Educação
Ambiental e Desenvolvimento Sustentável
José Silva Quintas
Quem acompanhou os debates durante os preparativos e a realização da Rio-92(Eco-92 para nós) na mídia e mesmo em vários fóruns, poderia ter a sensação que, em torno da bandeira do Desenvolvimento Sustentável, estava-se construindo um consenso que uniria Governos, empresários, movimentos ambientalistas, movimentos sociais e outros atores sociais em um grande Projeto Planetário para salvar a Terra. A Agenda 21, conjunto de propostas objetivando a implementação do Desenvolvimento Sustentável no mundo, seria a expressão concreta deste Projeto.
Com a adoção de um estilo de Desenvolvimento Sustentável
a humanidade teria encontrado o caminho para compatibilizar o
desenvolvimento com a conservação ambiental, julgadas
até então, inconciliáveis. Estava-se, assim, derrotando
a tese do
crescimento zero, defendida pelo Clube de Roma e apresentando uma alternativa
ao desastre ambiental planetário que estaria
se avizinhando.
Afinal, dizia-se: todos são passageiros da nave Terra e uma eventual
catástrofe atingirá igualmente tanto os ricos quanto os
pobres, sejam eles países ou pessoas. O poder das grandes potênciais
perderia o sentido na hipótese de se ultrapassar o limite de sustentabilidade
do Planeta.
Ao se examinar mais de perto a questão, verifica-se que o aparente consenso sobre o Desenvolvimento Sustentável não existe.
O arco da discordância compreende o conjunto de atores sociais
que aceitam a idéia do Desenvolvimento Sustentável, mas
não compactuam de uma mesma conceituação, passa
pelo grupo que o considera uma "besteira" e chega até aqueles que
identificam na sua concepção uma estratégia para
reafirmar o atual modelo de desenvolvimento sendo assim, uma proposta
conservadora.
À título de exemplificar o "arco de discordância",
são compiladas algumas apropriações/posicionamentos
sobre a questão do
Desenvolvimento Sustentável, extraídos do trabalho "Do
desenvolvimento (in) suportável à sociedade feliz" elaborado
por
Selene Herculano de Carvalho.
O relatório Brundtland, também conhecido como o "Nosso Futuro
Comum" define
"Desenvolvimento Sustentável como aquele que atende às necessidades
do presente sem
comprometer a capacidade de as gerações futuras também
atenderem as suas"(pág. 09); como "um
processo de mudança no qual a exploração dos recursos,
a orientação dos investimentos, os rumos
do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional
estão de acordo com as necessidades
atuais e futuras"(pág. 46); é uma "correção,
uma retomada do crescimento, alterando a qualidade
do desenvolvimento"(pág. 53); " a fim de torná-lo menos intensivo
de matérias-primas e energia e
mais equitativo em seu impacto"(Carvalho, op.cit, p.11) .
Para os ambientalistas o "Desenvolvimento Sustentável" é
uma antiga aspiração sua e requer a
determinação de novas prioridades pela sociedade, uma nova
ética do comportamento humano e
uma recuperação do primado dos interesses sociais, coletivos.
O Desenvolvimento Sustentável
engloba "um conjunto de mudanças chaves na estrutura de produção
e consumo, invertendo, o
quadro de degradação ambiental e miséria social a
partir de suas causas. Esta concepção
ambientalista estaria sendo adulterada na medida em que é interpretada
por diferentes atores
sociais, passando a ser percebida ora como porta de entrada no país
de mecanismos
internacionais de controle sobre o nosso patrimônio natural ora como
uma estratégia de
expansão de mercado e do lucro. (Carvalho,, op.cit, p.11) .
Na visão do empresário Marcio Fortes, à epoca (1991),
Coordenador-Executivo, no Brasil, do
Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, "este significa
uma nova ordem
econômica mundial e uma revolução ambiental envolvendo
a integração de critérios econômicos à
prática ecológica: é alcançado pela aceleração
do desenvolvimento, uma vez que o que polui é a
miséria (Carvalho, op.cit, p.26).
Sob a ótica da CEPAL, o Desenvolvimento Sustentável é
"entendido como progresso técnico em um
sistema de competitividade internacional do qual o meio ambiente é
um meio econômico para
assegurar o alcance do objetivo último do desenvolvimento que passa
a ser a pessoa, vista,
também, como capital humano". (Carvalho, op.cit, p.27).
Na concepção de Isabel Carvalho, Desenvolvimento Sustentável
é um conceito que tem sua matriz
no projeto desenvolvimentista liberal aplicado ao meio ambiente e que surge
a partir do fracasso
desta promessa desenvolvimentista. Para a autora, "há um certo tom
farsesco no uso dessa
expressão, que é utilizada como denotadora de um consenso
que na verdade não existe e que
sugere a superação da degradação ambiental
e humana através do crescimento econômico e de
políticas de cooperação internacional que na verdade
reafirmam o atual modelo de
desenvolvimento" (Carvalho, op.cit, p.29) .
Já na visão de Vandana Shiva, o Desenvolvimento Sustentável
"se tornou uma ideologia, uma
falsificação, quando passa a propor como solução
para a crise ecológica a expansão do sistema de
mercado". (Carvalho,, op.cit, p.27) .
Finalmente, há ainda que se considerar as opinões oriundas
do campo da chamada direita que considera o Desenvolvimento
Sustentável como uma "fraude para impedir o desenvolvimento
do Terceiro Mundo" ou ainda, uma ameaça à soberania
nacional. (Carvalho, op.cit, p.11).
Ignacy Sachs que prefere usar a expressão ecodesenvolvimento
(segundo ele rebatizada pelos pesquisadores anglo-saxões
como Desenvolvimento Sustentável), "identifica cinco dimensões
(simultâneas) de sustentabilidade" que "todo planejamento de
desenvolvimento precisa levar em conta":
1.Sustentabilidade
social, que se entende como criação de um processo de desenvolvimento
que seja
sustentado por
um outro crescimento e subsidiado por uma outra visão do que seja
uma sociedade boa.
A meta é
construir uma civilização com maior eqüidade na distribuição
de renda e de bens, de modo a
reduzir o abismo
entre os padrões de vida dos ricos e dos pobres.
2.Sustentabilidade
econômica, que deve ser tornada possível através da
alocação e do gerenciamento
mais eficientes
dos recursos e de um fluxo constante de investimentos públicos e
privados. Uma
condição
importante é a de ultrapassar as configurações externas
negativas resultantes do ônus do
serviço
da dívida e da saída líquida de recursos financeiros
do Sul, dos termos de troca desfavoráveis,
das barreiras
protecionistas ainda existentes no Norte e do acesso limitado à
ciência e tecnologia. A
eficiência
econômica deve ser avaliada em termos macrossociais, e não
apenas através do critério da
rentabidade
empresarial de caráter microeconômico.
3.Sustentabilidade ecológica, que pode ser melhorada utilizando-se das seguintes ferramentas:
- ampliar a capacidade
de carga da espaçonave Terra, através da criatividade, isto
é, intensificando o uso
do potencial
de recursos dos diversos ecossistemas, com um mínimo de danos aos
sistemas de sustentação
da vida;
- limitar o consumo
de combustíveis fosséis e de outros recursos e produtos que
são facilmente esgotáveis
ou danosos ao
meio ambiente, substituindo-os por outros recursos ou produtos renováveis
e/ou
abundantes,
usados de forma não-agressiva ao meio ambiente;
- reduzir o volume
de resíduos e de poluição, através da conservação
de energia e de recursos e da
reciclagem;
- promover a
autolimitação no consumo de materiais por parte dos países
ricos e dos indivíduos em todo o
planeta;
- intensificar
a pesquisa para a obtenção de tecnologias de baixo teor de
resíduos e eficentes no uso de
recursos para
o desenvolvimento urbano, rural e industrial;
- definir formas
para uma adequada proteção ambiental, desenhando a máquina
institucional e
selecionando
o composto de instrumentos econômicos, legais e administrativos necessários
para seu
cumprimento.
4.Sustentabilidade
espacial, que deve ser dirigida para a obtenção de uma configuração
rural-urbana
mais equilibrada
e uma melhor distribuição territorial dos assentamentos humanos
e das atividades
econômicas,
com ênfase no que segue:
- reduzir a concentração excessiva nas áreas metropolitanas;
- frear a destruição
de ecossistemas frágeis, mas de importância vital, através
de processos de
colonização
sem controle;
- promover a
agricultura e a exploração agrícola das florestas
através de técnicas modernas,
regenerativas,
por pequenos agricultores, notadamente através do uso de pacotes
tecnológicos
adequados, do
crédito e do acesso a mercados;
- explorar o
potencial da industrialização descentralizada, acoplada à
nova geração de tecnologias, com
referênia
especial às indústrias de biomassa ao seu papel na criação
de oportunidades de emprego
não-agrícolas
nas áreas rurais: nas palavras de M. S. Swaminathan, "uma nova forma
de civilização
baseada no uso
sustentável de recursos renováveis não é apenas
possível, mas essencial"(McNeely et
al., 1990:10);
- criar uma rede de reservas naturais e de biosfera para proteger a biodiversidade.
5.Sustentabilidade
cultural, incluindo a procura de raízes endógenas de processos
de modernização e de
sistemas agrícolas
integrados, processos que busquem mudanças dentro da continuidade
cultural e que
traduzam o conceito
normativo de ecodesenvolvimento em conjunto de soluções específicas
para o local,
o ecossistema,
a cultura e a área.(Sachs: Estratégias de Transição
para o Século XXI, 1993, p.37/38).
De acordo com Gustavo Lins Ribeiro (1992, p2) "Desenvolvimento é
uma das noções mais inclusivas existentes no senso
comum e na literatura especializada... A abrangência desta noção
recobre desde direitos individuais, de cidadania, até
esquemas de classificação dos Estados-Nações
internamente ao sistema mundial, passando por atribuições
de valor à
mudança, tradição, justiça social, bem-estar,
destino da humanidade, acumulação de poder econômico,
político e militar e
muitas outras condições vinculadas a ideais de relações
apropriadas entre os homens e entre estes e a natureza. São, sem
dúvida, a abrangência e as múltiplas faces do desenvolvimento
que permitem um enorme número de apropriações e leituras
muitas vezes divergentes. Permite, também, as adjetivações.
É neste contexto que Selene Herculano de Carvalho observa que
no "conceito de Desenvolvimento Sutentável cabem todos os significados:
é sinônimo de sociedade racional do terceiro milênio,
de indústrias limpas, de crescimento econômico, de forma
disfarçada da continuação imperialista sobre o
Terceiro Mundo, de utopias românticas... tudo nele parece caber.
Alguns
propõem o banimento de seu uso, para dar mais exatidão
e cara política mais reconhecível a outras propostas: expressões
substitutivas são sugeridas, como por exemplo, " a autogestão
biocrática" e a "ecodemocracia".
"O termo autogestão se refere ao processo de organização
democrática da economia e do poder
político, com o controle da produção exercido diretamente
por todos que trabalham; o ser
humano deixa de ser objeto e resolve-se o problema do que e como produzir
e, conseqüentemente,
de como distribuir. Com o controle exercido democraticamente em cada instância
pelos
parlamentares sobre o mercado, a dimensão humana prevalece sobre
a de consumidor isolado. A
autogestão é o processo mais democrático de organização
social ... O termo biocrático significa
governo para a vida...consistindo em valores éticos para a sociedade
humana subordinados à
vida...a autogestão biocrática significa a construção
de uma nova sociedade orientada para a
continuidade da vida planetária, baseada no crescimento da consciência
crítica do ser humano,
que propicie o bem-estar, o lazer e a cultura às futuras gerações".(CEASE
-SP 91).
"O marco diferencial de um modelo alternativo de desenvolvimento que atenda
de fato à
construção de uma ordem social justa e que tenha no respeito
à vida e no reconhecimento dos
direitos sociais seu compromisso fundamental é sua sustentabilidade
democrática... A
sustentabilidade democrática, como parâmetro de um projeto
de sociedade, se coloca como uma
escolha no campo controverso das práticas políticas sociais.
Não é um imperativo, mas uma
opção ética. Não se trata de um projeto salvador,
intríseco ao processo histórico ou à evolução
da
espécie humana, como algumas vezes se apresentam alguns argumentos
ecológicos visionários.
Não há um futuro necessário, ou uma única saída,
mas uma correlação de forças, um confronto
de escolhas, sempre dinâmico e imprevisível, que vai modelando
o planeta e seu futuro desde já."
( Carvalho, p. 69 e p. 14)
Sem entrar na discussão do conteúdo das sugestões,
é evidente que elas partem do entendimento de que o conceito de
desenvolvimento sustentável traz embutido em si a proposta de
uma nova sociedade. Muitos compartilham deste entendimento
e traduzem seus anseios por uma nova sociedade de forma mais cautelosa,
usando a expressão novo estilo de
desenvolvimento.
Isso é equívoco(continua Selene Herculano de Carvalho).
Insisto: desenvolvimento não significa sociedade. A proposta de
desenvolvimento sustentável , tal como vem ganhando corpo, é
uma soma de mecanismos de ajustes em prol de um
capitalismo soft.
" Por outro lado, a idéia da construção de uma
sociedade passada a limpo, igualitária e livre, justa e democrática,
bonita e feliz
é algo muito mais amplo e não cabe dentro da expressão
" desenvolvimento isso" ou " desenvolvimento aquilo", pois sai
necessariamente do campo limitado da economia e entra no campo muito
mais abrangente da filosofia. É sobretudo uma
questão ética." (Carvalho, op.cit, p.43/44)
O capítulo 36 da Agenda 21 - PROMOÇÃO DO ENSINO,
DA CONSCIENTIZAÇÃO E DO TREINAMENTO -
reafirma a Declaração e as Recomendações
da Conferência Intergovernamental de Tbilisi sobre Educação
Ambiental e prevê
três Áreas Programas:
1- Reorientação do ensino no sentido do desenvolvimento sustentável;
2- Aumento da consciência pública;
3- Promoção do treinamento.
Os objetivos do capítulo 36 prevêem desde:
a " universalização do acesso ao ensino público, o
desenvolvimento da consciência sobre
meio ambiente e desenvolvimento em todos os setores da sociedade, e integração
dos
conceitos de ambiente e desenvolvimento em todos os programas de ensino",
na primeira
Área Programa;
a " promoção de uma ampla consciência pública
como parte indispensável de um esforço
mundial de ensino para reforçar atitudes, valores e medidas compatíveis
como
desenvolvimento sustentável" na segunda Área Programa; até
o " estabelecimento ou fortalecimento de programas de treinamento vocacional
que atendam
as necessidades de meio ambiente e desenvolvimento", a promoção
de uma força de trabalho
flexível e adaptável, de várias idades, que possa
enfrentar os problemas crescentes de meio
ambiente e desenvolvimento e as mudanças ocasionadas pela transição
para uma sociedade
sustentável; o "fortalecimento da capacidade nacional, particularmente
no ensino e
treinamento científicos para permitir que Governos, patrões
e trabalhadores alcancem seus
objetivos de meio ambiente e desenvolvimento e facilitar a transferência
e assimilação de
novas tecnologias e conhecimentos técnicos ambientalmente saudáveis
e socialmente
aceitáveis" e "a integração das considerações
ambientais e da ecologia humana a todos os
níveis administrativos e todos os níveis de manejo funcional,
tais como marketing, produção
e finanças", na última Área Programa. (Agenda 21,
op. cit. p. 298 - 304)
A esta altura do texto já há elementos suficientes para
se analisar o problema da abordagem da questão do " Desenvolvimento
Sustentável" no âmbito da Educação Ambiental.
Por se tratar de uma idéia, que além de comportar vários
entendimentos, também sofre contestações nos planos
conceitual,
ideológico e político, o Desenvolvimento Sustentável
não deve ser encarado como um axioma, ou seja, uma proposição
evidente em si mesma.
Portanto, à Educação Ambiental não cabe
"ensinar" Desenvolvimento Sustentável, mas problematizar limites
e possibilidades
para a construção de um mundo socialmente justo e ambientalmente
saudável.
Retirado de www.ibama.gov.br/online/artigos/artigo13