® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
A IMPORTÂNCIA DO DIREITO AMBIENTAL
Sérgio Coutinho
acadêmico de Direito na UFAL

 
 
1. Apresentação

          A partir da Conferência ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, ganhou especial destaque na mídia a importância da ecologia e da preservação do meio ambiente, assim como as proporções da sua devastação pela ação humana. Contudo, apenas através da edição da Lei dos Crimes Ambientais, a lei n.º 9605, de 12 de Fevereiro de 1998, o sistema jurídico nacional passou a poder instituir penas contra crimes ambientais. Além deste fator, com esta lei passou a ser debatida a responsabilidade civil por crimes ambientais. 

          A análise aqui empreendida terá como ponto de partida a fixação de um horizonte filosófico que permita a descentralização das lutas ambientais em torno das florestas e da ação diretamente contra elas. A contribuição teórica de Lukács é de fundamental importância para que o controle estatal sobre os crimes ambientais tenha alcance real. 

          Após ter-se realizado a introdução filosófica ao tema, será o momento de elucidar as limitações do texto legal brasileiro, através das principais deficiências das duas leis que lidam com o meio ambiente nacional, a Lei de Propriedade Industrial e a Lei Ambiental. 

          Como redimensionamento da questão ambiental brasileira, será estudada a luta política por uma legislação ecológica eficiente e ações estatais que visem ao controle social sobre o meio ambiente. Para que este fim seja alcançado, será evidenciada a importância da consciência ambiental entre os cidadãos, através da educação ambiental, mas que ela consista em reeducação ambiental, permitindo ao cidadão superar os limites do cotidiano, vendo a si mesmo como parte de um mundo vivo. 

          É objetivo deste relatório contribuir para o debate sobre alternativas à posição do Estado e das Organizações Não-Governamentais ambientalistas, fortalecendo o papel do cidadão não como sujeito de direitos, mas como parte da totalidade social. 


2. A ontologia humana em sua integração com a Hipótese Gaia

          Para que seja compreendido o papel do Direito Ambiental como sub-área autônoma dos sistemas jurídicos, a concepção lukacsiana tem grande importância pois expõe novos critérios para a explicação de como surge e se desenvolve o homem enquanto ser distinto das demais formas de vida do planeta Terra, logo, o dimensionamento filosófico do meio ambiente permite a apreensão dos ecossistemas como sujeito de direitos. 

          A partir das concepções desenvolvidas pelo filósofo húngaro Gyorgy Lukács, os problemas envolvendo o meio ambiente, assim como toda categoria constitutiva da sociedade, decorrem das atividades desenvolvidas pelos homens nas relações produtivas. 

          O homem é um ser que toma decisões, que escolhe entre alternativas. Ao contrário de outros primatas, ele não precisa acomodar seu corpo quando se encontra cansado em qualquer galho de árvore ou pedra de maior porte. Para o ser humano, é possível separar a madeira da árvore, testar a sua resistência, verificar se há fungos nela, e dela fazer uma cadeira. A cadeira não existia na natureza, tendo sido concebida na consciência humana e transposta para o mundo concreto. Além disto, o homem poderia ter utilizado esta madeira como arma para garantir o seu conforto entre folhas de outras árvores, entre outras tantas possibilidades. Esta multiplicidade de opções é uma característica eminentemente humana, pois o homem é capaz de, analisando o ambiente em que vive, transformar os recursos naturais para tornar sua vida mais desenvolvida. Como afirma S. Lessa: 

         Para Lukács, portanto, existem três esferas ontológicas distintas: a inorgânica, cuja essência é o incessante tornar-se outro mineral; a esfera biológica, cuja essência é o repor o mesmo da reprodução da vida; e o ser social, que se particulariza pela incessante produção do novo, através da transformação do mundo que o cerca conscientemente orientada, teleologicamente posta.(1)

          O trabalho é, então, a expressão da razão sobre o meio real, construindo todo o meio social através da orientação da subjetividade humana, ou seja a efetivação da subjetividade objetivada, transferida da mente para objetos criados ou aperfeiçoados pelo homem, mas que não existiam na natureza. A cadeira que o homem constrói é cadeira diante da função pelo homem atribuída, não existindo na natureza cadeiras e, a partir da sua concepção, fazendo com que todo objeto com as mesmas características, esteja ele em qualquer lugar do mundo, possa ser por este homem considerado cadeira pela sua função social. Nas palavras de Lukács: 

         É pelo trabalho que o homem se destaca da natureza, numa processualidade cuja essência é a construção de um ambiente onde as categorias sociais predominam com intensidade crescente. Essência, por sua vez, que tem por base o atributo de que toda atividade humana se constitui a partir de uma escolha entre alternativas, isto é, posições práticas teleologicamente orientadas que, pela dinâmica inerente ao fluxo da práxis social, são generalizadas em complexos mediadores crescentemente sociabilizados.(2)

          Da concretização da subjetividade vem, então, uma segunda característica da ontologia do ser social, que é a unidade na universalidade, ou melhor, a homogênea caracterização de um objeto que, mesmo sendo apenas um à primeira vista, será, em relação a todos os demais objetos semelhantes, de compreensão universalizante, pois em qualquer situação a cadeira será cadeira, seja ela qual for, até que socialmente seja necessário apoiar objetos sobre a cadeira como se mesa fosse, fazendo com que mude ontologicamente a sua existência. A produção de formas de existência absolutamente originais em relação à natureza é uma característica eminentemente humana. Com a satisfação de determinadas necessidades através da transformação da natureza, surgiriam novas ainda mais complexas que, por sua vez, gerariam novas necessidades aos homens cada vez mais adaptados a sociedades cujas atividades desenvolvem-se mais interligadas e com produção social crescente. A distinção do homem em relação aos demais recursos naturais está na mediação da razão. Refletindo sobre o ambiente em que vive, são, através da razão humana, selecionados os elementos naturais mais eficazes para que o indivíduo alcance objetivos crescentemente socializantes, ou seja, constitutivos de esferas da vida mais desenvolvidas em que a integração entre as relações estabelecidas pelos homens seriam cada vez mais complexas. De acordo com G. Lukács: 

         A utilidade do meio ambiente seria, então, o pressuposto fundamental para que o homem se realize como homem, diferenciado de outras formas de vida, pois racionalmente poderá ser aperfeiçoada toda a humanidade, através do equilíbrio entre o homem e a natureza, fazendo este indivíduo opções que garantam a continuidade do ambiente. Com o trabalho, portanto, dá-se ao mesmo tempo - ontologicamente - a possibilidade do seu desenvolvimento superior, do desenvolvimento dos homens que trabalham.(3)

          Por mais diversa internamente que seja a sociedade humana, a concepção lukacsiana não comete o equívoco de desconsiderar a matriz biológica do homem. O ser humano é, ainda, um primata, com necessidades biológicas essenciais à sua existência – comer, respirar, beber – que também podem ser encontradas em outras formas de vida. A ação humana, quando desvinculada da sua essência biológica, evita que o homem conheça a si mesmo em sua essência, sendo ele reduzido a uma máquina nas atividades realizadas, sendo o produto do seu trabalho estranho às suas intenções, logo, isolado da interação com o meio ambiente e com os outros homens. Sendo assim, a concepção plena do homem está em sua interação com a natureza em suas esferas biológica e mineral, constitutivas do homem. como diz Gyorgy Lukács: "(...) um ser social só pode surgir e se desenvolver sobre a base de um ser orgânico e que esse último pode fazer o mesmo apenas sobre a base do ser inorgânico". (4) 

          Desta forma, da integração entre homem e meio ambiente será possível que os diferentes recursos animais, vegetais e minerais sejam pesquisados pelos homens como sua própria extensão. Desta forma, a concepção lukacsiana da ontologia do ser social se interliga à teoria da Hipótese Gaia, segundo a qual o planeta Terra seria por inteiro uma própria forma de vida, através da interligação entre os diversos organismos vivos como partes de um ecossistema global. Tendo sido brevemente elucidada a importância ecológica da ontologia do ser social, será analisada a partir deste momento a sua interação com a Hipótese Gaia. 

          De acordo com esta teoria ecológica, a vida no planeta Terra se estruturou, após milhões de anos, moldando o planeta para que se tornasse o lugar mais eficiente para todas elas. Não se tornava necessária a mediação da consciência neste momento inicial da vida no planeta, mas a interligação da água, de gases, do calor e de minerais na constituição do mundo fez com que as formas de vida, desde as mais simples – microorganismos em geral – às mais complexas – mamíferos, répteis, vegetais superiores -, ao tornarem-se aptos à vida adaptavam o planeta para sustentar a sua existência. Com a mediação humana consciente sobre a vida terrestre, passa a ser constatado que a ação humana sobre a vida interagia com todos os ecossistemas. A jornalista Martha San Juan França assim explica esta teoria que, apesar de ainda ser controversa quanto à unidade orgânica da vida na Terra, é amplamente aceita nos diversos meios científicos quanto à interligação entre ecossistemas: 

         Desde 2 bilhões dos seus 4,5 bilhões de anos, a Terra contém um coquetel de água, gases, calor e minerais nas doses necessárias e suficientes para que a vida floresça em toda a sua esplêndida variedade. Isso pode ser considerado apenas uma felicíssima coincidência: a vida teria surgido e se desenvolvido neste relativamente pequeno planeta—o quinto em tamanho do sistema solar—e não em qualquer outro pela simples e boa razão de que aqui se encontra o mais confortável ambiente, se não do Universo inteiro, pelo menos deste canto do Cosmo. Mas pode ter acontecido também que, tendo se formado fortuitamente, os organismos vivos, com o passar dos milênios, acabaram tomando conta da casa terrestre, adaptando-a com tanta perfeição que ela se moldou à vontade de seus hóspedes.(5)

          Através desta tese, a degradação ambiental em pequena escala sobre uma pequena porção da floresta interfere sobre todo o clima mundial. Assim, a compreensão lukacsiana da sociedade desenvolve-se tendo por origem a interação entre as esferas que compreendem as diferentes atividades humanas – Direito, Religião, Economia – vinculadas formando uma mesma totalidade, o Ser Social. Esta concepção da Ontologia do Ser Social faz com que as diferentes espécies existentes no mundo não possam ser consideradas como desvinculadas da existência humana, pois as diversas esferas constitutivas do Ser Social estão interligadas a partir da existência biológica dispersa pelo mundo, que por sua vez tem por raiz o todo mineral. A interferência de aspectos biológicos e minerais na vida humana é exemplificada da seguinte forma por Luis Roberto Barroso: 

         Tomem-se como exemplos acidentes como o de Bhopal, na Índia, em 1984, o maior desastre industrial de todos os tempos, com seus 2.000 mortos e mais de 200.000 feridos pelo vazamento de gás tóxico; a explosão do reator nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, que ocasionou as primeiras mortes por radiação em uma usina nuclear e cujo material radioativo cruzou os oceanos e chegou até o Brasil; o derramamento, em 1986, no rio Reno, na Suíça, de trinta toneladas de produtos químicos numa das mais graves lesões ambientais já ocorridas na Europa. Os eventos se multiplicam, como o acidente com o petroleiro norte-americano Exxon Valdez, que derramou toneladas de óleo no mar do Alasca, ou a queima dos poços de petróleo durante a guerra do Golfo Pérsico.(6)

          A ameaça ao meio ambiente deve, então, ser considerada imediatamente como ameaça ao homem, e toda ameaça ao homem como uma ameaça ambienta, dada a importância da ação de cada homem como ser social e produtor de novas esferas categoriais do ser social. Desta forma, é possível concluir este momento do texto afirmando que o homem constrói as condições propícias à manutenção da sua vida sem se desvincular de ser biológico e mineral, ou seja, de em essência ser uma criatura proveniente dos mesmos recursos das demais formas de vida e mesmo das formas inanimadas de existência. 

          Para que se possa estudar, então, a importância de positivação de direitos para esferas biológicas distintas da humana, além da esfera mineral, é necessário que se flexibilize o aspecto antropocêntrico do Direito, que prevalece nos diversos sistemas jurídicos. A tradicional concepção de direitos compreende a contraprestação às obrigações assumidas pelo homem em relação ao Estado do qual é cidadão. Esta abordagem é insuficiente para assegurar a ordem social, o equilíbrio na conduta moral humana. Além do formalismo tradicional às sociedades liberais, o que será abordado mais adiante, não é lembrado nesta concepção que mesmo as pedras devem Ter direitos assegurados como parte do Ecossistema global, ou seja, como parte do corpo orgânico que assegura as demais formas de vida, assim como a vida humana. De acordo com o Cacique Seattle, da Tribo Duwamisk, em carta ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierre, enviada em 1855: 

         De uma coisa sabemos: A terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra, não foi o homem quem teceu a trama da vida. Ele é meramente um fio da mesma. Tudo que ele fizer à terra, a si próprio fará.(7)

          Portanto, o equilíbrio interno das sociedades humanas se faz através da integração externa entre o homem e o meio ambiente. O ecossistema não é periférico ao homem, mas aspecto constitutivo da sua humanidade como forma de vida autônoma e simultaneamente integrada ao meio ecologicamente equilibrado e harmonicamente sustentável. Logo, a preservação ambiental e a punição dos responsáveis por sua degradação não envolve riscos simplesmente à saúde humana ou à sua posse sobre o planeta, mas à própria existência humana, fenômeno este que será conseqüência do abalo ao frágil equilíbrio que mantém em harmonia as diferentes formas de vida e mesmo os entes inanimados que sustentam a vida. 


3. A transformação do controle social ambiental

          Com a ampliação da idéia de sujeito de direito, é possível pensar em uma divisão do Direito que considere a proteção de todo o mundo biótico, não simplesmente do mundo como residência humana. Passa, assim, a ser necessária a configuração de um Direito Ambiental, não como conjunto de normas que fiscalizam a atividade humana sobre o meio ambiente, mas que garantem através do controle social a conservação do ambiente humano. Este controle social por uma jurisdição ambiental institucionalizada torna-se necessário com a incorporação da práxis humana como mediação da construção da sociedade como transformação do meio biológico e mineral sem deles se separar. 

          Apesar destas possibilidades ideais de força do sistema jurídico quanto às questões ecológicas, o Direito Ambiental guarda em sua essência a necessidade de controlar o incontrolável, ou seja, a sociedade industrial capitalista, que não considera a essência humana que se faz no desenvolvimento crescente dos homens se construindo em sociedade ao gerar partes do Ser Social cada vez mais desenvolvidas para corresponder às necessidades humanas. Para o capitalismo, importa tão somente o lucro crescente. O desenvolvimento sustentado pregado por parte dos ambientalistas contemporâneos prega o controle sobre esta esfera social essencialmente incontrolável, podendo-se definir, como o faz a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, não como "um Estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras"(8). 

          A concepção de desenvolvimento sustentável como uma iniciativa estatal sobre a indústria omite a essência da existência da economia capitalista como a substituição do valor de uso da produção humana pelo valor de troca em que se sustenta o Capital. Na sociedade capitalista, o valor do objeto se faz pela vinculação do custo de sua produção às exigências da concorrência mercantil, não sendo incluída a importância deste produto para a continuidade da vida, mas apenas a taxa de lucro que dele possa ser extraída. Segundo István Mészáros: 

         O fato de que o capitalismo lida desta forma – ou seja, a seu modo – com a ecologia não deveria provocar a mínima surpresa: seria quase um milagre isso não ocorrer. No entanto, a manipulação desta questão em benefício do ‘moderno estado industrial’ não significa que possamos ignorá-la. O problema é suficientemente concreto, independentemente do uso que dele se faça nos dias atuais.(9)

          Por isto, a precisa concepção do Desenvolvimento Sustentável deixa evidente a participação estatal em seus limites. Álvaro Luiz Valery Mirra expressa de forma concisa estes fatores integrantes das diretrizes e proposições do Desenvolvimento Sustentável, nos seguintes termos(10). É urgente para o equilíbrio ambiental que o desenvolvimento industrial sustentável seja moldado pelos princípios científicos que regem a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas, sendo destacada pelos pesquisadores e respeitada pelos meios industriais a inter-relação entre os componentes do ambiente, vivos e não-vivos, pois os inanimados contribuem com a conservação ambiental através da sustentação mineral do ecossistema. 

          Para tanto, deve-se atentar para a necessidade de compatibilizar as estratégias de desenvolvimento produtivo social com a proteção do meio ambiente, através de medidas de prevenção de danos e riscos ambientais, pois os danos, após realizados, são de muito difícil reparação para que a atenção social se centralize na fiscalização ambiental. Diante da inadequada legislação da maioria dos países quanto à preservação ambiental, é preciso que existam mecanismos internacionais de proteção que sejam capazes de produzir efeitos jurídicos transfronteiriços sobre atividades potencialmente devastadoras do meio ambiente. Se pode haver um Tribunal internacional para crimes contra a humanidade, o Tribunal de Haia, os crimes contra toda a vida na Terra também precisariam de um sistema internacional de proteção eficiente, que não cedesse a interesses financeiros, mas que se sustentasse com poder de polícia internacional e interagindo com programas de prevenção aos danos ambientais que obtivessem alcance internacional. 

          Portanto, o efetivo controle social ambiental dá-se através da superação dos limites jurídicos nacionais, mesmo que se possa pensar que ocorre quebra de soberania pátria, pois acima dos interesses individuais devem-se situar os interesses não simplesmente humanos ou das demais formas de vida, mas de todo o sistema orgânico de vida que sustenta o frágil equilíbrio ecológico mundial. 


4. A fragilidade do controle brasileiro contemporâneo sobre o Meio Ambiente

          O meio jurídico nacional considerou uma evolução no tratamento ao meio ambiente brasileiro a promulgação da lei n.º 9605, de 12 de Fevereiro de 1998, que prevê sanções penais e administrativas à conduta que cause lesão ao meio ambiente, seja ela proposital ou não. Esta lei, que à primeira vista pode parecer uma resposta eficaz às demandas internacionais por prestação jurisdicional pátria quanto à preservação ambiental, pressão esta efetiva a partir da ECO-92, Conferência Internacional que tornou oficiais as estatísticas que denunciavam a degradação ambiental e negligência governamental no Brasil. Em ações isoladas, tornou-se eficaz a aplicação desta lei em curto espaço de tempo. Contudo, na última semana, segundo foi divulgado pelo jornalista Anselmo Góis, após intensas pressões políticas efetuadas por grande número de empresários brasileiros, o presidente Fernando Henrique Cardoso editou medida provisória suspendendo por até dez anos 11.000 multas contra quem poluiu o meio ambiente. (11) 

          Este fato escandaloso foi timidamente divulgado na Imprensa nacional – na Veja, recebeu uma pequena nota no canto da página – mas, na mesma semana e na página ao lado, o mesmo jornalista informa que voltou à Ação Empresarial, de incentivo à Reeleição do presidente da República. A vinculação entre as duas informações não é muito difícil, tendo-se em consideração que durante semanas consecutivas a mesma revista divulgou que os patrocinadores da campanha eleitoral de 1994 não estariam interessados em financiar esta campanha eleitoral. Se já é tão desagradável aos ouvidos do cidadão brasileiro ouvir estas informações, é ainda mais gritante o que se realiza no sistema jurídico pátrio sobre a preservação ambiental. 

          A ditadura das medidas provisórias sobre temas diversos, a tipificação penal obsoleta, superficial ou desnecessária, a inexatidão quanto à técnica legislativa, são alguns dos problemas desta lei, que a tornam tão frágil, enquanto crimes ambientais de real porte são impunes no Brasil, o que será motivo de posterior ilustração. Diante da ditatorial negligência presidencial sobre a aplicação das multas, a lei citada cria problemas ainda maiores ao referir-se à responsabilidade penal da pessoa jurídica em seu art. 3.º, in verbis: 

         As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

          O Direito Penal Brasileiro foi sistematizado tendo por um de seus pilares o princípio da personalidade, mas associado à responsabilidade penal subjetiva, ou seja, do indivíduo humano como agente criminal. A responsabilidade penal objetiva não pode ser admitida, como lembra Damásio de Jesus, no sistema penal brasileiro tendo em vista que a Constituição Federal, em seu art. 5.º, inciso LVII, afirma que "ninguém pode ser considerado culpado enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória"(12), sendo assim revogadas quaisquer disposições legais relativas à responsabilidade objetiva, na qual não há culpa nem dolo mas poderia haver aplicação da pena. A referida lei gera, assim, uma anomalia no sistema jurídico nacional, que tem por conseqüência desta inexatidão legislativa a impossibilidade de aplicação de grande parte dos preceitos da lei, como afirma Luiz Luisi: 

         Para se inserir a responsabilidade penal em causa entre nós, necessário se faria retroagir à responsabilidade objetiva, fazendo do crime apenas um fato típico e antijurídico. Teremos dois sistemas penais. Um para a pessoa humana, embasado na culpabilidade. Outro, para a pessoa jurídica, com fundamento na responsabilidade objetiva. Teremos, como na telefonia celular, a banda A e a banda B... .(13)

          Assim como os princípios já enunciados, o princípio da exatidão é ferido por este diploma legislativo. No art. 22, § 1.º, existe a referência à aplicação de penas restritivas de direito contra pessoas jurídicas quando for desobedecida qualquer disposição legal ou regulamentar ao meio ambiente. Não há os limites mínimos nem máximos da aplicação destas penas nem mesmo a fixação de a que crimes elas sejam cabíveis, sendo inexatamente expresso em lei qualquer desobediência a disposição legal ou regulamentar ao meio ambiente. O cidadão não saberá, lendo esta lei, quais fatos constituem crimes de pessoa jurídica. O art. 22 contribui para que o tratamento legislativo da responsabilidade das pessoas jurídicas sobre lesões ambientais seja reduzido a uma enorme lei em branco, onde nem a pena nem o fato delituoso são conhecidos. 

          Em determinado momento, o legislador, certamente vítima de intensa falta de memória, esqueceu completamente a razão de existir da lei, que se inicia pretendo dispor sobre atividades lesivas ao meio ambiente mas trata, em seu art. 49, de ações delituosas contra plantas de ornamentação – destruir, danificar, lesar ou maltratar, atribuíndo penas de três meses a um ano, ou multa, ou mesmo ambas cumulativamente, e ainda admitindo a forma culposa, enquanto a lesão a florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, que de acordo com a própria lei são "objeto de especial preservação", alude-se apenas a "Destruir ou danificar". 

          A respeito da fixação de pena no caso de crime contra a integridade de plantas ornamentais, existe vinda do legislador uma plena ignorância do que seja o meio ambiente, pois toda forma de vida influi na vida do todo, a não ser quando desvinculada de sua própria vida, reduzida a capricho humano com função decorativa. A existência de tamanha severidade sobre plantas ornamentais fará com que, caso alguém de senso de humor apurado tente aplicar a lei, jardineiros tornem-se criminosos ao podar plantas de jardins particulares ou logradouros públicos, sem mesmo haver neste ato a forma culposa, pois o jardineiro teve a intenção de danificar, em parte, a planta, e a lei refere-se a "por qualquer modo ou meio". 

          Este delito configura-se, assim como outros crimes da lei, em crime de bagatela, que se caracteriza por envolver lesão insignificante a bem jurídico, podendo receber, também, a denominação de crime de lesão mínima. Segundo o ministro Vicente Cernicchiaro, do Superior Tribunal de Justiça, "a questão do princípio da insignificância deve ser tratada no campo do resultado jurídico e da tipicidade, de modo que, nesses casos, o fato é atípico" (14). É evidente, assim, a ausência da apresentação desta lei aos movimentos ambientalistas e o debate amplo sobre o seu projeto de lei, tão grandes são as suas incongruências. Como bem disciplina Luiz Luisi: "Elaborar leis penais é tarefa relevante por implicar no trato com valores básicos concernentes ao ser humano, e pertinentes à própria sobrevivência da sociedade. E como consectário, deve ser presidida pela competência e seriedade. Não pode ser obra de primários e demagogos". (15) 

          Por outro lado, configuram-se como crimes cuja aplicação prática não é viável em terras brasileiras um preocupante número de delitos expressos na lei. Uma demonstração da negligência governamental quanto ao meio ambiente é a ausência de medidas administrativas concomitantes à lei - como aumento do número de policiais responsáveis pelo meio ambiente, seu treinamento em relação à ecologia e aparelhamento tecnológico para suas ações - de tal forma que a fiscalização, a localização dos criminosos, a prevenção dos delitos são impossíveis até o presente momento. Alguns possíveis exemplos são os seguintes dispositivos legais: "Exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da autoridade ambiental competente" (art. 30). "Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação" (art. 48); "Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente" (art. 51); "Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora (art. 54); "Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano" (art. 65). 

          Como a maioria dos tipos penais disciplinados pela lei referem-se a penas de multa, é pleno desrespeito ao Direito Ambiental a Medida Provisória editada pela Presidência da República, pois as multas prescrevem em dois anos e apenas podem ser aplicadas após trânsito em julgado da condenação, enquanto a Medida Provisória refere-se a dez anos sobre todas as multas até então emitidas contra empresas, perfazendo um total de 11.000 multas. Com o número de recursos que podem ser empregados contra a decisão condenatória, a prescrição já seria inevitável. 

          A fragilidade pátria para proteger as suas próprias formas de vida torna-se ainda mais evidente quando se observa os crimes contra a propriedade intelectual em solo nacional, na Lei de Propriedade Industrial, Lei n.º 9279, de 1996. De acordo com esta lei em seu art. 18, inciso III, não podem ser patenteados seres vivos, exceto microorganismos transgênicos, ainda assim desde que não sejam mera descoberta. A ausência da necessária regulamentação da Convenção da Biodiversidade, firmada na ECO-92, faz com que, de acordo com o jornalista Maurício Dantas, o governo brasileiro não possua as normas necessárias para controlar "a transferência de informações na área de biotecnologia e a distribuição equitativa dos benefícios provenientes da retirada de espécimes do nosso ecossistema"(16). A lei refere-se ao comércio de patentes, não às normas para a pesquisa industrial, deixando espaço para que laboratórios estrangeiros, com vastos recursos financeiros, tenham domínio intelectual sobre recursos naturais brasileiros por 20 anos, com exclusividade. A biopirataria não pode ser enfrentada pela Lei Ambiental nem pela Lei de Propriedade Intelectual. 

          Constata-se, dessa forma, que o sistema jurídico brasileiro ainda não está apto para lidar com a degradação ambiental em suas diversas formas, estando o Direito pátrio ponto em risco a soberania nacional, pela omissão governamental em relação à pesquisa biológica brasileira. Para que estas afirmações não pareçam paranóia, serão listadas, em seguida, algumas das denúncias da revista Cadernos do Terceiro Mundo, em seu n.º 205, logo no começo da reportagem: 

         Índios têm o sangue coletado para um banco de DNA estrangeiro, comunidades doam seus conhecimentos ancestrais sobre flora e fauna sem receber nada em troca, turistas driblam fiscalização e levam amostras de material para Ter sua estrutura genética decifrada em seus países, insetos são capturados e mandados pelo correio para o exterior (...)

          Contudo, ainda é possível ter esperança em consolidar o Direito Ambiental no Brasil, pois caminhos diferentes para a tutela dos ecossistemas pátrios podem ser desenvolvidos através da Constituição Federal. A Constituição de 1988 preocupou-se com a proteção ambiental, dando-lhe a categoria de direito fundamental do cidadão, como consta do art. 5º, inciso LXXIII. No art. 225, dispôs: 

         Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Todos, Governo e povo, têm o dever de defender o meio ambiente, a fim de que o homem possa sobreviver, com saúde, com dignidade.

          Estabelece o § 1º do art. 225 da Constituição Federal que para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, incumbe ao poder público (inc. VIII): "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade". 

          A inoperância da "forma da lei" a que se refere o § 1º do art. 225 pode ser compensada, em parte, pelas premissas anteriores da Constituição no que se refere ao tema. Os direitos fundamentais são de aplicação imediata, o que indica que não haveria a necessidade de uma lei que discipline condições para a sua operacionalidade. A agressão objetiva a estes direitos é requisito primordial para que seja possível a ação da coletividade sobre a conservação do "meio ambiente ecologicamente equilibrado". 

          Apesar do antropocentrismo aparente da Constituição no art. 225 caput , o seu § 1º, ao evidenciar a necessidade da tutela do Poder Público sobre o meio ambiente quando estiver em risco "sua função ecológica" desfaz este possível equívoco à primeira leitura do dispositivo legal. A ecologia estuda o meio ambiente como um todo, analisando a interação entre espécies dentro de um ecossistema e entre ecossistemas, logo, a agressão a uma espécie cuja utilidade ao homem seja desconhecida será objeto de tutela pública, pois esta espécie terá importância ao "meio ambiente ecologicamente equilibrado". 

          Tendo-se em vista a ênfase à "função ecológica", vê-se que a defesa de uma tutela municipal do meio ambiente é ineficaz. O Direito Ambiental não se pode sistematizar no âmbito municipal desempenhando a sua devida tutela jurídica nestas circunscrições porque é comum uma determinada área de proteção ambiental abranger diversos municípios, sendo exemplos corriqueiros a Mata Atlântica, a Floresta Amazônica, o litoral brasileiro, a Caatinga, entre tantas outras formas de vegetação cuja interferência sobre toda a preservação ambiental nacional é tão expressiva. Como lembra T. D. Trennepohl, a Conferência Internacional de Direito Ambiental, a procura por soluções locais possui a vantagem de enxergar os problemas ambientais com proximidade.(17) 

          Contudo, onde o Estado não pôde legislar com a devida responsabilidade, o município pouco poderá agir, pois a inoperância da legislação federal repercutirá sobre o Direito Municipal. Este problema pode ser contornado se não for restrita a tutela ambiental ao município, o que a Constituição Federal não permite, pois é de competência comum da União, dos estados e dos municípios, segundo o art. 23, VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. A preservação ambiental a partir do Poder Público, já difícil de se efetivar em escala federal, poderá sofrer de conflitos de competência, que serão objeto de breves considerações. 

          A tutela do município predominará sempre que houver problemas locais. Os problemas ambientais que ocorrem, por exemplo, na Mata Atlântica, não podem ser restritos ao município do Rio de Janeiro e quaisquer ações municipais interferirão na esfera de outros municípios próximos, tornando assim difícil a tutela que se restrinja ao âmbito municipal. Será possível o tratamento municipal da questão ambiental a preservação de reservas ambientais, a tutela a espécies que têm em sua rota de migração o município, mas, como se constata, a tutela é extremamente limitada para que a importância local seja amplamente considerada. O slogan ambientalista "pensar globalmente, agir localmente" faz com que a ação seja realizada sem a devida efetividade. A relevância da ação poderá, por outro lado, partir da integração de grupos humanos locais para que estes organizem reivindicações pela tutela jurídico-ambiental global. Para deixar mais evidente a importância desta proposição torna-se necessário um exemplo, por isto consideremos a aplicabilidade das ações constitucionalmente constituídas. Para isto, primeiro considere-se a possibilidade de ação a partir do cidadão, de acordo com o art. 5.º, inciso LXXIII: 

         Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

          O Estado faculta, desta forma, a iniciativa jurídico-política do cidadão na defesa da sua existência ecologicamente equilibrada, pois o máximo diploma legal nacional tem em seu texto que todo cidadão brasileiro poderá defender junto ao Estado a defesa ambiental. Não existe, então, a obrigatória iniciativa do Município, podendo partir do cidadão mesmo que sem pertencer a qualquer espécie de associação, com a vantagem de não precisar pagar custas judiciais e estando livre do ônus da sucumbência. Porém, fica na leitura apenas deste dispositivo quanto à iniciativa da ação. A ação terá a iniciativa do Ministério Público, sendo ela pública incondicionada, de acordo com o art. 129, inciso III: 

         São funções institucionais do Ministério Público:

         (...)

         III. Promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

          Através do Inquérito Civil e da Ação Civil Pública, o cidadão poderá defender sua residência viva global, fazendo uso da ação do Ministério Público. A Constituição Federal continua a referir-se à preservação do meio ambiente em outros dispositivos legais. No título da Ordem Social, no que se refere à cultura, o inciso V do art. 216 disciplina que: 

         Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação brasileira, nos quais se incluem:

         (...)

         V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

          Tem-se, então, que será possível, pelo cidadão, a partir da ação popular e, pelo Ministério Público, através da ação civil pública, a defesa do meio ambiente. Contudo, a importância da especificação da lesão ambiental envolvida é importante para que o Poder Judiciário possa compreender a relevância da ação intentada, precisando, assim de um parecer, ou seja, de um estudo informativo que possa contribuir à formação da decisão judicial ou administrativa. Para este fim, Luis Roberto Barroso enuncia a importância do estudo de impacto ambiental:

         Um dos instrumentos de implementação da política nacional do meio ambiente é o estudo de impacto ambiental, exigível sempre que se cuidar do licenciamento de obra ou atividade potencialmente lesiva, em grau significativo, ao meio ambiente. Sua ausência, quando exigível, sujeita o ato a anulação, mas o estudo é apenas informativo e não vinculativo da decisão da autoridade administrativa.(18)

          Contudo, o estudo de impacto ambiental não será necessário no caso de ação que reivindique a responsabilidade civil por dano ambiental. Para esta reparação, não é preciso que o autor da ação prove o seu direito, pois, diante do caráter técnico das provas de danos ecológicos e dos elevados custos para o seu levantamento, ocorre, assim como no Direito do Consumidor, a inversão do ônus da prova no caso de dano ambiental. De acordo com Fábio Dutra Lucarelli: 

         Ora, por sua natureza, o dano ambiental é de dificultosa comprovação, eis que seus efeitos são, em maior parte, invisíveis ao olho do indivíduo desatento, não se verificando, em regra, de imediato, além da expressiva quantidade de casos em que é impossível especificar um responsável pelo dano, já que nas proximidades há um número de empresas ou poluidores em potencial.(19)

          Será de iniciativa da empresa contra a qual se impetra a ação o levantamento de provas, o que, internamente, não será difícil para empresas que mantém os devidos cuidados sobre o meio ambiente, será preciso tão somente que se verifiquem os relatórios administrativos referentes ao meio ambiente elaborados rotineiramente pela empresa não-poluidora. Ainda de acordo com o jurista: "(...) partindo-se de uma presunção de causalidade entre a atividade do agente e o prejuízo, sendo sua a incumbência de desfazer esta presunção, que é, portanto, juris tantum". (20) 

          Concomitante à inversão do ônus da prova, ocorre a atenuação do nexo de causalidade entre agente e fato juridicamente relevante. Desta forma, a presunção de causalidade flexibiliza o nexo de causalidade permitindo a inversão do ônus da prova mantendo a plena legitimidade para agir por parte do agente passivo da ação. 

          Tendo sido assim expresso o modo como lidar com a responsabilidade civil por danos ambientais, parece tolice todo este texto, pois é possível ter a idéia de que os danos ambientais são de fácil solução, tal é o número de possíveis caminhos jurídicos para lidar com esta questão. Contudo, a morosidade da justiça mostra que, na realidade, o sistema jurídico nacional ainda precisa de uma muito ampla reforma do Poder Judiciário, que reduza o número possível de recursos, para que possa haver aplicação para pelo menos uma parcela das normas jurídicas existentes. É difícil mesmo imaginar que um metro quadrado de floresta possa esperar por um recurso ordinário, embargos declaratórios, recursos especiais, possivelmente também recursos extraordinários, agravo de instrumento, agravo regimental, novos embargos declaratórios, embargos de divergência, recursos estes que serão produzidos num total de três instâncias abarrotadas de processos. Após cerca de dez anos, sendo muito otimistas, os advogados ambientalistas poderiam até mesmo acampar na floresta, pois a execução legal seria realizada contra danos a uma área então árida, absolutamente deserta. 

          Para que o cidadão tenha plena consciência da importância da sua iniciativa e do seu papel pelo meio ambiente saudável, será necessário que ele possa conhecer estes seus direitos e exercê-los. Todavia, a aplicação singular é inexpressiva, pois o cidadão enquanto indivíduo isolado dos demais não expressa a indignação da coletividade em relação a danos ambientais, além de ser vítima dos entraves que encontrará no Poder Judiciário. A eficaz luta ambiental dar-se-á no campo da política ambiental, no qual será possível pressionar o rápido julgamento das questões ambientais, a reforma da legislação vigente e mesmo a pressão política e econômica sobre as empresas que causem danos ambientais, pois poderá ser realizado boicote aos seus produtos, danos às suas instalações (sob a alegação de estado de necessidade, no momento de uma queimada, de emissão de gases tóxicos, ou outros danos de maior ou menor tamanho). Por outro lado, para que seja possível que se organizem movimentos sociais conscientes de seu papel ecológico será fundamental a educação ambiental que construa a consciência ambiental no cidadão. (21) 


5. A educação ambiental real

          A consciência do cidadão sobre seus direitos relativos ao meio ambiente consiste na sua reeducação, ou seja, na transformação da sua visão social de mundo. Ele precisará superar as limitações inerentes essencialmente ao cotidiano, para alcançar a ação social sobre os interesses político-econômicos envolvidos quando lidam com a questão ambiental. A educação ambiental, como tradicionalmente é estimulada, não transcende estes limites, o que a torna ineficaz. O cotidiano é o espaço no qual se desenvolvem as relações humanas submetidas a repetitivas condutas, que não visam à satisfação dos homens mas à continuidade da sociabilidade vigente, sem que se possa superá-la sem dela a consciência ser afastada. Com afirma Maria do Carmo Brant Carvalho: 

         Vista sob um certo ângulo, a vida cotidiana é em si o espaço modelado (pelo Estado e pela produção capitalista) para erigir o homem em robô: um robô capaz de consumismo dócil e voraz, de eficiência produtiva e que abdicou de sua condição de sujeito, cidadão. 

          Quanto a campanhas de conscientização ambiental, a educação ambiental envolvida é intensamente superficial, pois apenas nos aspectos que se vinculam de imediato ao cotidiano dos indivíduos é que ela é objetivada. Um exemplo disto são as idéias defendidas pela jornalista Fátima Cardoso (22). Para F. Cardoso, a ação do indivíduo não se afasta da esfera individual para alcançar a coletividade, abrangendo a autora os restos de papel jogados no chão, esgotos lançados ao mar, plásticos e borrachas jogados na praia, o lixo em geral pelas ruas, sem que seja pela jornalista alcançado o âmbito do homem como parte de um todo orgânico, mas apenas a sustentação da limitada comunidade em que reside o cidadão. 

          Um exemplo da consciência ambiental visando à superação destes limites pode ser encontrada nas propostas do físico José Goldemberg. Que consistem na "suspensão de incentivos fiscais para projetos na região, a regulamentação da exportação de madeira, a desapropriação de áreas de interesse florestal e o controle do uso de agrotóxicos na floresta"(23). De acordo com J. Goldemberg, as reversas ambientais poderiam preencher 70% da Floresta Amazônica, assegurando, assim, a máxima limitação dos desmatamentos. 

          Medidas de grande relevância social como estas podem ser defendidas socialmente, em contraposição às limitadas intenções cotidianas, quando a educação ambiental é compreendida como educação política, pois o cidadão teria pleno conhecimento do seu papel como membro de uma coletividade e como sujeito de direitos. Sendo conquistada esta emancipação política do homem em cidadão, será possível que ele pense a sociedade em que vive superando as suas limitações ontológicas a partir dos problemas em se elaborar uma consistente legislação ambiental, pois por mais organizadas que sejam as leis a sua aplicação depende de medidas administrativas que dependem do sistema econômico em que se baseia a sociedade. 

          O progresso econômico, o desenvolvimento industrial, teriam por alicerce, para que o meio ambiente fosse respeitado, a utilidade da produção humana, sendo superada pela sociedade o domínio do capital que prende os homens ao valor de troca das mercadorias e, consequentemente, compreende a ecologia como mais uma mercadoria, cujo consumo precisa ser adminsitrado mas não se pode deixar de compreendê-la como fonte de lucros (v. g. indústria farmacêutica, turismo ambiental etc.). A superação da sociedade do capital seria o ponto máximo para a eficácia de um controle social sobre o meio ambiente, contudo, a sua mediação, a formação de instâncias intermediárias que sustentem eticamente os homens como parte ecologicamente sustentável do meio ambiente. A importância da sustentação ecológica do homem consiste na evidente degradação sobre o mundo biológico-mineral que tem sido realizada sobre o planeta Terra. De acordo com Edward Goldsmith: 

         Estamos transformando a Terra num planeta inabitável. Aliás, já estamos condenados a conviver com um aumento da temperatura global entre 1,5 e 4 graus Cº previsto para o ano 2030, caso continue tudo como está, devido à duplicação do gás carbônico na atmosfera. É uma reação em cadeia. O mar, por exemplo, vai esquentar. O plâncton? Que gosta de água fria, vai morrer. Isso diminuirá a capacidade dos oceanos de absorver o gás carbônico. Logo, a situação vai piorar. Não nos damos conta do que significam 3 graus a mais. Há 130.000 anos, o Sul da Inglaterra, onde fica Londres, era 3 graus mais quente. Havia ali pântanos, hipopótamos e crocodilos.(24)

          Vive-se contemporaneamente sob tensão de origem ecológica, tal é o estrago contra o meio ambiente. Não se defende ainda o ecoterrorismo, mas danos imediatos pedem ações imediatas, pois a reparação do dano ambiental costuma-se mostrar muito difícil, quando não é plenamente impossível. A pressão social concreta ao Parlamento Nacional, ao Poder Judiciário, às autoridades administrativas componentes do Poder Executivo, assim como às empresas poluentes são medidas de especial relevo para desmontar os lobbies que influenciam o Congresso Nacional emancipando politicamente o meio ambiente. As propostas defendidas por E. Goldsmith, por mais extremas que possam ser, atingem a raiz dos problemas ambientais, informando as bases da forma de sociedade em que poderá ser resgatado o equilíbrio ambiental. De acordo com o ambientalista: 

         Temos de mudar totalmente nossa forma de encarar o mundo. É preciso criar uma sociedade na qual as atividades econômicas existam em pequena escala — o modelo da família ou das comunidades é o ideal. Devemos reduzir drasticamente o consumo de energia e acabar com a construção de barragens. Precisamos descentralizar as cidades, para que as pessoas possam trabalhar perto de onde moram, o que diminuiria muito a necessidade do carro particular. Não precisamos produzir bens de consumo descartáveis, que duram pouco e dilapidam os recursos naturais. Devemos voltar à agricultura sem adubos químicos, pois os biológicos são também eficazes a longo prazo.(25)

          Para isto, a dependência do homem em relação ao Estado, responsável por leis e pela sua efetivação, manterá o ser humano como ente passivo da consolidação de um concreto controle social-ambiental. A educação ambiental precisa abranger a educação político-ambiental, para que a interferência do cidadão possa-se dar sobre as relações de poder da sociedade da qual faz parte. Os movimentos sociais ambientais, as Organizações Não-Governamentais, como o GreenPeace e a World Wild Found, o S.O.S. Mata Atlântica, o Projeto Tamar, entre tantas outras, são associações coletivas que podem exercer efetiva pressão política sobre os governos, fazendo com que as leis necessárias à efetiva preservação do meio ambiente possam ser promulgadas e efetivando por completo a emancipação político-ambiental do cidadão, contando com o Partido Verde, assim como com outras organizações partidárias, desde que elas sejam reeducadas quanto à consciência político-ambiental necessária para salvar as vidas de seus filiados. 

          Portanto, a importância do Direito Ambiental pode ser compreendida a partir da compreensão do homem não como responsável pela natureza ou como seu agressor, mas como parte do Ecossistema, por mais que as relações que os homens estabeleçam entre si na produção social transforme o meio ecológico. A ideologização da luta ambiental será sinal do máximo alcance da consciência ambiental humana, através da pressão política sobre as discussões ambientais e a interferência direta nas agressões ao meio ambiente, seja ela por meio jurídico ou parlamentar. A educação ambiental será, então, a reeducação humana visando à expansão de seu alcance político-institucional visando à sua auto-construção numa sociedade mais justa. Através da intensa centralidade ideológica, ou seja, do consciente planejamento político das ações humanas, que se integrem à concepção do homem como, muito além de simples sujeito de direitos, como sujeito vivo e racional de um mundo organicamente integrado, vivo e precisando de qualidade de vida globalmente considerada. 


6. Conclusão

          A partir da compreensão das reais proporções da interação homem-natureza, a importância do Direito Ambiental poderá ser conhecida em seu pleno alcance, ou seja, o controle social que permita aos homens realizar-se enquanto homens, distintos da natureza mas dela dependentes, pois da transformação do meio natural são constituídos os alicerces do Ser Social. Sendo o homem parte da natureza, a ciência tem importância jurídica através da incorporação ao Direito da Hipótese Gaia, defendida por pesquisadores de diversas áreas e por ambientalistas do mundo inteiro, e da Ontologia do Ser Social, concepção filosófica proveniente dos estudos de G. Lukács. 

          A legislação nacional acerca do sistema jurídico de proteção ambiental ainda é muito deficiente, como demonstra a lei n.º 9605/98, mas a Constituição Federal, integrada aos tipos penais especificados pela lei, pode gerar eficácia para o Direito Ambiental pátrio, através das ações especiais disciplinadas pela Carta Magna, a ação popular impetrada por qualquer cidadão e a ação civil pública através do Ministério Público. Tem-se, assim, uma base jurídica para que se edifique um sistema de controle social sobre o meio ambiente que garanta aos homens a sustentação à sua sociedade como parte de um ecossistema mundial. 

          São continuamente defendidos no Brasil sistemas distintos da proposta aqui adotada da ampliação da constitucionalidade em integração com as concepções ambientalistas e contando com os movimentos sociais na efetividade da cidadania ambiental. A municipalização do Direito Ambiental pode trazer efeitos positivos ao país, desde que a Competência Municipal não seja originária, ocupando-se tão somente das questões ambientais que se limitem exatamente à jurisdição do específico logradouro, desde que não exista conflito de competência. O meio ambiente não pode esperar pela solução de questões processuais. Contrariando a onda de municipalização dos problemas que envolvem o meio ambiente a qual tem-se alastrado pelo país, é importante pensar na instalação de um Tribunal Internacional contra Crimes Ambientais, para julgar os criminosos dos diferentes países, evitando assim que madeireiras asiáticas continuem devastando o mundo com petroleiros europeus e vasto rol de outros delinquentes de altíssima periculosidade, pois ameaçam não apenas grupos humanos, mas toda a vida no planeta Terra. 

          Para que os movimentos sociais ambientalistas – Organizações Não-Governamentais, Institutos de Pesquisa, Grupos Universitários, entre outros – sejam não apenas reconhecidos mas respeitados pelos governos, será preciso que eles exerçam não apenas pressão isolada sobre causadores imediatos de problemas ambientais, mas sim possuam força política através da representação parlamentar e administrativa, efetivando , assim, sistematicamente, uma fonte para a criação de normas ambientais de máxima importância para a legitimidade do controle social ecologicamente coerente. 

          A relevância do sistema jurídico ambiental, a construção da consciência de cidadania ecológica e a força política dos movimentos sociais no que se referem às questões ambientais serão possíveis desde que seja revista a concepção de educação ambiental, tendo-se como objetivo a construção em cada indivíduo a consciência da coletividade não apenas quanto ao seu meio restrito – bairro, cidade, amigos, família – mas abrangendo toda a comunidade humana mundial, como vítima e responsável pelos crimes ambientais causados pelas indústrias, pelas empresas diversas, pelos governos, por cidadãos isolados. Com a consciência coletiva, será viável iniciar a superação desta forma de sociedade visando à construção de uma totalidade orgânica que respeite o meio ambiente e respeite o homem como ser dele distinto, não sendo tratado como máquina nem como mero animal, porém como um ser pensante e prático, capaz de construir um mundo cada vez mais apto à sua sobrevivência e, consequentemente, à sobrevivência das demais espécies, em harmonia ecológica não alcançável sob o sistema econômico-político capitalista. 
          A consciência da cidadania ecologicamente ativa é aspecto central para que o Direito Ambiental tenha importância nas sociedades humanas, pois não são os homens que têm que se adaptar à promulgação repentina de leis que não foram devidamente discutidas pela sociedade civil, outrossim as leis devem ser promulgadas para atender às necessidades humanas enquanto uma ordem social mais justa e, consequentemente, igualitária não pode ser edificada. 
          O ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável será defendido pelo cidadão que seja capaz de ver a si mesmo não simplesmente como detentor de direitos e obrigações diante de determinado Estado, mas como parte de uma coletividade de homens sedentos de liberdade para decidir sobre as próprias vidas dentro de uma realidade social que permita a todos construir seus rumos sem que se matem tentando. 

     
         Retirado de jus.com.br