da qualidade do ar. Este programa
prevê igualmente a criação de uma rede nacional de
monitoramento da qualidade do ar, o gerenciamento do licenciamento de fontes
de poluição atmosférica, a criação de
um inventário nacional de fontes e poluentes do ar, gestões
políticas, o desenvolvimento nacional na área de poluição
do ar e a fixação de ações de curto, médio
e longo prazo.
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Como instrumentos de apoio e operacionalização, o PRONAR
adota : limites máximos de emissão ; padrões de qualidade
do ar ; Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos
- PROCONVE ; Programa Nacional de Controle da Poluição Industrial
- PRONACOP ; Programa Nacional de Avaliação da Qualidade
do Ar ; Programa Nacional de Inventário de Fontes Poluidoras do
Ar e Programas Estaduais de Controle da Poluição do Ar.
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A Resolução do CONAMA n°3 de 28.6.90, supra mencionada,
estabelece os padrões de qualidade do ar, como previsto no PRONAR,
atribuindo aos Estados o monitoramento da qualidade do ar. Ela preconiza
os níveis de qualidade do ar para elaboração do Plano
de Emergência para Episódios Críticos de Poluição
do Ar, definindo este episódio como a presença de altas concentrações
de poluentes na atmosfera em curto período de tempo, resultante
da ocorrência de condições meteorológicas desfavoráveis
à dispersão de poluentes (art.5, §1°). São
fixados níveis de atenção, de alerta e de emergência,
conforme a tabela 2, para a execução do Plano, prevendo-se
a possibilidade de restrições às fontes de poluição
previamente estabelecidas pelo órgão de controle ambiental.
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Segundo o PRONAR, aos Estados compete o estabelecimento e a implementação
dos Programas Estaduais de Controle da Poluição do Ar, sendo
possível a adoção pelos Estados de valores mais rígidos
em relação aos níveis máximos de emissão.
Em matéria de meio ambiente e sobretudo de poluição
atmosférica, a adoção de uma política preventiva
é fundamental. O PRONAR representou, sem dúvidas, uma grande
disparada em termos de instrumentos, objetivos e níveis necessários
a obtenção de uma qualidade ambiental.
TABELA 2
Critérios para Episódios Agudos de Poluição
do Ar (15)
Resolução CONAMA n°3 de 28.06.90
Níveis
Parâmetro |
Atenção |
Alerta |
Emergência |
Dióxido de Enxofre
So2 (µg/m3) - 24h |
800 |
1.600 |
2.100 |
Partículas Totais em Suspensão (µg/m3) - 24h |
375 |
625 |
875 |
SO2xPTS |
65.000 |
261.000 |
393.000 |
Partículas Inaláveis(µg/m3) - 24h |
250 |
420 |
500 |
Fumaça(µg/m3) - 24h |
250 |
420 |
500 |
Monóxido de Carbono
(ppm) - 8h |
|
15 |
30 |
40 |
|
Ozônio (µg/m3) - 1h |
400 |
800 |
1.000 |
Dióxido de Nitrogênio (µg/m3) - 1h |
1.130 |
2.260 |
3.000 |
3. A POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA
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Em termos de poluição atmosférica, alguns objetivos
têm sido alcançados, sobretudo no que diz respeito às
fontes fixas de poluição. As fontes móveis respondem
ainda por uma grande parcela desta poluição como observaremos
neste tópico. Em primeiro lugar, contudo, conceituaremos a poluição
atmosférica.
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a. Conceito de poluição atmosférica
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A poluição atmosférica, conforme a OCDE - "Organisation
de Coopération et de Développement Économiques" -
pode ser definida como "a introdução, direta ou indiretamente,
pelo homem na atmosfera, de substâncias ou energias que ocasionem
conseqüências prejudiciais, de natureza a colocar em perigo
a saúde humana, a causar danos aos recursos biológicos e
aos sistemas ecológicos, a ofender as convenções ou
perturbar as outras utilizações legitimas do meio ambiente"
(16). Uma utilização legítima do meio ambiente pressupõe
que o bem comum não seja degradado e que o poluidor assuma sua responsabilidade
face ao dano que eventualmente causar. Ressalte-se que os poluentes lançados
no ar provêm de múltiplas fontes que nem sempre são
passíveis de identificação. Isto não significa
que identificado um poluidor, este possa eximir-se de sua responsabilidade
(17) pelo simples fato de que as outras fontes poluentes não foram
identificadas. A responsabilidade do poluidor é objetiva como dispõe
o art. 14, §1° da Lei n°6.938/81.
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Na legislação brasileira, a poluição é
definida em termos gerais pela Lei n°6.938, de 31 de agosto de 1981,
no art.3°, III , como "a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente a) prejudiquem a saúde,
a segurança, o bem-estar da população ; b) criem condições
adversas às atividades sociais e econômicas ; c) afetem desfavoravelmente
a biota ; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias
do meio ambiente ; e) lancem matérias ou energia em desacordo com
os padrões ambientais estabelecidos".
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No Estado de São Paulo a lei 997, de 31 de maio de 1976, em seu
artigo 2°, conceitua a poluição ambiental também
em termos globais como "a presença , o lançamento ou a liberação,
nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria
ou energia, com intensidade, em quantidade, de concentração
ou com características em desacordo com as que forem estabelecidas
em decorrência desta lei, ou que possam tornar as águas, o
ar ou o solo :I - impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde
; II - inconvenientes ao bem-estar público ; III - danosos aos materiais,
à fauna e à flora ; IV - prejudiciais à segurança,
ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade".
É importante que este conceito de poluição global
possibilite uma política e uma gestão integrada do meio ambiente,
observadas as singularidades de cada tipo de poluição. A
poluição atmosférica possui características
e regulamentação específica em função
das emissões que podem ser originárias de fontes fixas ou
móveis de poluição.
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b. As fontes de poluição atmosféricas
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As fontes de poluição atmosférica podem ser estacionárias
(fixas) ou móveis. Em relação as fontes fixas, as
indústrias constituem as fontes de maior potencial poluidor deste
tipo, ao lado das quais figuram as lavanderias, os hospitais e hotéis
entre outras. As fontes móveis de poluição são
representadas pelos trens, aviões, embarcações marinhas
e veículos automotores, sendo que estes últimos correspondem
a aproximadamente 90% da poluição atmosférica das
grandes metrópoles. Alcançar uma qualidade do ar sadio pressupõe
o controle das fontes de emissão de poluentes atmosféricos.
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b.1. A regulamentação relativa às fontes fixas
de poluição atmosférica
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O controle das emissões das fontes fixas pode ser realizado preventivamente
através de instrumentos, como o zoneamento ambiental, o licenciamento
e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras,
os incentivos à produção e instalação
de equipamentos e a criação ou absorção de
tecnologia, voltados para a melhoria ambiental. Tais instrumentos estão
previstos na Lei n°6.938, de 31 de agosto 1981. Esta lei elenca entre
os seus objetivos a preservação, a melhoria e a recuperação
da qualidade ambiental respeitando-se os princípio de racionalização
do uso do ar e do controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente
poluidoras. Saliente-se que a Resolução do CONAMA n°8,
de 6 de dezembro de 1990 estabelece os limites máximos de emissão
de poluentes do ar para processos de combustão externa em fontes
fixas como caldeiras, geradores de vapor, centrais para geração
de energia elétrica, fornos, fornalhas, estufas e secadores para
a geração e uso de energia térmica, incineradores
e gaseificadores.
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Anterior a lei supra mencionada, o Decreto-lei n°1.143/75 dispôs
sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada por
atividades industriais, prevendo a obrigatoriedade para as áreas
críticas de poluição de "esquema de zoneamento urbano".
As indústrias instaladas ou a se instalarem no território
nacional ficam obrigadas a adotarem medidas visando prevenir ou corrigir
os inconvenientes e prejuízos da poluição e da contaminação
do meio ambiente decorrentes das atividades desenvolvidas. Tais medidas
a serem definidas pelos órgãos federais competentes, esboçam
uma nítida preocupação com a prevenção
do dano ambiental. Uma ação preventiva antecipa-se ao eventual
dano que poderia ser causado, impedindo que o mesmo se produza. Sua importância
reside no fato que muitas vezes o prejuízo, se causado, seria irreparável
Ao Decreto n°76.389/75 coube delimitar as áreas críticas
de poluição, quais sejam : as regiões metropolitanas
de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador,
Porto Alegre, Curitiba, região de Cubatão e de Volta Redonda,
bacias hidrográficas do médio e baixo Tietê, do Parnaíba
do Sul, do rio Jacuí e estuário do Guaíba, todas as
bacias hidrográficas de Pernambuco e região Sul do Estado
de Santa Catarina.
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Ainda tratando da mesma temática, a Lei n° 6.803/80 dispõe
sobre as diretrizes básicas do zoneamento industrial nas áreas
críticas de poluição. A idéia de um "zoneamento
urbano" enseja compatibilizar as atividades industriais com a proteção
ambiental. Além do zoneamento, o licenciamento das atividades poluidoras
e potencialmente poluidoras é previsto como sendo de competência
exclusiva aos órgãos estaduais de controle de poluição.
Assim, cabe a estes a outorga de licenças para implantação,
operação e ampliação de estabelecimentos industriais
nas áreas críticas de poluição. Não
obstante, a licença estadual não implica obrigação
da concessão de licença municipal (18).
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b.2. A regulamentação referente às fontes móveis
de poluição
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O Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos
Automotores - PROCONVE é instituído através da Resolução
do CONAMA n°18, de 06.05.86. Seus objetivos são : a redução
dos níveis de emissão de poluentes por veículos automotores
(19), visando o atendimento aos padrões de qualidade do ar, especialmente
nos centros urbanos ; a promoção do desenvolvimento tecnológico
nacional ; a criação de programas de inspeção
e manutenção para veículos automotores em uso ; a
conscientização da população em relação
à poluição do ar por veículos automotores (20)
; o estabelecimento de condições de avaliação
dos resultados alcançados e a promoção da melhoria
das características técnicas dos combustíveis líquidos.
Há o escalonamento de datas estabelecendo limites máximos
de emissão de poluentes do ar para os motores e veículos
novos.
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Os programas de manutenção/inspeção (I/M) são
previstos inicialmente na Resolução do CONAMA n°7, de
31.08.93, que define as diretrizes básicas e padrões de emissão
para o estabelecimento de Programas de Inspeção e Manutenção
de Veículos em Uso. Nesta mesma lógica, a Resolução
do CONAMA n°18 de 13.12.95 (21) prevê que a implantação
de Programa de I/M somente poderá ser feita após a elaboração
de um Plano de Controle de Poluição por Veículo em
Uso - PCPV, que caracterize, de forma clara e objetiva, as medidas de controle,
as regiões priorizadas e os seus embasamentos técnicos e
legais, elaborado conjuntamente pelos órgãos ambientais,
estaduais e municipais. Na Região Metropolitana de São Paulo,
por exemplo, aproximadamente 90% dos veículos em circulação
encontram-se com o motor desregulado e, portanto, emitindo mais poluentes
que o previsto. Este problema poderá ser equacionado através
do Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos
em Circulação (Programa I/M), em fase de implementação
de acordo com o Decreto n°38.789, de 17 de junho de 1994 (22). Indiscutível
é a importância do Programa de I/M como ação
complementar ao PROCONVE. Contudo seus benefícios de redução
média de 50% na emissão dos veículos desregulados
é gradual, dependendo, além da inspeção de
toda a frota, que será feita progressivamente, de uma infra-estrutura
adequada e preparada para os serviços de regulagem e reparos dos
veículos. Admite-se que os benefícios do Programa I/M levam,
pelo menos, cerca de quatro anos para atingirem sua plenitude.
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A Lei Federal n°8.723 de 28 de outubro de 1993 (23), veio dispor sobre
a redução de emissão de poluentes por veículos
automotores, como parte integrante da Política Nacional do Meio
Ambiente. Esta lei estabelece limites para os níveis de emissão
de gases para os veículos novos. Isto proporciona uma maior segurança
jurídica para os fabricantes de motores, de veículos, de
combustíveis, bem como para a população em geral (24).
Os veículos importados (25) ficam obrigados a atender os mesmos
critérios aos quais estão sujeitos os veículos nacionais.
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Em relação aos combustíveis, é fixado o percentual
obrigatório de adição de 22% de álcool etílico
anidro à gasolina em todo o território nacional (26) e, incentivado
e priorizado o uso de combustíveis de baixo potencial poluidor.
Os veículos a álcool (27) emitem normalmente menos monóxido
de carbono que os seus similares a gasolina. Eles também reduzem
os efeitos dos óxidos de nitrogênio e eliminam os hidrocarbonetos
ativos. Todavia as zonas canavieiras figuram como importantes focos de
poluição atmosférica (28) pela queimada da cana-de-açúcar,
como também de poluição dos rios (29) pelo derrame
do vinhoto.
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Institui também que somente poderão ser comercializados os
modelos que possuam Licença para uso da configuração
de veículos ou motor- LCVM, emitida pelo Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA.
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A lei supra-citada autoriza os governos estaduais e municipais a estabelecerem,
através de planos específicos, medidas e normas adicionais
de controle de poluição do ar para os veículos automotores
em circulação, visando sobretudo a incentivarem o transporte
coletivo, especialmente o de baixo potencial poluidor. Medidas para redução
da circulação de veículos, reorientação
do tráfego e revisão do sistema de transportes poderão
ser implantadas pelos órgãos ambientais tendo como finalidade
a redução da emissão global dos poluentes. A monitoria
da qualidade do ar será realizada especialmente nos centros urbanos
com mais de 500.000 habitantes pelos órgãos ambientais à
nível federal, estadual e municipal.
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O exemplo das medidas adotadas para redução da circulação
de veículos da Região Metropolitana de São Paulo nos
conduzem a reafirmar que em se tratando de poluição atmosférica
é urgente a adoção de uma política preventiva
eficaz.
4. A POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA NA REGIÃO
METROPOLITANA DE SÃO PAULO
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A poluição atmosférica na Região Metropolitana
de São Paulo - RMSP (30) torna-se cada vez mais insuportável.
Os veículos automotores constituem a principal fonte de poluição
do ar. Eles correspondem a, aproximadamente, 90% das emissões de
monóxido de carbono, hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio,
como também de 60% das emissões de enxofre e 50% das emissões
de partículas, que oferecem riscos à saúde pública,
conforme afirmam profissionais competentes da área médica.
Freqüentemente a poeira inalável e o monóxido de carbono
ultrapassam os padrões da qualidade do ar no inverno na RMSP. Diante
deste quadro adotou-se a "Operação Rodízio", um programa
de restrição à circulação de veículos
automotores na RMSP, no período de maio a agosto. Isto porque é
neste período que as condições climáticas são
extremamente desfavoráveis à dispersão dos poluentes.
Aplicou-se o princípio de precaução (31). Isto porque
a "ignorância em relação às conseqüências
exatas a curto ou a longo termo de certas ações não
deve servir de pretexto para adiar para mais tarde a adoção
de medidas visando prevenir a degradação do meio ambiente"
(32) .
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a. A "Operação Rodízio" - fundamentos jurídicos
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O sistema de Rodízio de veículos é criado em uma primeira
etapa para ser realizado voluntariamente através do Decreto n°40.280
de 18 de agosto de 1995. Pode-se constatar que os resultados obtidos foram
extremamente positivos, alcançando-se o padrão de qualidade
do ar em monóxido de carbono na cidade de São Paulo, em condições
meteorológicas extremamente adversas.
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A "Operação Rodízio" foi implantada na Região
Metropolitana de São Paulo com base no disposto na Lei n°9.358
de 13 de junho de 1996 e no Decreto n°41.049 de 26 de julho de 1996.
Esta lei autoriza o Poder Executivo a implantar Programa de Restrição
à Circulação de Veículos Automotores na Região
Metropolitana de São Paulo no período de maio a setembro
de 1996, durante os períodos necessários para prevenir episódios
críticos de poluição do ar, tendo em vista as condições
climáticas e a concentração de poluentes em desconformidade
com os padrões de qualidade legalmente estabelecidos. Trata-se de
prevenir a priori os episódios de poluição atmosférica
e não de reparar os possíveis danos causados a posteriori.
Todos os tipos de veículo, independentemente da idade ou combustível
fazem parte desta Operação. Excluem-se, todavia, deste programa
os veículos de transporte coletivo, de deficientes físicos,
de transporte escolar, os táxis, as motocicletas, os tratores, as
escavadeiras e similares, bem como aqueles empregados em serviços
essenciais e de emergência. Ao caracterizar-se a infração
administrativa de utilização irregular do veículo,
o infrator fica sujeito a multa de R$100,00 por dia. Em caso de reincidência,
a multa terá o seu valor dobrado. Proíbe-se igualmente a
circulação de veículo com defeito no equipamento catalisador.
Não será renovada a licença de trânsito do veículo
que apresentar débito por multa decorrente de infração
prevista nesta lei ou que não apresente certificação
de aprovação na inspeção periódica de
níveis de emissão de gases e ruídos.
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O Decreto n°41.049/96 reitera o disposto na lei, explicando seu mandamento
abstrato e objetivando sua adequada execução. Preceitua que
o programa à restrição de circulação
de veículos automotores na Região Metropolitana de São
Paulo atinge os Municípios de São Paulo, Guarulhos, Osasco,
Ferraz de Vasconcelos, Taboão da Serra, Santo André, São
Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema e Mauá, durante
o período de 5 a 31 de agosto de 1996, de segunda a sexta-feira,
das 7 :00 às 20 :00 horas. Aos sábados e domingos a circulação
é livre.
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A proibição de circular é escalonada de acordo com
o dígito final da placa de licenciamento do veículo. Assim,
na segunda-feira ficam proibidos de circular os veículos de dígito
final de placa 1 e 2, na terça-feira 3 e 4 e assim por conseguinte.
Há a previsão da multa ambiental para o infrator, cabendo
a fiscalização à CETESB e à Polícia
Militar. O infrator tem um prazo de 20 dias, a contar do dia subsequente
da infração, para interpor recurso administrativo contra
aplicação da multa.
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Medidas restritivas como esta já tinham encontrado amparo legal
na lei n°997, de 31 de maio de 1976, regulamentada pelo decreto n°8.468
de 8 de setembro de 1976. Em seu artigo 43 é estabelecido que quando
atingidos os níveis de atenção, alerta ou emergência,
poderão ser adotadas uma série de restrições,
dentre as quais até mesmo a paralisação total e imediata,
sem qualquer preparação da população, do processamento
industrial, queima de combustíveis e circulação de
veículos, podendo-se até decretar feriado na região
atingida.
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Ressalte-se que paralelamente outras medidas também são adotadas.
O Programa Operativo de Controle da Poluição do Sistema de
Transportes é instituído no Estado de São Paulo através
do Decreto n°40.700 de 6 de março de 1996. Ele enseja a integração
das políticas estaduais e municipais de transportes, trânsito
de veículos, energia, uso e ocupação do solo, saúde
e meio ambiente. Tal decreto cria o Comitê Consultivo de Controle
da Poluição do Sistema de Transporte do Estado de São
Paulo cujo objetivo é assessorar a Secretaria do Meio Ambiente na
implantação do programa. Este Comitê poderá
ouvir especialistas de notório conhecimento e entidades representativas
da sociedade civil organizada. Um comitê consultivo representativo
dos anseios dos cidadãos deveria prever a participação
igualitária do Estado, através de suas secretarias, dos Municípios
e da sociedade civil, tal qual preconiza a legislação ambiental
que discorre sobre o gerenciamento dos recursos hídricos (33) .
Acrescente-se a esta medida, o Programa de Autocontrole (34) acordado com
o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de São Paulo e
Região que tem por objetivo integrar ações com a finalidade
de reduzir as emissões de poluentes das empresas de transporte associadas.
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Não obstante estas medidas são ínfimas diante da necessidade
de um enfoque global da problemática. Uma discussão mais
ampla, tendo em vista a matriz energética brasileira, a política
de transportes e o meio ambiente é essencial para a real solução
da poluição atmosférica por fontes móveis.
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b. A limitação ao direito de propriedade
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A propriedade não é um direito absoluto. A imposição
de uma limitação administrativa aos proprietários
de automóveis realizadas pela lei n° Lei n°9.358 de 13 de
junho de 1996 e no Decreto n°41.049 de 26 de julho de 1996 não
pode ser considerada como inconstitucional à luz do disposto no
artigo 5°, XXIII da Constituição Federal que preconiza
que a propriedade atenderá a sua função social. Sob
este prisma, para que a propriedade observe adequadamente a sua função
social, deverão ser considerados, no seu uso e gozo, os princípios
norteadores de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
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Deve-se buscar o equilíbrio entre o direito de propriedade, o meio
ambiente e a saúde da população. " A liberdade de
uso e gozo da propriedade pelos indivíduos está adstrita
ao respeito dos direitos de toda a coletividade em relação
aos efeitos que poderão decorrer daquele direito individual. Portanto,
o exercício dos direitos individuais devem ser compatíveis
com o bem-estar social" (35).
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A colisão dos interesses difusos (36) e individuais demonstra que
dano provável e irreparável existe para a população
da RMSP, sem falar nos efeitos transfronteiriços. O bem ao qual
a Lei e o decreto em questão visam proteger é o direito à
saúde, preconizado no artigo 196 da Constituição Federal.
No mesmo sentido dispõe a Constituição do Estado de
São Paulo, ao preconizar em seu artigo 219 que, a saúde é
direito de todos e dever do Estado, que deverá garanti-la mediante
a implantação de políticas ambientais que visem ao
bem estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade
e a redução do risco de doenças e outros agravos.
No cumprimento deste dever se impôs a edição da Lei
93358/96, sob pena de estar incorrendo o Estado em séria omissão.
É certo que,"se a proteção do meio ambiente provoca
inevitavelmente prejuízos a certas liberdades fundamentais, como
o direito de propriedade, pelas servidões e a expropriação,
ou como o direito de ir e vir pelas restrições de acesso
a certas zonas protegidas, ela conduz à consagrar direitos fundamentais
já reconhecidos estendendo-os a outras preocupações.
O direito ao meio ambiente é no início intimamente ligado
ao direito à saúde e ao direito à vida" (37).
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Uma avalanche de mandados de segurança foram impetrados contra a
lei em questão, fundados no direito de ir e vir dos cidadãos,
garantido constitucionalmente no art.5°, XV da Constituição
Federal (38).Na realidade tais ações ensejavam atacar a norma
em tese e, o mandado de segurança não constitui o instrumento
adequado para tanto. Contudo, algumas liminares foram concedidas, impedindo
a Agência Ambiental do Estado, a Companhia de Tecnologia de Saneamento
Ambiental - CETESB de desenvolver suas atividades normais de fiscalização,
preconizadas por lei, configurando uma verdadeira intromissão do
Judiciário na Administração, e impedindo o exercício
de seu legítimo poder de polícia.
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A liberdade de ir e vir não foi cerceada em nenhum momento considerando-se
que há a possibilidade de uso de outros meios de locomoção.
Ademais, a restrição à circulação dos
veículos atinge somente período determinado de dias certos
e, em tais circunstâncias, não aniquila o direito de propriedade.
A limitação administrativa (39) é uma restrição
geral e de interesse coletivo.
CONCLUSÃO
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A superexploração do recurso ar através do lançamento
indiscriminado de substâncias poluentes na atmosfera tem acarretado
o deterioramento progressivo e contínuo de sua qualidade. Minimizar
a poluição através de atos preventivos é competência
da União, dos Estados e dos Municípios. As medidas de gestão
da qualidade do ar só encontrarão legitimidade se houver
a participação da sociedade civil na discussão e na
elaboração de diretrizes a serem fixadas. Para tanto, é
necessário que haja uma real interação das políticas
ambientais, energéticas e de transportes. Uma política integrada
de gestão do ar, do solo e da água só será
viável se transversalmente realizar uma articulação
com os outros setores implicados. Para a questão das emissões
provenientes de automóveis existem soluções alternativas
como é o exemplo dos sistemas eletrificados (metrô, trólebus
e trens suburbanos) para o transporte coletivo - que deve ser prioritário
-, assim como veículos movidos por novas fontes de energia, como
gás natural, o biogás e o álcool, para o transporte
individual.
-
O problema da poluição do ar só será equacionado
existindo uma mudança global de comportamentos, uma conscientização
e uma concentração de esforços de todos os setores
da sociedade brasileira assumindo suas responsabilidades enquanto poluidores
efetivos ou em potencial. As limitações impostas ao direito
de propriedade motivadas pela defesa da qualidade do ar encontraram eco
nos Poderes Legislativo e Executivo. Elas devem encontrar igualmente respaldo
nas atitudes da população que ao aderir um programa como
a "Operação Rodízio", deve sentir-se participante
da defesa da qualidade do ar, exercendo suas prerrogativas de cidadão.
Ao Judiciário cabe o papel de interpretar a lei à luz da
Constituição Federal e da realidade social (40).
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Se por um lado, é evidente que tal operação possui
suas falhas e, enquanto medida paliativa e solitária não
resolverá o problema. Por outro lado, ela despertou certamente a
consciência de todos para este problema. O programa de I/M, com efeitos
a médio e longo prazo, faz parte do conjunto de ações
imprescindíveis para a obtenção de uma melhor qualidade
do ar.
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Enfim, o ar, constituindo um bem de uso comum, requer que sua utilização
seja embasada em uma relação de solidariedade entre os múltiplos
usuários. Esta relação de solidariedade deve perpetuar-se
no espaço e no tempo, garantindo-se às atuais e futuras gerações
o direito de respirar um ar sadio, o direito de usufruir de um meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
NOTAS
1. Trabalho realizado por Ronaldo Serôa da Motta e Ana Paula Fernandes
Mendes (UFRJ e IPEA), baseado em dados recolhidos no Município de
São Paulo indicam que uma redução do nível
médio de poluição por partículas inaláveis
na atmosfera implicaria evitar a morte por doenças respiratórias
em 6,7% e que uma redução do ozônio implicaria diminuição
de 0,23% da mortalidade. Estudos realizados na França pela rede
"Evaluation des Risques de Pollution Urbaine pour la Santé - ERPURS"
também permitem afirmar a existência de uma relação
entre o aumento do nível de poluição e o risco de
mortalidade.
2. SILVA José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.
9° ed.. São Paulo, Malheiros, 1992, p.719.
3. Nós somos usufrutuários do ar que respiramos, do planeta
em que vivemos e devemos protegê-lo e conservá-lo para as
gerações futuras. Estas possuem não apenas uma expectativa
de direito de adquirirem, de receberem o produto, mas possuem na verdade
um direito incontestável a um meio ambiente ecologicamente equilibrado,
fundado no direito de perpetuação das espécies. Este
contrato só será válido se ao momento que receberem
o que lhes é de direito passarem do status quo de proprietárias
a usufrutuárias, devendo responder pela obrigação
de transmitir o planeta intacto. Sobre o assunto cf. REMOND-GOUILLOUD,
Martine. A LA RECHERCHE DU FUTUR : La prise en compte du long terme par
le droit de l’environnement. p.5-17 in Revue Juridique de l’Environnement,
n°1-1992.
4. Por exemplo : art.214 da Constituição do Estado de
Minas Gerais, art.207 da Constituição do Estado do Paraná,
art.251 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul e
art.261 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
5. Essa noção encontrou eco no Relatório publicado
pelo Clube de Roma sobre os limites do crescimento em 1972 e, no Relatório
"Brutland" de 1987.
6. Constituição Federal de 1988.
7. RT-679/204 (STJ-Cível/maio de 1992) "A própria Lei
6.938/81 esclarece que as diretrizes da Política Nacional do Meio
Ambiente destinam-se a orientar a ação dos governos, nos
diversos níveis (art.5°), e expressamente prevê a edição
de normas supletivas e complementares, inclusive quanto a "padrões
relacionados com o meio ambiente" (§1°, art.6), bem como a definição
de penalidades por meio de legislação estadual (art.14).
Como é óbvio, a privatividade prevista no inc. VI do art.8°
da citada lei em favor do Conselho Nacional do Meio Ambiente, diz respeito
a fixação de "normas e padrões nacionais de controle
de poluição", não excluindo a edição
pelos Estados ou Municípios de normas e padrões que, sem
ofender os estabelecidos pelo Conama, objetivem a regular situação
regional, ou local, específica".
8. "O Município poderá, conseqüentemente, fixar exclusivamente
regras mais restritivas, que aumentem o grau de proteção
ambiental, mas nunca normas menos severas que as federais e estaduais,
que abrandem o rigor destas últimas na preservação
da qualidade do meio ambiente". Ação Civil Pública
- Queimada de cana-de-açúcar - Degradação do
meio ambiente - Competência/ Sentença Proc.406/93 2°Vara
de Sertãozinho in Revista de Direito Ambiental, São Paulo,
RT, janeiro-março 1996, p.246
9. Os poluentes do ar podem ser divididos em duas categorias : os primários,
emitidos diretamente na atmosfera e , os secundários, constituídos
através de reações químicas.
10. Trabalhos realizados pela equipe do Professor Paulo Saldiva da Faculdade
de Medicina da USP no período de 90 a 91 indicam que a população
nas faixas de 5 ou acima de 65 anos sofre um aumento de 13% de mortalidade
por doenças cardio-resoiratórias no período de inverno
e que as doenças respirat4orias representam 36% do total de mortes
de crianças de até 5 anos de idade.
11. DERISIO José Carlos. Introdução ao Controle
da Poluição Ambiental. 1°ed., São Paulo, CETESB,
1992, p.126.
12. Vide igualmente o decreto regulamentador n°88.821/1983.
13. Estes padrões nacionais da qualidade do ar foram estabelecidos
através da Portaria Normativa n°348 de 14 de março de
1990 pelo IBAMA e submetidos ao CONAMA em 28 de junho de 1990, quando foram
transformados nesta Resolução.
14. Relatório de qualidade do ar no Estado de São Paulo
1994. São Paulo : CETESB, 1995, p.14
15. DERISIO José Carlos. Introdução ao Controle
da Poluição Ambiental. 1°ed., São Paulo, CETESB,
1992, p.130
16. Recomendação C(74)224, 14 de novembro de 1974 sobre
a proclamação dos princípios relativos à poluição
transfronteiriça.
17. TJSP Apelação.Cível n°185.434-1/5 - fls
5 do Acordão : "O fato de se admitir que a apelada não é
a única responsável pela emissão de poluentes não
a alforria de se equipar com o que há de melhor para controlar suas
emissões de poluentes gasosos e particulados, conforme conselho
contindo no parecer de especialistas em química ambiental (fls.141)".
18. No Município de Fernadópolis, por exemplo, a Lei Municipal
n°609/86 proibe expressamente o despejo de detritos industriais em
solo do município. TJSP - Apelação Cível 109799-1.
fls.1 do Acórdão : "Houve no caso em questão limitação
do direito de propriedade através de ato administrativo decorrente
do poder de polícia da administração. O prefeito no
exercício de seu dever -poder, proibiu o despejo de detritos industriais
no solo do município e possível advento de poluição
atmosférica".
19. Em relação aos níveis de emissão de
poluentes por veículos automotores, várias resoluções
são adotadas pelo CONAMA. Podemos citar : a Resolução
n°3 e n°4 de 15 de junho de 1989 ; a Resolução n°10
de 14 de setembro de 1989 ; a Resolução n°8 de 31 de
agosto de 93 ; a Resolução n°16 de 17 de dezembro de
1993 ; a Resolução n°15 de 13 de dezembro de 1995.
20. A informação é indispensável no processo
de conscientização coletiva em relação à
poluição do ar. Neste sentido, a Resolução
do CONAMA n°6 de 31 de agosto de 1993 fixa o prazo para os fabricantes
e as empresas de importação de veículos disporem de
procedimentos e infra-estrutura para divulgação, ao público
em geral, das especificações do motor, dos sistemas de alimentação
de combustível e dos componentes de sistemas de controle de emissão
de gases, partículas e ruído.
21. Vide igualmente Resolução do CONAMA n°15 de 29
de setembro de 1994.
22. No Município de São Paulo, a lei n°11.733, de
27 de março de 1995 dispõe sobre a criação
do Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos
em Uso.
23. Destaque-se que a primeira previsão legal destinada ao controle
da poluição causada por veículos automotores no âmbito
nacional é o Decreto n°79.134 de 17 de janeiro de 1977 que dispôs
sobre a regulagem de motor a óleo diesel, proibindo o tráfego
de veículos a óleo diesel que apresentem anomalias em conseqüencia
de alterações introduzidas no sistema de injeção,
provocando variações nas características de fábrica.
Tais disposições tratam apenas dos veículos do ciclo
diesel.
24. Normalmente, as normas de emissão ou de imissão são
fixadas por resoluções do CONAMA. Entretanto, não
há razão de crítica na inserção dessas
normas na lei em análise, pois dá uma orientação,
mais estável, aos agentes da produção, aos consumidores
e ao público, oriunda dos Poderes Legislativo e Executivo Federais."
MACHADO Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 5ed. rev., atual.
e ampl. São Paulo, Malheiros, 1995, p.332.
25. Vide Portaria do IBAMA n°086 de 17 de outubro de 1996.
26. A mistura do álcool à gasolina iniciou-se em 1985
.A Portaria n.23 de 25 de setembro de 1992 do Departamento Nacional de
Combustíveis já previa o mesmo percentual, elencando, todavia,
algumas exceções.
27. O Proálcool surgiu em 1975, dois anos após a primeira
crise do petróleo.
28. "Quanto ao mérito, não há qualquer dúvida
de que da queima de palha de cana-de-açúcar, resulta a produção
de vários gases, entre eles o monóxido de carbono e o ozônio,
os quais reconhecidamente são prejudiciais à saúde
humana, mesmo que a concentração não atinja níveis
desaconselhados pela Organização Mundial da Saúde,
podendo resultar da inalação do ar poluído, doenças
respiratórias, principalmente em crianças e pessoas idosas".
Ação Civil Pública - Queimada de cana-de-açúcar
- Degradação do meio ambiente - Responsabilidade dos grupos
Coorporativos/ Sentença Proc.001/92 1°Vara de Sertãozinho
in Revista de Direito Ambiental, São Paulo, RT, janeiro-março
1996, p.236.
29. TJSP - RT-681/104 "A preservação do meio ambiente
tem sido ultimamente valorizada com intensidade, porque a mentalidade contemporânea
se apercebeu dos gravíssimos riscos que ensejaria a continuação
da atividade lesiva que, abusivamente, vinha sendo praticada a variados
títulos, com ênfase à desídia de empresas produtoras
de resíduos tóxicos. As águas contaminadas afetam
criaturas vivas, vegetação, carga de oxigênio dos rios,
donde a emergência de prejuízo às vezes inestimáveis,
que atingem por igual a saúde humana."
30. A RMSP possui uma frota de aproximadamente 5 milhões de veículos.
A cada ano há um aumento de cerca de 250 mil veículos.
31. Princípio 15 da Declaração do Rio sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento : "De modo a proteger o meio ambiente, o princípio
da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados.
Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis,
a ausência de absoluta certeza científica não deve
ser utilizada para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis
para prevenir a degradação ambiental".
32. PRIEUR Michel. Le Droit de l’environnement. 3a ed. Paris, Dalloz,
1996, p.144.
33. Lei n°7.663 de 30 de dezembro de 1991 que estabelece no Estado
de São Paulo as normas de orientação à Política
de Recursos Hídricos bem como o Sistema Integrado de Gerenciamento
de Recursos Hídricos.
34. O Protocolo de Intenções é acordado entre a
Secretaria Estadual do Meio Ambiente, a Companhia de Tecnologia de Saneamento
Ambiental e o Sindicato das Empresas de Transportes Coletivo Urbano de
Passageiros de São Paulo aos 26 de abril de 1995.
35. OLIVEIRA Hely Alves de. Intervenção estatal na propriedade
privada motivada pela defesa do meio ambiente. In Revisa Forense vol.317/janeiro-março
1992 RJ. P.135.
36. Podemos considerar que trata-se de interesses coletivos se levarmos
em conta a que a poluição atmosférica é local,
atingindo uma categoria determinável de pessoas, ou seja, a população
da RMSP, mas se considerarmos os efeitos transfronteiriços dessa
poluição estaremos diante de interesses difusos. Sobre o
tema MAZZILLI Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em Juízo.
4a ed. rev. ampl. e atual., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais,
1992.
37. PRIEUR Michel. Droit de l’environnement. 2e ed.. Paris, Dalloz,
1991, p.135.
38. «art.5°, XV - é livre a locomoção
no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa,
nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens".
39. «...a limitação administrativa é uma
restrição geral e gratuita imposta indeterminadamente às
propriedades particulares em benefício da coletividade". MEIRELLES
Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18e. São Paulo, Malheiros,
1993, p.543/544.
40. TJSP - Apelação Cível 109799-1 fls.1 do Acórdão
"Os interesses sociais e difusos merecem proteção, elementar
a exigência hoje da tutela do meio ambiente, para acautelemento de
ofensas à vida, à saúde, à integridade emocional
e à estética, sem que possa merecer acatamento a pretensão
a que a propriedade seja o bem jurídico mais elevado, ou a possibilidade
de produzir riqueza, vinculado a inafastável dever do Estado aquele
de preservação do ambiente de tudo que contra ele atente,
poluindo-o"