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Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo*
Introdução
A guerra constitui um dos empreendimentos humanos mais importantes e
permeia toda a História e a Filosofia. O estado de natureza descrito por Thomas
Hobbes, um estado de escassez caracterizado pela guerra de todos contra todos,
existiria, de fato, em povos primitivos da América e nas relações entre os
Estados. A guerra é um evento que, apesar da violência que encerra, não pode
ser ignorado pelo Direito. O próprio Direito Internacional começa como um
direito de guerra. [01] É certo que nem todos os autores reputavam a
guerra um ato lícito, mas o Direito sempre a levou em consideração, quando não
para discutir suas formas de legalização, ao menos para suavizá-la ou
humanizá-la, o que explica a origem do próprio Direito Humanitário. Entre 1581
e 1863 – data da assinatura da primeira Convenção de Genebra, tida como marco
inicial do moderno Direito Humanitário –, foram assinados 291 acordos internacionais
para proteger a vida dos combatentes feridos.
Esse crescimento dos direitos humanos protetivos durante o estado de
guerra alcançou, inclusive, os conflitos armados sem caráter internacional
(art. 3º das Convenções de Genebra de 1949 e art. 1º do Protocolo II de 1977) e
as guerras de libertação nacional (art. 1º, § 4º do Protocolo I de 1977). O
Direito da Guerra passou a se ocupar não somente dos conflitos armados
internacionais, mas também da guerra civil, na qual os combatentes não são propriamente
dotados de personalidade jurídica internacional. [02]
Tradicionalmente, distingue-se o jus
ad bellum do jus in bello.
Este último é a regulamentação da guerra: as normas aplicáveis aos beligerantes
e aquelas obrigações decorrentes do estado de guerra. Aqui, insere-se o Direito
Humanitário. O primeiro é o direito à guerra, o direito de fazer guerra. Depois
que os Estados nacionais se consolidaram – e o marco aceito é a Paz de
Vestfália de 1648, que pôs fim às guerras de religião –, o titular desse direito
passou a ser exclusivamente o Estado. No entanto, desde o Pacto de Paris de
1928, a guerra se tornou ilegal. A Carta da ONU vai mais além e proscreve a
ameaça e o uso da força em geral. Há apenas três exceções à proibição da força:
a legítima defesa, as lutas pela autodeterminação dos povos e os casos em que o
Conselho de Segurança, para situações específicas, empreende o recurso à força
por julgá-lo compatível com os propósitos da ONU. Compete ao Conselho de
Segurança determinar as medidas cabíveis para a manutenção da paz e da
segurança internacionais. Contudo, a ação desse órgão foi bastante prejudicada
em razão da rivalidade entre as duas superpotências, durante a Guerra Fria, à
exceção do episódio da Guerra da Coréia, quando a URSS não ofereceu veto,
porque havia se retirado do Conselho.
A partir da década de 1990, com a Resolução nº 678 de 29/11/1990, que
autorizou o uso da força contra o Iraque, essa inação desaparece. O Conselho,
inclusive, passa a empreender uma interpretação mais extensiva da paz e
segurança internacionais e a autorizar medidas com fulcro especificamente
humanitário: no próprio Iraque (Resolução nº 688), na Bósnia (Resolução nº 770,
1031 e 1088), na Somália (Resolução nº 794) e em Ruanda (Resolução nº 929).
O presente trabalho objetiva analisar o lugar do chamado "direito
de ingerência humanitário" no direito da guerra. Num primeiro momento,
serão contrapostas três posições doutrinárias acerca da guerra. Este
empreendimento se justifica na medida em que essas correntes fundamentam o
debate da (i)legalidade do direito de ingerência. A seguir, será apresentada a
dicotomia entre o direito de ingerência e o princípio da não-intervenção. Um
encontra seu lastro nos direitos humanos, e o outro na soberania dos Estados, e
ambos constituem princípios do Direito Internacional. Num terceiro momento,
descrever-se-á as modalidades de ingerência e será salientada a chamada
"Assistência Humanitária". Ao final, procurar-se-á demonstrar a
consolidação da ingerência com fulcro humanitário no Direito Internacional
contemporâneo, à luz dos conceitos de uma das posições doutrinárias, a guerra
justa.
Para a conveniência do leitor, optou-se por traduzir os textos em língua
estrangeira, e, salvo indicação em contrário, a responsabilidade pelas
traduções recai sobre o autor do presente trabalho.
Três posições sobre a guerra
A guerra sempre gerou opiniões bastante diversas. Em 1500, Erasmo de
Roterdã publica em Paris uma seleção de oitocentos provérbios comentados com o
título de Adagiorum collectanea.
Essa obra foi objeto de sucessivas edições, as quais aumentaram o número de
adágios para um total de 4151. O êxito foi imediato, e Erasmo vai, ao longo do
tempo, enriquecendo e alterando um dos adágios, o Dulce bellum, até que, em 1517, ele é publicado com o simples
título de Bellum. Já a Queixa da Paz é publicada pela
primeira vez, na Basiléia, em dezembro de 1517. Com essas obras, Erasmo
inaugura o chamado "irenismo". O irenismo, do grego eirenè ou "paz", significa
"a atitude que professa o repúdio por todo o tipo de beligerância e uma
ilimitada confiança na eficácia do diálogo e do recurso à arbitragem para a
resolução dos conflitos que opõem os homens" [03].
Em ambos os textos, Erasmo procura caracterizar a guerra como algo
anticristão e antinatural. Logo no início do A Guerra, afirma que a natureza humana se manifesta incompatível
com a guerra. A todos os seres vivos, a natureza dotou de armas: garras,
chifres, presas, peçonha, etc. Porém, "só ao homem criou nu, fraco,
delicado, desarmado, de carne tenríssima e de pele fina. Não tem em nenhuma
parte dos membros nada que possa parecer ter sido dado para a luta ou para a
violência (...)" [04].
Pelo contrário, a natureza humana parece propensa à paz. Quando criança,
o homem depende inteiramente da proteção alheia, não tem aparência assustadora,
pode abraçar, beijar, rir e derramar lágrimas, "símbolos da clemência e da
misericórdia". A natureza, portanto, fez o homem inclinar-se para a
benevolência, a amizade e o amor, que são sentimentos voltados à boa harmonia.
[05]
Como se não bastasse a natureza, a razão também aproxima o ser humano da
paz. A razão, para Erasmo, é pressuposto da sociabilidade:
E não satisfeita com estas coisas, a natureza apenas ao homem concedeu o
uso da linguagem e da razão, as quais é indisputável que sobremaneira servem
para preparar e fomentar a benevolência, para que absolutamente nada entre os
homens se resolva através da força. Inculcou nele o ódio pela solidão e o amor
da convivência. [06]
Assim, se tudo no homem o impele para a paz, a guerra só pode
representar um mal sem precedentes. De fato, a guerra seria a fonte de todo o
vício.
Ora, para quê falar da ruína dos costumes, quando é certo que ninguém
ignora que tudo quanto há de mau na vida procede, em última instância, da
guerra? Dela nascem o menosprezo da piedade, a negligência das leis, uma
disposição de ânimo pronta a atrever-se a qualquer sorte de crime. Desta fonte
jorra para nós uma tão imensa multidão de ladrões, salteadores, profanadores e
assassinos. [07]
Se a natureza humana é contrária à guerra, esta se instala no coração
dos homens por causa do pecado. Como a guerra, segundo Erasmo, é irracional,
nada melhor que o remédio seja fornecido pela razão e a sabedoria. O autor,
então, sugere que, em vez da guerra, os homens devem recorrer à arbitragem.
O mundo tem tão grande quantidade de bispos sérios e eruditos, tem tão
grande quantidade de abades, tão grande quantidade de nobres, carregados de
anos e de saber por uma longa experiência, tão grande quantidade de concílios,
tão grande quantidade de assembléias, não embalde instituída pelos antigos: por
que é que não se recorre à arbitragem para se resolverem as fúteis quesílias
dessa espécie que opõem os príncipes? [08]
É interessante notar que esse irenismo vai sobreviver até o Pacto da
Sociedade das Nações. O idealismo do entre-guerras ou, na terminologia
pejorativa de E. Carr, o "utopismo" [09], tem muito do
irenismo. A Liga das Nações era baseada no princípio da segurança coletiva:
todos os Estados teriam o dever de zelar pela paz e segurança mundial, pois a
agressão a um membro constituiria uma agressão a todos. Já no preâmbulo as
partes contratantes se dispunham a não recorrer à guerra. O cerne dessa
doutrina era previsto no artigo 11, § º1:
Art. 11
1. Fica expressamente declarado que toda a guerra ou ameaça de guerra,
atinja diretamente, ou não, algum dos membros da Sociedade, interessa a toda a
Sociedade, e esta deve adotar as medidas apropriadas para salvaguardar
eficazmente a paz das nações. Em tal caso, o Secretário geral convocará
imediatamente o Conselho, a pedido de qualquer Membro da Sociedade. [10]
A arbitragem deveria substituir a contenda armada, quando os Estados se
desentendessem. Cumpre salientar que o instituto ficou conhecido com a
"moratória da guerra", porque submetia o recurso à força a um prazo
de tempo:
Art. 12
1. Todos os membros da Sociedade concordam em que, se entre eles surgir
uma controvérsia suscetível de produzir uma ruptura, submeterão o caso seja ao
processo da arbitragem ou a uma solução judiciária, seja ao exame do Conselho.
Concordam, também, em que não deverão, em caso algum, recorrer à guerra, antes
da expiração do prazo de três meses após a decisão arbitral ou judiciária, ou o
relatório do Conselho.
No extremo oposto ao irenismo, existem as interpretações belicistas da
história. Em 1915, movido por fervor patriótico, o então jovem filósofo alemão
Max Scheler escreve uma pequena obra intitulada O gênio da guerra e a guerra alemã. Esse texto seria mais um
panegírico alemão sobre a guerra, se não tivesse merecido a atenção do filósofo
espanhol José Ortega y Gasset, o qual publica, no ano seguinte, uma resenha com
o título homônimo. Ortega decepciona-se com as tentativas de justificação da
guerra por parte de alguns autores alemães – decepção que irá se repetir na
guerra seguinte – e não poupa Scheler de críticas: "Nada me parece, com
efeito, tão frívolo e tão néscio como essa gente que longe do combate adota
posturas guerreiras." [11]
Segundo Scheler, na guerra, luta-se por algo superior à existência: o
poder, o qual coincide com e é pressuposto da liberdade política. A guerra é um
ato de força, não de fraqueza. "Terá, pois, a guerra uma origem vital, mas
certamente oposta daquela que se supõe reger a existência animal. Não é a fome,
pelo contrário, é a abundância, a sobra de energias que suscita a guerra."
[12]
Scheler ainda vai além. Acrescenta que a guerra é um princípio
organizador: é o ato bélico que unifica em povo as hordas naturais e as
transforma em uma estrutura política estável. Assim, os períodos de paz
organizada somente tornam-se possíveis em virtude dos períodos de guerra. A paz
só existiria em função da guerra. Esta se revela o momento dinâmico da
história; ao passo que a paz se reduz a uma atividade de mera adaptação ao
sistema dinâmico de poderes determinado pela guerra precedente. [13]
Por isso, constitui uma impossibilidade racional tentar substituir a
guerra por litígios jurídicos, os quais são pautados por normas de direito
objetivo. A guerra é um conflito de poderes, não um conflito de interesses;
ela, portanto, transcende o Direito, para o qual só há controvérsias estáticas
e atuais, rigorosamente circunscritas e previstas. Com essa asserção, Scheler
opõe-se a toda e qualquer forma de irenismo.
A guerra é realizada para o futuro, em nome do advento de um novo
rearranjo de poderes. O que se visa numa guerra é uma nova ordem. Desse modo,
ela cria novas realidades históricas e se torna fonte de todo o Direito e de
toda a moral. [14]
Dessa assertiva decorre que a violência, com os seus massacres e
matanças, não importa para a essência da guerra; trata-se de uma mera
manifestação das energias pertencentes às vontades que entram em conflito.
Constitui um elemento acessório, acidental: a forma segundo a qual a guerra se
reveste e, pois, não pode logicamente constar de uma definição de guerra.
[15]
Repugna a Scheler o liberalismo e a sua vertente contratualista de
Estado, pois insistem em não reconhecer que o Estado possui sempre uma
personalidade real – esta seria sempre mediatizada pelo indivíduo, ou por um
instrumento jurídico, o contrato, também criado por indivíduos. A ressalva de
Scheler em relação ao liberalismo contratualista reside na prevalência
ontológica que este concede ao indivíduo, em detrimento do Estado. Ora, se a
guerra é a fonte de todo o Direito e de toda a Moral, o princípio dinâmico da
história, como não reconhecer a importância dos sujeitos que a praticam? O
Estado tem, segundo o autor, uma personalidade tão natural como a do indivíduo.
[16]
O filósofo alemão termina por realizar uma inversão da assertiva
liberal: é o Estado que tem prevalência, não o indivíduo. Essa conclusão
revolta Ortega. "Enoja a Scheler que não se reconheça no Estado uma pessoa
real, tão real como o indivíduo. Não deve enojar mais o fato de Scheler
rebaixar, dentro da enorme pessoa Estado, a pessoa individual ao papel de uma
imagem, de uma sensação, de um instinto?" [17]
Não há espaço para os indivíduos, o sujeito da história é o Estado;
aqueles não conseguem modificar nem suas próprias vidas, que é fruto do ato
bélico. A racionalidade dos Estados revela-se absoluta; eles detêm toda a
informação disponível nas suas relações, e seu comportamento poderia ser
perfeitamente previsível, pois é pautado por apenas uma máxima: expandir o
poder. Preservar aquilo que já se tem significa estagnação, o que, para os
impulsos vitais, equivale à decrepitude e ao envelhecimento.
Como é a guerra que produz o Direito e a Moral, toda guerra é justa; é
ela que decide a sorte daqueles que têm direito ou não de estar no mundo.
Assim, isso "nos convida a nos sentirmos agradecidos se um Estado mais
forte – e isto em sua opinião quer dizer mais digno – se apodera do nosso"
[17]. O fato da guerra é o mesmo que o direito à guerra.
Este tipo de concepção vai se refletir naquelas formas de realismo
político mais extremado; as quais, em nome de abstrações como "interesse
nacional" ou raison d’état,
não permitem qualquer julgamento moral das ações estatais. Armand Jean du
Plessis, o Cardeal Richelieu, teria afirmado que, como a alma humana é imortal,
a sua salvação transcende este plano, mas o "Estado não tem imortalidade,
sua salvação é agora ou nunca". Os Estados não recebem crédito por fazer o
que é correto, mas são recompensados por terem poder o bastante para fazer o
que é necessário. [18]
Uma posição que se pode qualificar de intermediária é a de Hugo Grócio.
As opiniões extremadas – como a de Erasmo, a quem ele se refere de forma
explícita – não promovem a verdade. "Mas este mesmo empenho de opor-se [à
guerra] com demasiada força; com freqüência não só não se aproveita, mas antes
estorva" [19]. Grócio afasta também uma interpretação belicista
da história: "existe uma lei comum entre as nações, que é válida tanto na
guerra como para a guerra" [20]. A guerra não fere o Direito de
morte. As leis silenciadas pelos canhões são somente as leis internas dos
Estados, mas não aquele Direito não escrito que é estabelecido tanto pelo
Direito Natural, como pelo acordo entre as nações. [21]
Para o autor, a guerra é um fato que não pode ser rechaçado de todo pelo
Direito. Em alguns casos, a guerra pode ser lícita: quando o motivo for justo;
o que significa que "a guerra não deveria ser deflagrada exceto para a
aplicação de direito". [22] Uma causa justa é a autodefesa,
legitimada tanto pela necessidade, como pela intenção do inimigo. Outra causa
justa é o recobro do que é seu. [23] Assim, segundo o jurista
holandês, há situações em que a guerra serve ao Direito: "porque o fim da
guerra, a conservação da vida e dos membros, e a retenção ou aquisição das
coisas úteis para ela [a vida], está plenamente conforme esses princípios
naturais" [24].
Grócio se insere numa tradição maior e bastante antiga – anterior à
própria noção de Direito Internacional –, que remonta a Santo Ambrósio
(333-397) e Santo Agostinho (354-430), passa pela Escolástica espanhola e
atinge até mesmo alguns autores contemporâneos, como Michael Walzer: a da
"guerra justa". A noção de guerra justa vai receber a sua formulação
definitiva em Santo Tomás de Aquino. Para que uma guerra fosse justa, é
necessário que ela atenda a três condições: "a) que ela fosse declarada
pelo príncipe, vez que ele é a autoridade pública competente; b) é necessário
que ela tenha uma causa justa, enfim que a sua causa seja um direito violado;
c) que a intenção dos beligerantes seja reta, isto é, deve visar a promover um
bem ou evitar um mal" [25].
Cumpre salientar que, para Grócio, nem todas as guerras privadas são
ilícitas, pois, além de ser justo, mesmo para o particular, rechaçar uma
injúria por meio da força, as autoridades públicas e os tribunais não são
oriundos da natureza, mas de fatos humanos. O direito "natural"
corresponde à legítima defesa em geral, não à legítima defesa de uma autoridade
pública. Não há dúvida de que esta restringiu em muito a licença ao uso da
força, mas o que se deve fazer quando falta um tribunal? [26] No
entanto, neste ponto em especial, o jurista holandês é minoritário dentro da
tradição da guerra justa. A grande maioria percebe o requisito de uma
autoridade pública para a declaração de guerra como uma forma de restringir a
legitimidade da violência no intercâmbio entre as nações.
A teoria da guerra justa pressupõe uma via intermediária. Ela rechaça
tanto o absolutismo moral de um irenismo, que condena todas as guerras, como o
relativismo ético do realismo político, o qual, em nome da defesa do Estado (e
toda a extensão que essa defesa pode abarcar), aceita a matança de civis e de
inocentes como natural, e qualquer guerra para expandir o poder como
necessária. Para os adeptos da guerra justa, existem alguns motivos que são
fortes o suficientes para se fazer guerra – determinadas ordens pacíficas são
intoleráveis –, mas "há coisas que são moralmente inaceitáveis de se fazer
ao inimigo" [27]. Trata-se de uma teoria de justiça comparativa
que permite a crítica das ações humanas mesmo em tempos de crise: por não
considerar toda a guerra como o malogro do Direito e da Moral, ela permanece
como um parâmetro de julgamento válido.
Apesar da variação entre os autores, em síntese, a teoria da guerra
justa prescreve, em relação ao jus ad
bellum, que a guerra deve ser o último recurso, que ela deve ser
proporcional à injúria (o dano causado deve ser inferior à calamidade), que
deve ser pública e precedida de uma declaração formal e que deve ser sempre a
resposta a uma agressão injusta, com probabilidade de êxito. Esta última
disposição, embora não tenha conteúdo moral, justifica-se por causa de um
elemento de realpolitik contido
na teoria. Os proponentes da guerra justa reconhecem que muitas guerras, ainda
que possam ser consideradas justas, não tiveram motivação altruísta. Isso não
invalida o raciocínio. O comportamento humano possui diversas determinações
causais, e muitas delas não se revelam nada nobres. Porém, existe, ao lado de
reações necessárias, uma margem de indeterminação que abre espaço para a
liberdade, o que permite uma apreciação moral.
A intervenção dita humanitária da Índia em Bangladesh, em 1971, ilustra
bem o caso. A Índia enfraqueceu seu inimigo, o Paquistão, e impediu que a instabilidade
política do vizinho lhe trouxesse problemas com refugiados bengalis. São razões
bem realistas. Mas foi uma invasão que Walzer classificou como justa porque
salvou uma população de um massacre. Após o salvamento, deixou o recém Estado
cuidar de seus próprios problemas. [28]
Em relação ao jus in bello,
a teoria da guerra justa obriga que os meios empregados na luta devem ser
proporcionais aos fins; deve distinguir-se combatentes de não combatentes, e
deve tratar-se os prisioneiros de guerra com humanidade. Estas disposições
encontram-se hoje todas contempladas nas Convenções de Genebra de 1949 e seus
Protocolos de 1977. Em determinada medida, a guerra justa foi tão bem-sucedida
que foi incorporada ao Direito Internacional. Contudo, isso não significa que o
problema foi resolvido de uma vez por todas. Essa teoria será bastante útil,
ainda, para as ingerências humanitárias. A "palavra guerra caiu, e os termos intervenção humanitária triunfaram
(...) mas ninguém pode intervir militarmente sem sujar as mãos de sangue"
[29] (grifo no original). A ingerência humanitária pode não constituir
uma guerra, mas é uma modalidade de conflito armado.
A ingerência e o princípio da não-intervenção
"Guerra" é um termo em desuso no Direito Internacional. A
palavra ainda se conserva para designar grandes conflitos, como foram as
guerras mundiais. Entretanto, a maioria dos conflitos no século XX não pode ser
qualificada de "guerra". Hoje, prefere-se o termo "conflitos
armados internacionais". Não é uma simples troca de palavras. Desde o
Pacto de Paris de 1928, também conhecido como o Pacto Briand-Kellog, em
referência ao ministro francês do exterior Aristide Briand e o chanceler
americano Frank Kellog, a guerra foi proscrita do Direito Internacional como
meio válido de solução de controvérsias:
"Art. 1º. As Altas Partes Contratantes declaram, solenemente, em
nome de seus respectivos povos, que condenam o recurso à guerra para a solução
das controvérsias internacionais, e a isso renunciam, como instrumento de
política nacional, em suas relações recíprocas."
O jus ad bellum foi, até
então, um meio legítimo de assegurar uma pretensão no Direito Internacional.
Constituía uma das formas válidas de aquisição de território. O estado de
guerra gerava diversos efeitos tanto entre os contendores, como em relação a
terceiros países. O direito à guerra foi, inclusive, um dos direitos
internacionais que caracterizava o Estado. Somente os soberanos se apresentavam
como autoridades legítimas para declarar guerra. Guerras privadas, após a
consagração do sistema de Estados com a Paz de Vestfália de 1648, eram injustas
por natureza.
Cabe observar que o conceito jurídico de "guerra" requer tanto
um elemento material – o emprego efetivo da força armada –, como um elemento
subjetivo – a intenção de fazer guerra, o animus belli. [30] O problema sempre foi o de aferir
esse animus belli. O modo mais
acertado revela-se a determinação da existência de uma prévia declaração de
guerra. Contudo, um grande número de escaramuças ocorreu sem ser precedida por
uma declaração. Os ataques, v.g., japoneses de Port Arthur, em 1904, e de Pearl
Harbour, em 1941, não contaram com uma prévia declaração de guerra. Os Estados
não desejam perder o elemento surpresa. Ademais, diversos outros conflitos,
como a luta contra o colonialismo, intervenções e represálias, não se conformam
ao conceito jurídico de guerra. Por isso, tem preferido-se empregar a expressão
"conflito armado internacional", que seria mais abrangente, e a
guerra seria somente uma de suas manifestações. O termo guerra ainda não
desapareceu do Direito Internacional, mas, por motivos históricos, procura
reduzir-se a sua utilização apenas para conflitos de grande vulto.
Em 1945, a Carta de São Francisco vai além de todos os documentos
internacionais que proscrevem a guerra e proíbe, em seu artigo 2º, parágrafo
4º, todo e qualquer emprego da força, do qual a guerra não é senão uma forma
extrema:
"Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a
ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência
política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os
Propósitos das Nações Unidas."
Isso não significa que não haja exceções à proibição do uso da força. O
emprego da força é permitido nos casos em que o Conselho de Segurança, para
situações específicas, empreende o recurso à força por julgá-lo compatível com
os propósitos da ONU (art. 39), nas lutas pela autodeterminação dos povos
(Declaração anexa à Resolução nº 2625, XXV [31]) e no exercício da
legítima defesa (art. 51).
Discute-se, contudo, a legalidade da intervenção armada. A
não-intervenção é um dos princípios do Direito Internacional, previsto na Carta
(art. 2.7), que foi ampliado com a "Declaração Relativa aos Princípios de
Direito Internacional Concernentes às Relações Amigáveis e à Cooperação entre
os Estados Conforme a Carta das Nações Unidas" de 1970. Os trabalhos do
Comitê Especial, que preparou a declaração, à época, foram prolongados e
marcados pelos desentendimentos entre os países europeus e latino-americanos.
Estes, ao final, acabaram prevalecendo e conseguiram ampliar o conceito de
intervenção proibida para além da mera intervenção armada. O Comitê dispôs que
"a intervenção armada e todas as outras formas de interferências ou
atentados contra a personalidade do Estado ou contra seus elementos políticos,
econômicos e culturais, são contrários ao direito internacional" [32].
No entanto, os autores não são unânimes em afastar a ilegalidade da
intervenção. Mesmo os autores latino-americanos só vão passar a condenar a
intervenção a partir do século XX, com a Doutrina Drago. [33] Um
autor clássico como Emerich de Vattel, após estabelecer que as nações são
livres e independentes entre si e, portanto, não podem sofrer coação ainda que
seja para cumprir seu dever de cooperarem para o seu aperfeiçoamento [34],
mesmo após derivar dessa independência o dever de não interferir no governo
alheio [35], aceita a intervenção de potências estrangeiras para
libertar uma nação da tirania, a pedido do povo oprimido. [36]
Já Kant, no quinto artigo preliminar à paz perpétua, consagra o
princípio da não ingerência: "nenhum Estado deve imiscuir-se pela força na
constituição e no governo de outro Estado" [37]. Só se pode
conceber que o princípio da não ingerência nos assuntos internos conste como
requisito num projeto de paz, como é a obra de Kant, se for admitido que o
contrário (a ingerência) pode causar escândalo e lesionar a entidade capaz de
impedir essa paz e provocar a guerra: o Estado. De fato, a não-ingerência constitui
pressuposto de um sistema de Estados soberanos e, mesmo em caso de guerra,
figura como uma espécie de "honra entre ladrões", pois poderia ser
elevada a uma máxima universal. Kant abre uma exceção se o próprio Estado pede
ajuda a um terceiro Estado para controlar uma dissensão interna. Ainda assim, o
escopo dessa exceção é menor do que se pode presumir: se essa dissensão se
tornar uma revolta muito grande, como uma revolução, em que não se pode
determinar qual das duas partes controla o país, então prevalece o dever de não
intervir:
Sem dúvida, não se aplicaria (o princípio da não ingerência) ao caso em
que um Estado se dividiu em duas partes devido a discórdias internas e cada uma
representa para si um Estado particular com a pretensão de ser o todo; se um
terceiro Estado presta, então, ajuda a uma das partes não poderia considerar-se
como ingerência na Constituição de outro Estado (pois só existe anarquia). Mas enquanto essa luta interna não está ainda
decidida, a ingerência de potências estrangeiras seria uma violação / do
direito de um povo independente que combate a sua enfermidade interna; seria,
portanto, um escândalo, e poria em perigo a autonomia de todos os Estados.
[38] (grifo nosso).
De fato, o princípio da não-intervenção é corolário direto da soberania
dos Estados e constitui uma necessidade num sistema internacional. No momento
em que não houver mais a observância ao referido princípio, a ordem deixa de
ser internacional, e o direito regulador passa a ser o direito interno de um
Estado universal. Isso é tão necessário que a soberania estatal se encontra
positivada em numerosos textos legais internacionais. Merece destaque a Carta
das Nações Unidas que, no seu art. 2º, § 1º, dispõe: "A Organização é
baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros."
Soberania representa, com toda a certeza, um dos conceitos mais revistos
na história do direito público. Não é objeto deste trabalho abordar esse
debate. Basta afirmar que parece ser consenso a não aceitação de uma formulação
absoluta como summa potestas superior
non recognoscens. Semelhante amplitude poderia levar à própria negação
do Direito Internacional.
Soberania é um conceito político, para alguns até mesmo teológico
[39], que perpassa diversas áreas, como a jurídica. A tradução deste
conceito político para o Direito, em especial para o Direito Internacional,
ocorreu em 4 de abril de 1928, numa sentença proferida pelo árbitro Max Huber,
no caso Palmas, no Tribunal Permanente de Arbitragem. A decisão equipara
soberania a independência. Isso significa independência de uma ordem normativa
nacional em face de normas oriundas de outra ordem normativa nacional. Em
hipótese alguma, refere-se a independência frente ao Direito Internacional.
A submissão ao Direito Internacional produz outra conseqüência. Não
existem matérias próprias de um "domínio reservado natural". Domínio
reservado é um conceito jurídico que assim foi definido pelo Instituto de
Direito Internacional: "O domínio reservado é o das atividades estatais em
que a competência do Estado não está vinculada pelo direito
internacional." [40] Até 1919, com o estabelecimento da Liga
das Nações, os doutrinadores procuravam um critério material de determinação do
que constituiria o domínio reservado dos Estados. Assim, temas relacionados,
v.g., ao regime político ou à nacionalidade seriam de competência exclusiva dos
Estados. A razão de ser disto era a de impedir a ingerência dos demais Estados
nesses assuntos. Entretanto, não se mostrou viável determinar, de forma segura,
o conteúdo do domínio reservado, porque não se revela possível dissociar as
atividades internas e externas do Estado de maneira objetiva. Ademais, o
Direito Internacional espraiou-se por diversos campos bastante
"sensíveis", como desarmamento, soberania territorial e também, para
os interesses deste trabalho, direitos humanos. Dessa forma, as matérias que
constam de um domínio reservado são aquelas que ainda não se tornaram objeto de um compromisso internacional.
[41]
Celso D. de Albuquerque Mello procede a uma distinção interessante entre
intervenção e ingerência humanitária. A primeira seria exercida por Estados, e
a última por organizações internacionais e organismos humanitários
não-governamentais. Enquanto a intervenção seria condenada pelo Direito
Internacional, a ingerência seria legal. [42]
Essa legalidade se deve, segundo Delgado, por causa da
"discricionariedade do Conselho [de Segurança] em determinar o que
consiste ameaça à paz, quebra da paz ou ato de agressão, conforme dispõe o art.
39 da Carta" [43]. É certo que esta discricionariedade encontra
limites: aquele órgão deve observar os princípios da Carta (art. 24.2) nessa
função de "guardião da paz e segurança internacionais". O princípio
da não-intervenção (art. 2.7 e a interpretação mais estendida que obteve com a
Declaração de 1970), na qualidade de um dos princípios da Carta, deve,
portanto, ser observado. O problema é que este mesmo dispositivo estabelece
como ressalva as medidas coercitivas do Capítulo VII, no qual se insere a
referida função do Conselho de Segurança. Em outras palavras, a competência do
Conselho, para definir uma ameaça à paz e segurança, encontra limitação no
princípio da não-intervenção, e este princípio é limitado pela competência do
Conselho em definir uma ameaça à paz e segurança internacionais. Trata-se de um
círculo vicioso.
Mesmo a Resolução nº 3314, que define a agressão, deixa margem a
dúvidas. A enumeração das ações que configuram agressão, listadas no art. 3º,
não é taxativa:
O âmbito da definição retida é limitado. Como o objetiva esta resolução
[3314], tratando-se de uma simples recomendação da Assembléia ao Conselho de
Segurança, este último pode proceder à sua interpretação num sentido tanto
restritivo como extensivo: "tendo em conta as outras circunstâncias
pertinentes", ele pode desqualificar um ato que à primeira vista parecia
um ato de agressão (art. 2º); pelo contrário, pode "qualificar outros atos
de agressão em conformidade com as disposições da Carta" (art. 4º).
[44]
Desse modo, a questão se resume à interpretação que o próprio Conselho
confere à sua competência para a manutenção da paz. Em outros tempos, a ótica
"estatocêntrica" era tão arraigada que nenhum desrespeito aos
direitos humanos, por mais flagrante e amplo que fosse, poderia "arranhar"
a superfície da soberania estatal. Em 1922, foi celebrada uma convenção
germano-polonesa que deveria proteger as minorias naqueles países. Contudo,
essa convenção foi desrespeitada. Em 1933, a Assembléia Geral da Liga das
Nações reúne-se, e Bernheim pede a palavra e denuncia as "práticas odiosas
e bárbaras dos hitleristas às expensas de seus próprios compatriotas
refratários ao regime". Ele explica como os nazistas incendeiam as lojas e
as casas, violentam as mulheres, assassinam os homens e molestam as crianças, saqueiam
as sinagogas, profanam tumbas e lugares sagrados e expulsam famílias inteiras
de seus lares. O presidente da sessão concede a palavra ao representante da
Alemanha, um certo Joseph Goebbels. A sua resposta está registrada nos anais do
princípio da não-intervenção: "Senhores, representantes e presidente. Nós
somos um Estado soberano; tudo o que este indivíduo afirmou não vos concerne.
Nós fazemos aquilo que queremos dos nossos socialistas, pacifistas e judeus, e
não estamos sujeitos ao controle nem da humanidade, nem da SDN." [45]
Não procurou negar os fatos, nem alegou inocência do seu governo.
Os diplomatas daquele encontro ficaram petrificados, mas não por
Goebbels e sim por Bernheim. A resolução proveniente daquela sessão foi
bastante comedida e se absteve de qualquer condenação: a Liga
"confia" que todos seus membros não devem atentar contra os direitos
dos homens sob sua jurisdição. A prevalência da soberania sobre os direitos do
homem foi bem estabelecida. A Alemanha recebe carta branca sobre como tratar suas
minorias, e o plano político descrito no Mein Kampf pôde ser cumprido. Hitler acreditava que o
"respeito pela pessoa humana que todos têm presente nada mais é do que uma
invenção das fábulas para se proteger dos mais fortes" [46].
René Cassin, que testemunhou aquele episódio, viu o desrespeito aos
direitos humanos crescer, passar pelos campos de concentração em Dachau,
Auschwitz, Birkenau, Treblinka, e tornar-se a própria guerra. Durante a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, em dezembro de 1948, afirmou,
perante a Assembléia Geral da ONU: "Ainda, o primeiro grande crime resta
impune; o crime contra os direitos do homem alemão tornou-se o crime contra os
direitos do homem de outras nações e, pouco depois, o crime supremo da guerra
universal." [47] Para Cassin, os gérmenes da II Guerra já se
encontravam nos atentados aos direitos humanos. Ainda que imbuída do espírito
de impedir novas guerras, a Carta de 1945, conforme visto, consagra o princípio
da não-intervenção, em oposição às reivindicações dos militantes dos direitos
humanos.
Desde então, a opinio juris
foi bastante modificada, apesar da sistemática oposição de alguns países
socialistas e em desenvolvimento, em especial do Brasil. Em 1992, o então
secretário-geral Boutros-Boutros Ghali foi convidado a preparar uma Agenda for Peace, Preventive Diplomacy,
Peacemaking and Peace-Keeping. Neste documento, ele lança as bases para
métodos mais eficazes na tarefa da ONU de manutenção e promoção da paz
internacional. Afirma que
a tarefa de promoção da paz é por vezes facilitada por uma ação
internacional que melhore as circunstâncias que contribuíram para a disputa ou
o conflito. Se, por exemplo, a assistência a pessoas desabrigadas dentro de uma sociedade é essencial
para a solução, então as Nações Unidas devem ser capazes de prover recursos
para todas as agências e os programas interessados. [48] (grifo
nosso).
Cumpre salientar que, na dicotomia direitos humanos e soberania, uma
vitória num lado ocorre às expensas do outro. As diversas resoluções tanto do
Conselho de Segurança, como da Assembléia Geral, que consagram uma ou outra
forma de ingerência, sempre ressaltam o caráter excepcional da situação de
emergência para procurar evitar a consolidação de um direito costumeiro.
[49] Ainda assim, hoje, de modo diverso do que ocorreu em 1933, os
governos ditatoriais, ao menos, procuram dissimular as práticas de desrespeito
aos direitos humanos.
Aos poucos, os direitos humanos foram ganhando destaque. A Corte
Internacional de Justiça, em acórdão proferido em 27 de junho de 1996, no caso
Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua, declarou, de forma expressa,
que "não pode haver dúvidas de que a estrita provisão de auxílio
humanitário para pessoas ou forças em outro país, quaisquer que sejam sua afiliação
política ou seus objetivos, não pode ser considerada uma intervenção ilegal ou
de qualquer modo contrária ao direito internacional" [50].
Ainda que esta modalidade de ingerência tenha sido considerada legal, outras
não são e, pois, faz-se necessário promover maiores distinções sobre o tema.
Modalidades de intervenção e a assistência
humanitária
Nem todas as formas de ingerência são controversas e/ou proibidas. As
formas pelas quais uma intervenção pode se revestir são muito variadas. Ricardo
Seitenfus apresenta um quadro esquemático com 34 categorias diferentes, algumas
legais e outras não. [51]
Essas classificações tão extensas acontecem porque toda intervenção tem
por objetivo obrigar um Estado a fazer ou deixar de fazer algo que normalmente
não faria. Com uma finalidade assim tão ampla, qualquer ato que interfira nos
negócios de um país pode ser considerado uma intervenção. Desde a agressão
armada até fenômenos menos sangrentos, como a pressão política ou econômica
(conforme visto, em virtude da Declaração de 1970), ou mesmo a propaganda. Por
vezes, a simples inserção dos interesses de um Estado nos debates das Nações
Unidas corresponde a uma intervenção. [52]
As intervenções de tipo armado ainda podem subdividir-se em intervenções
militares diretas e intervenção por assistência militar. [53] Esta
última ainda se divide em auxílio militar a um país que esteja envolvido em um
conflito com um terceiro país, em razão de um tratado de defesa coletiva, e
pela oferta de auxílio armado para um governo – ou para os insurgentes – num
conflito interno ou numa guerra de libertação nacional (que, por causa do status galgado no Direito
Internacional com a descolonização, não pode ser equiparada a uma guerra
civil).
A intervenção militar direta representa, de forma inequívoca, uma
ilegalidade para o Direito Internacional. Apesar disso, é a forma mais antiga
de intervenção, e a história registra numerosos exemplos: as esferas de
influência da Guerra Fria, a Doutrina Monroe e o corolário de Roosevelt, a
Santa Aliança, etc. Discute-se, contudo, se não haveria um elemento legitimador
se a mesma ocorrer com fulcro humanitário. Os autores americanos, em geral,
aceitam o argumento legitimador. A doutrina majoritária, porém, condena as
intervenções humanitárias, quando realizadas por um Estado de modo unilateral,
e ainda é reticente em aceitar quando se trata de ingerência declarada por um
organismo multilateral. Confiar a decisão de ingerência humanitária ao Conselho
de Segurança da ONU não representa uma garantia de imparcialidade. Além disso,
muitas vezes os motivos humanitários se confundem com interesses outros, a
ponto, inclusive, de se mostrarem simples pretextos.
Embora sem ter essa observação em mente, Ingrid Detter distingue outras
modalidades de intervenção armada as quais foram tradicionalmente consideradas
humanitárias: intervenção por preempção e intervenção punitiva. A primeira
ocorreu quando a OTAN atacou a Iugoslávia para impedir a "limpeza
étnica" dos kosovares albaneses. Seu objetivo foi o de mitigar os efeitos
das políticas embrutecidas de Belgrado contra uma etnia de seu próprio país.
Durante a Guerra do Golfo, houve um elemento punitivo em relação ao Iraque que
se evidenciou quando a estratégia não visou tão-somente a retirada das tropas
iraquianas do território do Kuweit, mas também a redução do poderio bélico do
Iraque. [54]
No âmbito das intervenções humanitárias, Mario Bettati distingue quatro
subdivisões. A primeira forma, que ocorreu sobretudo entre 1948-1968, chamada
"ingerência imaterial", foi a pioneira para a salvaguarda dos
direitos humanos. No período compreendido entre 1968-1988, seguiu-se a
"ingerência caritativa", que se caracteriza pela prática das
organizações humanitárias e pela ação diplomática. Depois do fim da década de
1980, outras duas formas se desenvolvem: a "ingerência forçada", que
recebe o nome por causa do emprego autorizado da força militar, e a
"ingerência dissuasiva", que se propõe a prevenir as catástrofes
humanitárias. [55]
Seguramente, as mais importantes modalidades de intervenção são aquelas
realizadas pela Cruz Vermelha, e que recentemente sofreram profundas alterações
em seu regime jurídico em razão da emergência de novas organizações
humanitárias. A chamada "Assistência Humanitária" é legal e tem mais
de um século de existência. Em 1862, é publicada uma obra intitulada Um Souvenir de Solférino, de autoria
do suíço Henry Dunant, na qual ele relata as atrocidades que presenciou durante
a batalha de Solferino, na região da Lombardia, que opôs as tropas
franco-sardas e as austríacas. A escaramuça deixou nove mil feridos, e chamou a
atenção do autor o fato dos feridos serem abandonados à própria sorte. A obra
ganhou rápida repercussão e influenciou importantes personalidades, inclusive
outro suíço, o advogado Gustave Moyner. Moyner e Dunant trocam correspondências
e, juntamente com mais três outros suíços – Dufour (o presidente), Appia e
Maunoir –, formam uma comissão para estudar propostas para aliviar o sofrimento
durante uma guerra. Nascia, em 1863, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
[56]
Aquelas pessoas convocam, para o mesmo ano, uma conferência
internacional, na qual se fazem representar 14 países europeus, 6 delegados de
organizações internacionais e 7 particulares. Foi uma conferência realizada por
uma organização não-governamental que contava com a participação de alguns
governos. Decidiram o símbolo a utilizar (a bandeira suíça ao contrário) e,
posteriormente, para que não tivesse um caráter estritamente cristão, a pedido
dos países islâmicos, optou-se também pelo símbolo do crescente vermelho: a
meia lua vermelha sobre o fundo branco. No ano seguinte, com o apoio da Suíça,
convoca-se outra conferência na qual figuram países não-europeus. Na ocasião,
os presentes promulgam uma convenção que é a origem do atual Direito Internacional
Humanitário. [57]
Trata-se, contudo, de uma organização não-governamental bastante sui generis, porque, na convenção de
1864, o Comitê adquire personalidade jurídica internacional distinta daquelas
dos Estados que atenderam a conferência. [58] Em conjunto com a
Santa Sé e com a Ordem dos Cavaleiros de Malta, é a única ONG com personalidade
jurídica internacional. Possui, até mesmo, capacidade para celebrar tratados
[59], além de assento como observador na Assembléia Geral da ONU.
Cabe ao CICV prestar assistência em conflitos armados internacionais,
conflitos armados não-internacionais e catástrofes naturais. As Convenções de
Genebra de 1949 e seus protocolos de 1977 não se aplicam somente aos casos de
guerra. O art. 4º, c), do seu estatuto vincula o órgão diretamente às
Convenções de Genebra de 1949. O Direito Humanitário prevê a existência de uma
"potência protetora" para confiar a observância de suas disposições.
Esta potência seria um país neutro no conflito e encarregado de proteger os
interesses de uma das partes no território da outra. As Convenções de Genebra
nomeiam, de forma expressa, o CICV como potência protetora:
Art. 10. As Altas Partes Contratantes podem a todo o momento e de comum
acordo, confiar a um organismo que ofereça todas as garantias de imparcialidade
e de eficácia, o desempenho das funções atribuídas pela presente Convenção às
potências protetoras.
(...)
Se a proteção não puder ser assegurada desse modo, a Potência detentora
deverá recorrer a um organismo humanitário, tal como o CICV, para que assuma as
funções humanitárias conferidas pela presente Convenção às Potências protetoras
ou aceitar, sob reserva das disposições do presente artigo, as ofertas de
serviço feitas por aquele organismo. [60]
Cumpre salientar que a intervenção do CICV só poderá ocorrer mediante a
aquiescência do Estado receptor. A potência protetora só pode atuar com o
consentimento das partes.
Ademais, a própria conduta do CICV é pautada por algumas regras que
limitam a tarefa de assistência da organização. "A fim de guardar a
confiança de todos, ela [a Cruz Vermelha] se abstém de tomar parte nas
hostilidades, e, em todos os tempos, nas controvérsias de ordem política,
racial, religiosa ou filosófica." [61] Trata-se de um princípio
fundamental do CICV, inspirado na política externa do Estado suíço: a
neutralidade. Ela implica a proteção não-discriminatória das vítimas, mas
também a não-tomada de posição frente aos agressores. "Ela põe no mesmo
plano salvadores e agressores, humanitários e tiranos, vítimas e carrascos."
[62] René Cassin, considerado o pai do direito de ingerência, teria, em
1940, denunciado esse tipo de postura de não-engajamento como regressão no
caminho da proteção humanitária. "A neutralidade e o belicismo são duas
faces da mesma realidade: a aceitação sem nuança da soberania absoluta dos
Estados." [63]
São afirmações um pouco severas e menosprezam os relevantes serviços
prestados pela organização, desde a sua existência, para o alívio dos
sofrimentos das vítimas dos conflitos armados. Ainda assim, Bernard Kouchner e
o jurista Mario Bettati insurgem-se contra o princípio da neutralidade e
reivindicam uma nova forma de promover a assistência humanitária. O primeiro
passa a fundar organizações humanitárias, como "Médicos do Mundo" e "Médicos
sem Fronteiras", que não observam a necessidade da prévia aquiescência. E
o segundo influencia a política externa francesa, em especial personalidades
como Mitterrand, para aprovar resoluções na ONU de assistência humanitária que
rompessem com a necessidade do consentimento do Estado receptor. Em janeiro de
1987, ambos realizam a Primeira Conferência Internacional de Direito e Moral
Humanitária. A conferência adota, ao final, uma resolução que reconhece o dever
de assistência humanitária e o direito a esta. Trata-se do sans-frontiérisme. Os french doctors acrescentaram um novo corolário ao juramento de
Hipócrates: "Eu me comprometo a prestar assistência a todo indivíduo em
estado de sofrimento físico ou psíquico, qualquer que seja o local onde ele se
encontre sobre a Terra. Se necessário, não respeitarei fronteira de Estado, nem
barreira institucional para assistir aos doentes." [64] Ainda
se compromete a testemunhar o horror provocado pelo desrespeito aos direitos
humanos. Trata-se de uma organização bastante "ruidosa" para os
padrões mais silenciosos do CICV.
O primeiro problema que o sans-frontiérisme
enfrentou foi o da ilegitimidade de suas primeiras ações. "Esta missão
médica foi clandestina e ilegal (...). Durante longos meses, nós éramos
obrigados a guardar segredo, em especial para poder infiltrar uma segunda
equipe, sem colocar seus membros em perigo." [65] Esta citação
são as 3 primeiras linhas da tese de doutorado em medicina de Michel Bonnot e
refere-se à sua aventura nas selvas do Laos, em 1980. Mario Bettati consegue,
no entanto, influenciar a política externa francesa, que é bem sucedida em
aprovar duas resoluções importantes na Assembléia Geral da ONU: a de nº 43/131
de 8 de dezembro de 1988 e a de nº 45/100 de 14 de dezembro de 1990.
Ambas as resoluções são obrigadas a fazer "concessões" ao
princípio da não-intervenção ao fazerem referência expressa à soberania dos
Estados e também ao caráter excepcional da decisão tomada em função de uma
"situação de urgência". A Resolução nº 43/131 dispõe sobre a assistência
humanitária em caso de catástrofes naturais e situações de urgência da mesma
ordem. Mario Bettati desejava que o texto da resolução pudesse abarcar também
as "catástrofes políticas", mas precisou recuar em face da oposição
certa de alguns países. [66] No direito interno, as situações de
calamidade geram um dever de
socorro para a pessoa mais próxima. No Direito Internacional, até então, não
era sequer reconhecido um direito
da vítima de ser assistida por parte da comunidade internacional. As convenções
de direitos humanos e humanitários vinculam os Estados e, se o Estado nacional
da vítima por algum motivo não a socorresse, não cabia à comunidade
internacional agir de forma suplementar. Esta resolução estabelece uma maneira
de realizar o direito à assistência. Ela consagra o princípio do livre acesso
às vítimas: nem o Estado receptor, nem os Estados vizinhos podem impedir que a
ajuda chegue até as vítimas. Esta medida é de suma importância porque, não
raro, o Estado receptor desvia as provisões e as vende, ou as utiliza contra o
próprio grupo necessitado. Trata-se de um dever de cooperação internacional
para organizar o socorro aos necessitados.
Essa resolução firmou precedente, e o princípio do livre acesso foi
invocado em diversas resoluções do Conselho de Segurança. Quando da repressão
aos curdos, o Conselho ordenou ao Iraque que permitisse o acesso das
organizações humanitárias. Na Somália, a ONU procurou garantir as condições do
auxílio. Na crise da Bósnia, o Conselho determinou a distribuição de alimentos
e remédios em Sarajevo. Em 1993, na Libéria, conclamou-se às partes de não
impedir a assistência humanitária. Dessa forma, o princípio do livre acesso às
vítimas adquiriu o caráter de norma costumeira. [67]
Todavia, o princípio do livre acesso tornar-se-ia um instituto inútil
sem a inovação produzida pela Resolução nº 45/100: os corredores humanitários.
No art. 6º desta resolução, as Nações Unidas, preocupadas com os meios para
facilitar as operações de assistência humanitária, decidem criar,
a título temporário, lá [no local afetado] ou onde for necessário, e de
modo concertado entre os governos envolvidos e os governos e organizações
intergovernamentais, governamentais e não-governamentais interessadas, corredores de urgência para a
distribuição da ajuda medicinal e alimentar de urgência. (grifo nosso).
Mario Bettati sugeriu a idéia de transpor uma regra amplamente aceita do
Direito do Mar para os assuntos humanitários: o direito de passagem inocente. O
art. 17 da Convenção de Montego Bay de 1982 consagra um direito de passagem
rápido, contínuo e ininterrupto sobre águas territoriais de Estado distinto da
nacionalidade da embarcação. Os corredores humanitários, mutatis mutandis, constituem uma
obrigação de preservar determinada área livre da violência dos conflitos para
facilitar o acesso do auxílio humanitário. Trata-se de um direito limitado no
tempo, pois deve durar somente o necessário para o socorro; limitado no espaço,
e só pode ser exercido nas áreas do trajeto; limitado pelo objeto, porque não
possui outra função senão o transporte de material médico e alimentar; limitado
no exercício, pois se sujeita às prescrições transpostas do art. 19 da
Convenção de Montego Bay, e toda outra atividade não relacionada diretamente ao
socorro é proibida, e limitado por uma deontologia, pois deve minorar a
confusão e a dispersão da ajuda para que não haja a discriminação da vítima.
[68]
Cumpre salientar que o direito de passagem inocente do Direito do Mar é
concedido pelo Estado de forma unilateral e pode ser revogado de acordo com
seus interesses. Entretanto, o mesmo não ocorre com o corredor humanitário. A
sua instauração constitui uma obrigação de resultado, não de meio. Há três
tipos de corredores humanitários: os de simples acesso favorecem a chegada do socorro
às vítimas; os de evacuação permitem a fuga das pessoas em perigo iminente, e
os de retorno possibilitam o regresso dos refugiados. [69]
Nas zonas de conflito, as primeiras áreas cujo acesso se torna
impraticável são os aeroportos. Desde 1968, em Biafra, a Cruz Vermelha sentiu
necessidade de estabelecer um couloir
de securité para aterrissar, sem perigo, seus aviões-cargo. Em 5 de
julho daquele ano, um avião da Cruz Vermelha foi abatido por um caça nigeriano.
Com a legalização do corredor humanitário, a situação se alterou. Na Bósnia, em
1992, a Resolução nº 761 do Conselho de Segurança autorizou a UNPROFOR a
proteger a região do aeroporto de Sarajevo e, assim, criou um "corredor
aéreo". Foi a maior ponte aérea da história, e ultrapassou, inclusive a de
Berlim. O corredor aéreo abrangia uma área de 10 km de largura e 120 km de
comprimento. Transportou 150.000 t de auxílio e evacuou 1.100 feridos em mais
de 12.000 vôos. [70]
Distingue-se a assistência humanitária da assistência de humanidade.
Embora bastante antiga, a legalidade desta é duvidosa. Caracteriza-se por uma
ação unilateral, sem a autorização nem do Estado receptor, nem de uma
organização internacional, e limitada a um determinado conflito. Visa subtrair
nacionais ou correligionários que se encontrem necessitados. É intervenção
armada, momentânea e urgente. Já em 1860, os otomanos, em território submetido
a seu controle, na Líbia, massacram 12 mil cristãos maronitas e queimam 150
vilas, com a cumplicidade do Pachá de Beirute, Kourchid. No ano seguinte,
Napoleão III despacha tropas francesas para salvaguardar os cristãos. [71]
Mas o mais famoso exemplo de intervenção de humanidade ocorre no
aeroporto de Entebe, em 1976. Terroristas palestinos seqüestram um airbus da AirFrance oriundo de
Tel-Aviv e recebem o apoio do ditador Idi Amin Dada. Eles exigem a liberação de
52 palestinos detidos em França, em Israel, na Suíça, no Quênia e na Alemanha
Ocidental. No dia 3, à noite, uma equipe israelense invade sorrateiramente
Uganda e salva os reféns. Israel defende perante o Conselho de Segurança a
legalidade da operação. Os países ocidentais discutem, mas não chegam a
conclusão alguma. [72]
Não obstante a consagração do princípio do livre acesso às vítimas e dos
corredores humanitários, o maior problema da assistência humanitária ocorre
quando o Estado receptor decide, pela força, impedir o auxílio. Em resposta, os
capacetes azuis foram chamados em alguns casos para supervisionar a entrega da
ajuda e garantir a segurança dos membros das organizações humanitárias.
Entretanto, em última análise, este trabalho consiste em simples policiamento,
e as forças de paz da ONU não podem engajar-se em confrontos diretos com
exércitos nacionais. Neste caso, a solução seria confundir as fronteiras da
assistência humanitária com a ingerência humanitária propriamente dita: o
Conselho de Segurança teria de legitimar as forças armadas de um ou mais
Estados para efetivar a intervenção.
Ingerência humanitária e Guerra Justa
O problema central revela-se conferir força executória àqueles direitos
referidos na seção anterior. A ONU não possui os meios para essa tarefa.
Entretanto, ela pode autorizar um ou mais países para atuar em seu nome. Essa
delegação de competência não suplanta a ONU; em vez disso, o Estado a substitui
por subrogação. Pela lei do "desdobramento funcional", os órgãos
estatais exercem um duplo papel, simultaneamente nacional e internacional, e os
Estados se tornam criadores, aplicadores e destinatários dessas normas
internacionais. [73] Desta feita, se as Nações Unidas reconhecem os
direitos relativos à assistência humanitária, elas podem autorizar um Estado a
reforçar a eficácia desse direito.
A questão se resume às condições em que a ONU pode promover essa
delegação. Como a Resolução nº 3314, que define agressão, conforme foi visto
acima, é meramente exemplificativa, e o Conselho de Segurança pode incluir
matérias não cobertas pela resolução e desqualificar outras expressamente
previstas, cabe a este órgão a interpretação do que constituiria uma ameaça à
paz e segurança internacionais. Cabe ressaltar que, conforme o art. 24, o
Conselho detém responsabilidade primária
na manutenção da paz e segurança. Isso significa que não é exclusiva. A
Assembléia Geral pode, desde que o Conselho não esteja a examinar o problema (art.
12), fazer recomendações aos membros e ao Conselho "ou a ambos em qualquer
questão ou assunto" (art. 10). Ainda assim, a competência do Conselho,
definida pelo art. 39 da Carta, só encontra limites nos princípios e objetivos
da própria Carta. Contudo, como a eficácia normativa dos princípios, em Direito
Internacional, é relegada a um plano meramente suplementar, Kelsen chegou até
mesmo a afirmar que o Conselho detém a competência para definir a sua própria
competência. [74]
Durante a Guerra Fria, a atuação do Conselho de Segurança foi bastante
prejudicada em razão da rivalidade entre as duas superpotências, à exceção do
episódio da Guerra da Coréia, quando a URSS não ofereceu veto, porque havia se
retirado. Quando a URSS se esfacelou, alguns internacionalistas [75]
acreditaram que as ações relativas à paz e à segurança seriam pautadas pelo
multilateralismo. "De 1946 até 1989, o Conselho de Segurança reuniu-se
2903 vezes e adotou 646 resoluções, ou seja, uma média de 15 resoluções por
ano. Nos anos 90, teve 1183 reuniões e adotou 638 resoluções, isto é, uma média
de 64 por ano!" [76]
O fato foi que a década de 1990 conheceu diversas manifestações do
Conselho de Segurança relativas à manutenção da paz e da segurança
internacionais. As principais resoluções foram as de números 661 (para o
Iraque, em 1990), 713 e 757 (respectivamente, em 1991 e 1992, para os Estados
sucessores da ex-Iugoslávia), 773 (para a Somália, em 1992), 748 e 883
(respectivamente, em 1992 e 1993, para a Líbia), 788 (para a Libéria, em 1992),
841 (para o Haiti, em 1993), 918 (para Ruanda, em 1994), 1054 e 1070 (ambas em
1996, para o Sudão), 1132 (em 1997, para Serra Leoa), 1160 (em 1998, para
Kosovo, na Iugoslávia) e 1267 (em 1999, para o Afeganistão, diante da não
extradição de Ousama Bin Laden). Trata-se de um conjunto bastante extenso de
resoluções: o suficiente para a constituir uma prática reiterada – elemento
material do costume internacional.
A propósito da Guerra do Golfo, a Resolução nº 688 afirma que o
"fluxo maciço de refugiados até e entre as fronteiras internacionais (...)
ameaçam a paz e segurança internacionais na região" [77]. Esta
resolução apenas "solicita a permissão" para que organizações
humanitárias possam prestar auxílio e, pois, não pode ser considerada uma
ingerência de maneira estrita. [78] Contudo, é curioso observar
aquilo que o Conselho definiu como ameaça à paz: o fluxo maciço de refugiados.
Um ano após, a Resolução nº 794 afirma que a "magnitude da tragédia
causada pelo conflito na Somália, exacerbada pelos obstáculos criados à
distribuição de assistência humanitária, constitui uma ameaça à paz e segurança
internacionais". Após estabelecer a relação entre a paz e a violação
humanitária, a resolução autoriza o uso de todos os meios necessários para
criar um ambiente seguro ao auxílio humanitário. A Operação Restaurando a Esperança, todavia, foi desastrosa. No
mesmo sentido, a Resolução nº 1031 e 1038, no conflito da Bósnia-Hezergovina,
autorizam a utilização da força para apoiar a FORPRONU. Já em Ruanda, algumas tentativas
de intervenção foram bloqueadas no Conselho, e quando França e Senegal
lideraram a Operação Turquesa,
tudo já estava resolvido. Ainda assim, a Resolução nº 929 vinculou a grave
situação humanitária com a manutenção da paz e da segurança internacionais.
[79]
Outros casos ampliaram ainda mais a definição de agressão à paz. A
Resolução nº 940, no Haiti, autorizou todos os meios necessários para a saída
do regime militar instaurado após o coup.
A resolução afirma que "o objetivo da comunidade internacional continua o
de restaurar a democracia no Haiti", e que a situação constitui "uma
ameaça à paz e à segurança na região". O Conselho, no mesmo dispositivo,
mas com menos ênfase, ainda afirma estar "profundamente preocupado pela
significativa deterioração da situação humanitária no Haiti". Em relação
aos atentados de 11 de setembro de 2001, a Resolução nº 1368 qualificou as
medidas que os Estados Unidos poderiam tomar como "legítima defesa",
embora não tenha constatado expressamente a agressão. O problema foi que não
definiu contra quem deveria se efetuar a legítima defesa. E a Resolução
Antiterrorismo do Conselho de Segurança das Nações Unidas, nº 1373 de 28 de
setembro de 2001, alargou ainda mais os poderes do Conselho de Segurança. Até
então, o órgão poderia pronunciar-se em matéria de segurança internacional em
face de uma situação concreta, mas para esta resolução "quaisquer atos de
terrorismo internacional" constituem uma ameaça à paz, o que facultaria ao
Conselho agir de forma preventiva.
A partir da década de 1990, portanto, o Conselho de Segurança, de fato,
ampliou a definição de ameaça à paz e segurança internacionais. O problema foi
a perda de parâmetros. Como as resoluções indicam, um desrespeito massivo a
direitos humanos constitui uma ameaça à paz. Todavia, o mesmo parece poder
aplicar-se para a "ruptura da ordem democrática" e para
"quaisquer atentados terroristas". Além disso, é de se indagar em que
medida um desrespeito a direitos humanos consegue ameaçar a paz e segurança
internacionais; há inobservâncias que podem e devem ser solucionadas pelo
Direito Penal do próprio país. Hoje, contudo, o céu (e a imaginação dos membros
do Conselho de Segurança) é o limite. A liberalidade sempre ocorre quando se
rompe com muitos anos de um modelo fechado, enquanto os novos critérios ainda
não se tornaram claros. Mas, confiar, de forma total, a decisão sobre
ingerência humanitária ao Conselho não representa uma garantia de
imparcialidade.
Existem critérios que podem pautar a conduta do Conselho de Segurança?
Para responder, faz-se necessário tecer algumas prévias considerações. A teoria
da guerra justa foi tão bem-sucedida que não precisa mais ser invocada para um
conflito armado internacional. Todos os seus preceitos de jus ad bellum e de jus in bello tornaram-se normas do
direito da guerra. Porém, a ingerência humanitária acontece, normalmente, em
conflitos armados internos, e, ainda que o Direito Humanitário (e outros
preceitos do jus in bello) se
aplique a esse tipo de conflito, não há regulamentação clara sobre o direito de
declarar uma ingerência. Por essa razão, a tradição da guerra justa – ao menos
em relação ao jus ad bellum –
pode servir de parâmetro para julgar uma ingerência humanitária.
Conforme foi asseverado, a teoria da guerra justa prescreve, em relação
ao jus ad bellum, que a guerra
deve ser o último recurso, que ela deve ser proporcional à injúria (o dano
causado deve ser inferior à calamidade), que deve ser pública e precedida de
uma declaração formal e que deve ser sempre a resposta a uma agressão injusta,
com probabilidade de êxito. Deve analisar-se como cada uma dessas prescrições
se ajusta à ingerência humanitária. Alguns autores ainda, com base nos
proponentes clássicos da guerra justa, como Santo Agostinho e Santo Tomás de
Aquino, lembram de outro requisito: a reta intenção. Argumentam que, de maneira
surpreendente, esse critério é válido para julgar a legitimidade de uma
intervenção. "Considere [o leitor] a difundida infelicidade e a correta
condenação da intervenção francesa em Ruanda, em 1994, porque ela foi tida por
todos como motivada não por preocupações humanitárias, mas pelo desejo de
continuar no papel de grande potência na África Central." [80]
Não obstante as credenciais, a razão parece assistir a autores como
Michael Walzer que dispensam a exigência da intenção altruísta. "De fato,
eu só encontrei casos em que o motivo humanitário é um entre diversos outros.
Os Estados não mandam seus soldados, parece, para outros Estados somente com o
fito de salvar vidas. (...) Então, devemos considerar o significado moral da
motivação plural e confusa." [81] O critério da reta intenção –
com a exclusão de outros interesses egoístas – não é aplicável às relações
internacionais. Ele permite invalidar a justiça de algumas
guerras/intervenções, mas não possibilita o inverso, a legitimação. Em livro
mais recente, Walzer introduz uma outra categoria que parece substituir a
contento a exigência da reta intenção: o jus
post bellum, a construção da paz subseqüente [82] (e, em
alguns casos, a reconstrução da
nação). O Estado interventor se tornaria responsável pelo ato, e o seu
comportamento após a intervenção
revelaria a justiça de suas pretensões anteriores.
A exigência de que a guerra deve ser o último recurso, quando transposta
para o caso das ingerências humanitárias, produz duas conseqüências. A primeira
diz respeito ao esgotamento das soluções pacíficas e diplomáticas de
composição. A segunda está intimamente relacionada ao princípio da
subsidiariedade da persecução criminal internacional: a comunidade
internacional só poderá agir quando o primeiro legitimado, o Estado
intervenido, não o faz. A inação do Estado acontece em dois casos: quando, ao
poder público nacional, puder ser imputada uma ação ou omissão criminosa, e
quando a situação de calamidade é tão grave – e/ou quando a fragilidade das
instituições internas é tamanha – que se faz necessária uma assistência
externa. Cumpre salientar que a obrigatoriedade da decretação de ingerência ser
o último recurso somente se impõe uma vez ponderada a urgência da situação e a
recalcitrância do Estado.
Os critérios da proporcionalidade e da probabilidade de êxito devem ser
analisados em conjunto. A intervenção, é claro, não pode agravar a situação que
ela visa corrigir ou suavizar os efeitos. Para tanto, o emprego de forças deve
ser tal que se possa calcular, com razoável certeza, o êxito da operação. O
emprego das forças armadas precisa ainda restringir-se ao objetivo principal do
auxílio humanitário, e, assim que este cessar, as tropas devem deixar o território.
Portanto, decorrem desses dois critérios da tradição da guerra justa outros
dois: a limitação da força ratione
materiae (a ajuda humanitária) e em razão do tempo.
O requisito da guerra pública refere-se à legitimidade da autoridade que
pode exercer a titularidade do jus ad
belum. Conforme visto, numa guerra, a doutrina majoritária da guerra
justa prescrevia que a autoridade competente corresponderia sempre ao soberano,
nunca a barões, marqueses ou duques, ainda que estes pudessem possuir um
exército maior do que o do rei. Cabe asseverar que essa exigência era de suma
importância no Medievo, por causa da dispersão do poder político. Embora apenas
um primus inter pares, o rei se
distinguia dos demais senhores feudais por ser coroado pelo papa; isto é, reconhecido
pelo representante de Jesus Cristo na Terra – e o chefe da Igreja – como a
autoridade legítima.
Após os pactos de proibição da guerra e de proscrição da força, cada
Estado renuncia ao seu direito unilateral de declarar guerra (ressalvada a
subsistência da força nas três exceções já mencionadas) em favor da
coletividade dos países. Somente uma decisão multilateral, oriunda de uma
conferência ou organização representativa da totalidade das nações, como as
medidas tomadas no âmbito da ONU, uma organização que congrega a (quase)
universalidade dos Estados, pode abordar os temas relativos à paz e segurança
internacionais.
Assim, uma intervenção armada só poderia ser legítima, de acordo com a
teoria da guerra justa, se declarada por um organismo multilateral e
representativo, como é o caso, por excelência da ONU. Trata-se da diferença já
aludida entre intervenção e ingerência. Essa conclusão é recebida com críticas
por diversos autores americanos e mesmo alguns de língua portuguesa. Segundo
Delgado, a intervenção unilateral seria justificada porque o regime jurídico da
intervenção humanitária ainda se encontra em construção: é um costume
internacional em gestação e, enquanto não se consolida de vez, pode ser
alterado.
[E]nquanto o ato refratário ao comportamento anterior dos Estados que,
não obstante, é aceito por grande maioria deles, não se cristaliza, os Estados
que as invocam [as normas costumeiras] podem continuar pleiteando a mudança da
norma através de atos concretos enquanto não há clareza sobre a existência de
norma nova ou se ainda vigora a antiga. [83]
A seguir, o autor suaviza esta afirmação. O fato de o costume ainda não
ter se cristalizado não confere, aos Estados, liberdade irrestrita nas
intervenções unilaterais. Há alguns mecanismos que permitem discernir as
intervenções humanitárias das hegemônicas: a existência de violações graves aos
direitos humanos; a omissão, ou a ação dolosa, do Estado intervenido; o
Conselho de Segurança "impossibilitado de tomar as medidas cabíveis em
virtude de questões processuais (veto)" [84]; esgotamento da
via diplomática; intervenção realizada por uma organização regional ou grupo
representativo de países, e o uso da força limitado à proteção das vítimas.
A opinião deste autor, contudo, não parece acertada. Mesmo que o costume
não tenha cristalizado-se de todo, a discricionariedade dos Estados não se
revela tão ampla. As intervenções humanitárias constituem uma modalidade de
conflito armado e, portanto, encontram-se limitadas pelas mesmas restrições que
afetam os conflitos armados em geral. E a mais importante delas é a proibição
unilateral da força. [85] O fato de ter sido aprovada por uma
organização regional não legitima a decisão, mesmo que a matéria tenha sido
submetida, sem sucesso, a exame no Conselho de Segurança. O art. 52, § 1º, da
Carta da ONU reconhece a competência dos acordos regionais destinados a
assegurar a paz e segurança internacionais, mas desde que não conflitem com os
"Propósitos e Princípios das Nações Unidas". Ademais, a ação coercitiva
decidida por organizações regionais precisa da autorização do Conselho de
Segurança (art. 53, § 1º). A precedência deste órgão sobre os acordos regionais
é incontestável.
A sistemática do veto no Conselho de Segurança tem sido alvo de diversas
críticas por impedir a atuação deste órgão. Ainda assim, um veto não equivale a
uma questão processual de somenos importância. Significa que um Estado dotado
de grande capacidade militar se opõe frontalmente a uma determinada medida. Se
uma matéria relativa a ingerência é submetida à apreciação do Conselho e foi
vetada, isso não corresponde a uma paralisia processual burocrática; a decisão
foi tomada, e a ingerência não conseguiu consenso entre os países.
Por essas razões, não há que se falar em intervenções humanitárias unilaterais,
mas em ingerência humanitária. Desta feita, o requisito da declaração prévia
também está preenchido, pois a publicidade e a anterioridade das decisões são
conseqüências imediatas da chamada "diplomacia parlamentar" (aquela
celebrada em organizações internacionais). "No contexto medieval cristão,
a declaração pública era requisito que sinalizava a transição de uma zona moral
(na qual a matança [desnecessária] seria proibida) para outra (na qual seria
permitida). Hoje, é requisito de transparência e de registro para o processo
decisório internacional." [86]
Por último, a justa causa de uma ingerência humanitária é, sem sombra de
dúvidas, a proteção dos direitos humanos. Cabe ingerência humanitária em face
de "limpezas étnicas", genocídios, desastres humanitários decorrentes
de calamidades naturais, etc. No entanto, não há uma medida quantitativa para
determinar o que consiste uma "violação grave". Cabe lembrar que a
ingerência humanitária se insere dentro das medidas aplicáveis para assegurar a
paz e a segurança internacionais; portanto, a violação deve ser de razoável
monta. Constitui um critério adequado a omissão ou a ação criminosa do poder
público nacional diante do desrespeito maciço aos direitos humanos.
Assim, as prescrições de jus ad
bellum da teoria da guerra justa aplicadas à ingerência humanitária
impõem que: a) a medida coercitiva constitua um último recurso, após o malogro
das tentativas feitas pelo próprio Estado (se estas existirem) para resolver a
situação, e após o esgotamento das vias pacíficas e diplomáticas; b) o êxito da
intervenção seja calculado a priori,
em se considerando seu caráter provisório e sua vinculação ao objetivo de
auxílio humanitário; c) a responsabilidade da decisão deve caber somente à ONU,
conforme o Direito Internacional vigente; d) a medida seja o produto de
deliberação em sessões públicas daquela organização, e e) a intervenção venha
em resposta a uma violação grave de direitos humanos, caracterizada pela inação
ou ação criminosa do Estado intervenido.
Esses critérios correspondem à adaptação, para os dias correntes, de uma
tradição mais antiga do que o próprio Direito Internacional que sempre buscou
julgar a justiça da violência no cenário externo. Eles pretendem reduzir a
margem de discricionariedade nos temas relativos à ingerência humanitária.
Ainda que não tenham eliminado de todo o subjetivismo do intérprete, não podem
ser menosprezados. Se comparados a uma situação ideal, na qual reine a paz e os
direitos humanos, mais do que imperfeitos, esses critérios são desnecessários;
a justiça não tem sentido num mundo perfeito. Mas, se comparados ao regime
jurídico atual de intervenção, essas diretrizes revelam-se um padrão de
referência bastante adequado.
Este trabalho não pretende analisar a aplicabilidade das exigências de jus in bello da guerra justa, a
exemplo do que foi feito em relação aos preceitos de jus ad bellum, pois as Convenções de Genebra de 1949 e seus
protocolos são válidos até mesmo em conflitos armados não-internacionais. Esta
afirmação, todavia, merece destaque, em virtude da recente violação perpetrada
pelos Estados Unidos aos prisioneiros da guerra contra o Afeganistão, em
Guantânamo. É proibido o interrogatório coercitivo de presos, mas os detentos
eram espancados e humilhados, submetidos à privação de sono e dos sentidos, waterboarding e outras formas de
tortura. A argumentação norte-americana era a de que os presos de Guantânamo
seriam unlawful combatants, uma categoria não
prevista nas Convenções de Genebra, o que poderia justificar a excepcionalidade
do tratamento.
Em 28 de junho de 2004, a Suprema Corte americana finalmente rejeitou a
tese de que o Presidente teria autoridade para prender pessoas acusadas de
terrorismo, sem acesso a advogados (ou ao mundo fora do cárcere) e sem a
possibilidade de revisão judicial da decisão. [87] No entanto,
segundo Dworkin, as decisões não foram, de todo, satisfatórias. Apesar de
favoráveis, contêm afirmações bastante preocupantes. No caso Hamdi v. Rumsfeld,
a juíza Sandra Day O’Connor argüi que o tribunal imparcial a que o detento tem
direito não precisa ser uma corte judicial, mas uma comissão militar
apropriadamente constituída. Além disso, as regras probatórias podem ser
"suavizadas" a ponto de sofrer uma reversão do ônus da prova. Não é
necessário provar a culpa; cabe ao detento – de dentro do cárcere – produzir
provas para a sua inocência. Ainda, na qualidade de preso de guerra, a juíza
decidiu não libertar o prisioneiro, porque, embora a guerra no Afeganistão
tenha terminado, ele poderia engrossar as fileiras da "guerra contra o
terror" que ainda continua. [88]
A categoria de unlawful combatants corresponde a um tertius genus, no mínimo, bastante
estranho. Entre os combatentes, incluem-se os regulares e soldados que não
portam nenhuma insígnia identificadora, além de civis independentes. Se
capturados, estes dois últimos não teriam direito ao status de prisioneiro de guerra, mas, conforme o art. 44, § 4º,
do Protocolo I de 1977, devem receber proteção equivalente em todos os
sentidos. Mesmo mercenários e espiões devem ser tratados com humanidade. Essas
duas classes de indivíduos são as mais desprezadas pelo direito humanitário,
mas se beneficiam das "garantias fundamentais" do art. 75 do
Protocolo I (proibição de assassinato, de tortura, de penas corporais, etc).
Isto significa que o direito humanitário prefere proteger as forças regulares,
mas estende o seu abrigo às irregulares e não deixa de conferir uma proteção
mínima às classes que visa reprimir. Desta feita, não faz sentido existir uma
categoria desprovida de qualquer proteção.
Considerações Finais
Ao longo deste trabalho, buscou situar-se o debate sobre ingerência
humanitária dentro do Direito da Guerra, o primeiro ramo do Direito
Internacional, à luz das prescrições da tradição da guerra justa. Para tanto,
preliminarmente, foi necessário caracterizar essa tradição a partir do
contraste com outras duas correntes de opinião acerca da guerra, o irenismo e a
concepção belicista da história. Verificou-se que a guerra justa se encontra
num meio-termo aristotélico entre esses dois ideários, pois defende que as
guerras são, por vezes, necessárias, mas não se furta à responsabilidade de
aferir a moralidade de uma contenda armada.
A seguir, promoveu-se o confronto entre o direito de ingerência
humanitária e o princípio da não-intervenção, que é basilar ao Direito
Internacional. Comprovou-se que os direitos humanos estão excluídos do âmbito
deste princípio, porque não integram o domínio reservado dos Estados. Embora
esta constatação, por si só, não baste para afirmar a existência de um direito
de ingerência humanitário, ela evidencia que os Estados não podem valer-se da
soberania como um "escudo" para perpetuarem violações aos direitos
humanos. Para que estes pudessem ser salvaguardados até mesmo de forma coercitiva,
seria necessário vinculá-los a agressões contra a paz e a segurança
internacionais.
Na terceira seção, descreveu-se as diversas espécies de intervenção, com
atenção especial para a assistência humanitária. Discorreu-se sobre a origem
dessa modalidade – intimamente relacionada com o nascimento da Cruz Vermelha e
do próprio Direito Humanitário – até o seu desenvolvimento contemporâneo por
organizações que renunciaram ao sigilo, e que prestam assistência mesmo sem a
anuência do Estado receptor. Segundo a tese de Bettati, as ações dessas
organizações saíram da ilegalidade e se tornaram direito costumeiro.
Por fim, demonstrou-se que o Conselho de Segurança, durante a década de
1990, ampliou a definição de ameaça à paz e à segurança internacionais a ponto
de abranger as violações graves de direitos humanos. Desta feita, pode
concluir-se que a ingerência humanitária propriamente dita se encontra ao
abrigo do Direito Internacional. Todavia, o regime jurídico que resultou da
atividade do Conselho de Segurança padece de uma grande margem de vagueza e
ambigüidade. Por isso, as prescrições da tradição da guerra justa – que,
bem-sucedidas, já tinham sido incorporadas no regime jurídico dos conflitos
armados internacionais – ainda se revelam úteis para julgar a justiça de uma
ingerência humanitária.
Os costumes internacionais são fontes do mesmo grau de hierarquia que os
tratados e as convenções. Mas, porque a comprovação de um costume não é tão
simples como o texto escrito de um tratado, alguns países relutam em aceitar a
ingerência humanitária como direito. Temem que as potências mais fortes usem o
instituto da ingerência como manobra de dominação. É, de fato, um risco real.
Mesmo que inocentes sejam salvos, a motivação dos Estados é, dificilmente, tão
altruísta. A outra opção, contudo, significa o retorno a Goebbels.
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Notas
1. Legnano – De bello (1360), Gorco – De bello justo (1420), Martín de Lodi
– De bello (século XV),
Wilhelmus Mathiae – Libellus de bello
iustitia iniustitiave (1533), A. Guerrero – Tratactus de bello justo et injusto (1543), Francisco de Vitória –
De jure belli (1557), F. Martini
– De bello et duello (1589),
Balthasar de Ayala – De jure et
officiis bellicis et disciplina militari (1582), P. Belli – De re militari et bello (1558),
Alberico Gentili – De jure belli
(1598) e Hugo Grócio – De jure belli ac
pacis (1625). (Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Guerra Interna e Direito Internacional. Rio de Janeiro: Renovar,
1985. p. 41).
2. Embora haja alguma
gama de direitos conferida pelo estado de beligerância e pelo estado de
insurgência.
3. GUIMARÃES PINTO,
António. Introdução. ERASMO DE ROTERDÃO. A Guerra e a Queixa da Paz. Trad. A. Guimarães Pinto. Lisboa:
Edições 70, 1999. p. 7.
4. ERASMO DE
ROTERDÃO. Op. cit., p. 28.
5. Cf. ERASMO DE
ROTERDÃO. Op. cit., p. 29.
6. ERASMO DE
ROTERDÃO. Op. cit., p. 29.
7. ERASMO DE
ROTERDÃO. Op. cit., p. 31.
8. ERASMO DE ROTERDÃO. Op. cit., p. 66.
9. Cf. CARR, Edward Hallet. Vinte anos de crise: 1919-1939. Trad. Luiz Alberto Figueiredo Machado.
Brasília: UNB, 1981. p. 26.
10.
PACTO DA SOCIEDADE DAS NAÇÕES. In: RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações Internacionais. 7. ed., revista, atualizada e ampliada.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 26. Salvo disposição
expressa em contrário, todos os textos legais internacionais são extraídos
desta obra.
11.
ORTEGA Y GASSET,
José. O
Gênio da Guerra e a Guerra Alemã. In: ________. El Espectador, Madrid: Biblioteca
Edaf, 1998. p. 155.
12.
ORTEGA Y GASSET,
José. O
Gênio da Guerra e a Guerra Alemã. In: ________. Op. cit., p. 160.
13.
Cf. SCHELER, Max. O Gênio da Guerra
e a Guerra Alemã. Apud: ORTEGA Y GASSET, José. Op. cit., p. 161.
14.
Cf. SCHELER, Max. O Gênio da Guerra
e a Guerra Alemã. Apud: ORTEGA Y GASSET, José. Op. cit., p. 163.
15.
Cf. SCHELER, Max. O Gênio da Guerra
e a Guerra Alemã. Apud: ORTEGA Y GASSET, José. Op. cit., p. 160.
16.
Cf. SCHELER, Max. O Gênio da Guerra
e a Guerra Alemã. Apud: ORTEGA Y GASSET, José. Op. cit., p. 165.
17.
ORTEGA Y GASSET,
José. O
Gênio da Guerra e a Guerra Alemã. In: ________. Op. cit., p. 165.
18.
ORTEGA Y GASSET,
José. O
Gênio da Guerra e a Guerra Alemã. In: ________. Op. cit., p. 167.
19.
KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon &
Schuster, 1994. p. 61. Ao saber da morte de Richelieu, o Papa Urbano VIII
teria proferido o seguinte epitáfio: "Se houver um Deus, o Cardeal de
Richelieu terá muito o que responder. Caso contrário... bem, ele teve uma vida
bem-sucedida." (p. 58).
20.
GROCIO, Hugo. Del Derecho de la Guerra y de la Paz. Trad. Jaime
Torrubiano Ripoll. Madrid: Editorial Réus, 1925. Livro I. Prolegomena nº 29, p. 23.
21.
GROCIO, Hugo. Op. cit., Livro I. Prolegomena
nº 28, p. 23.
22.
Cf. LUPI, André Lipp Pinto Basto. Soberania, OMC e Mercosul. São Paulo:
Aduaneiras, 2001. p. 83.
23.
GROCIO, Hugo. Op. cit., Livro I. Prolegomena
nº 25, p. 20.
24.
Cf. LUPI, André Lipp Pinto Basto. Op. cit., p. 82.
25.
GROCIO, Hugo. Op. cit., I, II, I-4, p. 72.
26.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direitos Humanos e Conflitos Armados.
Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 99.
27.
Cf. GROCIO, Hugo. Op. cit., I, III, II-2, p. 136.
28.
WALZER, Michael. Arguing about War. New Haven &
London: Yale University Press, 2004. p. 14.
29.
Para uma análise mais detida, vide WALZER, Michael.
Just and Unjust Wars: a moral argument with historical illustrations. 2.
ed. s/l, EUA: BasicBooks, 1992. p. 105.
30.
ELSHTAIN, Jean Bethke. Just
War and Humanitarian Intervention. In: The Third Annual Grotius Lecture at The
American Society of International Law and The International Legal Studies
Program of the American University Washington College of Law. American University International Law Review.
s/l, v. 17, 2001, p. 5.
31.
Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direitos Humanos e Conflitos Armados, p. 112.
32.
"Quando eles [os povos] reagem e resistem a
uma tal medida de coerção no exercício do seu direito de disporem de si
próprios, estes povos estão no direito de procurar e de receber um apoio em
conformidade com os objetivos e princípios da Carta." (Apud
DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Trad. Vítor Marques Coelho. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1999. p. 828).
33.
Apud CANÇADO TRINDADE,
Antônio Augusto. Princípios do Direito
Internacional Contemporâneo. Brasília: UNB, 1981. p. 69.
34.
Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Guerra Interna e Direito Internacional. p. 95. Essa doutrina
interessa, sobretudo, no tema do reconhecimento de governos, quando da ruptura
da ordem legal. Em nome da não-intervenção, o país que adota essa doutrina se
propõe a não emitir declaração formal sobre reconhecimento de governo. Apenas
mantém ou não a regularidade das relações diplomáticas e comerciais. O ato
formal de reconhecimento constituiria uma intromissão indevida.
35.
Cf. VATTEL, Emerich de. Law of Nations. 1753. Livro II,
Capítulo I, § VII. Disponível em:
<www.constitution.org/vattel/vattel.htm>. Acesso em 27 jul. 2002.
36.
Cf. VATTEL, Emerich de. Op. Cit. II, I, LIV.
37.
Cf. VATTEL, Emerich de. Op. Cit. II, I, LVI.
38.
KANT, Immanuel. À Paz Perpétua e outros
opúsculos. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições
70, 1995. p. 123.
39.
KANT, Immanuel. Op. Cit., p. 123.
40.
Cf. BORGES DE MACEDO, Paulo Emílio V. Leviatã Domesticado? Monografia de
conclusão de graduação em Direito. Florianópolis: UFSC, 1996. p. 54.
41.
ANUÁRIO I.D.I., 1954, v. 45-II, p. 292. Apud DINH, Nguyen Quoc; DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Op. cit., 398.
42.
Cf. DINH, Nguyen Quoc;
DAILLER, Patrick; PELLET, Alain. Op.
cit., p. 398.
43.
Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direitos Humanos e Conflitos Armados, p.49.
44.
DELGADO, José Manuel Avelino de Pina. Regulamentação do Uso da Força no Direito
Internacional e Legalidade das Intervenções Humanitárias Unilaterais.
Dissertação de Mestrado. Florianópolis: UFSC, 2003. p. 167.
45.
DINH, Nguyen Quoc; DAILLER,
Patrick; PELLET, Alain. Op. cit.,
p. 824.
46.
BETTATI, Mario. Le Droit d’Ingérence: mutation de
l’ordre international. Paris: Odile Jacob, 1996. p. 18.
47.
BETTATI, Mario. Op. cit., p. 19.
48.
BETTATI, Mario. Op. cit., p. 19.
49.
BOUTROS-BOUTROS GHALI. An Agenda for Peace, Preventive Diplomacy, Peacemaking and
Peace-Keeping. In: RODRIGUES, Simone Martins. Segurança
Internacional e Direitos Humanos: a prática da intervenção humanitária
no pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. (Coleção Biblioteca de
Teses). p. 208.
50.
Sem êxito porque, segundo a tese defendida por
Mario Bettati em toda a sua obra supracitada, já haveria uma prática
internacional generalizada.
51.
CIJ. Military and
Paramilitary Activities in and against Nicaragua. Judgment of 27 June 1986 –
Merits. Nicaragua v. United States of America. Extraído de
<http://www.icj-cij.org/icjwww/idecisions.htm>. Acesso em 3 ago. 2004. p.
124. O caso como um todo, por condenar os EUA, parece uma defesa do princípio
da não-intervenção, mas esta afirmação em destaque consagra, de forma
inequívoca, o direito de assistência humanitária.
52.
Cf. SEITENFUS, Ricardo. Soberania e Intervenção: o
embate da ordem internacional contemporânea. In: GUERRA, Sidney e SILVA,
Roberto Luiz. Soberania: antigos
e novos paradigmas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. p. 297-289.
53.
Cf. DETTER, Ingrid. The Law of War. 2. ed. Cambridge (UK):
Cambridge University Press, 2000. p. 70.
54.
Cf. DETTER, Ingrid. Op. cit., p. 93-94.
55.
Cf. DETTER, Ingrid. Op. cit., p. 95-96.
56.
Cf. BETTATI, Mario. Op. cit., p. 10.
57.
Cf. INTERNATIONAL COMMITTEE
OF THE RED CROSS. Historia
del CICR: la fundación y los primeros años del CICR:
introducción general. Disponível em <http://www.icrc.org/icrcspa.nsf>. Acesso em 4 ago.
2004.
58.
Cf. INTERNATIONAL COMMITTEE
OF THE RED CROSS. Op. cit.,
s/ página.
59.
Cf. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público.
12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 540.
60.
Cf. SWINARSKI, Christophe. Direito Internacional Humanitário como sistema de proteção internacional
da pessoa humana: principais noções e institutos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1990. p. 82.
61.
Art. 10 da I, II e II Convenções de Genebra de 1949
e art. 11 da IV Convenção de Genebra de 1949. In: CHERÉM, Mônica T. C. S. Direito Internacional Humanitário.
Curitiba: Juruá, 2002. p. 81-82.
62.
Resolução IX da Conferência Internacional da Cruz
Vermelha de 1965, em Viena. In: BETTATI, Mario. Op. cit., p. 53.
63.
BETTATI, Mario. Op. cit., p. 53.
64.
BETTATI, Mario. Op. cit., p. 58.
65.
BETTATI, Mario. Op. cit., p. 83.
66.
BETTATI, Mario. Op. cit., p. 349.
67.
Cf. BETTATI, Mario. Op. cit., p. 106.
68.
Cf. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. O Direito de Assistência Humanitária.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. (Coleção Biblioteca de Teses). p. 249.
69.
Cf. BETTATI, Mario. Op. cit., p. 121-122.
70.
Cf. BETTATI, Mario. Op. cit., p. 125-126.
71.
Cf. BETTATI, Mario. Op. cit., p. 122 e 135.
72.
Cf. BETTATI, Mario. Op. cit., p. 206.
73.
Cf. BETTATI, Mario. Op. cit., p. 209.
74.
Cf. SCELLE, Georges. Règles Générales du Droit de la Paix. Recueil des Cours de la Académie de Droit
International. Paris: Recueil Sirey, 1933.
Tomo 45, v. 4, p. 358-359.
75.
Cf. KELSEN, Hans. Théorie du Droit International Public.
p.32-33. Apud DELGADO, José Manuel Avelino de Pina. Op. cit., p. 177.
76.
E a Guerra do Golfo parecia estar se desenrolando
dentro dos parâmetros legais. (Cf. HUCK, Hermes Marcelo. Da Guerra Justa à Guerra Econômica:
uma revisão sobre o uso da força em Direito Internacional. São Paulo: Saraiva,
1996. p. 302). Em sentido contrário, segundo Caubet, não houve tempo hábil (até
a deflagração do conflito) para as sanções econômicas surtirem efeito, e os
Estados Unidos se anteciparam. A resposta a esse paradoxo só pode ser uma: as
sanções econômicas, em conjunto com a ação militar (e não uma e depois a
outra), têm por objetivo fazer do Iraque um exemplo a quem ousar desafiar a
"Nova Ordem Mundial". (CAUBET, Christian
Guy. As Verdades da Guerra contra o Iraque. São Paulo:
Acadêmica, 1991. p. 47).
77.
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 90.
78.
O texto de todas as resoluções citadas é uma
tradução livre da versão em inglês retirada de ONU. Resoluções do Conselho de
Segurança. Extraído de <http://www.um.org>. Acesso em 10 jul. 2004.
79.
Cf. DELGADO, José Manuel Avelino de Pina. Op. cit., p. 161.
80.
Cf. DELGADO, José Manuel Avelino de Pina. Op. cit., p. 165.
81.
FIXDAL, Mona e SMITH, Dan.
Humanitarian Intervention and Just War. In: Mershon International Studies Review. Disponível em
<http://www.mtholyoke.edu/acad/intrel/fixdal.html>. Acesso em 3 ago.
2004.
82.
WALZER, Michael. Just and Unjust Wars. p. 101-102.
83.
Cf. WALZER, Michael. Arguing about War. p. xiii.
84.
DELGADO, José Manuel Avelino de Pina. Op. cit., p. 328-329.
85.
DELGADO, José Manuel Avelino de Pina. Op. cit., p. 329.
86.
Cabe aqui fazer o registro de um debate bastante
controverso sobre intervenção como resposta a uma situação de conflito que
ameaça se alastrar. A intervenção seria cabível porque constituiria uma espécie
de legítima defesa preventiva. Embora alguns autores reconheçam a legalidade da
legítima defesa preventiva (Cf. DETTER, Ingrid. Op. cit., p.
87), essa posição está longe de ser consenso. Ademais, este trabalho não se
propõe a analisar esta modalidade porque, embora possa haver alguma proteção
humanitária, o elemento de legítima defesa descaracteriza essa ação como uma
intervenção humanitária propriamente dita.
87.
FIXDAL, Mona e SMITH, Dan. Op. cit., s/p.
88.
Hamdi et al. v. Rumsfeld, Secretary of
Defense, et al.; Rumsfeld,
Secretary of Defense v. Padilla et al.;
Rasul et al. v. Bush, President
of United States, et al..
89.
DWORKIN, Ronald. What the
Court really said. The New York Review
of Books, New York, v. LI, n. 13, p. 28, agosto de 2004.
* Professor de
Direito Internacional Público. Coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado
em Direito da Universidade Gama Filho. Doutor em Direito.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11543&p=3
Acesso em: 11 ago.
2008.