A História da Internet
Ricardo Rangel
A Internet é hoje uma febre mundial, mas poucos dos seus milhões
de usuários
conhecem as suas origens. A maior parte apenas ouviu falar que a
grande rede
foi idealizada para resistir a atacantes nucleares - algo bastante tangível
durante
a guerra fria, época em que foi concebida.
OS PRIMÓRDIOS
A fagulha que acabaria por acender a revolução da conectividade
ocorreu em 1957,
quando a União Soviética pôs em órbita o primeiro
satélite especial, o Sputnik: quatro
meses depois, o presidente americano Dwight Eisenhower anunciava a criação
da ARPA
(Advanced Research Projects Agency), com a missão de pesquisar e
desenvolver alta
tecnologia para as forças armadas.
Em 1962, a ARPA encarregou a Rand Corporation - um conselho formado em
1948 - de
criar um método que garantisse as comunicações governamentais
no caso de um
ataque nuclear. Dois anos depois, a Rand publicou um relatório chamado
"Sobre
Comunicação Distribuída" ("On Distributed Communication"),
um tratado de Paul Baran a
respeito de redes de comutação de pacotes. O conceito de
comutação de pacotes,
partindo do pressuposto que a rede era insegura em qualquer circunstância,
evitava um
modelo centralizado, prevendo que todos os "nós" seriam interligados
por caminhos
redundantes e teriam autonomia para gerar, transmitir e receber mensagens.
As
mensagens seriam divididas em pacotes (pequenos grupos de dados), os quais
seriam
endereçados separadamente e remetidos de uma máquina a outra.
O itinerário
específico que cada pacote percorreria seria irrelevante; o importante
é que o modelo
garantia que todos os pacotes chegariam a seus destinos e seriam reagrupados,
reconstituindo a mensagem original. Como a idéia era criar diversos
canais redundantes,
ligando os diversos "nós" da rede entre si, seria necessário
destruir praticamente toda a
rede para impedi-la de funcionar. Em 1967, a ARPA apresentou o primeiro
plano real de
uma rede de comutação de pacotes.
O PROTÓTIPO
No ano seguinte, Larry Roberts, Ivan Sutherland e Bob Taylor, da ARPA,
arregimentaram
quatro universidades para começar a implementação
da rede de pacotes, que receberia
o nome de ARPANET. A conexão entre as universidades foi feita através
de um
equipamento chamado Interface Message Processor, construído pela
BBN
(Bolt,
Beranek and Newman, a empresa que inventara o modem em 1963). O IMP funcionou
na
primeira tentativa, de modo que Stanford, Berkeley, UCLA e Universidades
do Utah
estavam conectadas através de um protocolo chamado Network Control
Protocol (NCP)
antes do fim de 1969. A ARPANET já era uma realidade no mesmo ano
da criação do
Unix, que seria fundamental para sua transformação em Internet.
A ARPANET cresceu rapidamente e, em 1971, já tinha triplicado, contando
com 15
"nós" e 23 hosts. Um ano mais tarde, durante a primeira Conferência
Internacional sobre
Comunicações Computacionais, em Washington, foi efetuada
a primeira demonstração
pública da ARPANET - um grande sucesso. No fim do ano, Ray Tomlinson,
da BBN,
inventou o correio eletrônico, até hoje, a aplicação
mais utilizada da Net. Mais um ano e
a Inglaterra e a Noruega foram ligadas à rede - a ARPANET era um
fenômeno
internacional. Ainda em 1972, foi especificado o Telnet, padrão
para emulação remota de
terminal; no ano seguinte, veio a público a especificação
do protocolo para transferência
de arquivos, o FTP, outra aplicação fundamental na Internet.
Em 1973, quem estivesse
ligado à ARPANET já podia se logar como terminal em um servidor
remoto, copiar
arquivos e trocar mensagens.
O CRESCIMENTO
A ARPANET cresceu rapidamente e chegaria ao fim de 1974 com 62 servidores
(muito
mais do que os 19 que seus idealizadores previram). Era necessário
aprefeiçoar o
protocolor de comunicação da ARPANET, o NCP, e romper sua
barreira de 256
máquinas conectadas. Vinton Cerf (hoje vice-presidente da MCI) e
Bob Kahn (antigo
colaborador de Larry Roberts) propuseram o TCP/IP (Transmission Control
Protocol/Internet Protocol). Além de oferecer quatro bilhões
de endereços possíveis, o
novo sistema utilizava uma arquitetura de comunicação em
camadas, com protocolos
distintos cuidando de tarefas distintas. Ao TCP cabia quebrar mensagens
em pacotes de
um lado e recompô-las do outro, garantindo a entrega segura das mensagens.
Ao IP
cabia descobrir o caminho adequado entre o remetente e o destinatário
e enviar os
pacotes. O TCP/IP foi adotado progressivamente, funcionando em paralelo
com o NCP
até 1983, quando este foi abandonado definitivamente.
Ainda em 1974, Bob Metcalfe (mais tarde, fundador da 3Com) apresentou o
Ethernet, um
método para interconectar computadores próximos com altas
taxas de transmissão. O
Ethernet se provou um método simples e barato de ligar computadores
a pequenas
distâncias e acabaria se tornando sinônimo de rede local. A
terceira fase da Era da
Informação - a da computação pessoal - só
teria início no ano seguinte, mas a quarta
fase - a da conectividade - já se delineava com a ARPANET e o Ethernet.
A fórmula original de redes de pacotes da Rand, utilizando diversos
meios físicos (cabo,
rádio e satélite) foi demonstrada na prática em 1977.
Através de um rádio móvel, uma
mensagem foi enviada para um satélite da ARPANET, desceu na Noruega,
foi
retransmitida para Londres, subiu a outro satélite e daí
em diante. A mensagem, dividida
em pacotes, percorreu 150 mil quilômetros até o Instituto
de Ciências da Informação da
Universidade do Sul da Califórnia (que, por sinal, ficava a apenas
800 quilômetros de
distância da Baía de São Francisco, de onde a mensagem
tinha sido transmitida
originalmente). A ARPANET funcionava mesmo.
REDES PARALELAS, MAS INTEGRADAS
Em 1978, Tom Truscott e Jim Ellis, dois estudantes da Universidade Duke,
em Chicago,
tiveram a idéia de distribuir informações a pessoas
da comunidade Unix através de
UUCP (Unix-to-Unix CoPy), um programa criado pela AT&T dois anos antes,
que permite
cópia de arquivos através de linhas discadas. Escreveram,
junto com Steve Bellovin, da
Universidade da Carolina do Norte, e Steve Daniel, um programado de conferência
e
interligaram os computadores das duas universidades. O sistema foi batizado
de Unix
User Network, ou simplesmente Usenet.
No início, todos os grupos de discussão pertenciam à
hierarquia net, mas logo foram
criados grupos sob a hierarquia mod, indicando que tinham moderadores.
Com a
multiplicação dos grupos de discussão, passou a ser
necessário reorganizá-los de forma
mais racional. Entre julho de 86 e março de 87, ocorreu o que ficou
conhecido por "The
Great Renaming", que redistribuiu todos os grupos em seis grandes categorias:
comp
(assuntos de computação), misc (miscelânea), news (notícias),
rec (recreação), sci
(ciência), soc (temas sociais) e talk (bate-papo).
A Usenet continuou a crescer rapidamente e passou a utilizar cada vez mais
a
ARPANET como principal canal de distribuição, o que levou
à criação de um protocolo
de transmissão próprio, o NNTP (Net News Transfer Protocol),
em vez do UUCP. A
ARPANET, entretanto, só distribuía os grupos mais importantes,
e começou a haver
pressão para que o processo de criação de newsgroups
fosse democratizado. A
situação ficou insuportável quando Richard Sexton
propôs a criação de um grupo rec.sex
(logo veio um rec.drugsmas os administradores do ). A proposta foi aceita,
recém-criado
backbone (veja abaixo) da ARPANET se recusaram a distribuir grupos com
esses
temas.
O resultado foi a criação de mais uma categoria, o alternativo)
- cujos primeiros grupos
foram alt.sex, alt.drugs e alt.rock-n-rolldevido a "razões (segundo
seus criadores, este
artísticas"!) - um grupo de discussão que era distribuído
através de outros canais,
evitando deliberadamente o backbone da ARPANET. A Usenet é o maior
fórum de
discussões do mundo, contando com cerca de 15 mil grupos de discussão
oficiais e
outros tantos alternativos.alt (de
A BITNET (Because It's Time NETwork), uma rede acadêmica da City
Universidade de
Nova York com conexão à Universidade de Yale, foi criada
em 1980. Originalmente
chamada "Because It's There NETwork", em homenagem aos protocolos NJE (Network
Job Entry) da IBM, que estavam disponíveis gratuitamente, a BITNET
utiliza sistemas de
correio eletrônico e um mecanismo chamado "listserv", que permite
aos interessados
publicarem artigos e subscreverrem mailing lists especializadas em detreminados
tópicos enviando mensagens para um servidor de listas. Esse tipo
de distribuição
permite que os interessados leiam mensagens sem que esteja no ar uma conexão
com
o servidor (ao contrário do que acontece com a Usenet). O método
fez sucesso e hoje
há muitos listservs que nada têm que ver com a BITNET.
Em 1981, a France Telecom, com o objetivo de baratear o custo de impressão
das listas
telefônicas, começou a explorar o Minitel, uma rede de vídeo-texto
comum. Apesar das
imperfeições do vídeo-texto - interface caracter,
baixa velocidade, baixo poder de
processamento, teclado restrito - o Minitel foi um enorme sucesso e sua
presença na
França é quase tão abrangente quanto a do próprio
telefone (para surpresa geral, sua
aplicação mais popular é o correio sentimental). A
recente interligação do Minitel
representou um acréscimo de quase 10 milhões de usuários
potenciais à Internet.
Ward Christianson, autor do Xmodem (protocolo para transferência
de arquivos para
microcomputadores), criou o primeiro BBS (Bulletin Board System, um sistema
privado
para troca de mensagens), o RCPM, em 1978.
Vários BBSs se seguiram, mas o FidoBBS, criado no fim de 1983 por
Tom Jennings,
merece destaque. Em 1984, Jennings lançou um software para troca
de mensagens
entre BBSs compatíveis com o FidoBBS. A Fidonet, rede de BBS tipo
FidoBBS, era
similar à Usenet e à BITNET, mas rodava em microcomputadores
IBM-PC, o que
significava que qualquer pessoa com um micro e um modem poderia instalar
seu próprio
servidor. Em poucos meses, havia dúzias de servidores FidoBBS; hoje
há dezenas de
milhares.
SERVIDORES DE NOMES
Até 1983, para se conectar a qualquer máquina na ARPANET
era necessário conhecer
seu endereço de rede, algo apenas incômodo com o protocolo
NCP e suas 256
combinações, mas impossível com o TCP/IP, que permitia
4 bilhões (endereços de 4
bytes). Nessa época, mesmo com a migração dos sites
militares para a recém-criada
MILNET, a ARPANET já contava com 500 hosts.
O caminho para resolver o problema foi indicado pela Universidade do Wisconsin,
que
criou os primeiros servidores de nomes - máquinas capazes de traduzir
nomes para
endereços IP, poupando o usuário de decorar endereços.
Era um expediente simples,
em que o servidor de nomes mantinha um arquivo texto (chamado nomes e os
respectivos endereços hosts.txt) contendo os de todos os computadores
da rede. O
arquivo era atualizado de forma centralizada pelo Network Information Center
da ARPA e
distribuídos às subredes de tempos em tempos.
Com o crescimento desordenado da rede - acelerado pelo advento da NSFNET
(veja
adiante) e das workstations (máquinas pessoais que rodavam o Berkeley
Unix, com
TCP/IP integrado) - essa solução não bastava. Foi
quando Paul Mockapetris propôs o
Domain Name System, ou DNS, uma maneira de traduzir nomes (domínios)
para
endereços IP de forma automatizada e padronizada. Ao invés
de manter um cadastro
centralizado de todos os nomes de domínios do mundo, o DNS adota
uma abordagem
estruturada em árvore, com vários níveis de servidores
de nomes, que sempre conhecem
as máquinas que estão em sua sub-rede e pelo menos um servidor
DNS de nível mais
alto. Para resolver um endereço desconhecido, basta percorrer a
árvore.
Desta forma, o NIC (InterNIC, a partir de 1993) só precisa cuidar
dos domínios de nível
mais alto (os TLDs, top level domains), que identificam o país a
que pertence o domínio,
ou, no caso de organizações americanas, sua atividade. Países
são identificados por
códigos de duas letras - como br, para o Brasil, ou ninguém
usa) - e existe, mas os
EUA (que us para organizações americanas são identificadas
por seis códigos de três
letras - de comunicação), donos dos canais gov net (os (governo),
ensino), (instituições
de (instituições edu mil militares), privadas) e organizações).
com (empresas org
(outras Todos os outros níveis são resolvidos de forma descentralizada
pela rede.
Assim, se sua máquina não conhecer o endereço ela
consultará o servidor de DNS
imediatamente acima (provavelmente o do seu provedor de acesso) que, não
o
conhecendo, a remeterá para um nível acima (possivelmente
o servidor da Embratel), e
assim por adiante até alcançar o InterNIC. O InterNIC (que
conhece todos os domínios
com)cujo servidor DNS conhecerá Normalmente, www.mantelmedia.com.
resolver um
endereço não dá tanto trabalho, porque os servidores
DNS costumam manter um cache
com os endereços solicitados recentemente.www.mantelmedia.com,
A CONSOLIDAÇÃO
A National Science Foundation, um órgão independente do governo
americano, passou a
ser responsável, a partir de 1984, pela manutenção
da ARPANET. Percebendo o
potencial de crescimento, a NSF decidiu criar, em 1986, cinco centros de
supercomputação de forma a aumentar a largura de banda disponível.
Esses centros,
conectados entre si a incríveis 56 Kbps, receberam o nome de NSFNET
e passaram a
ser conhecidos como o backbone (a espinha dorsal) da ARPANET. A NSFNET
constituiu um formidável estímulo à adesão
de outras sub-redes, e, entre fevereiro e
novembro, o número de hosts pulou de dois mil para cinco mil. Para
facilitar, já era
possível se obter acesso direto à rede via modem utilizando
SLIP (Serial Line Internet
Protocol), protocolo criado em 1984 por Rick Adams, que implementava IP
em linhas
discadas. No mesmo ano da criação do backbone, já
era possível se ter um endereço de
correspondência na ARPANET mesmo sem fazer parte de uma rede IP:
bastava usar o
programa Mail Exchanger (MX), de Craig Partridge, um gateway capaz de converter
mensagens entre redes distintas.
No ano seguinte, em outro esforço para aumentar a largura de banda
da rede, a NSF
contratou a Merit Network, Inc., que, em colaboração com
a IBM e a MCI, forneceu a
primeira conexão T1 (1,544 Mbps). A conseqüência foi
a quadruplicação de hosts
conectados, alcançando a marca de 20 mil máquinas.
Em 1988, Jarkko Oikarinen criou o Internet Relay Chat (IRC), um modelo
cliente-servidor
que permite que diversos usuários "conversem" on-line, compartilhando
um mesmo canal
virtual de comunicação. O número de máquinas
on-line chegou a 100 mil e o todo o
backbone da NSFNET foi atualizado para canais T1.
A rede alcança cada vez mais gente, mas nem tudo eram flores. Em
2 de novembro de
1988, detectou-se em vários computadores da rede um programa capaz
de se replicar e
travar as máquinas por onde passava. Era o verme da Internet. Criado
por um estudante
da universidade de Cornell chamado Robert Morris Jr., o objetivo do programa
era
demonstrar a vulnerabilidade dos computadores da rede sem provocar qualquer
dano. No
entanto, um erro de programação fez com que o programa saísse
de controle e afetasse
cerca de seis mil servidores dos 60 mil existentes. Preocupado com as conseqüências
do verme de Morris, a ARPA criou o CERT (Computer Emergency Responce Team),
destinado a pesquisar e aprimorar a segurança na rede. O primeiro
firewall - mum
sistema de hardware e software destinado a impedir acesso não autorizado
- tinha sido
criado pela Digital Equipment Corporation dois anos antes.
Em 1990, depois de dividida em MILNET, para organismos militares e em NSFNET,
para
pesquisadores, a ARPANET foi formalmente encerrada. Por sugestão
da Merit, a
NSFNET expandiu a rede de forma a englobar também empresas. A Internet
nasce
compreendendo 1.500 sub-redes e 250 mil hosts. A partir de sua transformação
de
ARPANET em Internet, a grande rede entra de fato na vida das pessoas comuns.
A POPULARIZAÇÃO
Com a liberação do acesso ao grande público, a Internet
passa a crescer a taxas
vertiginosas. Ainda em 1990, entra no ar o World
(http://www.world.std.com), o primeiro provedor de acesso comercial do
mundo,
permitindo que usuários comuns, desde que disponham de um micro
e de um modem,
alcancem a grande rede. Por outro lado, a Internet se torna cada vez mais
internacional.
Antes do fim do ano, conectam-se Argentina, Áustria, Bélgica,
Brasil, Chile, Grécia,
Índia, Irlanda, Coréia do Sul, Espanha e Suíça.
O volume de informações disponíveis na Internet, que
já conta com mais de 100 mil
servidores, é formidável, mas encontrar e recuperar as informações
desejadas é um
problema munumental. Peter Deustsh, Alan Emtage e Bill Heelan, da Universidade
McGill, fazem o primeiro esforço para deslindar a Babel que é
a Internet lançando o
Archie, um modelo cliente-servidor para indexar nomes e descrições
de arquivos em
redes de acesso público. Com o Archie, é possível
se descobrir com relativa facilidade
onde está determinado arquivo e, então, copiá-lo através
de FTP.
Em 1991, a Universidade de Minnesota apresenta o Gopher, um sistema de
catalogação
capaz de apresentar os recursos da rede agrupados por assuntos, permitindo
ao usuário
escolher o que deseja através de um sistema de menus. Adicionalmente,
o Gopher
permite que se façam pesquisas segundo palavras-chave. No ano seguinte,
a
Universidade de Nevada aprimora o sistema e lança uma ferramenta
chamada Veronica,
capaz de efetuar buscas em vários servidores Gopher simultaneamente.
No mesmo ano de lançamento do Gopher, Brewster Kahle, da Thinking
Machines, Inc.,
cria o WAIS (Wide Area Information Service), um método para indexar
bases de dados
descentralizadas. Agora já é possível se indexar o
próprio conteúdo dos arquivos, e não
apenas seus nomes ou descrições. O usuário submete
palavras-chave a um servidor
WAIS que, baseado em índices compilados previamente, devolve uma
lista (ordenada
pelo grau de sucesso) dos documentos que contêm as palavras especificadas.
Ainda em 1991, Philip Zimmerman faz uma grande contribuição
à privacidade na rede,
tornando público, gratuitamente, seu programa Pretty Good Privacy
(PGP), que
implementa criptografia de chave pública - atualmente o meio mais
simples e seguro de
se obter privacidade em comunicações eletrônicas. A
exportação de ferramentas de
criptografia de mais de 40 bits, entretanto, fere a legislação
americana e Zimmerman é
detido, tendo sua vida revirada pelo FBI.
Passa no congresso americano a Lei de Informação e Tecnologia,
que prevê
investimentos da ordem de US$ 1,5 bilhão para garantir a aplicação
de tecnologia
avançada à indústria e à educação
e
saúde públicas, interconectando salas de aula,
hospitais, fábricas e bibliotecas digitais, criando software e efetuando
treinamento. A
NSFNET começa a implantar links T3 (de 45 Mbps) e conectam-se Croácia,
República
Tcheca, Hong Kong, Hungria, Polônia, Portugal, Cingapura, África
do Sul, Taiwan e
Tunísia. Antes do fim de 1991, a Internet já conta com mais
de 600 mil máquinas on-line.
Em 1992, ocorrem as primeiras tentativas de fazer broadcast na rede, ou
seja, de se
enviar uma mesma mensagem para diversos usuários, algo não
previsto na
especificação original do TCP/IP - que permite que cada pacote
seja enviado de um
único endereço a um único endereço. É
o projeto MBONE, que utiliza endereços
especiais (não usados por nenhuma máquina na rede) para enviar
pacotes destinados a
várias máquinas. O esquema é batizado de IP multicast.
No mesmo ano, Tim Berners-Lee, do CERN (Laboratório Europeu de Física
de
Partículas), inventa a World Wide Web (Teia de Alcance Mundial),
um sistema de
hipertexto distribuído, baseado no modelo cliente-servidor. Trata-se
de um método
extremamente eficiente, ainda que muito simples, de se reunir informações
sobre
virtualmente qualquer coisa. Todos os padrões da Web - o protocolo
de comunicação
HTTP (HyperText Transfer Protocol), a linguagem de descrição
de páginas HTML
(HyperText Mark-up Language) e o método de identificação
de recursos URL (Uniform
Resource Locator), bem como o código fonte dos programas cliente
e servidor - são
disponibilizados na Internet.
O Governo americano, estimulado pelo vice-presidente Al Gore, deixa clara
a importância
que dá à infra-estrutura de comunicação e promulga
a Lei de Infra-estrutura Nacional de
Informação (NII) - mais conhecida pelo nome de superestrada
da informação.
Conectam-se à rede Camarões, Chipre, Equador, Estônia,
Kuwait, Luxemburgo,
Malásia, Eslováquia, Eslovênia, Tailândia e Venezuela.
Em 1993, a NSF cria o InterNIC, que controla a concessão de endereços
IP, o registro
de novos domínios e mantém um Directory of Directories, ou
seja, um banco de dados
com informações sobre toda a comunidade da Internet. É
o InterNIC que opera, com
base nesse banco de dados, o serviço WHOIS, prestando informações
sobre qualquer
domínio. Conectam-se à rede Bulgária, Costa Rica,
Egito, Fiji, Gana, Indonésia,
Casaquistão, Quênia, Liechtenstein, Peru, Romênia, Federação
Rússia, Turquia, Ucrânia
e Ilhas Virgens.
No mesmo ano, Marc Andreessen, estudante da NCSA (Nacional Center for
Supercomputing Applications), Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign,
apresenta seu programa Mosaic. Trata-se de um cliente para a Web que funciona
em
modo gráfico e é capaz de mostrar imagens. O programa é
um sucesso estrondoso, e
finalmente as empresas e o grande público tornam consciência
da existência da Internet.
Andreessen se associa a Jim Clark, exCEO da Silicon Graphics, para fundar,
em 1994,
a Netscape Corporation. Antes do fim do ano, a empresa lança o Navigator,
versão
comercial do Mosaic que toma o mercado de assalto.
Fica claro que a World Wide Web é a killer application da Internet,
ou seja, a aplicação
que faltava para que a rede chegasse ao grande público. Os sites
na Web - pessoais e
comerciais - se multiplicam como cogumelos e logo começam a aparecer
mecanismos
de busca (search engines) - sites que varrem todo o webspace, gerando índices
e
permitindo buscas por palavras-chave em todas as páginas Web do
mundo.
A Internet chega aos 25 anos de vida em 1994, contando com rádios,
shopping centers,
pizzarias e bancos on-line. A utilização comercial da rede
gera problemas com a
comunidade acadêmica e outros usuários tradicionais. É
grande a discussão sobre a
netiquette - a etiqueta da rede - e usuários transgressores são
hostilizados. Fica famoso
o caso de Canter & Siegel, um escritório de advocacia do Arizona,
que envia anúncios
para quase todos os grupos de discussão da Usenet e recebe, como
teraliação, milhões
de respostas agrassivas (flames), que interditam sua caixa postal. Fica
claro que o
ciberespaço não tolera publicidade não solicitada.
A rede já conta com quatro milhões de servidores e sua taxa
de crescimento alcança
10% ao mês. Conectam-se Argélia, Armênia, Bermudas,
Burquina, China, Colômbia,
Polinésia, Jamaica, lïbano, Lituânia, Macau, Marrocos,
Nicarágua, Panamá, Filipinas,
Senegal, Sri Lanka, Suazilândia, Uruguai e Uzbequistão.
HOJE
Em 1995, a NSFNET volta a ser uma rede de pesquisa, e o tráfego
no território
americano passa a ser roteado pelas conexões entre os diversos provedores.
O CERN
entrega formalmente a World Wide Web ao W3 Consortium, um organismo administrado
pelo INRIA (Instituto National Francês para Pesquisa em Ciência
da Computação) e pelo
Laboratório de Ciência da Computação do MIT.
A Internet definitivamente deixa de ser uma ação entre amigos
para se transformar em
negócio. O número de tecnologias se multiplica rapidamente.
É possível usar a rede para
distribuir áudio em tempo real (com o RealAudio, da Progressive
Networks), para
multimídia (com o Shockwave, da Macromedia) ou telefonia (com o
phone, da VocalTec).
Surgem tecnologias promissoras, como o Java, da Sun Microsystems, que permite
o
envio de código executável através da rede, e o VRML
(Virtual Reality Modeling
Language), linguagem voltada para a construção de ambientes
virtuais. Várias das
empresas ligadas à Internet começam a abrir o capital. A
Netscape, fornecedora do
Navigator lidera com o maior valor inicial de ação na NASDAQ
(uma das bolsas de Nova
York). E o registro de domínio deixa de ser gratuito.
A Microsoft, maior empresa de software do mundo, acorda para o fenômeno
e se
reestrutura completamente com o objetivo de tomar parte do fenômeno
Internet. Em
poucos meses, adapta sua linha de aplicativos para produzir material publicável
na Web,
compra a Vermeer, produtora de software de criação para a
Web, e lança um servidor
Web. Três versões se seu browser (o cliente Web), o Internet
Explorer, são lançadas em
seguida, até que o mercado passa a considerá-lo o primeiro
rival sério do Navigator -
que, não obstante, mantém cerca de 85% do mercado. Com em
pouco menos de
agilidade, serviços on-line tradicionais, como Compuserve e America
Online, também
começam a dar a devida importância à Internet e passam
a fornecer acesso à rede.
Em 8 de fevereiro de 1996, o presidente Clinton sanciona a nova Lei da
Telecomunicações americana, que libera por completo o setor.
Começa a competição
sem limites pelos mercados de telefonia local e de longa distância
e de TV por cabo e
satélite. Um dos itens da nova legislação, famoso
pelo nome de CDA (Communications
Decency Act), que prevê censura na rede, gera grande polêmica.
A rede já ultrapassa
seis milhões de servidores, 50 mil sub-redes e continua crescendo:
conectam-se
Nigéria, República Centro Africana, Omã, Mauritânia,
Síria, Aruba e Camboja.
Em 1963, J. C. R. Licklider, diretor do Escritório de Técnicas
de Processamento de
Informação da ARPA, escreveu um memorando dirigido aos "membros
e afiliados da
rede intergalática de computadores". Licklider acreditava que os
computadores
forneceriam às pessoas um acesso ilimitado à informação
e a indivíduos que
compartilhassem seus interesses. Mais: suponha que, em alguns anos, os
homens se
comunicariam melhor através de máquinas do que em contatos
frente a frente. Há quem
considere que esse memorando é a origem da teoria da comunicação
on-line. Parece
que a Internet está em vias de concretizar a profecia de Licklider.
O FUTURO
A Internet cresce e se diversifica com tal velocidade que é impossível
prever que rumos
tomará. Tudo indica que a Internet de fato se transformará
na decantada "estrada da
informação" e será o principal meio para transações
comerciais e distribuição de
informação. Para que isso ocorra, entretanto, alguns problemas
- tanto no campo de
hardware e software como no cultural - terão que ser resolvidos.
Para começar, é fundamental melhorar as taxas de transmissão,
o que passa por uma
renovação tecnológica da rede, que tanto pode implicar
na substituição dos canais
atuais por fibra ótica, como na utilização de tecnologias
alternativas, entre elas modems
de cabo de TV ou redes de satélites de baixa órbita. Também
há muito o que fazer no
terreno do software - criar um padrão de compilação
para HTML, fazer com que o
protocolo HTTP envie vários arquivos na mesma sessão TCP
(de preferência com
compressão), definir uma especificação para a distribuição
de objetos amplamente - com
Java/CORBA ou ActiveX, da Microsoft, por exemplo.
Há quem acredite no triunfo de computadores voltados especificamente
para a utilização
da rede que custariam cerca de US$ 500. Há inúmeras dificuldades
para que essas
máquinas sejam bem sucedidas, mas as duas principais são
as taxas de transmissão e
a falta de um padrão claro para distribuição de objetos
pela rede, problemas que terão
que ser resolvidos com ou sem os Network Computers.
O sucesso de transações comerciais com volume exigirá
garantia de segurança, ou
seja, métodos de criptografia e certificação confiáveis,
o que atualmente não é permitido
pela legislação dos Estados Unidos - país que produz
quase tudo o que se refere à
Internet. Vamos ter que rever o que pensamos de coisas como propiedade
intelectual,
privacidade, publicidade, broadcast. E criar uma legislação
específica e mundial para a
rede, já que ela não tem fronteiras.
Quanto aos participantes dessa corrida, os beneficiários imediatos
são, claro, os
fornecedores de hardware - tanto os fabricantes de computadores e componentes,
como
a Intel, quanto os de equipamentos de rede, como Fore, Bay e 3Com. As dúvidas
maiores ficam com os fornecedores de software. Muito já se falou
sobre a derrocada da
Microsoft, mas vendo se a reação à Netscape, é
fácil perceber que a maior fabricante de
software do mundo continuará na crista da onda ainda por um bom
tempo. A diferença é
que agora a chance de haver oportunidade para outras empresas é
maior.
A aposta do momento ainda é a Netscape, que, no pico, chegou a valer
US$ 6 bilhões -
com previsão de faturar apenas US$ 200 milhões (já
se falam em US$ 300 milhões) em
1996. É a empresa de informática que mais cresce no mundo,
mas seu sucesso está
mais baseado na expectativa do mercado do que em resultados palpáveis.
Se a
Microsoft conseguir estabelecer seu Internet Explorer, a Netscape pode
desmontar como
um castelo de cartas. É por isso que a empresa não pára,
lançando versões novas de
seu Navigator e implementando novidades, como frames, SSL e plugins a cada
poucos
meses: é preciso manter a dianteira sobre a concorrência a
qualquer preço.
Perece unânime a opinião de que a linguagem Java, criada pela
Sun, será o meio de
descentralizar o processamento (e profissionalizar o desenolvimento) na
Internet, mas é
cedo para se cantar vitória. O mercado para o Java ainda é
incipiente e , além do mais,
trata-se de uma linguagem aberta: a Sun terá que ser ágil
para não deixar a concorrência
se aproximar. Outra que enfrenta um grande desafio é a IBM: se conseguir
transformar o
Lotus Notes (um execelente sistema de workgroup computing, mas ainda caro
e
complexo) na tecnologia preferida para a Internet, poderá ser um
rival de peso para
Netscape e Microsoft.
A empresa em situação mais preocupante parece mesmo ser a
NOvell, que tem
cometido erros de análise e de investimento seguidamente e tem um
sistema
operacional com pouco a oferecer no que se refere à Internet. A
Apple não está em
situação melhor: tem tido prejuízos repetidos e também
não oferece vantagens
significativas no que se refere à grande rede; apesar deter uma
presença considerável na
Internet, tem um desafio tremendo pela frente.
Mas nenhuma das indicações acima garante coisa alguma: a
verdade é que a única
coisa certa na Internet é que nada é certo. Da mesma forma
que seus idealizadores
nunca sonharam ultrapassar a marca de 19 hosts conectados, ninguém
sabe quais
serão os vencedores de uma corrida que acaba de começar.
É possível que as grandes
empresas da rede na virada do século ainda nem tenham sido fundadas.
...........................Ricardo Rangel.........................
Gerente de Suporte e Tecnologia do Banco Icatu e
colaborador do caderno Informática & Etc. de O Globo
Revista Internet World
Retirado de http://www.solunet.com.br/z83.htm