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A Lei dos crimes e das sanções administrativas ambientais

As recentes sanções penais

Toshio Mukai

Doutor em Direito (USP). Secretário Geral da Sociedade Brasileira do Direito do Meio Ambiente - SOBRADIMA. Membro da Comissão de Meio Ambiente do Conselho Federal da OAB.


 




A lei 9.605 de 12.02.98 (D.O.U. 13-02-98), recentíssima, veio dispor sobre as sanções penais e administrativas, derivadas de condutas e atividades ao meio ambiente.

Essa Lei veio completar a Lei 7.804, de 1989, regulamentando o art. 225, § 3º, da Constituição Federal, disciplinando os crimes ecológicos com maiores detalhamentos, fixando a responsabilidade penal e administrativa das pessoas jurídicas e contemplando normas gerais relativas às sanções administrativas.

Neste ponto, faremos rápidas considerações sobre os aspectos gerais da referida Lei: O artigo 1º dizia que as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente seriam punidas com sanções administrativas, civis e penais, na forma estabelecida nesta Lei. O presidente da República vetou esse artigo tendo em vista que o dispositivo abrangia apenas as sanções previstas na Lei, e com isto, outros ilícitos tipificados em legislações outras deixariam de existir.

O art. 2º contempla a co-autoria, que, neste caso, é sempre culposa (na medida da culpabilidade).

Como se sabe, o art. 25 do Código Penal, em tema de concurso de agentes, adotou a teoria monística e unitária, equiparando, em princípio, todos aqueles que, de qualquer modo, concorrem para o crime. Autores ou cúmplices respondem, igualmente, pela totalidade do evento criminoso.

De outro lado, aponte-se: a fórmula concisa do art. 25 do C.P. ("quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas") é corolário da teoria da equivalência das causas, adotada no artigo 11 do mesmo Código ("O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido" - art. 11 do C.P.) Uma característica, entretanto, deste art. 2º é que a co- autoria é de natureza culposa.

A propósito, lembre-se da lição oportuna da Profª Ivete Senise Ferreira, da USP: "Sem entrar em maiores considerações a respeito da culpabilidade na moderna doutrina brasileira, que parece ser tanto psicológica quanto normativa, importa sobretudo lembrar que os crimes ecológicos tanto podem ser dolosos como culposos, mas de acordo com a regra do art. 18 do Código Penal, válida também para a legislação especial, os crimes culposos só serão puníveis quando expressamente forem mencionados na lei; no silêncio desta subentende-se terem sido previstos apenas na forma dolosa ("O direito penal ambiental" - Rev. Consulex - nº 7, Julho de 1997 - p. 30)".

Ainda, o art. 2º abrange como co-autores o diretor, administrador, o membro do conselho e do órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

Portanto, especificamente em relação a esses agentes, o crime ocorrerá se eles, sabendo da conduta criminosa de outrem e, podendo agir para evitá-la, se omitirem. Trata- se, no caso, da participação omissiva, que, segundo a doutrina penalista, só pode ser imputada a quem tenha o dever de evitar o evento criminoso. Quem não tem o dever jurídico de evitar o crime, não pode ser considerado co- autor ou partícipe por omissão.

O art. 3º, concretizando, como já se disse, o art. 225, § 3º da Constituição Federal, impõe a responsabilização penal, administrativa e civil da pessoa jurídica, avançando, nesse aspecto, na trilha de uma das mais modernas legislações a respeito.

Entretanto, a norma é objetiva: tais responsabilidades somente emergirão quando: a) - ocorrerem os ilícitos previstos na Lei 9.605/98.

b) - nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

O art. 4º contempla, pela primeira vez, no direito positivo ambiental, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa coletiva, desde que o seu uso se constitua num obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

O art. 5º, vetado pelo Presidente da República, tinha a seguinte dicção: "Sem prejuízo do disposto nesta Lei, o agente, independentemente da existência de culpa, é obrigado a indenizar ou reparar o dano por ele causado ao meio ambiente e a terceiros afetados por seus atos".

O veto oposto sublinhou que a redação do art. 14, § 1º da Lei 6.938/91 (que contempla já a responsabilidade objetiva, por redação nossa dada ao então anteprojeto da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, que foi submetida a nós e ao eminente jurista Paulo Afonso Leme Machado) afigura-se mais consentânea com a terminologia utilizada nas questões ambientais.

O art. 7º contempla uma diretriz fundamental seguida pela Lei e, sob esse aspecto, tal explicação nos foi dada pelo Eminente Desembargador, Dr. Gilberto Passos de Freitas, Presidente da Comissão que elaborou o então anteprojeto da Lei: a substituição das penas privativas de liberdade pelas penas restritivas de direitos (que são autônomas), nas hipóteses elencadas (I - quando tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos; II - quando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circustâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime).

O Parágrafo único impõe às penas restritivas de direitos a mesma duração da pena privativa de liberdade a que substituiu.

O art. 8º indica quais são, para as pessoas físicas, as penas restritivas de direitos: I - prestação de serviços à comunidade; II - interdição temporária de direitos; III - suspensão parcial ou total de atividades; IV - prestação pecuniária; V - recolhimento domiciliar.

Já o art. 21 dispõe que as penas aplicáveis à pessoa jurídica (isolada, cumulativa ou alternativamente) de acordo com o art. 3º, são: I - multa; II - restritivas de direitos e, III - prestação de serviços à comunidade.

O art. 22 diz quais são as penas restritivas de direitos da pessoa jurídica: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dela obter subsídios, subvenções ou doações.

A diferença entre suspensão e interdição está no seguinte aspecto: na primeira hipótese, a atividade não está obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente; na segunda hipótese, o estabelecimento, obra ou atividade estará funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.

A pena do inciso III, ou seja, a proibição de contratar com o Poder Público, não poderá exceder o prazo de dez anos (§ 3º).

O art. 23 indica no que consistirá a pena de prestação de serviços à comunidade: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuição à entidades ambientais ou culturais públicas.

O art. 25 trata da apreensão do produto e do instrumento do crime ou de infração administrativa.

Os arts. 26 a 28 dão nova disciplina aos crimes ambientais de menor potencial ofensivo. (Lei 9.099, de 26.09.95).

O Capítulo V dispõe, especificamente, sobre os "Crimes contra o Meio Ambiente".

Na Seção I, através dos arts. 29 a 37, elenca os tipos penais relacionados aos crimes contra a Fauna. Na Seção II, elenca aqueles relacionados com a Flora.

A Seção III tipifica (arts. 54 a 61) os crimes de poluição e outros. Aqui, é de ser salientado o art. 60, que se constitui numa norma penal em branco, posto que remete a sua complementação à área administrativa.

A seção IV trata dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural.

O art. 62 tipifica o crime de destruição, inutilização ou deterioração de bens culturais ou monumentais.

O art. 63 completa o anterior, com a mesma preocupação, abrangendo bens de valor turístico, paisagístico, histórico, religioso, arqueológico, etnográfico e ecológico.

O art. 64 protege o entorno de bens daquelas espécies.

A Seção V dispõe sobre os crimes contra a administração ambiental.

O art. 67 contempla norma penal em branco e o 68, crime de omissão funcional ou contratual.

As sanções administrativas em matéria ambiental Como já vimos, a Lei 9.605, de 12.02.98 (DOU - 13-2-98) dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Com relação à sua parte penal, já salientamos os aspectos principais dessa Lei.

Aqui, cabe-nos fazer considerações sobre o Capítulo VI - "Da Infração Administrativa".

O art. 70 define infração administrativa ambiental como toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

Evidentemente, a Lei aí está se referindo à violação das regras jurídicas de cunho administrativo. Por essa razão, antes de tecermos comentários às diversas disposições que se seguem, mister se faz dirimir aqui a seguinte questão: tratando-se a Lei 9.605/98, de uma lei ordinária federal, as sanções administrativas que ela veiculou são de aplicação apenas no âmbito federal, ou seriam, de alguma forma, de observância por Estados e Municípios e suas entidades de controle ambiental? A resposta a essa indagação é fundamental, porque ela nos permitirá saber qual o âmbito de aplicação das mencionadas disposições legais. Ou seja, nos permitirá verificar se tais normas são de aplicação apenas no nível federal, se os Estados e Municípios devem-lhes obediência, ou se esses entes políticos podem impor as sanções da Lei diretamente com fulcro nela, aos particulares.

Em princípio, sabe-se, as normas administrativas, e, em especial, as relacionadas com as sanções, são de competência privativa de cada entidade federativa, impostas através de leis próprias e exclusivas. Em virtude dessa regra haurida das autonomias legislativas e administrativas constitucionais (art. 18 da C.F.), uma coisa é certa: nenhuma entidade federativa pode impor sanções administrativas com fulcro em legislação de outra.

Entretanto, no caso da Lei 9.605/98, há que se ponderar e considerar que, no particular, se trata de sanções administrativas ambientais.

E essa característica encontra no texto constitucional, mais precisamente, no art. 24 da Constituição Federal, uma conotação diferenciada das demais sanções puramente administrativas.

É que o referido art. 24, ao dispor sobre a competência concorrente, contempla entre as matérias que comportam tal caracterização, no inciso VI, "florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição".

E o § 1º do mesmo artigo determina que "no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais".

Portanto, a Lei 9.605, a par de ter estatuído um leque de sanções penais, com base na competência privativa da União (art. 22 da C.F), estabeleceu uma série de disposições de natureza administrativo-sancionatória, ambiental, que funcionam como normas gerais para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Assim, considerando esse aspecto relevante, é que teceremos, agora, comentários sobre as demais normas da Lei, relativas às sanções administrativas.

O § 1º do art. 70 indica as autoridades competentes para a lavratura dos autos de infração ambiental e instauração do processo administrativo correspondente.

São os funcionários dos orgãos ambientais integrantes do SISNAMA (criado pela Lei 6.938/91), designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.

Esses e somente esses são os funcionários competentes para aplicar as sanções administrativas de natureza ambiental no País, posto que o § 1º, ora sob comento, é uma norma geral de direito ambiental.

O § 4º impõe o contraditório e a ampla defesa na apuração das infrações ambientais.

O art. 71 dispõe sobre o processo de apuração de infração ambiental, impondo-lhe prazos máximos. Tratando-se de norma geral, é também de ser observado pelos Estados e Municípios.

Entretanto, o inciso III, que prevê recurso da decisão condenatória à instância superior do SISNAMA é inconstitucional, pois não há hierarquia entre um órgão (ou funcionário) municipal e outro estadual. O recurso, se houver, deverá ser decidido no âmbito da entidade política que impôs a decisão condenatória.

O art. 72 elenca os tipos de sanções administrativas ambientais. São, ao todo, 11 (onze) tipos de sanções, valendo sublinhar as do inciso XI, aquelas restritivas de direitos.

Duas observações, da maior importância, sob o ponto de vista jurídica: a) - esses tipos sancionatórios são normas gerais, e, como tal, não admitem que Estados e Municípios criem outros diferentes, em matéria ambiental; b) - a aplicação concreta dessas sanções, tão-só com base direta na Lei 9.605/98, só pode ser levada a efeito pela União, pois se trata de Lei federal; c) - em relação a Estados, Distrito Federal e Municípios, tais sanções - tipo, são normas gerais, e como tal, não têm aptidão para poderem ser aplicadas por tais entidades políticas tão-só com base direta na Lei 9.605/98; há que se concretizar, antes, na suas legislações próprias, tais sanções, inclusive quanto ao seu "quantum" (no caso da multa, p. ex.), para somente depois, poderem tais entidades federativas aplicar tais sanções aos infratores da regra de proteção ambiental.

No mais, as disposições da Lei 9.605/98 que se referem às sanções administrativas são de aplicação imediata, posto que são normas gerais.

O § 8º do art. 72 elenca as sanções restritivas de direitos.

Verifica-se que a do inciso V é a proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até 3 (três) anos.

Vimos que tal sanção, apenas com o prazo dilatado para, no máximo, 10 (dez) anos (§ 3º do art. 22), se constitui também em sanção de ordem penal.

Há que se fazer uma observação importantíssima: a sanção de natureza administrativa será aplicada por uma das autoridades (federal, estadual, municipal ou do Direito Federal) pertencentes a órgãos integrantes do SISNAMA. Portanto, a abrangência da sanção prevista no inc. V do § 8º do art. 72, embora fale em "Administração Pública", está restrita ao âmbito da competência da autoridade (federal estadual ou municipal) que a aplicou, eis que o agente público só tem atribuições e competência da autoridade (federal estadual ou Municipal) que a aplicou, eis que o agente público só tem atibuições e competência no âmbito daqueles que lhe são previstos pela Constituição e pelas leis.

Já a mesma sanção, mas agora de natureza penal, tem abrangência em todo o território nacional, eis que aplicada pelo Judiciário em processo penal; no caso, a Lei fez bem em deixar claro que a proibição é de contratar com o "Poder Público" genericamente considerado.

O art. 74 impõe norma geral pela qual são fixados os parâmetros para o cálculo e a fixação da multa.

O art. 75 fixa um valor para a multa, no seu mínimo e no seu máximo. Esse artigo, por se tratar de quantificação concreta da multa só tem validade para o plano federal. Tanto é assim que o artigo seguinte nos mostra claramente que o legislador teve essa clarividência, quando estatuiu que "o pagamento de multa imposta pelos Estados, D.F., Municípios ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência", deixa claro que as multas impostas por essas outras entidades federativas têm outra configuração e fonte de aplicação jurídica, diferente da prevista no art. 75.

O art. 80 prevê a regulamentação da Lei no prazo de 90 (noventa) dias a contar de sua publicação. É de se salientar que tal regulamentação somente terá cogência ao nível federal, em matéria de sanções administrativas.

Finalmente, uma referência á vigência da Lei: O art. 81 previa a sua vigência a partir de sua publicação. Preferiu o Presidente da República dar aos destinatários da Lei um prazo maior, aquele previsto na Lei de Introdução ao Código Civil, quando a lei silencia quanto à sua vigência: o prazo é de 45 (quarenta e cinco) dias.


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