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A separação das funções estatais e o
controle do Supremo Tribunal Federal em face das normas editadas pelo
Legislativo
Ivanilda
Figueiredo Lyra*
1 - Evolução Histórica da Teoria da Separação dos Poderes
Montesquieu
é considerado o pai da Teoria da Separação dos Poderes, mas sua doutrina na
verdade não era completamente inédita. A divisão das atribuições do Estado já
havia sido suscitada por diversos autores. Concorda a maioria dos estudiosos
atuais que a primeira tentativa de partição conhecida surgiu na obra de
Aristóteles que vaticinava ser danoso atribuir a apenas um ente todo o
exercício do poder. (DALLARI, 1995:181).
No
século XVII, os tratados de Locke fazem a primeira critica contundente ao
sistema absolutista e a concentração de poderes, cem anos depois é a doutrina
pregada por Montesquieu em sua obra o "Espirito das Leis" que conduz
a filosofia política. O absolutismo encontrava-se em franca decadência, seus
postulados não mais preenchiam aos anseios daquele tempo(BONAVIDES, 1995: 275).
A
doutrina montesquiana chegou na hora certa quando a fome por mudanças tinha
tornado-se insaciável, as revoluções proliferavam, o absolutismo cedia.
Com
a formação do Estado liberal a Teoria de Montesquieu teve seu apogeu. Dentro
das concepções liberais o executivo tornara-se mero executor das normas
expedidas pelo legislativo e aceitas pelo judiciário(BONAVIDES, 1995: 276).
O
sistema liberal regia-se pela livre iniciativa e pela menor interferência
possível do Estado nas liberdades individuais. A restrição das funções estatais
fez Lassale denominar o Estado liberal de guarda-noturno demonstrando que suas
atribuições naquele contexto eram bastantes restritas, utilizadas apenas para
garantir aquilo que ele (o Estado) não poderia atingir, nem macular: a
liberdade individual(Piçarra, 1989; 44).
A
doutrina pregada por Montesquieu é impregnada deste espirito libertário, tanto
que as mais severas criticas a ela são por não haver pormenorizado seus
próprios instrumentos de concretização, não tendo ficado claramente definido o modus
operandi para garantir seu efetivo cumprimento, visto que o interesse do
seu criador não estava prioritariamente voltado aos anseios do Estado e sim as
necessidades do homem.
O
"remédio supremo" aos desmandos seria a separação do poderes em
legislativo, executivo das coisas que dependem do direito da gentes
(executivo), executivo das coisas que dependem do direito civil
(judiciário),pois na concepção do pai da teoria todos aqueles que detinham o
poder nas mãos tendiam a dele abusar. Um executivo aliado ao legislativo
expediria leis tirânicas e executalas-ia da mesma forma; um judiciário
associado ao legislativo seria um super poder detentor dos meios legais e
coativos sobre a vida a liberdade dos indivíduos; um executivo atrelado ao
judiciário seria uma força opressora poderosíssima. Assim, a separação era
fundamental e indispensável (HAMILTON, JAY E MADISON, 1984: 555).
Destaca-se
que a tripartição não enseja divisão, apenas atribuições de competências
especificas, o poder continua sendo unitário apenas suas funções são repartidas
com o intuito de coibir o arbítrio, destarte, os doutrinadores atuais têm
continuamente rechaçado o codinome "separação dos poderes" ou a
variante "divisão dos poderes", tendendo a aceitar pacificamente o
titulo "separação das funções estatais". O poder estatal é uno e
indivisível, reparte-se apenas as atribuições.
O
autor de "O Espirito das Leis" pregava a divisão como essencial, os
poderes teriam de ser independentes, mas também precisariam conviver em
harmonia. Apesar de terminantemente vedada a vinculação de um poder a outro,
estes teriam de se controlarem mutuamente através de um sistema de controle
mútuos - mais tarde destrinchados pela doutrina americana do norte dando origem
a teoria dos freios e contrapesos - no qual, por exemplo, era defeso a um poder
interferir nas atividades de outro de modo a usurpar suas funções, entretanto,
caberia fiscaliza-lo para que este não se excedesse.
Concomitantemente,
à evolução da teoria da separação das funções estatais estabeleceu-se o
constitucionalismo. Ambas as doutrinas andaram tão juntas que chegaram a
confundir-se em certos momentos: "Toda sociedade na qual a garantia dos
direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem
Constituição."( Art. XVI da Declaração do Homem e do Cidadão).
A
Constituição como Lei Maior e a Separação como seu principio fundamental, seria
este um claro resumo do pensamento jurídico liberal.
Com
o desenvolvimento histórico, o Estado foi tomando para si várias atribuições
que não lhes cabiam, passou a prover saúde, educação, proteger o trabalho,
dirigir a economia, ou seja, reger a vida dos administrados, configurando-se a
partir daí o Estado social, denominado por Clemerson Merlin Clevé (CLEVÉ, 2000:
46) não mais com o guarda-noturno de Lassale e sim como "pai"
incumbido de garantir as necessidades básicas dos cidadãos. A partir daí
tornou-se cada vez mais difícil garantir a harmonia entre as funções
legislativa, executiva e judiciária.
Mesmo
hoje com o neoliberalismo e a teoria do Estado mínimo levada a contento pelas
constante privatizações e delegações a particulares dos serviços públicos, a
separação produz laços cada vez mais tênues e frágeis.
Um
poder tende sempre a sobrepor-se aos demais ou ao menos a tentar fazê-lo,
chamando para si cada vez mais funções atípicas: o legislativo julga (Comissões
Parlamentares de Inquérito), o executivo legisla (Medida Provisórias), o
judiciário governa (a si próprio).
Uma
rápida analise dos dois poderes de interesse essencial deste estudo é
necessária para o posterior entendimento do paradoxo vivido pelo STF: adentrar
no mérito do poder legiferante é quebrar os laços da separação ou
fortalece-los?
2 - O Poder Judiciário
Originalmente,
o judiciário surgiu com a função manifesta de dirimir conflitos/declarar
direitos. Como é o único poder inerte, tem de ser provocado para atuar, foi
considerado por Montesquieu um quase-poder(SILVA, 183: 175). O desenvolvimento
da teoria e a maior complexidade das relações jurídicas mudou este panorama, o
judiciário continua inerte, mas não é um quase-poder, pelo contrário por suas
imprescindíveis decisões acerca da constitucionalidade das normas já foi
chamado por alguns americanos do norte de super poder.
Além
da inquestionável função de dirimir controvérsias/declarar direitos e de
autogoverno, cabe ao judiciário nos países aderentes ao sistema do judicial
review surgido nos EUA, como o Brasil, a justiça constitucional cuja
principal função é o controle de constitucionalidade das leis.
Através
da ótica transpersonalista caberia ao executivo e ao legislativo definir as
regras de relacionamento entre o Estado e os indivíduos e sobraria ao
judiciário apenas penalizar aqueles que desobedecessem àquelas regras impostas
pelos outros dois poderes ou resolver os conflitos suscitados conforme o
disposto nestes mesmos dispositivos. (ZAFFARONI, 1995: 37)
Já
na visão personalista o executivo e o legislativo definem as regras de relacionamento
entre o Estado e os indivíduos, mas pauta-se para isso em um Constituição
suprema. Portanto, a partir do ponto de vista personalista, o judiciário, além
de resolver os conflitos, deve salvaguardar esta Lei Maior garantindo a fiel
observância de sues ditames por àqueles poderes. (ZAFFARONI, 1995: 37)
"Estabelecer uma
Constituição e pretender que a sua supremacia fique entregue àqueles que
precisamente são os mais tentados a violá-la (executivo e legislativo), não
passa de deixar a Constituição entregue a um autocontrole, que definitivamente,
nada mais é do que um ato de boa vontade."( ZAFFARONI, 1995: 37/38)
Hoje,
em especial pela contribuição dos Estados Unidos da América, é inegável a
adoção por diversos países, dentre eles o Brasil, da teoria personalista,
ratificando a função de guardião do judiciário.
Porém,
este entendimento não é pacifico: os revolucionários franceses com fulcro na
teoria da Montesquieu negavam este caráter controlador ao judiciário afirmando
ser uma interferência no legislativo maculadora da Separação. O pensamento
francês mais do que respeito a doutrina sedimentada em "O Espirito das
Leis" tem origem numa histórica desconfiança em relação ao poder
judiciário. Parte da doutrina européia ainda acolhe este entendimento,
preferindo outorgar o controle da constitucionalidade à órgãos políticos
(FERREIRA, 1998: 87).
Como
dito, o berço do controle jurisidicional de constitucionalidade encontra-se nos
Estados Unidos da América, lá não havia temor algum em relação ao judiciário.
Portanto, a Suprema Corte foi eleita naturalmente a protetora da Carta Magna.
Data de 1803, a celebre decisão do Presidente da Suprema Corte John Marshall no
caso Malbury versus Madison no qual fica clara a legitimação do judiciário para
interferir em atos inconstitucionais, de acordo com tal decisão "ou bem a
Constituição é um principio superior, iderrogável por meios ordinários, ou bem
está no plano dos atos legislativos ordinários e como estes atos é alterável quando
convier à legislatura . Se a primeira parte da alternativa é verdadeira, um ato
legislativo contrário à Constituição não será direito, se a última parte fosse
verdadeira, a Constituição seria uma tentativa absurda do povo para limitar um
poder ilimitável pela sua própria natureza." (HAMILTON, JAY E MADISON, 1984: 545).
Está
notável decisão, já trazia suas bases esposadas na doutrina professada por
Hamilton em "O Federalista". Este autor afirmava que era desprovida
qualquer perplexidade em relação a faculdade do judiciário de decretar nulos
atos legislativos desconformes com os princípios constitucionais, pois não
teria de haver, como alegavam alguns, uma superioridade do judiciário em relação
ao legislativo, entretanto, havia uma inconteste superioridade da Constituição
em relação às normas legislativas ordinárias e o papel do judiciário seria tão
somente de garantidor desta segunda e legitima relação hierárquica (BONAVIDES,
1999: 277)
Por
outro lado, não é facultado ao judiciário a analise de dispositivos
constitucionais formulados pelo Poder Constituinte Originário. De acordo os
estudos do respeitado autor Paulo Bonavides, a doutrina de Bachof acerca das
normas constitucionais inconstitucionais nunca prosperou, sendo desmentida
pelos mais consideráveis doutrinadores e tendo produzido apenas efeitos
esparsos sem relevância em decisões proferidas pela Corte estadual da Baviera e
pelo Tribunal de Karlsruhe na Alemanha (BONAVIDES, 1993: 284/285). A
conseqüência da declaração pelo judiciário da inconstitucionalidade de uma
norma inserta na Carta Política pelo próprio Poder Constituinte originário
seria a interferência desmedida deste poder no outro responsável pela
legislação num flagrante desrespeito a Separação dos Poderes com a implantação
de um "governo dos juizes" já que estes não estariam adstritos a
nenhuma Norma Suprema, pois poderia a seu bel prazer declarar não
condizentes com os princípios fundamentais da norma normarum dispositivos
nela postos pelo poder constituinte originário, ilimitado e desvinculado.
A
posição majoritária da doutrina é no sentido de que só caberia o controle em
face de Constituições rígidas, as flexíveis por serem modificadas sem maiores
sobressaltos não estariam adstritas ao controle judicial. Diverge do
entendimento dominante o respeitável mestre Paulo Napoleão Nogueira da Silva
(SILVA, 1992: 26) de acordo com suas análises as leis e atos normativos estão
submetidos ao controle judicial mesmo nos Estados adotantes de Cartas Magnas
flexíveis, pelos seguintes motivos: a) a ordem jurídica não é integrada apenas
pela produção legislativa, compõem o ordenamento normas editadas pelo executivo
e até pelo próprio judiciário; b) se a Constituição pudesse ser revogada
implícita ou explicitamente pela simples edição de qualquer lei ordinária,
Constituição não haveria; c) mesmo nos parlamentos dotados permanente do Poder
Constituinte pleno faz-se mister a diferenciação entre matéria constitucional e
matéria ordinária. Observa ainda o citado autor que nos sistema em que o
legislativo encontra-se balizado pela normas costumeiras, como o inglês e o
neo-zelandês, seria impossível não considerar a possibilidade de edição de
normas inconstitucionais e, portanto, da necessidade do controle.
Optou
este estudo por vincular-se a um a teoria mista por considerar que nos sistemas
de Constituições flexíveis caberia o controle apenas em face de atos
administrativos e judiciais, mas nunca em detrimento de normas emanadas do
legislativo, posto se para a Constituição ser modificada basta que a nova lei
expressamente declare tratar-se de modificação à Carta Política, qual empecilho
a para o legislativo? Nenhum. Basta uma simples diferenciação e a carta restará
alterada. O Poder Constituinte destes legislativos é perpetuo e pleno,
portanto, desprovido de controle.
Nos
sistemas adotantes de Diploma Maior rígido o controle pode ser realizado em
face de atos legislativos, executivos e judiciais. Interessante destacar que as
Constituições rígidas podem ser alteradas através da edição de Emendas
Constitucionais produzidas através de um procedimento especifico diferente do
utilizado para a edição das leis ordinárias. Tais Emendas ao iniciarem sua
vigência alteram a Carta Magna (salvo as clausula pétreas as quais são
inalteráveis), no entanto, estão sujeitas ao controle (in abstrato) de
constitucionalidade.
É
imprescindível a adequação das normas à Carta Magna sob pena de se assim não
for feito atingir mortalmente a segurança jurídica, tornando a Lei Maior inócua
e intermitente. Há duas formas de divisão do controle: preventivo e repressivo.
No controle preventivo antes da edição das normas elas são analisadas sob o
ponto de vista constitucional. No âmbito brasileiro, a prevenção é realizada
pelas Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado Federal.
Interessa ao presente estudo as formas de controle repressivo postas pela Carta
de 5 de outubro de 1988 a cargo do judiciário, quais sejam: controle difuso e
concentrado.
2.1
Controle Difuso
O
judicial review americano institui o controle por qualquer juízo ou
tribunal dos atos emanados do legislativo maculadores da Lei Maior. Assim,
logicamente, a palavra final sobre a constitucionalidade ou não de determinada
norma é da Suprema Corte, no entanto, não exclui a possibilidade da apreciação
pelas outras instâncias.
Os
opositores deste sistema alegam que a o mesmo formenta a isnegurança jurídica
pois diversos juizes prolatarão ao mais diversas sentenças em em análise de
idêntica norma. Nos EUA, a solução a este problema vem da Suprema Corte a qual
ao se pronunciar sobre a validade (constitucional) ou não de determina lei/
ato/dispositivo vincula os demais tribunais. Já o constitucionalismo pátrio
criou duas alternativas a vinculação dos demais juizes e/ou Tribunais quando da
decisão do STF e a Ação Declaratória de Constitucionalidade para ser
interpostas justamente nos casos de demonstráveis controvérsias nos julgados de
determinado diploma.
No
Brasil, o controle por via de exceção permite a qualquer juiz analisar no caso
concreto a adequação ou não da lei aos preceitos da Carta Política. Nesta
hipótese, ao judiciário caberá pronunciar-se no caso concreto, portanto, a
decisão valerá apenas para as partes não opondo qualquer efeito perante
terceiros, nem atingindo diretamente a lei contestada a qual continuará válida
e eficaz.
O
imperativo constitucional do art. 97 exige maioria absoluta dos membros de
qualquer Tribunal (inclusive do STF) para o julgamento in concreto da
constitucionalidade ou não de norma, sob pena de nulidade da decisão.
Entretanto, a Primeira Turma do Supremo já decidiu ser dispensável esta
exigência se existir pronunciamento anterior de inconstitucionalidade da norma
expedido pelo plenário da Corte Maior, ou haja pronunciamento anterior de
analise da mesma lei pelo plenário daquele Tribunal independente da posição
adotada.
Ressalte-se
ainda que se a norma for decretada inconstitucional quando da analise do caso
concreto (decisão em sede de Recurso Extraordinário) pelo Supremo Tribunal
Federal por maioria absoluta de seus membros, será facultado ao STF notificar o
Senado federal do decisum para a suspensão da execução da lei no todo ou
em parte caso assim entenda necessário.
Em
relação as partes o efeito da inconstitucionalidade declarada incidenter
tantum é ex tunc, invalidando todas os possíveis efeitos da lei
inconstitucional. No entanto, na hipótese do Senado editar resolução
suspendendo a execução da citada lei, esta suspensão terá efeitos erga omnes e
ex nunc.
2.2
Controle Concentrado
O
controle realizado por via de ação direta em face de lei ou ato normativo
federal, estadual ou distrital só pode ser realizado pelo Supremo Tribunal
Federal, como o objeto da ação é a analise da lei em tese os efeitos da decisão
operam erga omnes e ex tunc.
Este
método de verificação de adequação ou não da norma à Constituição baseia-se no
modelo defendido por Hans Kelsen e é adotado em vários paises da Europa (dentre
eles: Áustria, Itália e Espanha). Por ser mais agressivo, direto e enérgico é o
preferido de respeitados doutrinadores, segundo este sistema de verificação uma
Corte Constitucional (composta por membros do judiciário, ou do legislativo, ou
mesmo dotada de independência em relação aos três poderes(órgãos políticos))
teria competência para analisar abstratamente as normas postas em dúvida,
verificar seu conteúdo e/ou seu modo de formação sem precisar adentrar num caso
concreto, pois o mérito da ação seria justamente a verificação de
compatibilidade ou não do diploma à Lei Magna.
No
Brasil, a análise in abstrato é realizada por meio das ações direta de
constitucionalidade por ação ou omissão, bem como no caso de inação legislativa
pelo mandado de injunção.
O
Supremo Tribunal Federal quando do julgamento das ADIN’s desempenha função de
legislador-negativo com o intuito de expurgar a norma invalida do ordenamento.
O mérito da ação é a hipótese da norma em questão ser dissonante ou não com a
Carta Magna, não é analisada situação jurídica individual. Entretanto, por
respeito ao principio do contraditório faz-se necessário um defensor para a
pretensa lei ou ato inconstitucional: o advogado-geral da União o qual tem de
compulsoriamente proteger a norma, sendo-lhe defeso concordar com a
inconstitucionalidade da mesma.
A
legitimação ativa para a proposição de ADIN’s é dos órgãos/entidades elencados
no Art. 103 da CF, no entanto, já se pronunciou o Pretório Excelso no sentido
de que não basta o órgão estar legitimado constitucionalmente é preciso uma
relação entre a norma impugnada e as atividades do requerente para figurar no
pólo ativo. Imperioso salientar que por as ADIN"s do ponto de vista
material não se revestirem dos aspectos de uma ação propriamente dita não é
admitido o listiconsorcio, a assistência, nem a suspeição de Ministros.
Como
dito anteriormente o controle em abstrato tem caráter legislativo negativo, por
conseguinte revesti-se das mesmas características da lei: é geral, abstrato e
imperativo.
3 – O Poder Legislativo
O
legislativo possui duas funções típicas: a legiferante e a fiscalizadora, esta
segunda atividade é um clara manifestação do sistema de check and balances
pelo qual cabe a este poder a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial do executivo.
Interessa
ao presente estudo apenas o processo legislativo através do qual são elaboradas
as normas jurídicas.
"Como, num Estado
livre, todo homem que é considerado ter uma alma livre, deve ser governado por
si mesmo, era preciso que o povo em conjunto tivesse o poder legislativo. Mas, com
isso é impossível nos grandes Estados e é sujeito a muitos inconvenientes nos
pequenos, é preciso que o povo faça por seus representantes tudo aquilo que não
pode fazer por si." (FERREIRA FILHO: 1995: 45)
Este
pensamento embasou uma suposta supremacia do legislativo em relação aos outros
poderes – ainda hoje aceita na Inglaterra. A produção de normas pelo executivo
e o controle pelo judiciário ou por órgão políticos, dependendo do sistema
adotado, esmoreceu esta "superioridade".
A
lei deveria ser a mais firme expressão da vontade geral jamais o predomínio da
vontade de qualquer grupo em especial. O jogo político do cotidiano não produz
normas tão desprovidas de interesses particulares. São estes interesses
(particulares), aliados as mutações tecnológicas, econômicas, profissionais, a
necessária celeridade da resposta legislativa, dentre outros fatores que geram
a proliferação de normas dissonantes com a Carta Política.
A
lei é hoje onipresente. (FERREIRA FILHO, 1995: 12) O Estado necessita tanto
estender seus tentáculos sobre os particulares de modo tão rápido e eficaz (sob
pena de inação diante das problemática dos administrados) que tende a editar
"leis testes" para verificar sua aceitação, seus erros, sorvendo a
lição dos enganos cometidos e editando novas e novas normas para rermendar,
modificar e conserta os erros da edição original. O diluvio da atividade
legislativa tem os mais diversos efeitos paras os cidadãos e, em especial,
influi decisivamente nas atividades do Poder Judiciário que muitas vezes vê-se
"afogado" nas alegações de inconstitucionalidade das normas
proliferantes.
O
descumprimento às formalidades exigidas pela Carta Magna na criação das leis acarreta
em inconstitucionalidade do diploma mesmo que o conteúdo seja válido. Por outro
lado, o procedimento correto de nada adianta se a norma expedida tiver conteúdo
contrário aos preceitos da Lei Maior estará eivada do mesmo vicio.
A
formulação de leis foi durante muito tempo encarada com uma faculdade (um
privilegio) do legislativo, entretanto, a moderna doutrina discorda desta visão
para ela não se trata tão somente de um poder, e sim um dever. O Estado de
direito necessita das normas para manter a ordem e a democracia e reger as
relações indivíduo-Estado, indivíduo-indivíduo, portanto, o legislativo tem
obrigação de edita-las. Este posicionamento permeou a Constituinte tanto que a
atual Lei Básica Federal saiu do forno com instrumentos capazes de injetar
animo compulsório a inação legislativa (Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão e Mandado de Injunção), não obstante o tratamento dado
posteriormente pela jurisprudência aos citados institutos.
Como
corolário do devido processo legislativo está o principio da legalidade -
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei – o qual deve ser entendido como "ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de espécie normativa devidamente
elaborada de acordo com a regras do processo legislativo constitucional."
(MORAES: 2000: 556)
Desta
forma, a iniciativa tem de partir do ente/pessoa previsto na norma normarum,
bem como todo o procedimento para a feitura da espécie- em formação (quorum,
etapas...) deve obedecer na integra as disposições magnas sob pena de
inconstitucionalidade formal da norma. Já o conteúdo impróprio geraria
inconstitucionalidade material da lei.
A
lei é hoje onipresente. (FERREIRA FILHO, 1995: 12) O Estado necessita tanto
estender seus tentáculos sobre os particulares de modo tão rápido e eficaz (sob
pena de inação diante das problemática dos administrados) que tende a editar
"leis testes" para verificar sua aceitação, seus erros, sorvendo a
lição dos enganos cometidos e editando novas e novas normas para rermendar,
modificar e conserta os erros da edição original. O diluvio da atividade
legislativa tem os mais diversos efeitos paras os cidadãos e, em especial,
influi decisivamente nas atividades do Poder Judiciário que muitas vezes vê-se
"afogado" nas alegações de inconstitucionalidade das normas
proliferantes.
A
responsabilidade do Estado ao editar uma lei é imensa, pois a partir de sua
vigência a lei obrigará indiscriminadamente, repercutirá no âmbito econômico,
social e político, produzirá os mais variados efeitos. Ao impor ou vedar
determina conduta o legislativo atinge o Estado e os particulares sem
facultar-lhes objeção.
Por
isto, liderados pelos ensinamentos sempre atuais e pertinentes do insigne Rui
Barbosa (MOTA, 1999: 80) grandes doutrinadores defendem a tese de que o Estado
pode ser compelido a indenizar particular se o patrimônio deste foi atingido
por lei posteriormente considerada inconstitucional. A lei reconhecida pelo
controle in abstrato do STF em desconformidade com a Carta Magna é nula e nulos
são seus efeitos. Existem situações que mesmo nula a norma alguns efeitos não
poderão retroceder, se nesta hipótese o patrimônio do particular foi atingido
caberia ressarcimento pelo Estado. Destaca-se a opinião em contrário do mestre
Hely Lopes Meirelles (MEIRELLES, 1999: 586).
A
jurisprudência emanada do STF se manifestou em diversas oportunidades
concordantes com a responsabilidade estatal pela edição de normas
inconstitucionais:
"Um vez praticado pelo
poder público um ato prejudicial que se baseou em lei que não é lei, responde
ele por suas conseqüências." (RE 21504. Estado de Pernambuco – Pernambuco
Autoviária Ltda, x Prefeitura Municipal do Recife. Rel. Min. Cândido Mota
Filho. Aórdão de 15/05/57)
"A elaboração teórica
em torno da responsabilidade civil do Estado por atos inconstitucionais tem
reconhecido o direito de o indivíduo, prejudicado pela ação normativa danosa do
poder público, pleitear em processo próprio, a devida indenização patrimonial.
A orientação da doutrina,
desse modo, tem-se fixado, na análise desse particular aspecto do tema, no
sentido de proclamar a plena submissão do poder público ao dever jurídico de
reconstruir o patrimônio dos indivíduos cuja situação pessoal tenha sofrido
agravos motivados pelo desempenho inconstitucional da função de legislar."
(RE nº 153464. Takuro Ogawa x Banco do Brasil. Rel.: Min. Celso de Melo. Acórdão
de 02/09/00)
O
legislativo tem o poder-dever de editar normas e o fazê-lo bem feito sem
agressões a norma normarum do oposto poderá vir a ser responsabilizado
e, em conseqüência, compelido a ressarcir o particular atingido em seu patrimônio.
4. O atual posicionamento do STF
Ao
observar a atitude do Supremo Tribunal Federal quando suscitada sua posição em
relação a adequação ou não da norma expedida pelo legislativo à Carta Magna
pode-se inferir que o controle é muitas vezes cerceado pelo próprio STF sob a
alegação de estar ferindo a Separação das funções estatais.
Há
uma auto-restrição procedida pelo Supremo Tribunal Federal, não expressamente
colocada, mas evidente no temor que existe em algumas decisões de avançar no
mérito da decisão do legislador. O que se vê é um temor de que o Judiciário,
que não recebe a legitimação diretamente do voto popular, usurpe legitimidade
do Legislativo.
Improcede
o argumento de que haveria a tal usurpação da legitimidade, uma vez que a não
submissão dos órgãos do Judiciário ao teste do voto não reduz a sua posição
dentro do sistema, tendo ele recebido na fonte que é a Constituição uma
legitimidade que lhe permite controlar os atos dos outros poderes, dando
efetividade às normas consagradas na Lei Maior.
A
Corte Constitucional brasileira não cita expressamente na maioria dos julgados
a Separação dos Poderes como propulsora de seus entendimentos, a menção
verbalizada é rara. Entretanto, uma análise um pouco mais acurada demonstra o
receio deste Poder em interferir no mérito das produções legiferantes. Seja por
não se achar apto a legislar positivamente(RE-119266 / RS) . Seja por
considerar que as análises da constitucionalidade das Emendas à Lei Maior
promulgada se restringem ao estrito cumprimento ou não do Art. 60 da CF (ADINs
nºS 829-3/DF, 9397/DF e 1730-10) sem a possibilidade de adentrar no mérito do
legislador se este houver ferido princípios ou regras fundamentais não expostas
nos quatros incisos do § 4º. Seja ainda por considerar imprescindível a
generalidade do ato para o controle abstrato, motivo pelo qual ficam excluídas
completamente deste gênero de verificação as leis que veiculem atos de efeitos
concretos (ADIN nº 1716/DF).
O
Pretório Excelso está em perfeita consonância com os modernos preceitos de
hermenêutica constitucional quando adota uma interpretação de determinada norma
conforme os preceitos constitucionais e com isso a mantém no ordenamento. Os
conceitos de hermenêutica constitucional admitem que uma mesma normas pode ser
interpretada das mais diversas formas, porém se uma dessas formas conseguir
enquadra-la dentro dos ditames da Lei Magna esta interpretação deve ser a
adotada, pois, assim, não será necessário arcar com todos os "traumas"
e inconvenientes da retirada de um diploma legal do ordenamento apenas será
preciso direcioná-lo de acordo com a Carta Política.
Este
método interpretativo parte da presunção que toda lei é constitucional, em
conseqüência, pairando dúvidas ela deverá ser analisada conforme o Diploma
Maior, no entanto, a interpretação não pode tornar-se tão abrangente que se
distancie diametralmente da intenção do legislador, se assim o fizer o
judiciário não estará delimintando a normas as princípios da CF e sim criando
uma nova lei.
O
Supremo Tribunal Federal, portanto, atua legitimamente ao empreender esforços
para manter as leis vigentes eficazes dentro da esfera jurídica, entretanto, ao
simplesmente ignorar o abuso do legislador como se não tivesse pulso para tomar
os arreios da defesa da Carta Magna comete a maior das inconstitucionalidades,
por permitir que a "superioridade constitucional se transforme em
preceito moralmente platônico e a Constituição em simples programa político,
moralmente obrigatório, um repositório de bons conselhos, para uso esporádico
ou intermitente do legislador, que lhe pode vibrar, impunemente, golpes que a
retalham e desfiguram." (HORTA, 1999: 130).
Para
demonstrar que a consciência da importância da salvaguarda da Constituição não
está tão longe do centro gravitacional do STF citamos excerto de um voto
condutor da lavra do Eminente Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal
Federal, que, ao analisar a possibilidade de controle jurisdicional de atos de
Comissões Parlamentares de Inquérito, demonstra a legitimidade a atuação do
Poder Judiciário, especialmente diante da tarefa constitucional que lhe foi
atribuída:
..."A essência do
postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de
conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o
princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais
adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela
Constituição. Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não
pode constituir e nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de
comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder
Público ou de qualquer instituição estatal.
O Poder Judiciário, quando
intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a
integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente
legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.
O regular exercício da
função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à
Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.
Desse modo, não se revela
lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais
incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de
controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na
esfera de outro Poder da República.
O CONTROLE DO PODER
CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME
DEMOCRÁTICO.
O sistema constitucional
brasileiro, ao consagrar o princípio da limitação de poderes, teve por objetivo
instituir modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de
poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano político-jurídico,
a possibilidade de dominação institucional de qualquer dos Poderes da República
sobre os demais órgãos da soberania nacional.
Com
a finalidade de obstar que o exercício abusivo das prerrogativas estatais possa
conduzir a práticas que transgridam o regime das liberdades públicas e que
sufoquem, pela opressão do poder, os direitos e garantias individuais,
atribuiu-se, ao Poder Judiciário, a função eminente de controlar os excessos
cometidos por qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados
por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de poder ou em
desvios inconstitucionais, no desempenho de sua competência
investigatória..." Mandado de Segurança MS-23452/RJ Relator Ministro Celso
de Mello
O
estado democrático de direito, as liberdades individuais e todos os esforços do
poder constituinte originário estão muitas vezes nas mãos do judiciário, ele
tem o direito, o dever, o poder de zelar pela Lei Magna, ao fazê-lo mantém
firme o pêndulo da separação dos poderes, ao omitir-se solta o pêndulo ao sabor
dos interesses políticos ocasionais.
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Acadêmica de Direito da Universidade
Católica de Pernambuco.
Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2378
>. Acesso em: 01/11/06.