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A crise do Estado frente ao poder econômico: as perplexidades da pós-modernidade
Juliano
Vieira Zappia*
Daniela de Cássia Roque Tozini**
É
evidente que as questões econômicas ganharam uma atenção especial nos dias
atuais. Os problemas da área econômica se transformaram no tema central das
discussões em geral [01]. Praticamente não há discurso que não
guarde relação com a economia; os partidos políticos elegem temas econômicos
como pontos fundamentais de seus programas de governo; a maior parte dos
problemas relacionados às mais diversas áreas têm alguma relação com a área
econômica, ao mesmo tempo em que a solução dos contratempos econômicos implica
ou resulta na possibilidade de outras soluções, como se um efeito cascata de
benefícios viesse após o "milagre econômico". [02]
No
entanto, tal linha de pensamento tem muito de condução ideológica e pouco de
realidade.
A
expansão tecnológica e científica que teve início na década de 80 trouxe um
campo fértil para a proliferação dos princípios da economia liberal/neoliberal
dos países centrais capitalistas [03]. Assim, temos a disseminação
dos ideais de livre mercado, livre iniciativa, concorrência, entre outros.
Traduzido em escala mundial, tal evento proporcionou o fortalecimento de
corporações, que se antes eram grandes, agora passam a ser gigantes.
Uma
vez eleita como fator de maior importância dentro da sociedade, a economia
começa a receber os frutos do trabalho bem feito: as prioridades passam a ser o
desenvolvimento econômico, a abertura e fortalecimento do mercado, a suavização
de barreiras comerciais, a desregulamentação do setor (sob o fundamento da
extrema dinamicidade da economia em contra-ponto à estagnação do ordenamento
jurídico) e a minimização da intervenção estatal.
No
plano normativo, o Estado passa a tomar as medidas necessárias para a
concretização da ideologia de mercado, uma vez que as prioridades já passam a
se tornar uma espécie de "consenso". Os anseios da população são,
então, depositados nas mãos e sob a responsabilidade dos agentes econômicos.
Mas,
após engendrar por este caminho, o que se vê na realidade é que as promessas do
projeto político-econômico não se concretizaram. Ao revés do esperado, tem-se o
desemprego em massa, o aumento das desigualdades sociais, a marginalização e
penalização dos excluídos, a destruição do meio-ambiente, o clima de conflito iminente,
a piora das condições de trabalho, a superexploração da força de trabalho
não-qualificada, o enfraquecimento da produção das micro, pequenas e médias
empresas e, por fim, a perda dos laços comunitários e a disseminação de uma
competitividade extrema na sociedade. [04]
As
novas perplexidades não chegam a gerar uma reviravolta no sistema, pelo
contrário, geram para os poderes do Estado uma maior dependência das regras da
economia, que agora passa a ser o único caminho para a inversão do quadro
social alarmante. Tamanho é o impacto das transformações do mercado sobre o
Estado que este perde "em parte a capacidade e em parte a vontade
política para continuar a regular as esferas da produção (privatizações,
desregulação da economia) e da reprodução social (retração das políticas
sociais, crise do Estado-Providência)" [05].
Embora
formalmente o Estado continue a exercer o Poder Legislativo, o seu
enfraquecimento diante da práticas contemporâneas de mercado acaba por submeter
a autonomia da esfera de poder de regulação à economia e seus teóricos. Assim
se percebe pelos inúmeros projetos e planos governamentais que surgem por
"pressões" externas, embora, muitas vezes, a força normativa do poder
econômico signifique uma ação política do Estado para substituir a tutela
governamental pela livre negociação e para processos de
descentralização, desformalização, desregulamentação, deslegalização e
desconstitucionalização, pois, dentro da lógica essencialmente econômica, a
regulação é considerada um custo de peso morto, já que um sistema de regras e
normas tende a minar a eficiência dos mercados. [06]
Mas,
como característica da ideologia de mercado, a economia trata os indivíduos
como consumidores e não como cidadãos e pessoas humanas portadoras de
dignidade. "Num cenário em que até as obrigações públicas também são
reduzidas ao conceito geral de mercadoria e convertidas em negócios privados, e
os titulares de um direito civil se transformaram em meros consumidores de
serviços empresariais, se os homens são iguais, isto só ocorre no
mercado – e, assim mesmo, como proprietários de bens ou da própria força de
trabalho; portanto, jamais como cidadãos" [07].
Urge
observar o fracasso deste paradigma. A insuficiência do Estado para a promover
a emancipação e a regulação das práticas sociais atualmente não pode abrir
espaço para a soberania do mercado, algo que somente vem para agravar a crise e
não para solucionar problemas. Tampouco o caminho para a transformação passa
pelo ressurgimento das práticas autoritárias do Estado. Diante dessas
perplexidades, todo o caminho de transição ainda resta indefinido, contudo,
podemos afirmar que seu ponto de partida já existe e ele reside nas utopias
formuladas pelos teóricos sociais. A verdadeira crise consiste em continuar
tudo como está [08].
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
FARIA,
José Eduardo. O artigo 26 da declaração universal dos direitos do homem:
algumas notas sobre suas condições de efetividade in Justiça &
história. Revista do centro de memória do judiciário. V. 1. nºs. 1 e 2.
Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2001.
SANTOS,
Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na
pós-modernidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
SILVA,
Tadeu Antonio Dix. Globalização de direito penal brasileiro: acomodação ou
indiferença? In Revista brasileira de ciências criminais, nº. 23. São
Paulo: IBCCRIM, 1999.
SOUZA,
Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 5.
ed. São Paulo: LTr, 2003.
NOTAS
01
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico.
5. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 284.
02
Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na
pós-modernidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997, p. 19-22.
03
Idem, p. 87-88.
04
Cf. FARIA, José Eduardo. O artigo 26 da declaração universal dos direitos do
homem: algumas notas sobre suas condições de efetividade in Justiça
& história. Revista do centro de memória do judiciário. V. 1. nºs. 1 e
2. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2001, p. 313-328.
05
SANTOS, Boaventura de Sousa. Op.
cit., p. 88-89.
06
SILVA, Tadeu Antonio Dix. Globalização de direito penal brasileiro:
acomodação ou indiferença? In Revista brasileira de ciências criminais, nº.
23. São Paulo: IBCCRIM, 1999, p. 84-85.
07
FARIA, José Eduardo. Op.
cit., p. 321.
08
BENJAMIM, Walter apud SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p. 45.
*bacharelando
em Direito pela PUC Minas, campus Poços de Caldas (MG)
**bacharelanda em Direito pela PUC Minas, campus Poços de Caldas (MG)
ZAPPIA, Juliano Vieira; TOZINI, Daniela de Cássia Roque. A crise do Estado frente ao poder econômico: as perplexidades da pós-modernidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 905, 25 dez. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7736>. Acesso em: 14 nov. 2006.